Jornalismo de peito aberto
Este programa foi transcrito pela Mamilândia, grupo de transcrição do Mamilos
Transcrição Programa 117 – Paradoxo da Tolerância
Transcrito por Marina, Masques, Carla Rossi, Aline Bergamo, Alan Bastos, Márcio Masques, Fernanda, Bruna.
Revisado por João Gentil de Galiza
Cris: Todo mundo aprende a calcular a fórmula de Bhaskara, mas a escola não nos prepara para cuidar do nosso dinheiro. A gente tem que se virar nos trinta, aprender na prática, na tentativa e erro. Foi pensando nisso que o canal da Easy no Youtube dá várias dicas de como cuidar do seu dinheiro e, principalmente, como investir bem. E ó: nem precisa esperar chegar dezembro, décimo terceiro para começar. Já dá para começar agora com trinta reais. Não é complicado! Sério mesmo. Complicado é reconhecer o que que é democracia e o que que é farsa. Investir, gente, é fácil. E com o aplicativo da Easynvest, investir fica prático, seguro e rápido. Baixe lá e já comece a investir no seu futuro.
[Vinheta de abertura]
Este podcast é apresentado por b9.com.br
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[Trilha]
Ju: Mamileiros e mamiletes, que bom estar aqui mais uma semana conversando com vocês. Chega mais no nosso cantinho de reflexões. Quem vai te guiar nessa expedição para conhecer diferentes visões somos eu, Ju Wallauer e minha companheira de estrada.
Cris: Cris Bartis! Com febre.
Ju: Gente, começamos esse programa agradecendo muito, muito, muito obrigada para todos os padrinhos, para todos os patronos do Mamilos. Somando as duas ferramentas, já são mais de cento e cinquenta pessoas a receberem a nossa newsletter essa semana. Estamos super ansiosas para saber o que vocês vão achar da edição número um. Eu achei incrível! A Cris fez um trabalho maravilhoso! Botou um amor, botou um carinho em cada uma das notícias. Notícias você vai ler em qualquer lugar, mas notícia com a voz mineira da Cris é só na nossa newsletter.[Risos da Cris]
Cris: Mentira… Vocês podem ver que a gente está se dividindo para dar conta do trampo, né. Se vocês não sabem do que que a Juliana tá falando, vamos lá. O Mamilos, ele tá buscando se viabilizar financeiramente, depois de três anos de muita correria produzindo programa nos horários de almoço e madrugadas, gente, de verdade, não damos mais conta. Então a gente tá buscando na nossa comunidade o apoio pra manter esse canal no ar. Para estimular as doações e buscando uma troca justa do retorno do apoio de vocês, a gente criou esse outro canal de comunicação que é o Mamilos News. É a nossa newsletter semanal que reúne o que a gente leu de mais interessante na semana e um pouco do nosso olhar sobre os assuntos. A nossa meta é chegar a três mil e quinhentos assinantes e conseguir mais tempo livre pro Mamilos. A assinatura custa R$ 9,90. Você pode usar cartão de crédito ou boleto. Você vai receber quatro newsletter por mês, o que significa menos de R$ 2,50 por newsletter. É o valor de uma pipoca.
Ju: E aí, gente. Vocês trocam uma pipoca pela manutenção desse canal no ar? A gente tá falando por continuar ter um Mamilos e, além disso, plus, ter uma newsletter. Vamos? O link para ser doador e assinante do Mamilos é:
www.padrim.com.br/mamilos ou www.patreon.com/mamilos
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Cris: Bora lá! Por fim a gente tem uma dica muito legal. A Espetacular Oficina de Sopro do França está com trinta vagas destinadas a pessoas que não tem condições de custear um curso pago. E tem cotas para meninas dentro desse grupo. As aulas acontecem duas vezes por semana na praça Roosevelt em São Paulo e os formados, eles participam do bloco “A Espetacular Charanga do França” que sai pelas ruas da cidade no carnaval. Eu adoro esse bloco! Eu vou… é o segundo ano, já. E os instrumentos de sopro é bem coisa bandinha, mesmo, assim. É muito legal! O link pra você se inscrever e fazer parte dos músicos do bloco tá na pauta.
Ju: O Mamilos é resultado do trabalho colaborativo de uma equipe apaixonada. Na edição: Caio Corraini, o mestre, o maravilhoso, salve, salve. Nas redes sociais, Guilherme Yano e equipe. Repararam nas capas? Estão cada dia mais lindas [Cris: Mais lindas!]. Gui, você é foda! Apoio à pauta: Jaqueline Costa e grande elenco. E transcrição dos programas: a maravilhosa Lu Machado com sua Mamilândia.
[Trilha]
Cris: Vamos então falar do paradoxo da tolerância? De onde saiu isso? Como nós estamos nos relacionando com essa intensidade nos últimos dias. Mas antes de entrar de cabeça na teta, vamos ouvir um pouco do que que o pessoal achou do programa da semana passada?
Ju: No Twitter você pode nos seguir no @mamilospod. O @kerezu(???), será isso? [Cris: @akiresu(???)]: “Deveria ter candidatos independentes, nem que fosse só pra mostrar que existem ideias que esses candidatos mainstream não defendem e que tem gente que acredita”.
Cris: Você pode falar com a gente também pelo
Facebook: facebook/mamilospod
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Ju: A Juciane Nogueira disse: “Me orgulhava por ter senso político e conseguir participar de maneira mamileira de toda e qualquer discussão até que chega esse episódio e meu mundo caiu. Como assim eu não escolho o deputado que eu voto? E aquele papo de que você tem que acompanhar seu candidato: como fica? Em que bolha eu estava vivendo em que nem ao menos tinha ideia de que estava votando uma ideia e não em um candidato? Sempre soube que existia a questão de deputados muito bem votados, tipo Tiririca, arrastarem vários outros com ele. E sempre achei que a forma mais correta seria seguir a lista de maneira direta. Mas confesso que depois de ouvir o episódio por quatro vezes, estou um pouco confusa sobre qual o cenário ideal.” Bem vinda ao clube, amiga! [Cris: Maravilha!][Risos da Cris] Por ora eu tomei como lição de casa, estudar muito sobre o nosso sistema político, pois descobri que não sei de nada”.
Cris: Muito bom! Eu respondi pra ela: Tamo junta!
Ju: Muito bem! Assim… esse é um ótimo… [Cris: Eu respondi pra ela: Tamo junta!] Esse é um ótimo começo! Só sei que nada sei funcionou para um dos maiores pensadores da história. Então tá bom, miga!
Cris: Você também pode conversar conosco no site
mamilos.b9.com.br
. O professor Marcos Marinho disse: “De fato o marketing não faz milagre, mas para além do que foi apresentado o custo das campanhas é proporcional à dificuldade de atrair o eleitor. Como os políticos e partidos não investem ou investem pouco na comunicação entre pleitos, e também pela negatividade da exposição do ambiente e atores políticos, atrair, conquistar e manter o voto durante o espaço reduzido das campanhas, autoriza a majoração dos custos. Também vale lembrar que os pontos mais dispendiosos das campanhas não são as criações e produções de material, mas os gastos com aquisição do tal apoio político”.
