Transcrição - Mamilos 99: Beba com moderação e poste com consciência • B9
Mamilos (Transcrição)

Transcrição - Mamilos 99: Beba com moderação e poste com consciência

Capa - Transcrição - Mamilos 99: Beba com moderação e poste com consciência

Jornalismo de peito aberto

Esse programa foi transcrito pela Mamilândia, grupo de transcrição do Mamilos

Transcrição Programa 99
Este programa foi transcrito por: Carla Rossi de Vargas, Alan Bastos, Jaqueline Felix, Marcio Vasques, Camila Guimarães, Beatriz e Bruna Azevedo Defert. Revisado por: Carla Rossi de Vargas.

Início da transcrição:

(Bloco 1) 0’ – 10’59”

[Vinheta de abertura]

Este podcast é apresentado por B9.com.br

[Sobe trilha]

[Desce trilha]

Cris: Mamileiros e mamiletes, olhem a gente aqui, mais uma semana pré-carnaval, preparando um conteúdo maravilhoso para vocês, porque nós somos as foliãs Cris Bartis e…

Ju: Ju Wallauer!

Cris: E vamos que tem conversa muito interessante na mesa essa semana!

Ju: E o Beijo?

Cris: Beijo Para Tóquio, Japão.

Ju: Leiria, em Portugal.

Cris: Alabama, nos Estados Unidos.

Ju: Rio Branco, no Acre.

Cris: Santa Maria, no Rio Grande do Sul.

Ju: Fala com a gente, mas fala muito mesmo: tem canal no Facebook, no Twitter, na página do B9, ou manda e-mail: [email protected].

Cris: Além disso, tem a nossa equipe cheirosa, que faz esse Mamilos acontecer toda semana. Edição: Caio Corraini; redes sociais: Luanda Gurgel, Guilherme Yano e a Luiza, que veio nos visitar em pessoa essa semana!

Ju: E que tá fazendo um presente maravilhoso pra vocês!

Cris: Tem ainda o apoio à pauta da Jaqueline Costa e grande elenco e
a transcrição dos programas com a Lu Machado e a cheirosa Mamilândia.

Ju: Como eu amo! Essa Mamilândia é sensacional!

Cris: Se você ama também este programa, pode colaborar com ele no Patreon: patreon.com/mamilos.

[Sobe trilha]

[Desce trilha]

Ju: E no Fala Que Eu Discuto, o Orlando Lustosa mandou o seguinte e-mail:
“Oi, meninas! Obrigado pelo último programa sobre Economia 2017 e Censura (#98).
Gostaria de desenvolver alguns comentários a respeito de crises econômicas:
Todos os países, sem exceção, passam por crises econômicas recorrentes. O que torna especialmente dificultoso o enfrentamento de crises para países como o Brasil (em desenvolvimento) é a frequência em que essas crises ocorrem e a inerente profundidade de agravamento destas. Esse fenômeno ocorre, em partes, pelo volume de investimentos estrangeiros no país, o que torna qualquer desestabilização política uma razão para desacreditar nossa economia para os investidores.
Os EUA enfrentam ciclos de crescimento e retração que têm grande amplitude, a cada 20 anos. O Brasil, em contrapartida, tem frenagens significativas a cada 5 anos, intercalando com 5 anos de crescimento. Esse tipo de oscilação é chamada de “Economia Vôo de Galinha”, por sua característica de subidas e descidas rápidas. O problema dos ciclos curtos é que a frequência alta de quedas obriga as empresas a constantemente destruir valor ao aumentar ou reduzir sua estrutura para atender a uma demanda intermitente. Isso prejudica a produtividade global, e portanto, a competitividade de nossos produtos e serviços.
Sobrepujar finalmente o “Vôo de Galinha” é o grande desafio do Brasil do século XXI – e o caminho para isso é, através da educação, aumentar a produtividade de nossa população economicamente ativa, com trabalhadores melhores qualificados. Educação acessível e de qualidade também trará ferramentas para que o cidadão consiga ter uma melhor relação com suas economias. Um país próspero é um país em que os seus cidadãos valorizam os seus recursos e sabem cuidar de suas economias nos tempos bons e nos tempos ruins.
Por fim, revelo que sou um ouvinte consistente do Mamilos e devo a vocês muitos momentos de emoção e aprendizado.”

Cris: Ele assina com “Um respeitoso abraço do amigo Orlando Lustosa.” Eu achei fofo demais da conta isso! E também o e-mail muito fofo da Najla: “Antes de tudo, hoje é sexta à noite e talvez eu tivesse que estar num happy hour, mas estou aqui. Por quê? Porque vocês mudaram minha vida. Escuto o podcast há mais de 1 ano, nesses 25 anos anteriores à descoberta de vocês, simplesmente não achava ninguém que me entendesse. Me sentia um ET e agora sinto que meu planeta é um mamilo gigante.”

Ju: É isso, gente, bem-vindos ao planeta Mamilos.

[Sobe trilha]

[Desce trilha]

Cris: Vamos então ao Trending Topics número 1: Ju, quem tá aqui?

Ju: Quem é nossa convidada hoje?! A maravilhosa, a diva incrível, responsável por um dos programas mais ouvidos do Mamilos – polêmico, envolvendo sexo, libertinagem, sacanagem, 50 tons de cinza! [risos] – A diva da internet, a dona, a preceptora…

Cris: [rindo] Ela tá empolgada hoje! Chega!

Ju: A super consultora-mor…

Bia Granja: Consultora, O&P…

Ju: Consultora, O&P: Bia Granja!

Bia Granja: Oláááá, todos os amiguinhos que estão nos ouvindo aí, amiguinhas também… não, Ju, exagerou, tô até sem graça, não sei nem o que dizer, apenas que, né…

Ju: Imagina, você chegou na internet quando isso aqui era mato! Internet moleque, internet de raiz, várzea! [Risos]

Bia Granja: Os convidados hoje estão bem old school, né?

[Risos]

Ju: Só o pessoal tradiça, o pessoal da base.

Cris: Trouxemos aqui a dona da internet pra conversar um tema muito importante, muito especial e que foi muito polêmico essa semana: a credibilidade do conteúdo digital. Então qual foi o fato? Um vídeo do canal “Você Sabia” no YouTube que explica tudo o que você precisa saber sobre o Ensino Médio, já tem quase dois milhões de visualizações. Com opiniões como: “Se tivesse que fazer o Ensino Médio e soubesse dessa mudança, eu ficaria muito feliz” ou ainda: “Você aí que quer trabalhar com História, não vai ficar perdendo tempo com célula”, o vídeo é recheado de conclusões positivas sobre a reforma do Ensino Médio. Não demorou pra que viesse à tona que esse e outros cinco canais receberam o montante de R$ 295.000 do Ministério da Educação pra produzir o conteúdo. O Governo gasta com publicidade desde sempre; influenciadores digitais são uma realidade mais que presente em estratégias de mídia e a agência contratada foi corretamente licitada; a polêmica gira em torno da transparência no tratamento do assunto. Muitas pessoas não se deram conta que era um editorial – ou conteúdo pago. Na sequência, os donos do canal se pronunciaram afirmando que avisaram o público que se tratava de uma propaganda com a hashtag “#publi”. Em alguns, a hashtag era “#ad”, A-D. No meio da descrição do vídeo estavam essas hashtags, além de um pequeno aviso do YouTube que aparece nos primeiros segundos, com a frase: “contém propaganda paga.” Isso faz com que esses anúncios estejam dentro da norma do CONAR, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária. Por outro lado, a ausência de clareza nos vídeos vai além das diretrizes da publicidade, violando o Código de Defesa do Consumidor, onde tem em seu artigo 36 apontado que não importa em qual veículo, a publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor fácil e imediatamente identifique como tal. Fica a pergunta, você aí que tá nos ouvindo, saberia identificar esse conteúdo como patrocinado? Ele teria a mesma relevância pra você se você soubesse que ele foi pago? A conversa ainda vai mais longe e esbarra na segurança de informação e até nas notícias fakes. Só porque transitamos bem no mundo digital, significa que sabemos realmente usá-lo?

Ju: Vamos começar, Bia, falando primeiro sobre qual é o impacto que uma discussão como essa, que uma polêmica como essa causa num mercado que ainda tá tentando comprovar que é sério e que pode atrair investidores, ou seja: que as marcas podem investir neles, porque são profissionais e não moleques em casa.

Bia Granja: O primeiro impacto é muito negativo, porque ele só corrobora a visão do mercado, de que isso é molecagem, né. Que os caras tão de cueca em casa gravando vídeos, gravando podcasts como esse; ou blogando e é tudo um bando de mané. Isso é ruim, mas por outro lado é uma oportunidade incrível de discutir esse mercado, de pedir por práticas mais estruturadas, mais profissionais e que visem não só a exploração desse mercado; e é como a gente tem encarado, principalmente lá no YouPix, que é a plataforma que há onze anos vem olhando pra esse universo e acreditando que isso é revolucionário, e de fato é mesmo. Então eu acho que a resposta simples é que é bom e é ruim, né.

Ju: É uma coisa ruim, que pode ser usada prum crescimento. Pode ser uma dor de crescimento, vai.

Bia Granja: É, eu até escrevi um texto no YouPix no começo do ano sobre isso, que é a dor do crescimento de um mercado que ainda tá em formação, a gente não tem todos os processos, todas as dinâmicas, todas as regulamentações. Quer dizer, a gente já é regido por algumas regulamentações, que já existiam antes do advento da internet, como essa do Código de Defesa do Consumidor, as próprias coisas do CONAR, mas… pega um moleque, cara, que cresceu digital, nativo digital e “cara! Tem um monte de youtuber bacana que eu sigo, que eu gosto, eu também quero me expressar, também quero falar as coisas que eu penso.” Ele começa, né…

Ju: Sem preparo nenhum…

Bia Granja: Ele não tem preparo, porque ele começa…

Ju: [interrompe] não tem um treinamento formal, que vai problematizar esse tipo de coisa, né?

Bia Granja: Eu acho que é isso, mas não é exatamente isso. Eu acho que eles são startupeiros, assim, que começam pelo produto, que é: começar a fazer a porcaria do conteúdo deles. Eles não têm essa visão, cara, e sinceramente, eu produzo conteúdo na internet há algumas décadas – mais de uma década, não algumas, porque a internet não tem tantas décadas assim – e a minha compreensão sobre todos esses fatores, sobre todos esses elementos ainda tá em formação, tá? Então eu acho que a gente tem que ter um pouco de calma também quando a gente pega um guri de quinze anos e exige que ele seja o “fucking Organizações Globo”, com todas as policies, guidelines e noções, etc. Ele não tem.

Ju: Então, mas isso que eu ia falar: quando a gente começou a discutir sobre essa questão, eu tava comentando com a Cris, que assim, o que eu vejo é: a gente tinha uma ilusão, que é: a gente saiu de um modelo de grande mídia – mídia tradicional – onde você era manipulado o tempo inteiro pelo interesse dos donos do jornal e foi pra, teoricamente, um outro tipo de mídia, que é mais próximo, mais gente como a gente, eu tô… não numa relação tão vertical, mas numa relação mais horizontal, e por isso, nesse cara eu confio. Porque esse cara é um cara como eu. E aí eu acho assim, me espantou todo o bafafá em torno desse caso, porque a gente já teve vários casos; você, que trabalhou no YouPix, tá acompanhando isso. Que assim, a gente já teve o caso das blogueiras de moda, a gente já teve o caso dos blogueiros na época da última eleição, que era assim: “Ah, não, esse site coloca a opinião dele, então por isso que é melhor que ler a Folha [de São Paulo], porque esse cara escreve porque ele gosta.” Aí depois cê sabia que ele tinha sido pago pela campanha. Enfim. Essa discussão, esse desencanto com a nova mídia, de saber que a nova mídia não só também pode ser cooptada, como, justamente pelo que você tava explicando, ela tem menos estrutura, menos checkpoints para evitar que coisas desse tipo aconteçam. Então, por exemplo, uma Folha de São Paulo, ela tem um manual, que nem você falou, um manual de redação, tem todo um estudo de jornalismo que, bom, a gente já tem uma prática de…

Bia Granja: [Interrompe] Que bom, né, vírgula. Ponto, talvez. “Que bom” ponto.

(Bloco 2) 11’ – 20’59”

Ju: Então a gente já tem o jornalismo de X anos no mundo inteiro, as práticas foram se depurando e a gente sabe que “Ah, a gente aprendeu isso, a gente aprendeu aquilo…”, então vem de uma escola que aprendeu um monte de coisas. No Mamilos a gente cansa de criticar a mídia do jeito que ela é feita, o jornalismo do jeito que ele é feito, mas existe uma escola e de repente, exatamente na internet, isso não está estabelecido. A gente pode estabelecer a partir de agora e acho que é isso que a Cris colocou bastante na pauta, assim.

Bia Granja: Eu acho que a grande diferença entre a mídia golpista, seja lá como a gente queira chamar, mídia enviesada, que sempre atuou de acordo com o olhar dos donos, né, ela não oferecia muita opção para a gente. Quer dizer, na minha época de guria, nos anos oitenta, eu tinha lá seis canais, sei lá, era Cultura, SBT, Globo, Record, Manchete e Band. Alguém contou? Eu sou de humanas, eu não contei quanto deu…

Cris: [interrompe] Tudo bem, tinha Manchete! Vamos pular para o próximo que entrega muito a idade.

Bia Granja: O que eu quero dizer é: as visões de mundo que a gente tinha acesso eram muito limitadas, dava para contar nos dedos da mão, tipo, as emissoras de TV (com foco maior em a gente sabe quem), Folha, Estadão, talvez a família RBS lá no sul que também é Globo, então tem um alinhamento… Quer dizer, as nossas opções de visões de mundo davam para contar nos dedos. Hoje em dia isso é muito diferente. Então, sim, a construção do conteúdo que esses caras fazem passa por uma coisa muito autoral, muito na primeira pessoa, é muito personificada na pessoa deles e por isso eles criam essa relação íntima com a sua audiência – porque é gente como a gente – mas fato é que existem MILHARES de visões de mundo possíveis, entendeu? A gente está falando de um canal entre vários. Tem mais de 250 canais no Brasil que tem mais de 2 milhões de inscritos, quer dizer, não são audiências pequenas, né? Então a gente tem que lembrar disso um pouco também de falar “Puta, agora fudeu! Nada disso daí é real”, não sei o que, porque enquanto tem um canal ou uns canais que estão lá dentro de uma agência topando fazer esse tipo de coisa tem uma infinidade de canais que não estão fazendo isso e de blogs, de podcasts, que não têm uma opinião enviesada, uma opinião que se define a partir de um critério econômico.