Ju: Você pode escrever pra gente no [email protected]. O Caio Cesar Rebouças disse: “Acho que a pessoalidade existe e tem que ser mais clara. Acho que a representatividade não vai existir mesmo no distritão, como não existe hoje no atual modelo. Candidatos vão tender a aglomerar ideologias não representadas pra pegar votos. Você ir atrás de um deputado reclamar de alguma coisa, você vai atrás de um deputado reclamar de alguma coisa e vai tomar ‘um partido vota assim, concordo, te entendo, mas o partido vota assim e eu não fui eleito, entrei por legenda’. Acredito no modelo proposto, mas o mandato tinha que ser de dois anos apenas. Isso ia obrigar o parlamento a estar correndo sempre atrás da aprovação de algum grupo. Sobre o fundo partidário, faltou discutir o modelo como é e porque política se faz na televisão, como o sistema de marketing é de resposta, como são imediatos e perecíveis os discursos de campanha… Acho pouco produtivo candidatos que têm opiniões que duram 36 horas ou propagandas políticas produzidas no dia para entrar no horário do Jornal Nacional. Candidatos deveriam ter um material só, ser consistente, abrangente e pronto. De resto é andar, conversar e debater. Ver as coisas sair da boca deles. As campanhas atuais são um narrador lendo um texto. Você nem sabe dizer se o candidato sabe o que a propaganda fala, o que ele acha daquilo.
[Trilha]
Ju: Vamos então para a treta? E antes de começar qualquer coisa, a gente agradece os anjos que fizeram esse programa acontecer, que fizeram um corre disgramento pra gente conseguir essas pessoas maravilhosas que estão na mesa. Pra gente conseguir ter um representante aqui de direito constitucional, a Maria Eugênia e a Ju Jelly (?)
ajudaram muito, o Ricardo Carrion e a Flávia Amaral. E pra gente ter uma jornalista aqui, os jornalistas mamileiros unidos mais uma vez fizeram a mágica: Oga, Alek e Marco Túlio. Um beijo, seus lindos. E vamos começar apresentando os nossos convidados. Temos aqui Camila Costa, produtora e repórter da BBC Brasil.
Camila: Oi, gente!
Ju: Muito bem vinda! Muito, muito bom!
Camila: Obrigada!
Ju: E… temos também Bruno Alves Duarte que é advogado do grupo de direito público, relações governamentais e regulatórias do escritório Trench, Rossi & Watanabe?
Bruno: Isso!
Ju: Mestre em direito constitucional pela Universidade de Coimbra, especializado em direito público e direito constitucional.
Bruno: Olá!
Ju: Boa noite, Bruno! E o mais importante de tudo: ele é mamileiro.
Bruno: Desde o começo! Isso é verdade!
Camila: Somos todos! Tô muito honrada, por sinal.
Cris: Que maravilha!
Ju: Muito bem! Com essa mesa especialíssima, vamos começar primeiro… olha que coisa mais exclusiva, que coisa incrível! Vamos começar com o depoimento in loco do Ricardo Senra que foi pra Charlottesville cobrir pela BBC o que que aconteceu lá. Então o Ricardo vai nos dizer o que que ele viu.
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Ricardo: Quando eu propus essa ida a Charlottesville, para cobrir essa marcha, esses protestos dos chamados Unite the Right, ou Unir a Direita, o assunto era bem pequeno e discreto aqui, ainda, nos Estados Unidos. Alguns blogs, há algumas semanas falavam sobre o protesto, convocavam e anunciavam essa marcha. Outros se propunham a fazer uma oposição a ela, mas ainda numa escala pequena. Eu queria entender quem seriam esses grupos que formam essa base mais barulhenta e agressiva do presidente Donald Trump. Eu fui de peito aberto, sem saber exatamente o que eu encontraria por lá, sem saber qual seria a proporção disso e esperava encontrar um mínimo de bom senso nos presentes ali, pra tentar traçar um perfil de quem seriam esses caras que apoiaram tanto a campanha do Donald Trump. E, lá, eu não encontrei bom senso nenhum, basicamente. Foi bastante chocante já na sexta-feira, na véspera do protesto oficial, eu ouvi um boato, fui correndo até a Universidade da Virginia, e lá encontrei centenas, literalmente, talvez mais de mil pessoas carregando tochas numa referência claríssima e direta e aberta mesmo à Ku Klux Klan, ao grupo racista que promoveu massacres a comunidades negras nos Estados Unidos desde os anos 50.
Ricardo: Eles não escondiam essa referência, gritavam claramente o nome da Ku Klux Klan, faziam, como vocês devem ter visto, saudações nazistas, esticando o braço, substituindo o nome de Hitler pelo nome de Trump, “Heil Trump!”, eles repetiam muito, diziam “Sou nazista, sim!”, faziam ataques diretos e o tempo todo a minorias étnicas e religiosas, faziam ataques a gays, faziam ataques a imigrantes, faziam ataques a judeus, e isso surpreendeu muito a cidade naquela noite que antecederia o protesto principal, que aconteceu no sábado, quando, aí sim, durante o dia, todas as pessoas desfilaram com as suas suásticas tatuadas nos crânios, nos peitos, muitas bandeiras com referências nazistas, as bandeiras confederadas, em referência aos estados confederados, que defendiam a continuidade da escravidão nos Estados Unidos durante a Guerra Civil e, como eu disse algumas vezes, o ódio marcava todos os momentos ali durante aquele dia, o tempo todo muita agressividade, uma estratégia de intimidação assim, os caras, desde a véspera, eles rodavam a cidade toda e passavam na frente do comércio, na frente de grupos escolares e de gente, enfim, reunida na porta de casa, com essas bandeiras, fazendo provocação, fazendo essas saudações todas, durante todo o protesto, ele foi marcado por muita violência. De um lado, boa parte dos moradores da cidade, que é uma cidade bastante progressista, votou e vota tradicionalmente, maciçamente em Democratas – na última eleição, a Hillary [Clinton] teve quase 80% dos votos por lá – e junto a essa massa da cidade, ali, tentando fazer frente a esses nacionalistas, também grupos que vieram de fora, que foram convocados para oferecer uma resposta a essa agressividade toda, os chamados Antifascistas, né, que também estavam ali, muitos deles bastante, também, exaltados, com seus sprays de pimenta e tudo mais. Os dois grupos, o tempo todo, entravam em confronto, e era sempre bastante violento, com muito sangue, e a polícia estava ali num número reduzidíssimo, e acompanhava tudo muito de longe, enquanto a pancadaria acontecia solta, e isso continuou assim até que fosse declarado estado de emergência, e aí o governo mandasse um efetivo policial muito maior, e helicópteros, tanques, e tudo mais, e a situação pareceu ser controlada por esses efetivos todos. Mesmo assim, depois que o estado de emergência fosse declarado, que a cidade fosse evacuada, que esses manifestantes que defendiam o racismo e defendiam o ódio fossem tirados da praça onde eles se concentravam, depois de tudo isso, quando a cidade parecia voltar aos eixos e à tranquilidade, uma nova tragédia acontece, e um carro dirigido por um simpatizante do neonazismo – simpatizante segundo familiares, segundo professores que foram entrevistados aqui pela imprensa americana – avançou com o carro sobre uma multidão de pedestres que estava ali reunida no centro da cidade, e matou uma advogada, como vocês sabem, ele avançou sobre dezenas de pessoas, atropelou pelo menos 19 que ficaram feridas, depois ele reatropelou, partindo em marcha a ré, e fugiu, mas foi pego pela polícia. Então, foi bastante chocante, acho que ninguém esperava aquela proporção tão grande de pessoas ali, isso mostrou um poder de organização bastante grande desses grupos raivosos, xenófobos, racistas, e pegou muita gente de surpresa. A maneira como o presidente Donald Trump se colocou em relação ao que aconteceu, inicialmente dividindo a culpa, ou atribuindo a culpa pela tragédia que foi aquilo a diferentes grupos, como ele disse, portanto equilibrando ou atribuindo responsabilidades similares aos nazistas, aos racistas e também aos que faziam oposição a essa manifestação, segundo os próprios organizadores, os estimula a voltar pras ruas, eles prometem fazer novos atos, estão tentando marcar novos atos aqui pelo país, sempre usando como mote a derrubada das estátuas confederadas, das estátuas em homenagem a esses generais que defendiam a escravidão durante a Guerra Civil, e é isso, vamos ver agora o que vai acontecer. De outro lado, também, é claro, as imagens fortíssimas desse episódio geraram também uma indignação muito grande, portanto uma resposta bastante forte a esses grupos, e agora essa tensão baixou um pouco, o assunto parece estar esfriando aqui no Estados Unidos, mas esses blogs todos que eu comentei com vocês, que faziam o anúncio e convidavam pessoas a marchar em nome da suposta superioridade branca que eles defendem dessa maneira que vocês viram, prometem voltar.
Ju: Os neonazistas marcharam em Charlottesville protegidos por uma ordem judicial. Não foi o primeiro caso na história do Judiciário americano. Entre os anos 1920 e 1970, a Suprema Corte dos Estados Unidos, em meio à uma renhida disputa nas ruas e nos tribunais, construiu a mais ampla doutrina judicial de proteção à liberdade de expressão entre as democracias modernas, com base na primeira emenda da constituição do país, que diz: “o Congresso não fará nenhuma lei que limite a liberdade de expressão ou de imprensa”. A princípio, qualquer expressão de uma ideia política, articulada como discurso – seja liberal, comunista, conservador, ou até nazista – e mesmo a difamação de personalidades públicas gozam do mais alto grau de proteção. As chamadas “condutas expressivas”, como a queima de bandeiras do país em protestos, marchas silenciosas e códigos de computador, também são, como regra, protegidas da mesma forma. O debate é: devemos, como sociedade, impor limites ao indivíduo que manifesta seus pensamentos radicais, racistas e odiosos ou, pelo contrário, devemos defender o direito a todos dizerem o que pensam, por pior que seja o conteúdo desses pensamentos? Deve haver limite à liberdade de expressão ou essas manifestações devem ser toleradas como um dos custos pra se viver numa democracia? A gente trouxe aqui algumas estatísticas de um site muito legal, que faz o mapeamento do ódio nacional nos Estados Unidos. Que que eles trazem pra gente? Que aumentou em 197% o número de organizações antimuçulmanos – então, grupos de ódio aos muçulmanos – desde 2015. Então, em dois anos, 197% de aumento. 130 é o número total de grupos ativos da Ku-Klux-Klan em 2016. 663 é o total de grupos antigoverno e patrióticos nos EUA. 193 grupos organizados a favor do segregacionismo nos EUA. 193 grupos de pessoas organizadas pedindo o segregacionismo nos EUA. E aí a gente foi perguntar pro João Goto, que é um professor de história que a gente ama, que tá com a gente desde o início do Mamilos, por que que a gente vê tantos grupos de ódio, o fascismo crescendo dessa maneira?
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João: Olá Cris, olá Juliana, boa noite! Mais uma vez um prazer participar do Mamilos. E pra falar de neonazismo, desses movimentos neofascistas que estão ressurgindo, ou que estão ganhando força nesses últimos anos, eu vou me referir a um texto do Michel Foucault, chamado “Introdução à vida não-fascista”. Esse texto, como o próprio nome diz, é uma introdução de um livro chamado “O Anti-Édipo”, do Deleuze e Guattari. O que eu vou falar, então, tá ali. Estou me baseando, me referindo a este texto, é um texto curtinho, tá disponível na internet, quem quiser só pesquisar, o nome é “Introdução à vida não-fascista”, Foucault, mas enfim, qual que é o argumento do Foucault, qual que é o argumento que eu gostaria de trazer aqui pra vocês: o fascismo ele existe dentro de nós; de cada um de nós. Dentro de mim, dentro de vocês, dentro de todos nós. Por isso que não me surpreende essa retomada do fascismo, do neonazismo, etc. Ele sempre existiu e sempre existirá dentro da gente. Ao menos, existe desde a modernidade. Desde o Iluminismo, digamos assim; uma referência histórica é ai século XVII, XVI, XVII, XVIII. A partir do momento em que a razão, em que racionalidade se torna a única saída, o único meio de pensamento, a única forma de organizar o pensamento humano. A gente chama de epistemologia, episteme, esse modo como uma determinada sociedade, num determinado tempo histórico, organiza suas ideias, organiza o seu modo de pensamento. Então desde que a racionalidade define a nossa episteme, o nosso modo de pensar, o fascismo está dentro de nós. O que caracteriza essa episteme moderna, o que significa esse racionalismo como modo de pensar, como único modo de organizar o nosso pensamento a partir daí do século XVIII? É um pensamento binário, baseado no certo e no errado, na verdade e na mentira, na categorização, principalmente na hierarquização, né? Então a gente… tudo o que a gente pensa, a gente tenta interpretar e classificar, colocar na sua caixinha, criar um modelo que dê conta daquilo que está acontecendo. Então é esse processo de pensamento, de racionalizar tudo o que acontece, de querer dar nome, encaixar cada um no seu quadrado, cada um na sua caixinha, é isso que a gente tá chamando aí de “racionalismo”, de “episteme moderna”, enfim. E qual que é o problema disso? Quando você começa a classificar, quando você começa a hierarquizar, a colocar cada um no seu quadrado, você cria o certo e o errado, o verdadeiro e o falso. E aí as coisas começam a ficar um pouco mais complicadas, porque você tem o verdadeiro, que entende que ele está falando a verdade, que ele é o dono da verdade, e ele é incapaz de aceitar o outro. É incapaz de entender que não é simplesmente preto e branco, né. Mas seria mais tons de cinza, que existem várias tonalidades, existem várias formas de pensar, várias formas de se organizar o mundo. E o que seria, então, uma vida não fascista? Qual seria o… não o oposto, mas o que que o Foucault, que que o Deleuze, que que o Guattari tão propondo aí? É uma vida não fascista baseada na multiplicidade. Ao invés do “ou”, da gente usar “é isso ou aquilo”, as coisas poderiam ser isso e aquilo e mais aquilo e mais aquilo… Então a pluralidade, a fluidez, multiplicidade de ideias, de pessoas, de formas de se lidar com as coisas, das formas de se entender o mundo, das formas de se viver o mundo, né, isso ser mais aceito. Ao invés de “existe um modelo certo” / “existe um modelo errado”. E aí o modelo certo quer combater o modelo errado. Os dois lados. O fascismo existe tanto do lado da direita como o da esquerda. Direita com o nazismo e esquerda com o stalinismo e outras ditaduras de esquerda. O fascismo está em nós, ele existe em nós. E cabe a nós combater aquilo que nos cabe, que é dentro de nós mesmos. Se nós conseguirmos combater esse fascismo que nos assola, que podem nos controlar, já é um grande passo pra gente conseguir avançar e não deixar que esse fascismo, que esses movimentos neonazistas ganhem força novamente. Mas não me surpreende que eles existam e continuem existindo mesmo depois da segunda guerra mundial porque faz parte da gente, faz parte do nosso pensamento. A cada instante, a cada segundo, a gente pensar se o que nós estamos fazendo é realmente certo, se o que nós estamos fazendo é fascismo ou não. Então eu acho que é um pouco por aí a forma como a gente consegue lidar com isso.
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Ju: Gente, o que cês acham? Tá aumentando? A gente tá colocando mais luz sobre isso? Se tá aumentando, porque é que tá aumentando?