Cris: Eu acho que tem duas coisas bem distintas. Algumas pessoas, eu cheguei a ler, revoltadas falando assim “Ah! Mas se o programa do ensino médio fosse bom não precisava pagar publicidade para fazer”. Gente, não é assim que funciona…

Bia Granja: [interrompe] Não é essa a lógica…

Cris: Todo mundo hoje quer ampliar a percepção que tem do produto [Bia Granja: Claro.] O produto do MEC é esse agora e eles queriam que as pessoas soubessem. Mas… esse é um ponto, não tem nada de errado em fazer publicidade. Mesmo quando o produto é bom ou ruim teoricamente todo mundo tem a chance de propagar esse produto.

Ju: Mas tem jeitos de fazer, né.

Bia Granja: Mas tem uma coisa que é você ser pago para falar outra é você ser pago para falar bem.

Ju: [interrompe] Exatamente, isso que eu queria falar.

Bia Granja: Isso não tava implícito, isso não foi… o contrato não era esse. E aí se um moleque de dezoito anos não tem uma visão plena, profunda sobre a reforma no Ensino Médio, tipo, na real, ele está dando a opinião dele.

Cris: Não é só isso, gente. É um moleque de dezessete e outro de dezoito anos ganhando 65 mil reais.

Bia Granja: [interrompe] Qual o problema, Cris? É o trabalho deles, velho…

Cris: O que eu estou querendo te dizer é justamente o contrário disso. O que me incomoda não são os moleques receberem…

Bia Granja: [interrompe] É eu não receber, eu que não estou lá!
[Risos]

Cris: Exatamente! O que eu estou te falando é isso. Quando alguém chega com uma proposta dessa para você e você ainda não está preparado… Eu acho que tem muito também de quem chega lá e faz essa proposta, como faz essa proposta, como estrutura essa proposta e leva para essas pessoas, porque, poxa, você está negociando com uns moleques muito iniciantes…

Bia Granja: [interrompe] E porque esses moleques tem uma representação, né? O MEC não chegou, não colou neles “Ou, ‘fi’, vamos fazer um vídeo aí”! Quer dizer, foi um…

Ju: [interrompe] Tem uma agência que sabe o que está fazendo. O moleque até pode não saber, né?

Bia Granja: [interrompe] Exatamente. Foi um pacote de dinheiro que foi colocado dentro de uma agência que tem alguns influenciadores importantes e espalhou por ali, não foi só os guris do “Você Sabia?” que fizeram a propaganda dentro dessa agência.

Cris: [interrompe] Sim, foram cinco canais diferentes.

Bia Granja: Da mesma agência! Entendeu? Então assim, e o que a gente questionou no YouPix é que todas as pontas têm que se estruturar. O cara da agência quando ele vê: “Ah, nossa, vou ganhar 270 mil reais para fazer, 260 mil reais para fazer, não sei quanto é, ele vê faturamento, show. Ele não foi lá e discutiu com os meninos…

Cris: [interrompe] Esse cara é o empresário, entendeu? Eu esperava teoricamente que ele pudesse amparar melhor esses canais porque esses canais são jovens, esses meninos todos que fizeram são jovens e eles acreditaram e seguiram a agência que eles contrataram para orientá-los. Um moleque de dezoito anos, 65 mil reais pra ele, vai falar “Da hora!”. [Bia Granja: Da hora!]. Eu falaria inclusive, tá, se alguém quiser me dar 65 mil reais.

Bia Granja: Precisa nem ter dezoito anos, eu tenho quase quarenta e estou aceitando. [risos]

Cris: Então o que eu quero dizer é que assim [Bia Granja: É complicado.] quando você fala de todas as pontas, é sobre isso que eu estou falando. Os caras estão fazendo o trabalho deles. Eles têm audiência, eles devem… Eles têm constância porque é isso que faz com que eles tenham tanta audiência então você chegar pra gente tão jovem e não orientá-los corretamente, eu acho realmente péssimo pro mercado.

Ju: E também é péssimo, continuando o que a Bia falou de que todas as pontas tem que saber como jogar esse jogo, assim, também o cliente, né? [Bia Granja: Sim.] Também o cliente, por exemplo, já chegou cliente querendo fazer coisa aqui de produto: “Ah, quero anunciar no Mamilos”, que é “seja mulher de verdade”, “seja mulher sem mimimi”, “seja mulher…” Tipo, ow! A gente trabalha com isso, então a gente sabe que a gente não pode fazer isso. A gente sabe que isso não tem nada a ver com a gente, isso não tem nada a ver com a nossa audiência e tal; mas, por outro lado, quem chegou aqui e que conseguiu anunciar aqui, por exemplo: “olha, a gente quer muito levantar uma discussão sobre acessibilidade. Quem faz o conteúdo é vocês. Nosso interesse é falar de acessibilidade. Tá, “eu fiz um produto para acessibilidade, eu quero um insert comercial dentro… Façam um programa sobre acessibilidade, eu quero um insert”. Aí, entenda, não é só a agência, o próprio cliente sabe o que ele quer para ele não destruir valor quando ele põe a mão naquele conteúdo [Bia Granja: Sim.] Então ele sabe que se ele colocar a mão pesada dele e quiser fazer a nossa pauta… Ele não faz nossa pauta, quem tem audiência somos nós…

Bia Granja: [interrompe] Claro. Vocês sabem como se conectar com o público de vocês.

Ju: A gente faz a pauta… É, então… isso é do cliente, isso é da agência e também é… assim, esses caras pagaram pela polêmica. Os meninos, eles podem ser meninos mas acontece… Eles rasgaram uma coisa que é difícil, que é credibilidade. Então assim, a partir do primeiro momento em que você criou esse véu de você e o seu público, que é o que você falou: “Ah, ele não tem barreira nenhuma.” A partir do momento que seu público sabe que ele acreditou em você e isso era pago, cê criou a primeira barreira.

Bia Granja: Mas calma, eu acho que essa lógica não é assim. Que que cê tá falando é assim: “ele acreditou em você e era pago.” Eu não acho que existem… De novo, vou voltar para o negócio: O MEC pagou influenciadores, creators, como eu gosto de falar, para falar sobre a reforma do Ensino Médio. Como eles falaram bem, logo o MEC pagou eles para falar bem. Tem uma lógica aí? Tem. Isso está correto? Não necessariamente. [Ju: Sim.] Então eu acho que essas duas coisas são diferentes. O fato da Folha ter falado que o MEC contratou eles para falar bem não quer dizer que foi isso que aconteceu…

Cris: Outros canais que negaram já disseram que foi sim, que para aceitar tinha que falar bem.

Bia Granja: Não podia falar mal, tinha que informar. Mas existem muitas maneiras de informar, tipo uma matéria jornalística isenta, teoricamente, como ela deveria ser feita é: sem análise, sem julgamento se é bom ou ruim, tinha que ouvir partes etc, etc. [Ju: Exato.] Então assim, também não dá pra falar “tinha que falar bem”. Esse “falar bem”, ele é complicado. Pensando que, então, voltando, que esses creators não são veículos, eles não estão operando de acordo com uma visão, um viés que é a opinião deles e que, inclusive, essa opinião pode mudar porque eles são seres humanos e ser humano erra e ele pode falar uma coisa e depois mudar de ideia, quando ele vê que aquilo não era bem aquilo, eu não acho que se quebra tanto essa… porque é uma opinião dele. Eu acho muito difícil, por tudo que eu sei de bastidores etc etc, porque eu estou muito envolvida com isso, que o MEC tenha colocado no contrato “cara, tinha que falar bem”. Tipo, não vai detonar, a gente está te contratando, contratando seu canal, seu veículo para falar disso. A gente quer expor aqui…

Ju: [interrompe] Quer gerar awareness

Bia Granja: Exato. Eu acho que…

Ju: [interrompe] Quer que as pessoas entendam que que é, por que… [Bia Granja: Exato.] De certa maneira quem fez tem o seu lado, que é assim: “pô, se eu fiz é porque eu acredito” então eu quero que você mostre porque que eu acredito.

Bia Granja: Porque algumas das pessoas também dessa agência não toparam fazer porque não necessariamente concordavam com isso tudo, não “ter que falar bem”, mas com a reforma. “Olha, prefiro não me…”

Cris: [interrompe] Você não vai concordar pra receber uma grana para falar mal. Eu acho que a partir do momento em que você aceita a grana é porque você já vai falar bem mesmo.

Bia Granja: Exato e foi o que eles fizeram de fato. Então por isso que eu falo: “ai, pagou e comprou opinião e aí se quebrou tudo”. Tipo, não. Não sei se é exatamente tão simples assim, entendeu? Eu acho que não é.

Cris: Eu queria você falasse, justamente entrando nessa seara, por que é que a relação com os produtores de conteúdo digital parece tão diferente, a relação que o público tem com esses produtores. E a gente pode falar um pouquinho também; por que é que é tão diferente essa relação que tem com outras pessoas conhecidas, com os atores, com os cantores…

Bia Granja: Porque não é Top-Down. Porque os cantores e as Xuxas e etc não foram impostos para eles com muita frequência dentro de uma caixa, que só existia aquela caixa, a gente só tinha acesso àquilo como fonte de entretenimento, como fonte de conhecimento, como fonte de opinião, de informação, de tudo, né. Então assim, é aquela coisa… Meu, só tinha a Xuxa. Só tinha… Só tem a Anitta, só tem a “Veveta”, né, a Ivete Sangalo. Tipo, essa é a construção. É um negócio muito midiático, muito broadcast enquanto que na internet o cara ouve o podcast que ele quer, vê o canal que ele quer… Pra você conquistar esse cara, de fato, você tem que criar uma relação, uma conexão, porque é uma relação simbiótica. A gente se conecta com a pessoa porque ela é muito parecida com a gente, então às vezes, tipo, curtir a pessoa é a mesma coisa que se curtir porque ela te representa tanto, a relação de identidade é tão pesada que meio que vocês são a mesma pessoa, sabe? É aí que a coisa fica histérica, muitas vezes.

(Bloco 3) 21’ – 30’59”

Cris: [interrompe] A gente recebe esse carinho todo dia, que é essa proximidade extrema. As pessoas escrevem pra gente em e-mails contando sobre a vida dela e não tem nada a ver com o tema que a gente falou, é uma outra coisa que ela quer contar [Bia Granja: cês são amigos, né?] e a gente é amiga, as pessoas têm consideração e quando encontra pessoalmente quer tirar foto… e a gente fica muito, tipo, “como assim tirar uma foto?”, sabe?

Ju: Uma coisa que eu explico, assim, tento explicar um pouco na agência, e que ainda é novo até pra gente que trabalha com comunicação, é a diferença de fama/ reconhecimento/ awareness e engajamento [Bia Granja: ah, sim!]. Então, por exemplo, qualquer pessoa que fez qualquer papel numa novela qualquer da Globo, ela é reconhecida na rua [Bia Granja: sim, claro!], então, passou na rua, todo mundo conhece, mas, que poder que ela tem de influenciar o seu comportamento? Zero. Nenhum. “Ah, conheço aquela”. “Do que? Da onde?” “Ah, não sei, mas conhece, ela é daquilo e tal”. Agora, a maior parte desses influenciadores digitais, ele tem um nicho muito pequeno [Bia Granja: específico], então ele continua indo no supermercado e nada acontece com ele, as pessoas não reconhecem ele na rua e tá tudo certo.

Bia Granja: Mas se ele resolver marcar um meet and greet, vai gente.

Ju: Isso! Exato! Essa menina não tem capacidade, essa menina que fez qualquer papel secundário numa novela, não tem capacidade de encher um lugar. Agora, esse menino, que vai na padaria e ninguém reconhece, ele enche um lugar. O que ele fala muda o ponteiro das coisas…

Bia Granja: [interrompe] Tem, muda. Tem uma coisa que você falou “conhecido x reconhecido”, né? Eu acho que tem uma distinção giga entre as duas coisas. Mas antes disso [risos], só pra fechar o outro, o negócio que eu ia falar, no caso do creator, do influenciador, tipo, a sua audiência é você. No caso da Xuxa, da Anitta, sei lá o quê, a audiência, tipo, quer ser como eles, mas tá muito longe, entendeu? [Ju: é aspiracional, é outra coisa] Então, só pra fechar um pouco.

Cris: Tem uma identificação muito forte…

Bia Granja: Essa relação identitária é muito importante aqui no que a gente tá falando, porque ela se constrói assim horizontalmente, não é top-down, por isso que ela é tão poderosa, né? E aí a outra questão, que eu gosto muito de frisar assim, sempre que eu tô falando sobre esse universo, que tem uma, uma grande diferença entre você ser conhecido e você ser reconhecido, né? Porque reconhecido é do ato de você conhecer de novo, e de novo, de novo, de novo, de novo, de novo, de novo, de novo, de novo e aí, cê pega uns caras desses da novela, por exemplo, pode até ser qualquer papel… Quando eles não tão no ar, o poder de influência deles cai absurdamente, porque eles só são conhecidos, eles não têm essa relação de reconhecimento, de “esse cara é fooooda, eu acompanho ele, eu tô diariamente em contato com… sabe, com o que ele faz, com o que ele produz” é muito diferente e é muito importante, eu acho que tem muito blogueiro que ficou muito conhecido, mas porque ele foi constantemente reconhecido e por cada vez mais pessoas, né? Tipo a Kéfera, 13 milhões, o Whindersson… Quer dizer, as duas coisas podem andar juntas também. O engajamento do Whindersson, que é o maior canal hoje do Youtube, eu sei que ele é acima da média de muitos canais grandes e pequenos. Quer dizer, ele é um canal grande com muito engajamento.

Cris: Já tem até um nome científico pra isso, que é relacionamento parassocial.

Bia Granja: Parassocial.