Camilla: Olha, eu acho que a gente tá colocando mais luz sobre isso e as pessoas estarem se sentindo mais autorizadas a falar sobre isso especialmente num ambiente de internet, por exemplo, em que se a gente tá falando da primeira emenda americana, até o momento a primeira emenda da internet é ainda mais abrangente. Eu acho que isso tem muito a ver. Mas eu tava lendo, eu tava tentando procurar aqui, inclusive, porque eu li tanta coisa esses dias a respeito que eu já me esqueci as citações… mas eu tava lendo justamente sobre uma teoria de que na medida que as gerações vão passando, duas gerações depois, as pessoas de fato começam a esquecer um pouco a memória do, digamos… [Ju: do trauma, né?] …do trauma diminui, se dilui. Então, nesse sentido, faz sentido na verdade que isso de alguma maneira esteja voltando agora. Fizemos aí 40 anos…
Ju: Sim. Sabe o que que me fez refletir um monte, ler pra essa pauta e tal? É que assim, o jeito que a gente constrói conhecimento é cumulativo, né. Então a gente sobre sempre nos ombros dos outros. Só que isso funciona muito bem pro conhecimento intelectual, então a matemática por exemplo, a gente sempre parte do que a gente já tem e constrói algo a mais. Pra física funciona muito bem, pra química também, só que pra essas coisas infelizmente não funciona. E é isso que é tão difícil pra gente às vezes reconhecer. Porque cada ser humano que nasce a gente parte do zero e a gente tem que fazer o traçado tudo de novo, não tem um download de experiência. Então assim, a gente aprende errando né, então você faz uma coisa, você vê que não é bom você já cria um trauma, não é pra ir por aqui. E tem alguns traumas históricos que são muito fortes, só que eles não passam, eles não são geracionais, né?
Cris: Tem uma outra questão que eu acho que a gente pode levar em consideração é que não se tomava pesquisa a respeito há muito tempo atrás. Esses dados são novos, então a gente não tem base de comparação. E aí pra nós aqui, eu falo nós porque estamos em São Paulo, acho que as pessoas que moram em grandes metrópoles têm mais contato com as grandes evoluções sociais, elas acabam… quando elas param e escutam o que acontece fora das megalópoles elas ficam muito assustadas. É como se as pessoas que morassem na margem das metrópoles vivessem em outro planeta.
Camilla: Ou mesmo nas metrópoles, mas fora dos seus bairros, né? [Cris: Exato.] Porque ao final de contas…
Cris: Então eu acho que tem uma condição aí, né, até pela cidade que aconteceu, o tamanho da cidade, a localização dela, tudo que a gente vê desses grupos recentemente a gente vê fora de grandes metrópoles. Eu acho que tem muito a ver também com o quanto esse tipo de atividade, de ação, estoura a nossa bolha. A gente que tá aqui, que é o centro formador do pensamento crítico do mundo, né, Nova York, Tóquio, Londres, Barcelona, Madrid, Berlim, São Paulo. Aí você vai vendo só as grandes metrópoles, né? Então beleza, a gente tá mais ou menos todo mundo igual, correto pessoal? De repente… não, não estamos mais ou menos todo mundo igual.
Bruno: Eu acho que tem duas coisas que a gente tem que levar em consideração: uma o que a Ju falou que não existe… acho que método científico não se aplica a vida em sociedade, né, a gente não têm necessariamente uma ideia de que a sociedade trabalha com o conceito de progresso, há coisas que melhoraram, pioraram… a reforma trabalhista tá aí. Há pessoas que acham que aquilo foi um avanço, há pessoas que acham que aquilo foi um retrocesso. [Cris: Discordâncias, né?] A vida social funciona assim. E ao mesmo tempo nós somos filhos do nosso tempo e da circunstância em que a gente vive. Então por mais que esse pessoal, principalmente esse de Charlottesville, Klu Klux Klan e etc faça muita referência ao passado, a gente não pode esquecer que eles são fruto dessa vida em que, por exemplo, vamos pegar uma coisa básica, a constituição brasileira diz, né, liberdade de expressão “é garantido o direito ao discurso e vedado ao anonimato”. A internet ela garante exatamente isso, o anonimato. Então, as pessoas que já tinham alguma tendência a serem influenciadas talvez por isso, as pessoas que poderiam ser influenciadas, e todo mundo pode ser influenciado, você passa a ser influenciado por mais gente a partir do momento que você tá na internet. Você passa a ser influenciado por terceiros que você não conhece. Você passa a ser influenciado por outros tipos de discurso que não estava no seu dia a dia. [Cris: E que não são necessariamente ruins.] Podem ser bons, podem ser ruins… nesse caso [que] a gente está falando, eu acho que aqui todo mundo concorda que são…
[Todos riem]
Cris: Eu estava querendo dizer que essa epistemologia, né, esse conceito de valores que regem a nossa época… Há cinco anos atrás não se discutia feminismo, né, e a gente vê esse assunto tomando… Aí uma pessoa começa a falar, a outra começa a falar, você começa a prestar atenção, você desperta para aquele assunto, você começa a entrar naquele assunto. A gente pode falar de inúmeros exemplos a partir desse que é exatamente agora… Esse nó que se dá quando você permite que pessoas vão até as ruas [Concordância do Bruno] protestar ou propagar esse pensamento que eles tem. Eles também alertam à respeito disso.
Bruno: Mas nos Estados Unidos, por exemplo, eles sempre puderam só que você tem a época em que a Klu Klux Klan é uma ameaça, nos anos 50, nos anos 60, etc. Você tem a época em que a Klu Klus Klan vira uma piada [Cris: Até de filme, né?], nos anos 80, nos anos 70, tem até música do Ramones sobre a Klu Klux Klan. Vira piada e depois isso volta a ser sério mas é só, na minha visão, qualquer uma dessas coisas é só um canal para discurso do ódio. Não fosse a referência à Ku Klux Klan, no caso a americana porque é uma coisa muito americana, seria mais referências ao nazismo. Não fossem referências ao nazismo, tem uma outra aí. Não fosse uma outra história mais contemporânea ali, de alguma coisa que se formasse naquele momento.
Camila: E pessoalmente eu acho esse rompimento da bolha mais importante ainda numa era como a que a gente vive agora que é essa era da identidade, de todo mundo ter que afirmar que é tal coisa. Para a gente perceber também que esse tipo de discurso sempre existiu travestido de alguma coisa mas enquanto a gente não afirmava que era alguma coisa, ele parecia mais diluído. E a gente vê isso muito nas grandes metrópoles também. Eu que sou baiana, que sou do nordeste, em São Paulo sempre sofri preconceito em São Paulo. A questão é que é tudo brincadeira. [Concordância da Ju] E essa… Travestir isso da brincadeira, na verdade, o discurso de encarar o outro como algo menor do que você, travestir isso de brincadeira, isso é muito nosso.
Cris: A gente costuma falar aqui que uma sociedade conta muito sobre ela sobre o que ela ri. [Larissa: Exato, exato.] O que faz ela rir explica muito sobre os conceitos e valores dela.
Camila: De quem você ri e com quem você ri, né?
Ju: Mas então, tem umas coisas que a gente colocou na pauta e que eu achei muito legal que é do escalonamento da violência, né? Os insultos geralmente aumentam para assédio, o assédio para ameaças, as ameaças para violência física. Então, não começa do zero e a coisa não vai de zero a cem em um segundo, né? Então existe um aumentar disso, uma crescente disso realmente.
Camila: E um a autorização a isso, cada vez maior. Eu acho que o que as pessoas andam falando de Trump no momento é isso: “Ah, não tinha neonazista no Estados Unidos”. Claro que tinha. Inclusive é uma constante inclusive culturalmente no Estados Unidos eles tratarem disso. [Concordância da Cris e Ju] Tem até aquele filme com Edward Norton “American History X”, muito bom. Eles falam disso mas o que eu acho que, nessa semana especificamente, ficou muito claro para mim, nos textos, nos artigos lidos, esse cara está autorizando isso. [Ju: Sim.] Na hora em que um presidente autoriza isso, isso é [passa a ser] um problema muito mais sério.
Ju: Sim, mas assim, a gente está falando aqui do aumento porque você vê que na Alemanha é o oposto disso. Você tem um trabalho muito consistente para evitar qualquer discurso de ódio e, ainda assim, a cada ano, aumentam as marchas, aumentam os grupos. Então assim, tem uma série… Eu lembro que houve, a gente viu, trouxe aqui para o Mamilos algum atentado na Alemanha, a gente mostrou isso que tinha uma série de cidades que não queriam receber e estavam recebendo marchas e várias estratégias de como lidar com isso. [Cris: De refugiados, né?] Me parece bem marcante o fato de que isso está aumentando no mundo inteiro então o caldeirão… Ele está… A água está fervendo. E aí a gente parte para como lidar com isso porque, assim, dado que temos cada vez mais intolerância, qual é a nossa estratégia de enfrentar isso e essa semana muito se falou do paradoxo da tolerância. De que assim “Ok, a gente vai ser tolerante com quem respeita as regras do jogo, com quem é tolerante”. Se o seu jogo é brincar de destruir o meu jogo, se o seu jogo é brincar de intolerância, aí esse é o limite da minha tolerância.
Cris: Como a gente ouviu muito isso, o paradoxo da tolerância, eu particularmente era uma pessoa que não conhecia a respeito, a gente foi procurar uma pessoa bem esclarecida no assunto para nos explicar um pouco mais. É a Larissa Godim e ela vai entrar via quote.
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Larissa: O conceito clássico de tolerância é o seguinte: suportar o mal sobre o qual você tem o poder de agir. Ter o poder de agir é essencial, porque, se você não pode agir, você não tolera, você é impotente, digamos assim. Então, você tem que ter um mal, algo que você considera desagradável, insuportável e, sobre esse mal, você tem a possibilidade, o poder, a capacidade de intervir, de fazer parar esse mal. O que que é o “Paradoxo da Tolerância”? Um paradoxo é uma contradição. Então, uma contradição, quando ela existe na lógica clássica, aquele pensamento, aquela teoria, não funciona muito bem, porque, em face de um paradoxo, o raciocínio cessa, ele tem que parar, é um contradição insuperável. O conceito de tolerância tem 5 paradoxos essenciais. O que está rolando nas redes sociais ultimamente é o “Paradoxo da Autodestruição”. O que que é o “Paradoxo da Autodestruição”? Ele afirma que, quando a gente tolera intolerantes, o que é que acontece? Esses intolerantes, que geralmente são violentos, vão terminar eliminando os tolerantes, o que é um problema, né? Então, quando a gente tolera permissivamente, a gente tolera demais, a gente tolera tudo, né, geraria um problema grave, porque isso poderia ocasionar a destruição dos tolerantes. É com base nesse argumento, nesse “Paradoxo da Tolerância”, que alguns filósofos entendem que não se deve tolerar, que a tolerância é uma péssima virtude. O Karl Popper é um deles. Ele acredita exatamente que, você tolerando intolerantes, você atenta contra a própria democracia, porque os intolerantes vão destruir a sociedade. Claro, tem outros filósofos que são contra a tolerância, por acharem que ela é uma atitude muito permissiva, ou então por acharem que ela é um instrumento de poder, como por exemplo o Marcuzzi, ele entende que a tolerância mantém estruturas de poder, porque só o pobre e o oprimido toleram. Mas, em todo caso, fica a pergunta: deve-se ou não se deve tolerar os intolerantes? Existem alguns filósofos, como John Stuart-Mill, que entendem que se deve, sim, tolerar os intolerantes, desde que seja sempre em nível de discurso, porque ele faz uma distinção entre o pensar e o agir. Então, enquanto eu penso, eu sou absolutamente livre, eu posso pensar no que eu quiser, mas eu não posso agir sob esse pensamento. Se eu agir sob esse pensamento, aí isso geraria um problema inclusive jurídico, então, assim, uma coisa é eu ser racista, outra coisa é eu, efetivamente, né, matar ou causar algum dano à população negra. Mas por que é que o Mill entende dessa forma? Ele entende dessa forma porque ele acredita que uma opinião estável só é adquirida dialeticamente pelo embate de opiniões, então tanto as opiniões radicais quanto as não radicais são extremamente necessárias. Se a gente eliminar as opiniões radicais, as opiniões que a gente entende que são erradas, a gente pode ficar preso numa espécie de conservadorismo, de tirania da maioria, e a gente fica preso numa opinião errada e a gente não permite que essa opinião evolua num sentido sempre melhor. Mas, se a gente tolerar intolerantes, como é que a gente vai combater a intolerância, que é tão violenta, que é tão problemática? Qual seria a alternativa para fazer isso? A gente tem duas possibilidades: a jurídica e a moral, a político-moral. Na jurídica, fica mais fácil: o limite da tolerância é o limite do crime. Então, se aquela conduta que eu faço, se aquele discurso que eu faço é considerado crime na minha sociedade, ele é punido pelo Direito Penal, ele é proibido, então isso não vai ser tolerado. No caso do Brasil, o racismo é um crime, então o discurso racista não vai ser tolerado, exatamente porque ele infringe uma norma penal. Mas, no caso dos Estados Unidos, não existe esse crime, então, nesse caso, lá, a liberdade de expressão para o discurso de ódio, ela é bem mais ampla. Mas, se você não quiser apelar pro Direito, o que é que sobra? Sobra a questão político-moral. Então, nesse caso, como é que a gente pode combater a intolerância? A gente pode construir instituições democráticas fortes. Isso significa que a gente vai investir na formação dos cidadãos, na participação pública, na política, na educação, e na consciência histórica e moral dos cidadãos. Quando a gente tem essa consciência histórica, é muito difícil que discursos radicais, totalitaristas, ganhem a maioria da população. Então, nesse caso, eles se tornam inexpressivos nas políticas públicas. Claro, eles vão continuar existindo, e eles serão necessários para garantir o quê? Para garantir que não haja a contradição performativa. O que é a contradição performativa? É um nome bonito para dizer o “Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”. Eu não tenho como ser tolerante se eu combato com violência os intolerantes. Isso é uma contradição. Então, o tolerante, as pessoas que defendem a tolerância, no meu ponto de vista, elas devem, sim, tolerar intolerantes, desde que essa intolerância não gere um dano à vida. A vida, não o direito à vida, porque isso gera outras questões, mas a vida, o corpo, a materialidade do corpo, é algo indispensável, ela não pode ser questionada. Então eu não vou tolerar nada que fira, atente contra a integridade física ou a vida de qualquer pessoa.
Larissa: … Mas em todo caso, um jeito de se combater, de sair desse círculo vicioso de violência, é exatamente construir instituições, como eu repito né, instituições democráticas fortes, porque dentro de uma doutrina liberal política a gente pensa que os o seres humanos são racionais e razoáveis. Então, se a gente construir esse conceito de razoabilidade se a gente fincar esse conceito de racionalidade dentro da formação das nossas crianças e adolescentes, etc, isso vai fazer com que as pessoas pensem: “Não, pera aí, esse discurso não tá bacana”. E isso não vai gerar, digamos assim uma disseminação desse pensamento. Do meu ponto de vista, o maior problema hoje não é nem a existência dos discursos intolerantes, mas sim, digamos assim, a disseminação desses discursos, né. A gente começa a ver que, por vários motivos, e, principalmente como diria Hegel e Marx, por ausência de consciência histórica, nós estamos repetindo os erros do passado e isso é extremamente problemático, extremamente problemático. Mas isso também é uma decorrência do quê? Da crise do nosso sistema democrático. Dentro de uma instituição democrática forte, isso que tá acontecendo hoje é bastante difícil de acontecer de verdade. Inclusive, o John Stuart Mill, ele afirmava que se um dia os discursos intolerantes, as opiniões radicais, elas ganharem a maioria, ganharem as políticas públicas isso indica que talvez a gente merecesse isso, ou seja, que a nossa sociedade não é tão razoável e racional como a gente pensava que ela era e talvez ela tem que sucumbir e sofrer para aprender com seus erros. Esse é argumento consideravelmente interessante, mas é bem catastrófico e pessimista também. E o que que eu devo fazer, então, quando eu vejo uma pessoa esbravejando intolerâncias? Bem, você tem o mesmo direito de esbravejar discursos contra aquela intolerância. E aí quando vocês se cansarem de esbravejar vocês vão para casa. Pronto! Só isso! Mas se atacar reciprocamente, isso só coloca ambos os lados na mesma posição, que são posições de violência. Então isso deve ser evitado demais… evitado. E se você falar assim: “Ah, mas eu não acho que os seres humanos são racionais e razoáveis, o ser humano é burro, o ser humano é mau”. E aí? O que é que a gente faz? Bem, aí a gente não tem muita saída, né? Vem terceira guerra mundial. Eu, particularmente prefiro continuar acreditando que a maioria das pessoas são de fato razoáveis e, se um dia se a razoabilidade, ela deixar de existir, eu concordo com Mill: “Isso não vai ser outra coisa senão culpa nossa”. E para aquelas pessoas que alegam: “Ah, mas a gente combateu o nazismo dando flores? dando amor? Não, a gente combateu o nazismo matando nazistas”. Eu só tenho o seguinte a afirmar: “Claro, era uma situação de guerra. Na guerra, os direitos estão suspensos, existe um estado de exceção, não existe mais tolerância. Quando a violência se instaura, a tolerância acaba, não existe mais, só existe violência. Então, enquanto a gente não chega na terceira guerra mundial a gente vai combater intolerantes com discurso de amor, sim!”.