Cris: Parassocial. Que descreve relações unilaterais, em que uma parte sabe muito sobre a outra, mas a outra parte não sabe sobre. Gente, isso é, acontece todo dia, assim, no Mamilos, das pessoas mandarem e-mail e falar “manda um beijo pro Merigo”, “manda um beijo pro Agê”, as pessoas conhecem a nossa família, é, fala assim “ah, eu li o livro que você leu”, “eu assisti o filme que você viu”, você faz um comentário que não tem nada a ver, que tá lá no seu outro perfil no Twitter falando ‘Alabama Shakes é legal pra caramba’, aí todo mundo “pô, é mesmo!”. Então, tem um monte de gente ali querendo trocar referências com você e tem uma troca, por mais unilateral que pareça, a gente também recebe muita coisa das pessoas, muita dica, muita informação, muito carinho, então é uma relação muito próxima e, talvez por isso, tanto zelo com a credibilidade, tanto zelo com organizar bem o material para que as pessoas possam curtir isso e confiar nisso e não quebrar esse, esse senso de pertencimento [Bia Granja: sim, claro.], essa proximidade. Quando a gente vem e fala, como um todo, de conteúdo na internet, não tem como não ultrapassar só os youtubers, os podcasters, os blogs e chegar também nas notícias. Então, pra além dos produtores de conteúdo, sobre a capacidade que o jovem tem de processar informações encontradas na internet, eu fiquei muito impressionada com a pesquisa recente de Stanford e eu vou falar só um pouquinho aqui rápido sobre como que ela foi feita. É, um teste foi realizado com 7.804 estudantes de instituições de ensino fundamental, médio e faculdade, ao longo de 18 meses em 12 estados americanos. A conclusão pros pesquisadores é que é lamentável a capacidade que os jovens têm de processar informações encontradas nas redes sociais. A maioria obteve sucesso em diferenciar as chamadas ‘notícias de anúncios tradicionais’, porém, 80% foram incapazes de apontar a diferença nas chamadas ‘conteúdos patrocinados’. Mesmo quando tava ali explicado que a matéria tinha sido comprada por anunciantes, eles não reconheciam aquilo como conteúdo patrocinado. E aí os pesquisadores ficaram frustrados porque eles acreditavam que, pelo menos na parte dos universitários, eles fossem olhar, pelo menos, a URL, a fonte da matéria, quem tinha escrito a matéria, se os profissionais citados na matéria como consultores tinham… existem, eram pessoas reais… mas não, mesmo com fontes vagas, mas afirmações categóricas, 40% dos pesquisados entenderam essas notícias como legítimas. Então, a gente vai prum número muito maior, quando a gente vai pra além de youtubers. Então, quer dizer, os caras colocaram ‘publi’ mas, mesmo assim, as pessoas não reconheceram. Mas então, o que que a gente tem que fazer pra elas reconhecerem? Então, quando a gente vem pro Brasil, a ONG Ação-Educativa fez uma pesquisa mostrando que apenas 8% dos brasileiros entre idade de 15 anos e 64 são capazes de se expressar por textos, de opinar sobre argumentos e de interpretar tabelas e gráficos, ou seje, ganha outra dimensão o problema, certo? [Bia Granja: sim!]. Ele ganha outra dimensão porque, na verdade, não é só eu reconhecer ou não um conteúdo como verdadeiro, eu acho que até tem uma pergunta anterior que é: eu me importo se ele é verdadeiro ou não?

Bia Granja: Não, a gente tá no 8° país mais analfabeto do mundo, né, então as pessoas não sabem ler e escrever e aí as pessoas, que têm idade de trabalhar, não sabem interpretar texto, o cara lê mas não sabe o que está lendo. Então, assim, se o cara não sabe o que tá lendo, como é que você vai cobrá-lo de saber se aquilo, o que que tá ali, quer dizer, não faz diferença pro cara, ele tá tentando entender o que tá lá, né? Então, é muito complicado, é, eu acho que antes da educação midiática, a gente tem que ter uma educação [Ju: básica] básica. É, o cara sai analfabeto da faculdade, quer dizer…

Cris: [interrompe] E a gente tá falando…

Bia Granja: …e não só jovens…

Cris: Sim, a pesquisa nos EUA foi feita só com jovens, mas a gente sabe que isso… por que? Porque entende-se que esse público já está na internet. Então, teoricamente eles saberiam usá-lo [usá-la].

Bia Granja: Não, a Telefônica fez uma pesquisa em 2014 com a Universidade Futura da USP que tentou entender exatamente o que que cada pessoa fazia, né, com a internet, pra que que os jovens usam e etc. e eles mapearam, eu acho que eram entre 16 e 34 – depois eu posso mandar o link bonitinho pra vocês – e mapearam por região e por renda. Quanto mais alta a renda do cara, mais usos diferentes ele fazia da internet. Mas não passava muito de: rede social, e-mail, busca e, alguns, das classes mais altas e próximas aos centros, né, mais urbanos, vamos dizer assim, o eixo Rio-São Paulo, tinham uma noção de que ali eles poderiam aprender coisa, trocar de outras maneiras, quer dizer, a gente não entende a internet em sua complexidade, em toda a sua oferta, né, e tudo o que ela pode fazer por nós, então a gente ainda tá [afina a voz] em rede social, email, uma busquinha, às vezes cai um TED talk no nosso colo, né? Então, mesmo nas classes mais altas. Quer dizer, se o cara que pode ir pra Harvard, Stanford, estudar e fala um inglês, tipo, ele não passa muito daquilo, do básico, sabe? Então assim, como cê vai exigir mais do cara? Nossa, educação midiática, tipo, “fia, tô entendeno não que cê tá falano” [risos], sabe? Eu acho que tá muito longe. Eu acho que é super necessário, acho que a gente tem que passar dessa fase de deslumbramento, né, de que tudo é rede social, tudo é oba-oba, etc. e começar a entender essas outras coisas incríveis que a internet pode fazer por nós, entendeu? Inclusive nos educar midiaticamente, mas pra outras coisas também, porque tem canais, por exemplo, de educação, no youtube, maravilhosos, que ensinam matemática, química, física, quer dizer… né?

Cris: É, é impressionante.

Bia Granja: É impressionante.

Cris: E quando a gente vê essa conversa avançando pra além de “o que eu leio, eu questiono (ou não questiono)”, é aí que nasce um outro nicho de mercado, que é o nicho mais preocupante que tem que é o nicho de indústria fake. Então, o Fábio Victor, que é um repórter da Folha de São Paulo, escreveu uma matéria extremamente elaborada essa semana [Bia Granja:: maravilhosa!], que a gente vai colocar na pauta, acho que todo mundo devia ler, onde ele foi pesquisar, recentemente saiu uma matéria sobre como os jovens do interior da Rússia ganharam dinheiro com a eleição do Trump. A estrutura da matéria feita no Brasil é muito parecida com essa feita fora e ele localiza alguns sites que vivem de fazer notícia falsa. E aí você fala assim: “mas, pô, por que que alguém faria isso?” “Porque ganha dinheiro. Porque audiência, clique, é igual a grana. E esses sites que foram pesquisados lucram entre 100 e 150 mil reais por mês porque têm muita visitação. E assim, não é sobre acreditar ou não acreditar; eu vou citar três manchetes na sequência que esse site fez. No dia que a Marisa Letícia morreu, tinha uma matéria que era o seguinte, uma chamada: “Marisa Letícia está viva e foi flagrada na Itália” [Bia Granja: hahahaha junto com o Elvis Presley, né?]. A outra [Ju: Recebi pelo Whatsapp], num outro dia era: “Donald Trump manda recado: ‘brasileiros, a Europa não precisa de visto, vão para lá!'”

Bia Granja: Mas isso é até possível, hein? Dá até pra acreditar.

Cris: Então, mas é aí que fica a mistura…

Ju: Cê clica pra saber se é verdade ou não.

Bia Granja: Entre o absurdo e o possível, né, porque…

(Bloco 4) 31’ – 40’59”

Cris: Aí essa outra: “Aécio Neves está sendo investigado por tráfico internacional de drogas pela Interpol”. Aí você fala: “será?” Clica. E aí o cara vai ganhando grana com isso. Esse cara, especificamente, ele se envolveu numa polêmica com o Gilberto Gil que ele colocou uma manchete falando que o Gilberto Gil tinha falado que o Moro, o juíz Sérgio Moro, era um banana, alguma coisa nesse sentido e chegou no ouvido do Sérgio Moro. Olha isso, que loucura.

[Risos]

Bia Granja: E ele é fã do Gil e ficou super mal…

Cris: [interrompe] E ele é fã do Gil e ficou arrasado. E aí um advogado que é amigo do Gil e conhece o juíz falou: “Mano, esquece. Nada a ver. Não foi ele”. O Gilberto Gil entrou com a ação, o cara teve que tirar a matéria, mas esse cara vive e ganha para isso. Então, assim, o trampo do cara é criar notícia sensacionalista e falsa para ganhar dinheiro. [Bia Granja: Sim.] Então isso passa também…

Bia Granja: [interrompe] É ilegal? Não. É antiético? Para caralho.

Cris: Exatamente. E assim, a matéria com ele te dá nervoso, tá? Porque ele vira para o repórter e fala assim “Quem tem que saber se é verdade ou não é quem está lendo. Não sou eu, eu não tenho compromisso com isso.”

Ju: Não, mas é porque… É que assim… Aí a gente volta para o início da nossa conversa, quando a gente falou do modelo que a gente negou em prol de um modelo que seria melhor porque era mais livre, blá blá blá, e agora a gente está vendo, assim… A gente volta para a raiz de: “qual é o papel do jornalismo?”. O mundo tem informação demais: é filtrar, nos ajudar a ver o que é relevante e filtrar o que é verdade do que que não é verdade. Você não tem tempo de ficar fazendo tudo isso sozinho.

Bia Granja: [interrompe] Mas não é o que nenhum desses cara fazem. Ever.

Ju: Não. Longe disso. Mas a questão é: ok, a gente está indo para uma falência total do modelo jornalístico para a gente no mundo, sem isso, sem esse filtro, sem essa ajuda, a gente falar “Beleza. A gente precisa. Não tem como a gente fazer…” Isso que… A proposta do cara é de que assim “Eu não tenho que falar se é verdade ou não. O cara é que tem”. A gente não tem, é muito trabalho para a gente ficar filtrando cada uma das mensagens que a gente lê, a gente ficar sabendo se é ou não é. Sim, você vai precisar de veículos que você confie e que você fala “Olha, se deu no Nexo é verdade. Se não deu no Nexo, não é verdade. Se deu no El País, é verdade. Se não deu no El País, não é verdade”. Você precisa de alguns bastiões porque se você precisar…

Bia Granja: [interrompe] Mas você está vendo que os seus bastiões de verificação são todos de esquerda, né, Ju.

Ju: Exato.

Bia Granja: Então isso é problema.

Ju: É problema. Isso é um viés.

Cris: Sempre tem e é aí que eles ganham dinheiro porque eles criam as manchetes em cima das afirmações que as pessoas querem fazer no dia-a-dia. Ele só vai lá e fala “Sabia que essa Marisa [Letícia] não tinha morrido”. Então o cara já sabe [Bia Granja: Exato.] qual que é o viés de confirmação. Ele cria as manchetes em cima desse viés é por isso que ele consegue…

Bia Granja: [interrompe] E para os dois lados que ele faz também, né? Isso é o que é o mais louco.

Cris: Para você ter uma… Não, é para todo lado. É igual o menino que ganhou dinheiro com a eleição do Trump, tipo “Nem sei quem é Trump”. Eu estou inventado aqui, estão clicando, eu estou ganhando dinheiro, eu estou inventando mais. Não tem ideologia. Não tem ninguém pagando ele para fazer.

Bia Granja: [interrompe] Acho que… Tem a frase [palavra] do ano passado foi pós-verdade, acho que é uma coisa que todo mundo sabe, que tem a ver com isso que é “os fatos importam pouco diante do que eu acho sobre aquela notícia”. [Ju: Sim.] Se aquela notícia serve para me ajudar a reforçar um ponto, eu vou passar ela para frente. O BuzzFeed há muito tempo já capitaliza em cima disso que é, eles sempre falaram em todas as palestras do fundador, co-fundador, nanana, que é o seguinte: “As pessoas compartilham porque as representa”. [Ju: Sim.] [Cris: Exato.] A pós-verdade foi só o resumo disso tudo.

Ju: A buzzfeedização da porra toda.

Bia Granja: Exatamente. Mas que é isso, o que acontece é que a gente está vivendo um momento onde está tudo muito exposto e exponencialmente se espalhando, né, o que faz com que todo mundo esteja defendendo os seus pontos com muito afinco porque nesse universo onde tudo é muito intenso e muito exposto, a gente não pode estar em cima do muro. Então, sim, a gente está vivendo um Fla-Flu de todas as coisas, não é só política mas política sempre foi uma questão mais polêmica, e nesse Fla-Flu a gente precisa de coisas que nos ajudem a vencer o argumento, entendeu? Então eu não sei se é uma falência do modelo de jornalismo ou se é um momento de desconstrução do mundo como sociedade, como reestruturação de pilares, de valores que a gente tem que passar para sair melhor, sabe? Porque dói, porque é foda. E aí a gente é muito esclarecido… Foi tão engraçado, só para voltar, quando eu publiquei no YouPix esse dado também, só que ao invés de falar que oito por cento apenas das pessoas ainda manjam de entender o que está sendo dito, eu falei noventa e dois por cento das pessoas. Que esse é o outro lado da notícia, [Ju: Sim.] que para mim é muito mais chocante, sabe? Porque noventa e dois é muito maior que oito, né? E aí eu coloquei isso lá no Twitter lá do YouPix e aí várias pessoas que obviamente fazem parte desses oito por cento que manjam: “Nossa, mas que absurdo, mas é o emburrecimento da nação”. Tipo, só pessoas que estão dentro dos oito por cento. [Cris: Exatamente.] E aí uma pessoa ainda virou para mim e falou assim: “Onde vocês acharam esses dados?” e, tipo, estava lá o tweet e o link da matéria e eu falei “Caraca! [Ju: Clica!] Na porra do link que acabei de divulgar!”. Eu fiquei de cara.

Cris: Eu acho que tem esse viés de confirmação, tem o não me importar com a verdade e tem eu nem minimamente questionar a matéria. Cê não precisa necessariamente ter gente que filtre para você, a partir do momento em que você simplesmente só olha e fala assim “Mas essa URL é estranha, né?”,[Bia: É.] “Olha não tem o expediente desse jornal”.

Ju: [interrompe] Não, mas é que assim: se o link é encurtado, por exemplo, você só vai saber depois que você clicar e aí o cara já ganhou dinheiro.

[Todas falam ao mesmo tempo]

Cris: Se você entrar, não é o problema. Deixa o cara ganhar o dinheiro dele. O negócio é a partir do momento em que você acredita nisso e compartilha.

Ju: [interrompe] Mas eu acho que isso é problema. Isso é problema porque se você ficar clicando em tudo para você… Aí você já… Esse modelo de negócio é problemático, entendeu? [Bia Granja: Não, total.] E eu acho que a gente já está discutindo isso. Porque ganhar por clique [Bia Granja: Mas é a pergunta de um trilhão de dólares!] te leva pro sistema colapsar.

Bia Granja: De todas as grandes corporações: do pequeno, do médio e do grande, do Gui que está aqui, do YouPix, de vocês, do Merigo, do moleque do Você Sabia, da Folha, do Washington Post. Tipo, qual é o modelo de negócio para se sustentar “conteúdo de qualidade”, super entre aspas, porque isso tem várias nuances, até uma questão de opinião… Como que é? Tipo, os caras, meu, New York Times, Washington Post, os caras mais gringos, mais paramentados, mais estudiosos da NASA estão tentando entender e responder essa pergunta de um trilhão de dólares: “meu, como a gente ganha dinheiro que não seja com publicidade?”

Ju: Com gatinhos…

Bia Granja: É, mas não isso, é marca…

Cris: [interrompe] Pra eu manter uma estrutura até de pesquisa, né?

Bia Granja: Marca dando dinheiro para a gente, pode ser através de banda, pode ser através de branded content, pode ser através de publieditorial, pode ser através de um sistema de Google Adsense, que é como esse cara ganha dinheiro, que quem põe dinheiro lá é a marca, tem um banner para exibir, que bosta, ou então “não, vamos fazer paywall”, ou então “não, vamos fazer um PatreOn”, ou então… Qual é o modelo? É a pessoa pagando, é a marca pagando ou prestando outros serviços ou é, sei lá, o caso da Folha que a maior área deles é a de tecnologia ou então da Abril agora que abriu – Abril que abriu – uma empresa paralela de distribuição [Ju: Distribuição.], ou seja, a gente já tem a distribuição aqui então se eu quiser distribuir “vambora ganhar dinheiro, o conteúdo está foda”. Não tem uma resposta, então assim, também a gente está querendo cobrar do consumidor final, do leitorzinho lá, toda uma solução, tipo, não passa por ele, meu. É difícil.

Cris: Eu acho muito interessante que semana passada a gente estava falando do curso do Diogo, que ele está dando um curso justamente para ajudar as pessoas a identificarem e filtrarem melhor as notícias, inclusive eu acho que é uma matéria paga dele, essa aqui…

[Risos]

Ju: Na verdade isso é um “publieditorial” do Diogo.

Cris: Mentira, mas é muita coincidência porque na semana passada ele estava oferecendo um curso sobre isso, para ajudar as pessoas a terem leituras mais críticas em cima das notícias que elas leem e isso não é só uma preocupação rasteira quando você vê o dado que o BuzzFeed lançou a informação que em 2016 as dez notícias falsas com mais engajamento no Facebook superaram as dez notícias verdadeiras em engajamento.

[Todas concordam]

Cris: Então, para resumir aqui e não deixar todo mundo com muita vontade de chorar, tanto o Google quanto o Facebook anunciaram que eles vão bloquear a venda de anúncios para sites que divulgam notícias falsas, o Google ainda fechou uma parceria com o “Aos Fatos” para colocar selo de verificação em algumas matérias e a gente convidou a Tai Nalon para conversar um pouquinho, contar para a gente… A Tai que é responsável pelo “Aos Fatos”, pra contar pra gente como que é essa parceria e como que ela pretende ajudar a gente a ler um pouco melhor na internet.

Bia Granja: Maravilhoso!

(Bloco 5) 41’ – 50’59”

–//–

Tai: Olá, pessoal do Mamilos, aqui quem fala é a Tai Nalon, do Aos Fatos, a primeira plataforma de fact checking do Brasil. É o seguinte: a gente fechou, na semana passada, na verdade faz um pouco mais de tempo, mas foi anunciado na semana passada, o Selo de Verificação de Fatos do Google. Isso faz parte de um movimento que as empresas de tecnologia têm adotado para tornar a Internet um pouco mais habitável do ponto de vista da circulação de informações com credibilidade. Basicamente, o que vai funcionar no Google é: quando você vai lá na página de busca do Google, não sei se vocês já notaram que existe uma seção do Google em que aparecem só notícias de veículos – que se chama Google Notícias. Nesse Google Notícias, quando você estiver procurando alguma informação que você queira, por exemplo, vamos supor a sabatina do Alexandre de Moraes na CCJ [Comissão de Constituição e Justiça] nessa semana, você vai lá e escreve “Alexandre de Moraes sabatina”, e aparece uma série de notícias relacionadas. Possivelmente, se você fizer essa busca, porque aí isso depende do algoritmo, depende do seu histórico de buscas, vocês sabem, o Google funciona diferente para cada um. Quando você for procurar lá, possivelmente vai aparecer seja o Aos Fatos, seja a Agência Pública, seja a Agência Lupa, com suas matérias, e do lado do título das matérias, escrito “Verificação de Fatos”. Dessa forma, você vai saber que ali existem informações checadas por checadores profissionais. Isso é muito importante nessa época em que um: várias pessoas se dizem jornalistas, e dizem fazer jornalismo, e dizem fazem reportagem quando, na verdade, estão publicando opinião; e outra: é importante porque checadores profissionais, aquelas pessoas que fazem isso para viver, têm um código de ética e de conduta e de transparência bastante institucionalizado, tem um instituto nos Estados Unidos chamado Pointer que centraliza um código de conduta com mais de 100 checadores signatários desse código de conduta que, entre outras coisas, estimula que você abra links para seus leitores, que você abra toda a sua apuração para eles, que tenha transparência de financiamento, transparência de como a equipe é montada, enfim, uma série de questões que você tem que… é tipo, é quase um vestibular que você tem que passar para você ser admitido dentre esse time de checadores profissionais que fazem um trabalho sério. O Aos Fatos, nesse caso, faz parte dessa lista de checadores, e é por isso que o Google entrou em contato com a gente, para, enfim, a gente começar uma fase na Internet de tentar conter a disseminação descontrolada de notícias falsas; é um passo muito pequeno ainda, a gente precisa sobretudo, eu acho, de… o que em inglês chamam de Media Literacy, né, que é basicamente um conhecimento sobre como ler jornal, no caso do jornalismo, como entender o jornalismo dentro da esfera pública e, sobretudo, como duvidar das informações que estão sempre ali: é como não tomar pelo valor de face aquilo que você lê no WhatsApp do grupo da sua família, no Facebook que seus amigos compartilharam, sempre ir atrás de informação com credibilidade. Se não souber, se duvidar, pergunte! Não tenha vergonha da sua ignorância – todos nós somos ignorantes, ninguém pode ser sabichão o tempo todo – basicamente é isso.

–//–

Cris: Mas é isso, vamos confiar, então, que um amadurecimento [Ju: é um aprendizado.] leve a gente para um mercado melhor para trabalhar conteúdo patrocinado, né, dentro de Creators, para trazer notícias onde as pessoas, ao baterem o olho, no mínimo tenham uma dúvida. É isso aí.

Bia Granja: E uma chamada pessoal, que é: tenha muita responsabilidade no conteúdo que você está produzindo – e todo mundo produz conteúdo em algum nível – e segura a sua onda quando você vir alguma coisa que “NOSSA, isso seria muito foda”, tipo “Quero lacrar!”, sabe? Vamos evitar os lacres, porque é na “lacração” que a gente acaba se perdendo, [Ju: Derrapando.], é.

Ju: É isso aí.

Cris: É isso aí.

[Sobe trilha]

[Desce trilha]

Cris: Vamos então ao Trending Topics número 2: a gente vai falar de quê, Juliana?

Ju: Vamos falar sobre abuso de álcool.

Cris: Meu Deus, e trouxemos rapazes muito fortes e vigorosos para conversar sobre esse assunto. Um deles já é de casa, apesar de ainda não ter vindo ao Mamilos, agora faz a sua estreia com uma pauta primorosa. Seja bem-vindo, Altay!

Altay: Muito obrigado! Bom dia, boa tarde, boa noite!

Ju: Eu conheço essa voz… de onde eu conheço essa voz?

Cris: Não sei… não sei. De onde?

Ju: De onde, Altay?

Cris: Quem é você na fila do pão, Altay?

Altay: Então: eu, junto com o Ken Fujioka e o Reginaldo, fazemos parte de um podcast da família do B9, que é o Naruhodo!

Cris: Olha! O queridinho, o fofinho, o curtinho Naruhodo!

Altay: Isso.

Cris: E mais o que você faz quando não está gravando com os seus colegas?

Altay: Então, o que eu faço da vida é estudar: a única coisa que eu sei fazer direito é estudar. E, agora, começar a responder às perguntas dos outros, né? Eu sou psicólogo, tenho mestrado e doutorado em psicologia experimental; eu não gosto de ficar falando dessas coisas de títulos, porque é irrelevante, mas enfim… aí eu fiz pós-doutorado em engenharia da informação, aí fiz outra graduação em estatística, agora eu sou pesquisador. Depois eu fiz outro pós-doc em neurociência, na Universidade de Toronto, e agora eu sou pesquisador do Instituto do Sono da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), do Departamento de Psicobiologia.

Ju: Eu só não entendi uma coisa: afinal de contas, você é humanas ou exatas? Eu estou um pouco confusa. [risos]

Altay: Então, essa é uma diferença… eu já falei no Naruhodo! algumas vezes, e no Caixa de Histórias, também; teve um livro, O andar do bêbado, que eu falei sobre isso. Essa diferença é completamente irrelevante: então você falar: “Ah, eu sou de humanas, logo eu não gosto de matemática” é uma ótima desculpa para você não estudar coisas difíceis. Pega alguém de exatas e dá um Habermas pro cara ler.

Cris: Vamos trocar de roupa, e a gente já volta.

Ju: Toma essa, toma essa agora para vocês começarem, tomar essa na cara. Quem mais?

Cris: Do outro lado da mesa tem um rapaz, um cara que fez a gente correr muito atrás dele, não é, Juliana?

Ju: Nunca corri atrás de homem como a gente correu atrás desse menino.

Cris: Olha, trouxemos ele arrastado pelos cabelos. Oi, Gui, seja bem-vindo.

Guilherme: Oi, Cris, muito obrigado.

Ju: Quem é você na fila do pão?

Guilherme: Meu nome é Guilherme Valadares, eu sou editor chefe e fundador de um portal chamado Papo de Homem, que existe há 10 anos e defende a ideia de masculinidades mais saudáveis.

Ju: Muito bem… que já foi nossa pauta várias vezes, que já nos ofereceu convidados várias vezes, que troca muito figurinha com o Mamilos e com o B9.

Cris: Foi ele que nos apresentou o Marco Túlio.

Ju: Olha aí!

Cris: Olha isso, menino!

Ju: Gente, eu não lembrava disso.

Cris: Já trouxe muita coisa para este lugar.

Guilherme: A gente é amigo há 18 anos.

Ju: Do Marco Túlio, é? [Guilherme: É.] Bons amigos você tem, hein?!

Cris: Não sei como é que você aguenta, mas ele é…?! [risos] Beijo, Marco!

Ju: Então vamos lá: o álcool é a droga de escolha de 80% da população, contra 1% das drogas ilícitas. Além da facilidade de obtenção e do baixo custo, o que explica essa discrepância é o seu status social: enquanto o crack é coisa de mendigo, maconha é de vagabundo, e cocaína é de viciado, todos pintados com tintas surreais de vilões, acompanhados de drama, pavor e espanto, o álcool é de casa. Está na propaganda glamourizado, está inserido na cultura compondo nossos personagens preferidos, está na sociedade naturalizado. O whisky na mão do papai para relaxar depois de um dia estressante, a champagne na taça da mamãe nas comemorações, e até a vovó carola bebendo sua caipirinha na beira da praia. É uma forma de escape ao alcance da mão. E com tanta pressão, isolamento, competitividade, medo e expectativas irreais, quem não precisa? O álcool faz parte dos ritos de passagem pra vida adulta e da construção de identidade. Mas tem um custo, gigante: álcool vicia – temos seis milhões de alcoólatras no Brasil – álcool mata – segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o álcool se tornou, nos últimos 30 anos, a 5ª causa de morte e invalidez no mundo. Por aqui, todo ano sofremos mais de 50 mil mortes relacionadas a acidentes de carro. Álcool também é o gatilho pra violência doméstica e urbana, é o desencadeador da maioria das ações violentas, é o catalisador que transforma um simples desentendimento numa guerra. O que a gente vai fazer, qual é a proposta que eu e a Cris fazemos para vocês agora? Vamos aproveitar que estamos às vésperas da “festa da carne” do período em que tudo é permitido, em que as regras e controles ficam em suspenso, para polemizar sobre a nossa relação com o álcool, não a da sociedade, não a do vizinho, não a do colega de trabalho, não a da tia, nem mesmo a do melhor amigo, da nossa mesmo. Bora conversar com especialistas para entender melhor o que é abuso de álcool, os efeitos, as consequências e olhar com coragem nesse espelho honesto, refletir sobre as nossas escolhas.

Cris: Vamos começar então com uma prática muito recorrente principalmente na juventude: tomar uma quantidade excessiva de uma vez só – o binge. Por que acontece, e qual é o impacto? Conta pra gente, Altay.

Altay: Então… o binge, na verdade, ele é um comportamento que não é só aplicado ao álcool, mas ele vale para qualquer tipo de comportamento, por exemplo, alimentar. O nome binge surgiu do comportamento alimentar mas, aplicado ao álcool, imagine por exemplo uma pessoa que toma álcool uma vez por mês, só que naquela vez por mês ele enche a cara, assim, ele dá PT, federal, tá?

Ju: Defina cientificamente “encher a cara”.

Altay: Então… a definição de binge, porque aí você conta em “níveis de binge“, um binge, dois binges, três binges. O binge é quando você toma uma quantidade excessiva de álcool de uma vez só, mas quanto é o excessivo? Seria o equivalente a 2 taças de vinho, 2 latinhas de cerveja, mais ou menos, ou uma dose média de destilado, tá?

Ju: Em que período de tempo?

Altay: Ah, em 4 horas.

Ju: 2 taças de vinho em 4 horas já é binge?

Altay: Já pode ser binge, é, então…

Ju: Jesus!

Altay: Mas… já ficou desesperada, né?

Ju: Já. Já. Já me vi. No espelho, já tá ruim.

Altay: Mas como que se define esse binge, né? Ele… essas quantidades foram definidas em relação a estudos epidemiológicos onde se relacionou essas quantidades ingeridas como binge com repercussões posteriores. Então, por exemplo, a pessoa toma álcool uma vez por semana, só que, quando ela toma, ela faz esse binge, tá? Isso aumenta a probabilidade, por exemplo, de ela desenvolver dependência, tá? Ou desenvolver alguma repercussão biológica decorrente do álcool; aumenta a chance de ela ter, por exemplo, esteatose hepática, que é o primeiro grau da cirrose; aumenta a chance de ela ter obesidade; aumenta a chance de ter distúrbios de sono. Então o binge é essa unidade de medida que aumenta o risco de desenvolver uma repercussão posterior.