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Ju: E aí, gente? Que que vocês acham?
Camila: Nossa muitas coisas! Fiquei pensando em várias coisas enquanto ela tava falando. Porque no fim das contas o que ela tá dizendo, me parece, é que há um limite para a tolerância dos intolerantes. E o que eu acho mais interessante quando a gente começa a discutir isso é, por exemplo, tem gente que questionou lendo sobre o paradoxo da tolerância no Facebook, na internet: “Ah, mas por que exatamente se você tolera os intolerantes, eles ganham?” Por que a intolerância é a falta de empatia. Então a intolerância pressupõe que o seu estilo de vida deve prevalecer. Numa sociedade tolerante, os intolerantes também tem que suportar o fato que estilo de vida que eles não gostam está sendo tolerado. É por isso que a grita começa a ficar maior e é por isso que eu acho que tem que ter limites para a tolerância dos intolerantes. E eu…aí eu discordo um pouco dela. Eu não sei se esse limite só deve aparecer na hora do atentado à vida não. Porque eu tenho pensado cada vez mais no tipo de violência que o discurso provoca também. E aí, de novo, a gente entra numa discussão do politicamente correto, de até onde você exagera, mas até onde você precisa estabelecer um limite. Eu tenho pensado muito sobre, por exemplo, como crianças negras no Brasil crescem com uma referência de auto-imagem que eu nunca vou saber o que é. Eu já ouvi, entrevistando meninas jovens negras, maravilhosas, lindas, dizendo: “Ah, minha família não queria que eu tivesse esse cabelo não, porque é cabelo de preto”. Eu não sei o que é isso. A primeira vez que eu ouvi isso, me impactou muito. Porque isso é uma violência tremenda. Você se olhar no espelho todos os dias e pensar: “Eu sou feio porque eu sou assim”, e sua mãe te dizer isso. Eu já vi uma mãe negra dizer para mim: “Não, meus filhos são feios, porque eles são assim escuros iguais a mim”. Eu nunca vou saber o que é isso. E o deixar esse discurso perpetuar é muito violento também. E só agora que os pesquisadores que estão começando a entender o tipo de influência que isso tem na vida de uma pessoa, no futuro de uma pessoa. Então, eu acredito que a tolerância dos intolerantes talvez tenha que entrar um pouco antes, sim. Talvez tenha que entrar um pouco… no discurso.
Ju: É, eu achei interessante o Instituto Mercado Popular, traduziu um artigo americano em que se falava justamente sobre: “Bom, já que tamo falando muito sobre esse paradoxo da tolerância composto por essa pessoa, o que que ele quis dizer?” E ele disser também o que tiver dito ali e tal. O livro todo é uma ode à tolerância, de como a sociedade fica melhor e tal; e eles colocam assim: “Os dois lados tão distorcendo muito o que é falado.” Vale a pena ler o artigo, porque ele explicita muito o que está falando, então assim, não é tolerância sem limite, há um limite, mas o limite que este estudioso, especificamente, colocou foi de: violência física. Então assim, uma sociedade deve tentar, por todos os meios, dialogar. Então a gente na visão dele, por errada que seja uma ideia, por danosa que seja uma ideia, ela não deve, não se deve tentar sufocar ela violentamente e violentamente é não necessariamente violência física, mas violentamente é: você não ter o direito de falar, você não tem o direito… Não. “Fala, que eu vou falar junto. Fala, que muito mais gente vai falar do que você.” Então, mais ou menos é o que a gente fala assim: “Ah, bom, vamo falar de uma coisa que é menos polêmica, teoricamente, que é a ciência”. Você não tem num debate sério, científico, um terraplanista e uma pessoa explicando que a Terra é redonda, porque isso não, não exemplifica a comunidade científica. Então você tem um milhão de cientistas de todos os tempos, explicando por A mais B porque que a Terra é redonda e você tem cinco pessoas falando que não é. Eu não vou falar assim: “Olha, você faz um desserviço, porque tem um monte de gente, não tem informação suficiente pra saber melhor. Você tá simplesmente enganando essas pessoas, então você não tem o direito de falar. Como são mil contra cinco, você não pode falar.” O que ele tá falando é assim: “Não. Por inútil que seja a ideia, por errada que seja a ideia, por ruim que seja a ideia, a gente tem que ter um espaço de diálogo, em que se possa falar, não é dar o mesmo peso, não é dar a mesma voz, mas a pessoa tem que poder falar. E isso é uma coisa assim, a gente não precisa concordar aqui, mas é só quando a gente fala do paradoxo da tolerância esse paradoxo foi feito pensado nisso. Assim, num último caso quando conversar não adianta, quando debater não adianta, quando legislar não adianta, aí você vai usar a intolerância, entendeu?”.
Camilla: E faz todo sentido, porque o espaço do diálogo é o espaço da empatia. No fim das contas.
Bruno: É, mas acho que a gente tem que dividir aqui em duas coisas, uma questão é devemos tolerar os intolerantes do ponto de vista social, organização social, disputa social, disputa no meio de comunicação, disputa no meio público; e a outra direito jurídico. [Ju: É…Isso que eu…] Devemos tolerar os intolerantes no meio público? Não.
Ju: Isso que eu ia te perguntar. Exatamente.
Bruno: Não devemos. Nosso dever é combater as intolerâncias. Na disputa pública, na disputa por corações e mentes, na disputa pela alma das criancinhas, que seja, nós devemos o que: não tolerar os intolerantes. Agora, no direito, há uma tendência, eu sempre tive uma tendência muito grande a seguir por essa rota em que a gente vai falar depois, que é a rota americana, [Ju: É, não, mas eu acho que você pode falar agora, explica.] que é a rota da violência física.
Ju: [interrompe] É, a gente tem duas abordagens pra essa questão que a gente tá discutindo, a abordagem alemã, que o direito brasileiro bebe muito dessa abordagem, e a abordagem americana, fala pra gente um pouco.
Bruno: É porque o grande ponto da abordagem é que as pessoas falam: “Ah, nos Estados Unidos é lindo, pode dizer o que quer.” Ou “Nos Estados Unidos é horrível, você pode dizer o que quiser.” A gente tem que entender um pouquinho o contexto histórico e de como isso funciona, tá. Quando eles falam em liberdade e direitos, é a mesma coisa um pouco aquela discussão de armas/não armas. A fundação dos Estados Unidos, ela ocorre com estados, são 13 colônias, que desconfiavam tremendamente uma da outra que decidem se unir e fazem uma constituição que é baseada na desconfiança uma da outra. Então quando ele fala assim: “Olha, você não vai violar meu direito de falar de maneira alguma.” É porque eu não quero que a outra ou quem esteja com poder de ser governo federal; tudo plaina muito em oposição ao governo federal. E foi se construindo essa lógica de poder falar qualquer coisa, contanto que isso não seja basicamente duas coisas, né, incitação à violência ou imputação de um fato que a pessoa não fez. [Ju: Isso se chama mentira, né? ] É, basicamente, contanto que não seja essas duas coisas, eles foram construindo isso, mas corta pros dois lados. A gente precisa entender que lá isso funciona das duas maneiras, então por exemplo não só eles autorizaram a Ku Klux Klan, como em 2011, um caso mais recente, né, tem um… Tem até um documentário muito bacana do Louis Theroux, da BBC sobre isso tem uma igreja, chama Igreja Batista de Westboro, eles costumam ir a enterros de soldados e fazer piquetes lá dizendo que o cara vai pro inferno. E isso, processaram isso, processaram os caras, isso foi parar na Suprema Corte Americana, a Suprema Corte Americana disse: “Pode.” Agora no voto…
Cris: Por que eles vão pro inferno?
Bruno: Porque eles era soldados, combatentes… É uma igreja comandada por uma família de, honestamente, de malucos.
Camilla: Westboro Baptist Church. Ela é bem famosa por esses fanatismos assim.
Bruno: Exato. E eles ganharam nos Estados Unidos em 2011, mas os votos diziam assim: “Olha, liberdade de expressão é um dos alicerces da nossa nação” E os discursos deles é completamente odioso, deles lá, os ministros…
Ju: [ interrompe ] Tá errado. Não deviam fazer e tal.
Bruno: Disseram isso, mas tem direito. Por outro lado, ele garante a você também todas as armas pra combater no discurso, esse pessoal aí, essa intolerância. Então, tem um filme muito bacana que conta um caso, que é de fato muito relevante, que é um filme chamado “O Povo Contra Larry Flynt” [ Cris: É ótimo o filme.] Que ele conta o caso, que um caso que chama Falwell versus Hustler Magazine, basicamente o Larry Flynt é editor da Hustler, ele fazia paródia de anúncios de Campari na revista, ele pegou Jerry Falwell, que era um tele-evangelista, e ele fez uma paródia dizendo que, como se fosse uma entrevista com o Falwell dizendo que perdeu a virgindade com a própria mãe num banheiro, né, num outhouse, né, num banheirinho e esse caso foi parar na Suprema Corte Americana. E basicamente eles ganharam os direitos de falar isso e de fazer essa propaganda, porque não tava imputando um fato que ninguém acreditaria que aquilo era verdade. Então há um instrumental inteiro pra você ter o discurso da intolerância e pra você combater o discurso da intolerância de qualquer maneira. E o humor e a possibilidade de você rir, aqui no Brasil a gente teve, porque foi necessária a discussão muito grande do politicamente correto, o limite do humor, lá a discussão também serve por outro lado, o humor também serve como uma arma de combate. Então a gente tem que olhar a lógica americana como um sistema muito fechado ali que funciona daquela maneira, no Brasil vai ser diferente, né.
Ju: Porque lá na Alemanha é diferente?
Bruno: Na Alemanha é contexto histórico, tudo na vida é contexto histórico, né, então o que acontece lá é: o trauma do nazismo, o trauma do que aconteceu. E aí há discussões enormes de historiadores, até hoje briga-se muito sobre isso como o povo alemão, ou em que medida o povo alemão foi trazido praquilo ou foi partícipe, cúmplice, em que modelo foi aquilo e ele segue uma linha do nunca esquecer e do reconhecimento da culpa. Então como vários países europeus que foram grandemente afetados por isso, eles criminalizam o hate speech – o discurso de ódio -, e alguns países tem crimes ou leis específicas para nazismo e holocausto. Alemanha e acho que Áustria, a Bélgica, que dizem que é crime você negar o holocausto.
Ju: Negar o holocausto… É eles trabalham dos dois lados, né, eles trabalham tanto o lado da educação que a gente ouviu no quote, de assim: nas escolas, visitar campos de concentração.[Bruno: Isso.] De ser uma matéria tão básica quanto cálculo, tão básica quanto aprender a ler, eles na cidade contam essa história, então eles colocam a plaquinha mostrando o nome das pessoas que morreram, enfim eles tem monumentos quanto a isso então é impossível você estar lá, não saber, não entender que aconteceu. Então, de um lado tem isso e do outro lado, a proibição completa a se usar símbolos, a se fazer referência…
Cris: Até os livros são retirados de bibliotecas, tatuagens, signos, né, tudo.
Ju: Você não pode…
Camilla: [interrompe] Trecho do hino alemão. Um trecho do hino alemão não é usado hoje em dia, que era um trecho mais nacionalista, digamos assim, eles não cantam.
Ju: O que que eu achei interessante, justamente quando a gente tava vendo, toda… Porque parece um benchmark muito bom, né. Você vai vendo, ai então assim: “Que que resolveria a questão lá que aconteceu em Charlottesville? Nada disso seria possível na Alemanha e tal”. E aí, tem uma imagem que tá na pauta de uma marcha, então assim: “Você não pode usar o nome do Hitler”. Aí tem um cara com uma camiseta escrito: “I coração HTRR”. [ diz soletrando ] Mas Hitler não pode. Aí me lembrou demais, essa foto me caiu várias fichas e me lembrou demais a escola, pra cada proibição, você tem um jeito de dar volta na proibição. Então assim, eu entendo o desejo de proibir, mas é muito difícil você mudar a cabeça das pessoas, simplesmente querendo botar uma mordaça, entendeu?
Cris: Eu acho que tem uma diferença importante aí. A gente, eu vou voltar no feminismo de novo só porque é o que tá me ocorrendo agora, mas a gente com a Lei Maria da Penha tem falado que agressão não é só física, ela é verbal também, e que ela destrói uma pessoa e que muitas pessoas chegam ao cúmulo de ficarem depressiva e se matar por conta de discurso de ódio. E aí vamos falar o que que é discurso de ódio, que eu acho que é um bom parâmetro pra gente partir a partir daqui. Não é, discurso de ódio não é eu falar que é golpe e a Juliana falar que não é; eu ser a favor da Reforma da Previdência e a Juliana não é. Não é isso, discurso de ódio, acho que para deixar isso muito claro, é quando você usa sua liberdade de expressão pra inferiorizar e discriminar outras pessoas com base nas características, na etnia, no sexo, na orientação sexual, na religião, em qualquer outra característica, por isso que a gente fala que a intolerância parte do ódio. Só é intolerante quem odeia. Eu odeio o outro, por isso eu não tolero o outro. Então, pra mim, é muito claro, quando a gente tá falando sobre o que possivelmente seria intolerável: qualquer discurso intolerante. Porque você parte do pressuposto já do ódio, do discurso de ódio, você vai inferiorizar quanto mais você fala isso com aval de presidente, indo pra rua, você vai congregando outras pessoas que começam a se sentir representadas, por isso que eu falei que isso acontece pro bem e pro mal, mas partiu do discurso de ódio, eles esgarça o tecido social.