Ju: Tá, então o que eu quero… isso é muito importante, por isso essa primeira pergunta. A gente está tão acostumado com álcool, beber socialmente, que a gente coloca uma distância segura pra gente entre o que é beber socialmente e o que é problema. Então, o consumo do álcool só passa a ser problema se você perder completamente o controle de quando você vai beber e quando você não vai. Se você perder seu emprego, se você perder sua família, se você não conseguir passar por um dia sem colocar um álcool na boca, aí você é alcoólatra e é só aí que é problema. Todo o resto, pra gente, está nessa área cinzenta em que é tolerável: “Ah, não, eu sou a pessoa do ponto 1 dia, 2 dias, 3 dias”, “Não, eu só tomo uma dosezinha todo dia”, enfim, e é por isso que eu queria começar a falar de binge, porque a gente vai falar assim: “A partir de que ponto a gente começa a ter danos reais?”

Altay: Uma coisa é você perder o controle, outra coisa é você achar que perdeu. E, normalmente, você acha que perdeu depois que perdeu. Tá? [Ju: Sim.] Então, essa é a diferença, em psicologia, entre decisão e escolha, tá? Então decisão é quando você decide que perdeu o controle, escolha é quando você perde. E às vezes você, o seu corpo escolhe antes de decidir, de você decidir, tá? Então essas definições de binge saíram de estudos longitudinais, populacionais, já, aqui no Brasil e fora. Não quer dizer que, se você toma essa dose semanalmente, enfim, vai configurar que você vai ficar dependente em algum tempo, mas vai aumentar a probabilidade. Essa é uma questão – aí eu falo do meu ponto de psicólogo, de cientista, na verdade, mais que de psicólogo – as pessoas são cientificamente pouco educadas. Então quando você fala, por exemplo, que beber causa dependência, essa relação de causa, ela é bem discutível. Beber aumenta a probabilidade de você se tornar dependente. Isso tem variações individuais; então, eu posso ser mais… ter uma maior predisposição a ficar dependente que você com a mesma dose, tá? Então, é muito difícil ter esse filtro. Então os estudos populacionais, eles dão meio que uma baliza para que a pessoa julgue, a partir daquela dose, se isso pode oferecer risco ou não para ela. O problema é, no caso do adolescente, que é o tema principal, os adolescentes, eles já são mais predispostos a ter comportamentos de risco, então eles tendem a subestimar o efeito que o álcool causa neles. De novo voltamos na diferença entre decisão e escolha, né? E, por isso, num momento posterior, eles podem desenvolver dependência sem perceber que têm. Um exemplo interessante é a época da universidade.

(Bloco 6) 51’ – 1:00’59”

Altay: Se a gente adotar o critério pra dependência química de álcool que a gente usa pra pessoas com mais de trinta anos né, então eu pego o critério pra pessoas com mais de trinta anos e aplico em pessoas no período universitário, a prevalência de pessoas com alcoolismo passa de 20%, porque os adolescentes na universidade bebem muito. Muito mais…

Ju: [interrompe] Mas qual é o critério pra você fazer essa separação que eu falei no início, pra você efetivamente dizer que começamos a ter um problema?

Altay: Tem uns questionários pra avaliar isso. De novo, é um pouco circunstancial, mas a gente tem um questionário, o mais validado é o audit, né, chama audit, que você responde um conjunto de questões que se você tiver acima de uma certa pontuação, isso já configura uma maior probabilidade de risco pra dependência de álcool. Tem, por exemplo, um site que é da Unifesp, que chama
“Informálcool”. Você responde o audit antes, se você tiver risco, né, você pode fazer um programa de treinamento pelo site. Porque muitas pessoas sentem que têm risco, sentem que estão ficando dependentes do álcool, mas não procuram ajuda. Só vão procurar quando ficarem muito dependentes. E aí esse site pode ajudá-las, elas podem fazer, na casa delas, um certo tipo de controle de quantas doses ela toma, o site coloca certos tipos de “recompensas” ou marcadores pra que elas avaliem quanto elas tão bebendo ou não e tragam à consciência da pessoa o quanto de controle ela tem sobre o comportamento de beber.

Ju: Tá, eu queria dar só uma pequena definição que a gente encontrou pra como caracterizar o alcoolismo, porque isso não é o que a gente vai tratar no programa, a gente vai falar da relação nossa do dia-a-dia, do que a gente não se enquadra dentro do alcoolismo, e de qual é o impacto que o abuso do álcool tem, ou seja, do consumo social, né, “bebo socialmente”, qual é o impacto. Então, alcoolismo é: histórico de consumo abusivo de álcool, síndrome de abstinência e manutenção do uso mesmo com problemas físicos e sociais relacionados. Então, eu acho que no inconsciente coletivo a gente tem esse tripé aí bem estabelecido. Então assim, uma pessoa que todos os dias chega em casa e toma o seu uisquinho pra relaxar, ela não se enquadrou nesse tripé de que ela tem um problema físico e social relacionado à bebida, então a gente não considera ela alcoólatra já. Uma pessoa que, como você falou, não bebe a semana inteira, chega no fim de semana e se entorpece de sexta à domingo, a gente também já não considera alcoólatra; já tá dentro. O que eu quero dizer é: a nossa noção, o senso comum de alcoolismo já casa com a definição científica disso. Então só pra tirar isso da frente, a gente não vai falar sobre isso. Então todo o momento que a gente tiver falando, a gente tá realmente falando de quem bebe como a gente bebe.

Altay: Isso, é o consumo…

Ju: É o consumo socialmente aceitável.

Altay: É o consumo cultural. Vamos falar da dependência química primeiro, depois tem a dependência psicológica, que são um pouquinho diferentes. Mas no fundo as duas são químicas. Quando você ingere álcool, ele reage, né, ele modula o funcionamento de três principais neurotransmissores, que é a adenosina, o GABA e a dopamina. Adenosina é um neurotransmissor muito importante pro sono. Quando você começa… chega a noite, cê começa a ficar com sono, aumenta a quantidade de adenosina no seu cérebro, tá. O álcool é uma droga depressora, então ele vai reduzir sua atividade. Então quando você começa a tomar álcool e ficar alegrinho, esse ‘alegrinho’ não é que cê tá mais excitado; na verdade, a piada que a gente faz é que o pré-frontal é solúvel em álcool. Então a sua inibição diminui, ela é inibida, é aí você fica mais alegrinho, cê fica mais valente, coisas assim. Quando você bebe mais, a próxima fase, você começa a ficar letárgico: você começa a ficar lento, com sono, porque o álcool estimula a produção de adenosina no cérebro. Além disso, ele inibe a quantidade de GABA do seu cérebro, que é também relacionado com esse sistema depressor e tal. E ele também inibe a dopamina. Então você fica mais tranquilo, né, vai ficando mais lento, mais lento, até você ter um problema motor. Então é quando você cai bêbado na rua, perde o controle motor, começa a andar torto e tal. Além disso, a gente até falou isso no Naruhodo!, que foi uma pergunta que enviaram, o álcool influencia um outro neurotransmissor chamado ADH, que é um hormônio que fica na supra-renal, no seu rim. Então uma coisa que as pessoas percebem muito, quando cê vai no bar, você bebe uma cerveja. Aí bebe duas. Aí depois cê vai no banheiro e volta. Faz xixi e volta. Quando você volta, a próxima vez que cê vai no banheiro é mais rápido. Isso é o efeito do ADH.

Cris: Ai, gente, tem explicação científica pra isso, olha só!

Altay: Tem, tem. Então, porque o álcool….

Cris: [Interrompe] Não que eu beba o suficiente pra ir no banheiro, mas… [risos]

Altay: Não, bebe sim, bebe sim. Então ADH quer dizer, é o hormônio antidiurético. Você precisa… o seu corpo tem uma auto-regulação do quanto de líquido você elimina. E esse hormônio antidiurético controla, ele diminui a sua diurese. Quando você toma álcool, ele inibe o que inibe a diurese, logo você faz mais xixi. Então tem gente que enche o rabo de álcool e fica desidratado no dia seguinte, acorda desidratado, tem gente que morreu, tem um caso célebre nos Estados Unidos, era campeonato de tomar cerveja, o cara tomou litros de cerveja e morreu desidratado, porque ele foi fazendo xixi, xixi, xixi, perdeu muito eletrólito e morreu desidratado.

Ju: Então, mas aí, por esses três neurotransmissores que você falou, existe uma combinação que é muito perigosa né?!

Altay: Sim, que é isso, a gente já até falou sobre isso, que é o seguinte: vou começar a beber, aí vou começar a ficar lento, aí eu paro de me mover, aí eu não consigo mais beber. Então eu até tenho vontade, mas não consigo mais, que que as pessoas fazem? Tomam um energético, o que é energético? [Cris: eita!] É, então! O energético, basicamente são derivados da cafeína; a cafeína estimula a dopamina, então você tem um sistema que compete: o álcool vai aumentar a adenosina né, então vai tender você a ficar mais é depressivo né, não quadro depressivo, mas [Cris: lento] é, é um caráter depressor. A cafeína ou taurina vai aumentar a dopamina, então vai deixar você mais ativado. Então o que a pessoa faz? Toma energético, ela aguenta mais tempo o efeito do álcool, logo ela bebe mais álcool – então ela consegue ficar mais tempo bebendo e aí o risco pra dependência é maior ainda. Então uma das coisas, vou até ser mais taxativo: as pessoas tomam, aqui no Brasil, elas tomam muito energético com vodka, né [Ju: sim!] ou seja, elas conseguem tomar mais vodka que é um destilado, o volume é maior porque elas tomam enérgico junto. Tem uma combinação que é energético com whisky, tá [Ju: sim!] eu participei de um trabalho sobre isso, mas ainda tá bem preliminar então, não se tem evidência suficiente, mas já é… o resultado analisado já é bom o bastante pra ser divulgado inicialmente. Tem um trabalho feito com ressonância magnética: eles acompanharam estudantes no início da graduação e foram seguindo até o final tá, nos Estados Unidos. E esses estudantes eles tomavam preferencialmente whisky com energético. Quando você mistura whisky com energético, isso gera um tipo de aldeído no seu estômago que é neurotóxico, só que ele afeta o cérebro em áreas específicas e uma delas é a amígdala, que é a área responsável pela memória emocional. Então no final da graduação esses adolescentes que tomavam especificamente whisky com energético, eles se tornavam mais impulsivos, eles tomavam decisões mais impulsivas, não pelo efeito do álcool, mas sim pela degeneração neural, então uma… [Cris: que legal, hein?] é bem interessante, né? Então uma [Cris: é bem assustador!] é, então, uma sugestão: toma sua vodka com energético com moderação, mas whisky, nunca! Evite! Ainda mais vocês como são publicitários, se você puder evite locais onde tenham os dois juntos: whisky com energético. Nos Estados Unidos já teve um processo contra a Red Bull por isso, então você não vai divulgar junto com o whisky, faça de outro jeito, divulgue separado, porque realmente pode ter, tem um risco real.

Cris: E aí, quando a gente fala de abuso e de dependência, a gente fala também do cultural que leva pro emocional; a gente fala sobre o ser sociável né, muita gente fala que a bebida é a vaselina social, né? [Altay: pois é] Que aí chega, fica mais desinibido, conversa mais, paquera mais, isso passa muito pela nossa construção e até a bebida mais excessiva na juventude. Gui, isso na construção da identidade masculina… Queria que você falasse um pouquinho pra gente.

(Bloco 7) 1:01’00” – 1:10’59”

Guilherme: É, isso é super forte, a relação com álcool pros homens, e fazendo um adendo com o começo da conversa, eu não sou especialista em álcool, mas ao mesmo tempo que eu acho…

Ju: [Interrompe] Mas em homem cê é, né?!

Guilherme: Não sei.

[risos]

Ju: Pô, você fala sobre masculinidade há tanto tempo Gui, pode falar, pode encher a boca pra falar: “Disso eu entendo!”

[risos]

Guilherme: E eu acho que pode ser interessante a gente acoplar, junto com a perspectiva científica que o Altay tá trazendo… [Altay: Claro] É, uma perspectiva bem pé no chão. Como é que a gente conversa sobre isso sem precisar de pesquisas e estudos. Então eu tava escutando vocês falarem e lembrei de uma roda de conversa que eu puxei, com adolescentes, de uma escola, eram só adolescentes homens. E aí uma das coisas que eu perguntei foi: Quem aqui já fez alguma coisa, porque se sentiu pressionado a mostrar que era mais homem? Todo mundo levantou a mão, todos os vinte e poucos meninos entre 15 e 17 anos levantaram a mão. E eu perguntei: O que que vocês fizeram? E vieram vários exemplos: “Ah, eu cacei briga”, “Eu tava numa festa, eu não queria ficar com uma menina, me falaram que eu tinha que ficar” ou “Começaram a fazer pilhéria comigo” e um, um dos meninos virou e falou: “Olha, eu não gosto de beber, eu não bebo, e sempre que eu to numa festa e eu não bebo, me chamam de gay, de viadinho, de fracote”. Então aí a gente já vê de uma maneira muito crua e direta, sem precisar de qualquer outro aparato, um tipo de dano, que a relação com o álcool pode causar pros homens, que é: Eles começam a construir uma identidade, mostrando que não tem medo, do abuso, que não tem medo de ter uma atitude autodestrutiva, que não tem medo de tomar porre…

Ju: [interrompe] Na verdade é…

Guilherme: Que não tem medo de serem agressivos.

Ju: Pra mostrar que são fortes, né: “Eu aguento”. Então assim, justamente “Porque eu sei que é destrutivo…”

Guilherme: Sim.

Ju: “…mas não pra mim, porque eu sou forte”. Então assim…

Guilherme: “Porque eu sou muito homem.”

Ju: Não… Isso…

Guilherme: “Eu sou homem de verdade”, supostamente.

Ju: É, numa época em que você tá construindo a sua identidade, e que você precisa da aprovação dos outros, e que você precisa mostrar que você tem algo de diferente, algo… [Guilherme: Aham.] de “a mais”. Então isso que eu acho muito complicado, porque não é só que você tem que beber, porque eu acho que enquanto a gente, até adulto, a gente continua passando por isso, você tem que beber, porque “ah, então você não vai se divertir?”, “Então você, ah você vai estragar a festa?” Essa cobrança por beber, [Guilherme: Aham.] ela persiste até o final da vida. Agora, na adolescência é mais cruel, porque não é a cobrança por beber, é por beber mais, é quem aguenta mais. Então tem muita competição de ver “Ah, então a gente vai fazer competição de shot e ver quem é o último a ficar de pé”.

Cris: E tem um status né, [Guilherme: Sim.]
essa menina aguenta beber muito, essa menina bebe como homem, [Guilherme: Sim.] esse cara nunca… “Nossa, ele pode beber o dia inteiro ele não fica bêbado”. Então isso vira um status, vira um badge: “A pessoa forte”.

Guilherme: Sim, e eu nem sei se o mais cruel é na adolescência, porque talvez na adolescência seja cruel porque cê não tem outros parâmetros, outras referências, e de repente cê vai adquirir um hábito que cê vai carregar pro resto da vida [Ju: Aham, exato]. Então é normal cê ver esse adolescente que tá com 15, com 25, ele manter esse hábito, com 35 ele manter esse hábito, 45, 55 e, e vida afora, e sem nunca questionar isso. Porque quais que são os espaços que permitem aos homens questionar a própria relação com a bebida? Não tem. [Ju: Sim.] Quando cê vai virar e falar: “Cara eu, eu acho que eu vou parar por aqui, eu já tomei uma dose, e eu tô bem”. É difícil esse tipo de diálogo acontecer [Ju: Aham]. É muito raro isso.

Ju: Não, é até uma coisa que eu cobro bastante, assim, sou a chata polemizadora, como que tem coisas que são socialmente aceitas e outras não, né. Então, por exemplo, sei lá, se você bate numa menina no meio da festa [Guilherme: Aham.], poxa, abertamente, seus amigos, mesmo sendo brothers vão falar: “Mano, você se excedeu”. Agora, se você tomou três shots de vodca e vai dirigir pra casa, as pessoas, assim, a menos que você esteja trançando as pernas, ninguém vai se meter. [Guilherme: Sim.] As pessoas silenciam sobre isso.

Guilherme: É raro, é muito raro isso acontecer.

Ju: É muito raro. Assim, então assim, por exemplo, sei lá, um amigo seu fala assim: “Ah, te convidar para um Happy Hour”, você chegar de carro, o cara falar: “Pô, você veio de carro? Como assim você veio de carro?”. [Guilherme: Aham.] Já questionar antes de você começar a beber, “Como assim? Que que você tá fazendo de carro aqui?”; “A gente vai beber, então que que você tá fazendo de carro?” Assim, então de uma maneira geral, a gente não questiona, o, a… assim, a gente se convencionou, de que eu não vou te incomodar, e você não vai se incomodar, e a gente vai fechar o olho para todo mundo, e a gente não discute sobre isso.

Guilherme: É, e eu acho que tem uma coisa também, de, como a Cris tava dizendo, de ser bem visto, a pessoa que bebe muito, o homem que bebe muito, e isso tá passando pras mulheres também, [Ju: Sim.] então é muito comum ver o homem que não bebe ser ridicularizado pelos amigos, e pelas amigas. [Ju: Aham.] Porque ele não quer beber, porque ele tá sendo pouco homem. Então isso é um… é um super problema. Eu lembrei de uma outra história quando eu tava num churrasco, e a gente tava bebendo há muito tempo, e tinha um cara que tava bebendo mais do que todo mundo, e numa certa hora ele disse, ele deu um puta arroto, e falou: “Eu não aguento beber mais”, e passou 30 segundos ele falou: “Mais uma”, e a namorada deu um tapa nele, mas deu um tapa, e começou a contar os feitos etílicos dele; então ela não tava bem criticando, ela tava, na verdade, contando ali como o parceiro dela era muito, muito resistente ao álcool. [Ju: Aham.] Então tem toda uma maneira de se relacionar, que eu acho que acaba ficando muito nociva.

Cris: Inclusive, o questionamento, eu li, um… um colega de Facebook que fez um experimento de parar de beber por três meses. Ele não era um cara que bebia pra caramba, mas ele queria questionar a relação dele com o álcool, [Guilherme: Aham.] então ele falou assim: “Eu quero parar de beber para ver se eu me divirto mesmo, sem beber, para ver como que é na noite”. E assim, eu acho que quem já parou de beber, durante um tempo, tá tomando um remédio, um negócio assim, já aconteceu muito isso comigo, de tipo, como às vezes as pessoas ficam chatas, né, quando elas bebem, [risos] porque você tá sóbrio [risos] [Guilherme: Sim]. Então você vê umas coisas e você fala assim: “Puts, que exagero isso”.

Altay: Não, essa abordagem é bem científica, e aí a gente chega num, acho que na segunda parte, que é a… que é a questão da, do vício psicológico. Então, às vezes a pessoa não tem o desregulamento cerebral necessário para configurar um vício químico, né. Mas ela tem a dependência psicológica, porque ela toda a vez que ela bebe com as pessoas, ela se sente bem, ela sente falta daquela sensação.

Ju: É uma muleta social, né.

Altay: Isso, ou se…

Ju: [Interrompe] É uma muleta psicológica.

Altay: Ou ela precisa de histórias pra contar.

Ju: Sim.

Altay: Sabe quando você se reúne com seus amigos de colégio? Vocês contam sempre as mesmas histórias?

Cris: Ah, tem que tá bêbado né, amigo?

Altay: Então…

Cris: Pra aguentar a mesma história.

[risos]

Ju: Mas acho, eu acho interessante assim, porque, como meu background é religioso, eu só comecei a beber a partir dos 24 anos [Guilherme: Aham]. Então tudo, toda minha adolescência eu fiz tudo, só que sem beber. Então pra mim, ainda, eu tenho choque quando as pessoas tem dificuldade, por exemplo, sei lá, minha família como é religiosa, quando a gente se encontra nunca tem bebida [Guilherme: Aham]. E eu quero dizer, não tem no casamento, não tem aniversário, não tem…encontro de família, nunca tem bebida, e nunca teve, então pra mim é normal. E aí quando eu falo pras pessoas assim: “Ah, a gente vai pra fazenda” e as pessoas falam: “Ah, pô, vai pra fazenda não tem TV, não tem internet, não tem bebida, que que você vai fazer lá?” [Guilherme: Aham] E eu não entendo que as pessoas não entenderam. Entendeu? Porque assim, cara, assim, pra mim, configura alguma coisa muito estragada, muito errada, se você não consegue conceber a diversão, de um aniversário, um casamento, uma festa, um encontro de família, se não tiver o álcool, se não tem isso, não existe.

Cris: Nossa! Eu entendo totalmente, meu background é totalmente outro. Eu sou mineira, [Guilherme: Eu também], “Quem não tem mar vai ao bar”. [risos] Então cê bebe desde pequeno. Meus parentes contam que aconteceu uma festa de aniversário na família, e que eu e uma prima estávamos debaixo de uma mesa e só foram achar a gente tarde, porque a gente pegou restinho de vinho e bebeu dos copos, criança! Então assim, o álcool sempre teve MUITO presente na minha família, sempre foi a descontração, “Tá na hora de sair”, “Tá na hora de encontrar”, aí daí a pouco sai uma briga. [Guilherme: Aham] Então assim, as festas de família sempre sai uma briga; casamento, sempre tem um bafo, porque alguém sempre bebeu a mais. Lembro o último casamento que eu fui em Minas, uma tia e tal, e ela tava muito mal, que era o filho dela, queridinho que tava casando, ela bebeu pra caramba, vomitou, a mãe do noivo, sabe, foi tipo tenso [Guilherme: Aham. Ju: Então]. Então, eu acho que a gente nasce de backgrounds muito diferentes, e percepção do que que é diversão, que hora que eu estou me divertindo? Então acho que como desde pequeno cê vem com uma coisa, eu est…, todos os momentos que as pessoas se reúnem para se divertir tem álcool envolvido, acho que você cresce muito com essa percepção.

Guilherme: Mas acho que tem um ponto que se conecta demais com isso que é ansiedade, tem um documentário maravilhoso chamado The Mask You Live In [Ju: A gente já indicou aqui, muito bom!], sobre como que os meninos estão sendo criados, tá na Netflix, e tem um especialista lá chamado Michael Kimmel que ele fala que a principal emoção da masculinidade norte-americana hoje é a ansiedade. E eu não ficaria surpreso se no Brasil a gente encontrasse uma coisa parecida. Então que que acontece, se eu chego no lugar, seja uma fazenda, um bar, qualquer outra situação social, e eu não consigo me sentir bem sem álcool, isso na minha interpretação é um sintoma de ansiedade [Ju: Aham], eu não consigo lidar com a minha própria presença, lidar com estar ali, tranquilo.

Ju:Performar socialmente, né.

Guilherme: É.

Ju: Interagir com as pessoas…

Guilherme: [Interrompe] Eu não consigo, eu não consigo funcionar…

Ju:Então assim, que que você faz? Você conversar com sua mãe, cê conversa com seu pai, cê conversa com seu tio, é isso que cê faz. Você não precisa de álcool pra isso. [Guilherme: Sim] Né, cê vai no aniversário, o que você vai fazer? Cê vai passar tempo com seus amigos, cê não precisa de álcool pra isso. Então assim, é… eu acho interessante, que, porque quando a gente começou a ler, e ver o que cientificamente se define como abuso – e aí a gente não tô falando de alcoolismo, a gente tá falando justamente de uma relação que não está saudável – [Guilherme: Aham] a gente passa muito por isso, pela necessidade do álcool. Se você, e nesse texto do Papo de Homem mesmo, que tava falando sobre abuso, o autor falava sobre isso, assim: se proponha a ficar três meses sem álcool: se você não conseguir, se isso parecer muito penoso, questione, repense a sua ligação com o álcool. Porque, se você tem uma relação saudável, você pode prescindir disso, você não precisa disso em todos os momentos, né.

Guilherme: Exato, e eu acho que ajuda muito poder ter um diálogo aberto, eu acompanho alguns grupos de homens, e tem um que recentemente começou a fazer diálogos com pessoas do Brasil inteiro por Hangout e um dos temas que a gente voltou algumas vezes foi vícios, e na maioria das vezes caía em álcool. E foi muito interessante, porque a gente começou a conversar primeiro, tatear a sobre a relação de cada um: “ah, com que frequência você bebe?”, “Bebo tal.”, “E se você ficasse sem beber um mês, dois meses você ia dar conta?”, e começa a surgir dúvida: “Nossa, eu acho que eu nunca fiz isso”, um disse: “Desde quando comecei a beber, há dez, quinze, vinte, trinta anos atrás”. Então a gente começou a fazer experimentos ali, por conta própria. Um falou: “Olha, acho que eu vou ficar sem beber”, o outro “Cara, eu acho que eu vou diminuir”. Então para mim a discussão não precisa se dar em torno de oito ou oitenta [Ju: Sim], a gente não precisa ter o máximo de fundamentação científica, pode ser muito simples, que é eu chegar para um amigo, ou amiga, e perguntar: “Como é a sua relação com a bebida?” E eu acho que isso é mais difícil do que parece, porque, voltando na coisa dos homens, os homens não têm o hábito de… de dialogar. É um gênero em silêncio, digamos assim.

Altay: São os grunhidos, né.

Guilherme: É. [risos] A gente acabou de fazer um…

Cris: [Interrompe] E os arrotos, né.

Altay: É.

Guilherme: A gente fez uma grande pesquisa rodando o Brasil, o Papo de Homem junto com a ONU Mulheres. A gente escutou mais de vinte mil pessoas, de Norte a Sul, e 67% dos homens têm medo de abrir os maiores anseios e dúvidas, até com os melhores amigos; 77% se preocupa muito com a maneira como é percebido. Então gente tem uma sinuca aí, porque de um lado, eles não tão falando o que que realmente se passa, e do outro, eles tão obcecados com como eles são percebidos externamente. Isso gera o quê? Ansiedade. “E aí eu trabalho doze, quatorze horas, por dia para ser um grande provedor, para ser um MACHO muito bem sucedido, então quando eu chego no Happy Hour sexta-feira, eu tô tenso, eu não tô generoso, sensível, tranquilo e sereno, pronto para conversar com todo mundo; eu tô MUITO tenso, e é melhor que tenha uma baita dose uísque, tequila, ou energético, ou tudo junto, porque se não, eu não vou dar conta”. Então eu acho que é muito interessante essa conversa sobre álcool porque naturalmente a gente começa a puxar outros pontos: construção da identidade masculina, né, os laços familiares, relação com trabalho, relação com o nosso mundo interno. Acho que tem vários pontos antes de…

(Bloco 8) 1:11’00” – 1:20’59”

Cris: [Interrompe] Com o corpo, né. Aceitação de quem você é quando você não tem nada para entorpecer a sua mente, o seu cérebro, o que que realmente te diverte [Guilherme: Sim], quais os sabores que você gosta, músicas, ambiente. “Cê tá de cara”, que é o que a gente diz, né. “Cê tá com a cara limpa”. Então eu vou… a sua percepção do lugar e até das suas companhias, e que “esse cara tem, contou uma coisa muito…”, “gente, eu tenho amigo chato; eu não tinha percebido o quanto ele é chato” [Altay: Bêbada, né], mas agora como a gente sempre sai juntos, os papos dele são sempre chatos, e não tem mais o álcool para me tirar o foco do quanto ele é chato.

Ju: E tirar o foco da minha angústia também, né. [Guilherme: Sim, claro]. Então, por exemplo, como a gente tá numa época de crise, a gente falou programa passado sobre crise econômica; então, quantas pessoas você tem que odeiam os seus empregos, mas não podem pedir demissão, porque estamos em crise, né. Quantas pessoas tem, que tem chefes abusivos? Quantas pessoas tem que estão frustradas, gostariam de tá fazendo outra coisa? [Guilherme: Aham] Quantas pessoas tem, que tão com problema no relacionamento, tão com problemas do casamento? Quantas pessoas tem, que tão com algum parente, alguma pessoa muito próxima, muito querida, doente, e não tô sabendo lidar com isso? Então assim, a vida atropela, você tem que resolver mil coisas, dar conta da vida enquanto você tá lidando com as suas questões emocionais, a gente, a maior parte das vezes, não dá conta de tudo junto ao mesmo tempo agora, e aí o que tá à mão, o que tá do lado, e o que é possível, o que é permitido, o que é ok para todo mundo, é o álcool [Guilherme: Aham]. Eu acho que o interessante nessa conversa muito peito aberto, da gente pensar sobre o nosso jeito de lidar, é assim: Como que a gente tá fazendo uso do álcool, entendeu? Porque como ele é socialmente aceito, é muito fácil você não notar que, por exemplo, todo fim de semana, você tá usando álcool. Então assim, todo momento que você tá sozinha com você mesmo, ou que você não tá na lida do dia-a-dia, você colocou álcool pra aguentar… pra dar conta.

Cris: [interrompe] A gente fala muito: “Pra relaxar”. “Eu vou beber pra relaxar, eu vou beber porque eu mereço, eu tive uma semana difícil.”

Ju: Não, cê não dá conta da vida que cê tem.

Guilherme: Isso acontece muito com o álcool, muito com a maconha, muito com várias coisas, sabe?

Ju: Com comida!

Guilherme: Sim, com comida, com compulsões… Mas eu acho uma tristeza muito grande da gente pensar que o que a gente tem à mão é isso. Então, por exemplo, na coisa dos homens, na construção da identidade masculina, eu acho que acaba às vezes acontecendo uma desconexão muito grande com o corpo, com os sentimentos e com sensibilidade e com movimento então. Dançar é incrível. Os homens podem aprender a dançar, eles vão gastar menos que com álcool [Risos da Cris], vão ter uma alegria, um prazer sem tamanho. Esporte nem se fala. Natureza, acampar, montanha, subida… Então tem tanta coisa que a gente pode fazer que gastaria menos dinheiro até do que álcool e eu acho que isso se conecta com a maneira como os meninos vão sendo criados, sabe? Meio embrutecidos. Cara, e quando você vai fazer uma coisa para relaxar você vai fazer uma coisa autodestrutiva. [Ju: Sim.] Por que que os homens vivem de maneira tão autodestrutiva? Eu acho isso uma insanidade. E isso se conecta com um ponto que eu vejo na psicologia e sociologia que é: no centro da construção da identidade visual masculina tem o medo do feminino: a todo momento os homens estão provando que não são femininos, que não são mulheres, [Ju: Sim.] que são homens com H maiúsculo. Isso gera um comportamento obsessivo e essa obsessão vai se manifestar de diferentes maneiras: no tom de voz, o jeito agressivo de falar, a quantidade de álcool que se bebe, beber álcool e dirigir, por que isso ainda é mais transgressor ainda – eu estou ultrapassando as linhas do sistema. Então é uma discussão sobre a maneira autodestrutiva como homens vivem e como outras pessoas vivem, acho que não se restringe ao jeito masculino.

Ju: [Interrompe] É, a gente queria falar um pouco só sobre álcool e mulher porque a relação do álcool com a mulher é um pouco diferente disso e eu achei interessante estudando para pauta ver porque que o efeito do álcool na mulher é maior, porque não é só que a gente tem um peso menor, mas mesmo uma mulher com mesmo peso que um homem, o álcool afeta mais a mulher do que homem pela composição corporal, né? Pode falar mais, Altay, sobre isso.

Altay: Então, só fazendo um ponto anterior. Gostaria de pedir aos nossos ouvintes que não deixassem a dicotomia ciência e outras coisas porque ela não existe, tá? Na verdade, tudo pode ser explicado em função de quatro causas. Né, então… Platão. Você tem as causas materiais, formais, eficientes e finais, tá? Você pode explicar a questão do “cast” de hoje em função dessas quatro questões do Platão. Quais são as causas, por exemplo, materiais pelo fato dos homens serem… Beberem mais, fazerem mais binge, qual é a causa material para isso em relação às mulheres e as mulheres sofrerem mais efeito? Tem uma diferença na composição corporal. Isso é a causa material, física. A despeito da constituição de gênero e tal, é uma causa material. Então… As mulheres, em geral, têm um pouquinho mais de gordura; então a gordura, o álcool, um substrato do álcool, acumula na gordura e vai sendo depletado com o tempo. É como você tomar um remédio, por exemplo, quando você toma um comprimido que é chamado comprimido de ação lenta: a casquinha do comprimido, ela é mais grossa. Então ela chega no seu estômago, vai diluindo e aí você vai absorvendo o remédio devagar. As mulheres, por uma propriedade corpórea, elas acumulam um pouquinho mais um substrato do álcool na gordura, que ela tem um pouco mais, e aí vai diluindo. Então ela sofre o efeito do álcool por mais tempo, né, do que o homem. O homem processa um pouco mais rápido. O homem sofre mais com a ressaca. A ressaca do homem é mais forte porque ele bebe mais, em geral, ele tem uma tamanho um pouco maior, então ele aguenta beber mais, sofre mais com ressaca. Tem uma variação também nos efeitos nocivos do álcool no que diz respeito ao fígado. Então um homem sofre um pouco mais com esteatose do que mulher, tanto pela quantidade quanto pela própria composição, né? Isso relacionado às causas materiais. Causa formal: a causa formal, por exemplo, para o consumo diferencial entre os sexos de álcool, entra também em questões culturais do ponto de vista distal. Então no passado, dentre a… você fala, por exemplo, da antropologia, né? Então fala em sociedades coletivas, por exemplo, em sociedades mais antigas: o consumo de álcool pode ter relação não só com o gênero, com sexo, mas também com divisão de trabalho, né? Então, você entendendo outras culturas… Por exemplo, um dado interessante: em culturas orientais, principalmente os coreanos e os japoneses, eles bebem muito, muito mais que a gente, eles fazem muito mais binge, uma das sociedades que mais fazem binge é a sociedade oriental, principalmente os japoneses e os coreanos porque isso é relacionado com o trabalho. [Ju: Sim.] Então os homens vão para o trabalho, né, trabalham muito e depois eles vão para o bar e eles dão ‘PT federal’, assim, de sair pelado na rua, né? E o cara mais novo que, no caso do japonês, o korrai, tem que beber mais, tem que fazer um discurso bebaço, o chefe, por exemplo, ele bebe mais que todo mundo, paga para todo mundo, compra uma garrafa a mais e dá para todo mundo. Então vocês tem questões antropológicas que explicam a forma diferencial entre homens e mulheres do consumo. Causa eficiente: causa eficiente é toda a discussão que a gente teve até agora da cultura, da formação da masculinidade, porque são questões mais próximas, né? É interessante você entender essas quatro causas, porque duas delas são distantes, relacionadas a biologia e a antropologia, e duas delas são próximas, relacionadas mais à sociologia e à psicologia. E a última a causa é a causa final. Qual é, por exemplo, se esse padrão diferencial do consumo excessivo de álcool continuar, qual é o impacto disso para gerações futuras? Já se sabe, por exemplo, por estudos epidemiológicos, que filhos de pais alcoólatras tem quatro vezes mais chance de serem alcoólatras e isso independe da criação deles. Por exemplo, eu posso ter sido criado por um outro pai que não é esse pai alcoólatra, por uma questão epigenética eu posso ter mais chance de me tornar alcoólatra. Então o consumo de álcool desse pai modifica as células germinativas desse pai – não as células dele – e aumenta a probabilidade dele desenvolver um filho com maior tendência ao alcoolismo. Isso é relação das causas finais, entendeu? Então se você entender um fenômeno complexo desse em função dessas quatro causas, independente se você é psicólogo, biólogo, médico, sociólogo, o que quer que seja, as soluções possíveis para isso, elas são interdisciplinares e a gente volta ao ponto que é irrelevante se você é exatas, humanas ou biológicas, todas as áreas podem contribuir.

Cris: Eu queria fazer um gancho com um assunto que a gente estava conversando anteriormente sobre credibilidade e conteúdo na internet, que uma das coisas que a gente mais vê são as pessoas compartilhando conteúdos “infernais” tipo “mulheres que bebem vinho são mais inteligentes”, “homens que tomam cerveja são mais viris”…

Altay: [interrompe] Pessoas que tomam Gin-tônica são psicopatas…

Cris: Exato!

[Risos]

Cris: Então, assim, a gente vê esse reforço o tempo todo e quem trabalha com comunicação sabe o quanto as marcas proliferam esse tipo de conteúdo para ser veiculados, que é justamente o endosso daquilo que eu já gosto de fazer e eu quero provar que não estou tão errado assim fazendo. Então, acho que tem um bom gancho aí. Acho que todo mundo já deve ter visto, senão compartilhado, tipo: “quem bebe todo dia é mais feliz”… Assim cara, [Guilherme: É uma tristeza né, uma manchete dessa.] não tem fundamento isso.

(Bloco 9) 1:21’00” – 1:30’59”

Altay: Nossa, é terrível.

Cris: E não tem fundamento você compartilhar isso, porque assim, tipo, se você tiver que beber todo dia pra ser feliz talvez tenha algo que você precisa prestar atenção na sua vida. [Risos]

Altay: Que vida é essa, né?

Ju: A gente falou bastante sobre abuso, vamos conversar sobre o que é beber moderadamente porque aqui ninguém tá falando que a gente vai parar de beber e que… Nem demonizando o consumo de álcool, a gente tá só fazendo um mergulho pra olhar se a nossa relação é saudável. O que que seria uma relação saudável com o álcool?

Altay: Eu votaria que é uma relação científica com o álcool [Risos] baseada em experimentação. Como a gente comentou antes: Será que eu consigo ficar três meses sem beber álcool? Será que eu vou sentir falta? É mais importante eu ficar três meses… Será que eu vou me pegar um dia: nossa, hoje eu podia estar bebendo, que saudade! Isso é uma questão pra você refletir.

Guilherme: Então, eu pensaria em como a gente pode ter uma relação que faz sentido pra nós. Uma coisa de muito bom senso. No meu caso, a primeira vez que eu considerei beber água enquanto eu tava no meio de um bar acho que eu tinha, sei lá, meus 28 anos. Então eu demorei quase 30 anos de vida pra considerar a hipótese de beber água enquanto eu bebia. E eu acho que é bom contar isso porque é meio bobo de dizer, mas eu vejo vários amigos e muitos homens compartilharem da mesma relação com bebida que é: ainda que você seja adulto, que você seja supostamente maduro, a sua relação não é saudável. Você não consegue admitir ingerir água no meio da bebida porque isso vai te fazer parecer mais fraco de alguma maneira. Então, pra mim, beber moderadamente diz respeito a ter um relação que seja mais saudável, é uma coisa tão simples. E eu acho que, que às vezes, a gente precisa buscar muitos aparatos pra chegar nisso por não dialogar entre nós. Porque… [Altay: Com certeza.] A gente poderia resolver isso aqui na mesa, fazer uma coisa assim: Cris, o que que é pra você? Aí perguntaria pra você Ju, pro Altay. Mas o que que a gente passa com dificuldade quando a gente bebe? Hoje eu tenho, vou fazer 33. Então se eu bebo muito num dia, o dia seguinte, às vezes, pra mim é o dia inteiro de ressaca, eu quero isso pra minha vida? Eu quero pagar esse preço? Faz sentido o meu corpo ficar inchado? Eu tenho amigos que falam o tempo inteiro: “Cara, eu tô sempre inchado porque eu bebo com frequência, só que eu não consigo diminuir.” Então a Cris tava dizendo, a gente tem quase seis milhões de alcoólatras no Brasil. Pra mim me preocupa, não é nem os seis milhões que é, por si só grave, é quantos que tão quase lá. Que não são declarados, que não são diagnosticados, é igual síndrome de burnout, esgotamento no trabalho, né? A gente tem um monte de pessoas diagnosticadas com isso, mas quantas que tão quase lá, no limite?

Cris: Flertam, né. Flertam o tempo todo com isso.

Guilherme: Flertam. Então eu tendo a pensar hoje em coisas práticas que a gente pode fazer, como vocês colocaram no início da conversa, é uma conversa sobre a gente, não sobre o que a sociedade inteira tem que mudar. Então o carnaval tá aí: considera beber água, comprar uma garrafa d’água a cada duas, três cervejas. Considera fazer isso pro seu grupo de amigos, em vez de comprar a décima rodada de tequila, vai e compra água pro grupo inteiro e dá pro seu amigo. Ele vai falar: “Cara, eu não preciso, tô bem etc”. Dá pra ele. Se alguém quiser beber menos não ridicularize a pessoa. Acho que tem tantas coisas tão simples que gente pode fazer. Isso de beber água assim é transformador, isso de não ridicularizar a pessoa que quer beber menos também. Então acho que tem coisa que a gente pode começar a fazer já.

Ju: Eu ia perguntar pra você Cris, o que é beber moderadamente pra você?

Cris: Eu aprendi isso tem pouco, né. [Risos]

Altay: Cê dava muita ”PTera” assim?

Cris: Eu fui criada muito num ambiente que o álcool era uma coisa muito natural. Então na minha adolescência eu bebi muito. Esse binge aí que eu nem sabia que tinha esse nome, vish… Bebi muito, muito mesmo. E depois não bebi mais.

Altay: Em Minas as mulheres tão bebendo muito, né?

Cris: Muito! Má aqui, sabe muito? põe mais um pouco aí. Eu já bebi muito [Altay: Desse jeito.], mas depois na vida adulta já bebi menos e pra mim o que que é beber moderadamente? É não precisar beber pra se divertir; então tipo hoje eu vou beber, não vou beber, mas vou me divertir mesmo assim. É saber o limite, a hora que você bebeu e falou assim: “Putz, acho que já é o suficiente, já é o suficiente, não quero mais”. É beber água enquanto você… É muito adulto beber água quando você tá bebendo, vai. Tipo beijinho no ombro de cê falar: “A água”. Aí cê fala: Tô adulta. Tô adulta, tô bebendo água enquanto eu bebo álcool.

Altay: Acho que eu me sinto velho que eu comecei a beber tarde.

Guilherme: Mas é engraçado que tem muito adulto que não faz isso, né. Quando eu comecei a fazer isso eu sentia vergonha. [Cris: Eu acho assim, eu acho…] “Meu, o pessoal deve tá vendo que eu não tô bebendo tanto.”

Cris: Cê fala assim: “Nossa, tô madurão, né. Olha, veja bem, estou bebendo água.” E eu acho que é você não pressionar ninguém pra beber o tempo todo e não ficar enchendo o saco pras pessoas beberem mais.

Guilherme: Nossa, eu fiz muito isso quando era mais novo.

Cris: Ô… o tempo todo! E eu acho que…

Ju: [Interrompe] E você pode ser o coach da galera. Porque o Yassuda assume esse papel nos nossos amigos que ele é o coach da bebida. Então, por exemplo, no casamento do Ken ele fez isso. Ele chegou e falou: “Água pra todo mundo.” Ele chegou e falou assim: “Você não vai misturar isso. Comer, agora é hora de comer”, então todo mundo vai comer.

Guilherme: Mas ele reveza na turma ou é o coach fixo?

Ju: Não o Yassuda é o coach, porque tipo… [Guilherme: Quis ser legal.] Mas ele manja porque ele é o cara. A gente é tudo pai, tudo adulto, não vai pra balada. O Yassuda é o que tá na balada todo dia. [Risos] Então ele tem a manha, entendeu? [Guilherme: Profissional.] Ele é profissional.

Cris: Então, cê não acha que isso pode ser um status social? O cara que sabe beber. Isso pode ser um status, né? O cara que fala assim: “Deixa que eu aviso a hora de parar.”

Ju: Não, todo mundo agradece ele: “Olha, hoje eu bebi bem graças ao Yassuda, hoje eu estou bem”.

Guilherme: Acorda bem no dia seguinte, manda um whatsapp: “Yassuda, Valeu!”

Cris: “Putz, aquela aguinha ali naquela hora me salvou”.

Altay: Mas se você chegar pra ele e perguntar: “Eu posso parar agora?” Quer dizer que você não tá refletindo muito bem sobre você mesmo. [Risos] Quer dizer que você botou seu limite fora, então cuidado.

Cris: Não, beleza. Quando você tá com o coleguinha junto ajuda também. Ju, e aí? o que eu é beber moderadamente?

Ju: Bom, o que eu achei interessante estudando pra pauta é mostrando que você tem alguns estudos neuropsicológicos que avaliam memória e outras funções de pessoas que não são dependentes de álcool, mas que tomam doses diárias de álcool e que você tem um dano sutil de memória e de rigidez de pensamento que elas não percebem e elas acham que se deve ao envelhecimento. Entendeu? Então, assim, você tem um consumo ao longo da vida toda de álcool e você acha que quando você começa a ter perdas cognitivas é porque você tá velho. Não! Isso já é o impacto do álcool. Então isso que eu acho importante. Quando eu falo sobre beber moderadamente, pra mim eu não tô expondo meu corpo a esse tipo de coisa. Tá, então… e eu achei interessante também de começar a ver que como a gente vê as coisas muito preto e branco, né. Então, assim, é o absurdo do teu tio que perdeu o controle e o super seguro que é o nosso e não tem essa escala cinza. A gente perde o contato pra saber o que é beber moderadamente que assim, quase toda, não é o álcool, qualquer substância que altera o funcionamento do corpo ou da mente, no começo causa muito prazer e nenhum desprazer e aí depois começa a causar prazer e pouco desprazer e o final da linha, que é só onde a gente vê, é que é raro prazer e muito desprazer. Mas você tem um continuum disso, entendeu? Todo nós aqui na mesa, todos nós que usamos álcool em algum momento já chegamos na parte do desprazer, entendeu? A gente já teve o prazer com desprazer, então a gente já caminhou. Nesse espectro entre início e fim a gente já tá no meio. Alguns de nós tá mais pra cá e alguns de nós tá mais pra lá, né. Então a consciência disso já é o primeiro passo. Na minha história muito particular eu sou filha de alcoólatra também, tenho a família super tocada por isso, eu perdi um primo num acidente de carro por conta de álcool também e pra mim a discussão de álcool é muito marcada. Então assim, cheguei a conversar com a Cris sobre isso esse ano já, eu tenho uma série de regras que eu imponho pra mim em relação ao álcool: então assim, eu não bebo sozinha, eu não bebo triste, eu não bebo… por exemplo, se eu beber em dezembro agora, tava cansada, final do ano, sempre tem comemoração disso, aniversário disso, festa daquilo, não sei o quê… Quando eu vi eu tinha bebido quase todos os dias. Aí o mesmo tempo que eu bebi eu passo sem beber, entendeu? Então assim, eu tenho uma série de coisas que eu coloco pra mim pra tomar pé da situação. Pra ter certeza de que eu tô no controle ainda da situação e mesmo assim, mesmo me preocupando com isso, mesmo querendo ser consciente e tal, eu ainda tenho… vou ler essa pauta, vou estudar pro assunto e vejo assim, cara, na boa se você não bebe todos os dias, se você, sei lá, bebe uma vez por semana e você faz o binge drinking então você já tá abrindo a porta pra… você já caminhou nesse espectro, muito. Então assim, pra mim, antes de fazer esse programa, beber moderadamente era não precisar de bebida pra me divertir, não colocar a bebida como uma muleta pra resolver os meus problemas, então eu nunca bebia se eu tava triste. Isso era o meu beber moderadamente. Hoje o meu beber moderadamente tem mais a ver com o que o Gui falou. Tem a ver com não beber muitas doses numa mesma hora, então assim, você não precisa entornar várias taças de vinho, então você vai tomar uma taça e você necessariamente vai tomar uma taça de água e se é uma taça por hora, essa taça vai ter que render, né gente? [Risos] [Cris: A gente bebe rápido, né?] Brasil do céu, eu bebo rápido.

Altay: A conversa vai ter que ser boa pra você não perceber essa taça…

Ju: Mas é legal, né. Acho que tem muito a ver também com a relação que a gente tem a comida e tal. É saber que você tá fazendo uso de uma substância que ela é tóxica, né. Então assim, como que você vai usar? Porque tudo é remédio e veneno, é só uma questão de concentração. Então a partir de quando esse álcool virou veneno para mim? Então, assim, se cientificamente já tem dados da Organização Mundial de Saúde sobre quanto ele considera que você pode tomar, que é saudável, seu corpo aguenta e tal, já é bom para ficar no radar, né? E é menos do que eu pensava. [Risos]

(Bloco10) 1:31’00” – 1:40’59”

Guilherme: Que tipo de vida eu quero viver, que tipo de homem ou de mulher eu quero ser, eu quero ser um homem que só se diverte bêbado, que só consegue se aproximar de uma mulher estando mais bêbado ainda? Será que é isso que eu quero?

Ju: Só consegue relaxar no final do dia com uma dose?

Guilherme: [interrompe] Só no final do dia com uma dose? Que dirige alcoolizado, que provavelmente vai colocar em risco a própria vida e de de outras pessoas, dos filhos, quando tiver filhos, da mulher, quando tiver mulher ou do esposo quando tiver esposo. É essa vida que eu quero para mim? Então, isso que você colocou é super forte, Ju, de ter perdido um primo por causa de alcoolismo, porque são inúmeras as histórias assim e eu não tenho nem ideia de como foi a circunstância, mas às vezes a pessoas não só morre como mata outras ou às vezes quem estava alcoolizado não morre e mata outros [Ju: Sim.] de inúmeras maneiras: com carro, com faca, com armas. O índice de homicídios entre homens é uma coisa maluca: são mais de noventa por cento dos homicídios são entre homens. Fora a quantidade absurda de mulheres violentadas, estupradas, assassinadas, os homens estão se matando, são noventa e cinco por cento deles nas prisões. Então, que loucura é essa e eu acho que o álcool é uma droga institucionalizada que permeia essa estrutura doente em que a gente vive hoje. Então acho que…

Altay: [interrompe] E garante a manutenção dela, em certa medida.

Guilherme: [interrompe] E garante a manutenção dessa estrutura doente. Então como é que a gente discute isso? Acho que são todos os pontos importantes, assim.

Altay: E essa mesma discussão que estamos fazendo sobre o álcool, no caso de outras drogas serem legalizadas, eventualmente terá o mesmo grau de discussão também. [Ju: Sim. Exatamente.] Porque conforme você institucionaliza, a discussão cairá…

Cris: [interrompe] É. No programa da semana retrasada a gente falou sobre abuso de crack, então é… Tem diversas outras drogas que também existe a discussão sobre uso, sobre abuso, então esse papo vai longe.

Altay: É.

Ju: É, mas esperamos ter contribuído para que você tenha uma outra visão sobre álcool e diversão e consumo e, enfim, consumo consciente e vamos para o carnaval se divertir, né? Não se entorpecer.

Altay: Bebam água! Se eu pudesse sugerir alguma coisa, “bebam água”.

Ju: [Risos] “Use filtro solar e beba água!”

Altay: Dê água aos amigos…

Guilherme: E não tenham vergonha de fazer isso.

Altay: Bastante água!

Guilherme: Água!

Cris: Água, glitter, filtro solar… Bom carnaval.

Guilherme: E camisinha né?

Cris: É isso. Vamos então para o Farol Aceso?

Ju: Bora!

[Sobe trilha]

[Desce trilha]

Cris: Vamos então para o Farol Aceso. Vamos começar com a diva, dona da internet, Bia Granja. Querida, o que é que você tem para indicar?

Bia Granja: Eu quero indicar um aplicativo que eu acho que tem a ver com todas as conversas que a gente teve hoje, porque se a gente fosse menos ansioso, a gente não ia divulgar notícia falsa, a gente não ia se meter em lacração, em brigas da internet, a gente não ia beber pra ficar, que nem o Gui falou né, para ficar “supimpa”, etc. etc. Então o aplicativo é o Breathing Zone, é um aplicativo que, basicamente, te lembra de respirar e ele fala: “Breathe in, breathe out”. É tipo: “Miga, respira”.

[Risos]

Ju: Sensacional.

Cris: Maravilhoso!

Ju: Altay, o que é que você indica?

Altay: Então, vou compartilhar com vocês é um hábito que eu e o Ken temos quando a gente grava o Naruhodo!, antes ou depois… Aliás, se vocês tiverem dúvidas, perguntas, curiosidades que vocês queiram que sejam respondidas mandem para o Naruhodo!. Pode mandar o louco, que a gente tenta responder. Mas, sempre antes e depois a gente vai num restaurante de Lamen muito bom que fica ali perto do metrô Paraíso que chama Jojo, Jojo Lamen. É o melhor Lamen de São Paulo, dá para falar com confiança. Se você não conhece Lamen e tem curiosidade de comer uma comida japa original como em Tóquio, vá lá. Caso você conheça e conhece, por exemplo, o Asca ou outros restaurantes da Liberdade, olha, eu posso garantir que o Jojo é o melhor. [Risos da Ju] Essa é a minha recomendação.

Cris: Que delícia! Gui, conta para a gente?

Guilherme: Eu indico o livro “A História da Sua Vida”, do Ted Chiang. Esse livro tem vários contos de ficção científica e tem o conto que inspirou o filme “A Chegada”, que é o filme de ficção científica mais interessante que eu vi nos últimos tempos. Então recomendo de olhos fechados esse livro. E teria uma segunda indicação inspirada aqui no momento pela Bia Granja, que ela falou do app de respiração, que eu já achei interessante, e sugiro depois que você tiver bem amigo do app ir para a meditação em si. Então se você entrar no YouTube e googlar “para começar a meditar”, você vai encontrar um vídeo que foi feito pelo “O Lugar”, que é um projeto do qual eu também sou um dos fundadores e lá se explica exatamente como fazer e você pode adotar isso como hábito também. Eu acho que vira uma dupla bem legal junto com o app e a última sugestão seria o documentário “Precisamos falar com os homens: uma jornada pela igualdade de gênero”, que está público no Youtube e tem tudo a ver com a conversa de hoje.

Altay: Muito legal.

Ju: Muito bem. Cris?

Cris: Muito bom. Bom, eu vou indicar um aplicativo também… A gente está tão tecnológico! O aplicativo chama “English Central”, ele ajuda no “ingrêis”. Fala “ingrêis”, entender o inglês. Então eu achei super legal, é free e aí passa o videozinho, passa a legenda em inglês para você ler e ir entendendo, você pode diminuir a velocidade. Depois você faz testes para ver se você compreendeu, complementa com palavras que foram ditas no texto, depois grava você falando e ainda recebe uma nota pela sua pronúncia. Coloca aí que você vai testando no trânsito, no carro, na hora que está parado nas filas e esperando pessoas te atenderem em reuniões (porque elas sempre atrasam), vai testando o seu inglês e é bem legal, gente. Olha, chama “English Central”. Corre lá. Ju, o que é que você manda?

Ju: Bom, eu continuo na maratona do Oscar, né? E eu assisti esse fim de semana o filme “Lion”. Ele é sobre um menino indiano que se perde e aí depois de altas aventuras ele acaba sendo adotado por uma família australiana. Mas, assim, ele se perdeu muito jovem, com cin… Jovem não, criancinha, com cinco anos. Ele não tem como dar informação nenhuma de onde ele veio, qual é o lugar que ele veio e tal. E aí o filme vai contar a história verídica desse menino quando ele cresce que faz uma jornada para tentar buscar as suas raízes. Então é um filme sobre raízes, sobre memórias, sobre história, sobre identidade e acima de tudo sobre amor. O filme tem atuações primorosas, o Dev Patel está sensacional, eu já gostava muito dele, tenho um carinho por ele daquela série “News Room” e de outros filmes que ele fez enfim, ele cresceu e ele e a Nicole Kidman, quem diria, salvam um filme que poderia ser um filme pastelão, água com açúcar e óbvio porque a história é verídica, gente, não tem “plot twists”… Não tem não, é uma história real, aquilo aconteceu. Mas as atuações deles dá [dão] notas muito humanas para os dramas, assim, é realmente muito bonito, eu me emocionei bastante, super recomendo. E assisti também um dos favoritos ao Oscar que é o “Moonlight” e eu estava recomendando justamente para o Gui porque ele vai falar sobre construção de identidade masculina negra na periferia. É um filme muito legal, ele é bonito, ele foi um filme com baixíssimo orçamento e ele é um filme muito bonito. Ele tem dois atores que a gente conhece e eu não vou lembrar os nomes deles mas um deles fez o médico na série que eu já indiquei aqui “The Nick”, ele é o médico negro da série “The Nick”, ele é muito bom, eu já gostava dele dessa série, ele está muito bom nesse filme. E o outro, ele faz “House of Cards”, ele é o lobista, ele faz a série “Luke Cage”, ele está sensacional também, esse cara, ele é um ótimo ator. E o que eu achei desse filme? A sensação que eu fiquei é que eu peguei só a primeira camada, eu não consegui entender as outras camadas do filme. E isso não é uma crítica, é porque claramente o filme não foi feito para mim. Eu não tenho as referências para entender, eu não tenho a vivência para entender do que é que ele está falando, sabe? E é muito legal porque ele está saindo de um outro olhar, ele está querendo contar uma história alternativa. Toda vez que você ver uma história sobre periferia de uma certa forma é a mesma história contada e ele está contando uma outra história. Os personagens são os mesmos mas a dinâmica da história, o jeito de contar a história, aonde ele vai chegar, é muito diferente. É um filme que vale muito a pena, ele é um dos principais cotados, ele é um filme só com negros, vale muito a pena assistir. E por último, um livro que a Cris já indicou, já estava na lista para eu ler desde que ela tinha indicado, que é o “Americanah”, da Chimamanda Ngozi, que é a mesma coisa, né, aquela coisa do “tirar o olhar”, a mesma coisa do Moonlight. Então: ver uma história contada sobre outra perspectiva. Eu devorei o livro em um dia e meio porque não dava para parar de ler, é um romance mesmo, mas eu estava conversando com a Cris que é um romance e ao mesmo tempo é uma tese sobre raça, né? Então, uma tese sobre racismo que ela romanceia para ficar mais palatável, para você se interessar, para você se envolver, mas ali tem uma série de teses, ela está escrevendo uma série de ensaios, na verdade, ensaios sobre raça. Gente, leiam porque é delicioso de ler e faz pensar bastante. É isso.

Cris: Temos um programa?

Ju: Temos um super programa, né?

Cris: Eita, coisa… Está bom demais isso aqui. Então, fica a gostosa sensação de deixar um Mamilos gigante para o carnaval de vocês. Não é isso mesmo, Juliana? A-la-la-ô?

Ju: É isso aí. Bora para a diversão.

Cris: A gente se esbarra nos bloquinhos por aí. Beijo!

Ju: Beijo!

Guilherme: Beijo.

Altay: Tchau!