Ju: Tem uma corrente que fala isso, né? Que você tudo pode ser tolerado que favorece o tecido social e que prejudica o tecido social deveria ser reprimido. Eu acho que para complementar o que você tava falando de diferentes maneiras de combater a mesma coisa, porque eu acho legal e eu acho que isso é muito mamileiro que assim: todo mundo concorda que a intolerância é ruim, todo mundo quer esses caras fora da rua, tá todo mundo no mesmo barco, ninguém quer que eles possam falar. Só a gente difere da estratégia de como calar esses caras, é só isso. E aí eu acho muito interessante vocês procurarem o discurso que o prefeito de Charlottesville, fez no dia seguinte. Eu achei genial, porque assim, eles tavam sofrendo pessoalmente a tragédia, eles tavam pessoalmente atingidos, e assim, eu não sabia dado que 80% da cidade era democrata, isso é muito significativo pra o que significa pra naquela cidade aquilo acontecer, né? O que ele falou procurem, leiam isso, porque eu acho que é um discurso muito legal, assim, ele concorda com o que a Cris falou: “Esses caras não podem falar isso, só que o jeito que eu vou fazer, ele não vai me rebaixar, eu não vou virar um monstro que nem ele, tipo, eu vou falar mais alto, as pessoas vão vir aqui, a nossa cidade vai se levantar, nos princípios da democracia, nos princípios que fundaram, tudo o que a gente acredita.” Então assim, foi um reforço muito legal de que: “Não, não passarão. Não é desse jeito, mas eu não vou abrir mão dos meus valores por conta disso.” Foi bem legal.
Bruno: Mas será que a gente quer? Será que todo mundo e a solução é ter esses caras fora da rua, é ter esses caras na rua e humilhados?
Ju: Exato!
Bruno: Entendeu? Ou é ter esses caras na disputa, né, e… Tem uma tira do Calvin e Haroldo que tão os dois se esganando. E a mãe chama pro almoço e tem uma hora que o Calvin vira para o Haroldo e fala assim: “Justo na hora que eu tinha você se debatendo nas garras da razão”. [ Ju ri ] E é mais ou menos por aí… Há pessoas que dizem: “Não, eu quero esse cara na rua. Eu quero fazer o debate com ele, porque eu vou ganhar esse debate”.
Ju: Sim, exato. E tem gente… [Cris: Sendo atropelado? ] E tem gente que fala…[Bruno: Aí é um problema da violência… ] Não, mas aí é o limite, e pra isso a gente tem leis.
Camilla: Mas acho que tem um campo aí de disputa que a gente tá falando pouco que é o da memória e pra mim o que é mais importante, até nessa história também de Charlottesville e também no modelo alemão, é a memória. Charlottesville não é nem só a cidade que é 80% democrata, era meses antes, poucos meses antes, ela tava sendo chamada pelas revistas americanas de: “A cidade mais feliz dos Estados Unidos.”
Cris: [interrompe] Eita! Deu ruim…
Camilla: Porque ela era considerada, tipo, exemplo de tolerância. Nos bares, tinham cartazes falando de que aqui se aceita todo mundo, não se faz discriminação de gênero, de nao sei o quê… Então, tem um movimento na cidade, na universidade, é, de tolerância muito grande, por isso que também foi um choque muito grande pra eles, tipo: “Como assim em Charlottesville?” [ Ju: Aham. ] Mas o que é interessante é: o espaço de discussão é a estátua do Confederado. [ Cris: Aham. ] Porque Charlottesville é uma cidade que não tem um passado tolerante ou pelo menos não tem um passado inclusivo. E a disputa aí era: “O que nós… A cidade que se afastar desse passado, mas tem pessoas que não querem que ela se afaste”. E a mesma coisa… O que eu quero dizer com o modelo alemão, por exemplo, é: “É impossível você falar das proibições do modelo alemão sem falar do espaço que eles dão pra memória”. E pra memória empática, que é: o museu em que você tem a experiência do que é estar confinado numa câmara de gás é a memória. É o fazer as pessoas não só saberem textualmente que aquilo aconteceu, mas se lembrarem ou pelo menos se colocarem, um minuto que seja.
Ju: [interrompe] Tentar sentir.
Cris: [interrompe] Não, e a gente viu, tem pontos na cidade inteira.
Camilla: Exato. Por exemplo, o exemplo francês a gente fala menos e que é um problema. O exemplo, a França foi dominada pelos nazistas e a França discute até hoje, muita gente na França, mas a França discute muito pouco a dominação nazista, discute muito pouco a colaboração nazista. Eu conheço franceses que um belo descobriram que a escola deles tinha sido o QG nazista porque viram de repente, debaixo da pintura, uma suástica na parede. Foram… Pintou, passou por cima e é um dos países europeus onde o antissemitismo mais cresce hoje. Então acho que esse poder da memória. O espaço de memória e da memória como vivenciar um pouco a experiência do outro, é indissociável de qualquer ideia de proibir ou de limitar o discurso, porque senão você vai se dar a volta na proteção [Ju: Exato. ] De fatos. Não adianta muita coisa.
Ju: Então vamos escutar agora, só pra encerrar essa parte de opinião, a opinião do Caio Gomes que vai falar porque ele é a favor que se limite esses discursos de ódio.
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Caio Gomes: Fala pessoal, aqui é o Caio Gomes do Físico Turista. E agora veio essa discussão que a gente tá tendo aqui do paradoxo da tolerância, é um assunto muito complexo e que eu realmente não tenho uma resposta 100% definida nele. Mas cada vez mais apesar de acreditar plenamente que a gente deve ter quase uma liberdade restrita de se expressar com qualquer coisa e poder falar quase tudo o que a gente pode, realmente existe alguns temas que eu tenho cada vez mais tendido a acreditar que não existe algo ali que possa trazer uma nova discussão, ou que possa ajudar a gente caminhar para uma nova direção. Então é bem exatamente, seguindo muito aquilo que o Popper próprio falou, não acho que existe alguns temas que possam a partir da discussão fazer a gente caminhar para uma direção melhor. Então, com isso eu tenho realmente, principalmente agora depois das ocorrências lá nos Estados Unidos e vendo como o pessoal da Alemanha reagiu a tudo isso, eu tenho cada vez mais considerado que alguns desses temas, então quer dizer ali a própria questão do nazismo ou mesmo com questões xenofóbicas em outros países tudo, a gente precisa acabar como sociedade evoluindo para poder ter algo mais pesado neles. Então eu acredito que esses temas sim, a gente deveria acabado dando uma posição mais como o que a Alemanha tenha adotado, onde esses temas talvez possam ser discutidos, mas não possam ser propagandeados e explicados como se fosse uma coisa boa. Então é, cada vez mais acho que tem que ser algo que sim como sociedade a gente não pode dar esse passe para as pessoas tentar justificar isso como uma coisa positiva pra eles. É uma maneira que a gente teria de acabar bloqueando a intolerância pro grupo de tolerantes que a gente quer desenvolver por aí.
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Cris: Vamo ouvir aquele, aquele rapaz que defende a liberdade de expressão acima de qualquer coisa, quase um americano nato. O nosso amigo, jornalista, Alexandre Maron. Maron, conta aí pra gente!
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Alexandre Maron: Oi, Ju! Oi, Cris! Olá, mamileiros e mamiletes! É o Alexandre Maron falando e eu defendo, dentro das leis, dos componentes culturais de cada lugar a liberdade de falar o que você pensa. E o ponto principal disso é que você pode ser julgado ou qualificado pelo o que você diz. O que não é expressado fica escondido. Então, ideias assim, elas soam muito bonitas quando a gente pensa em pessoas lutando por direitos civis e sendo censuradas e aí brigando pra dizer o que pensam, e é impensável de ver ideias progressistas e de igualdade e fraternidade abafadas. Mas quando a gente vê pessoas manifestando idéias horríveis, como aconteceu semana passada lá nos Estados Unidos, a liberdade de expressão começa a parecer não tão legal. “Como assim aquela pessoa vai dizer essas coisas absurdas?” Mas são esses momentos que testam a nossa determinação para liberdade. Acontece que em primeiro lugar eu só posso saber da existência de certas ideias quando elas são expressas, se não elas ficam escondidas seja lá por qual motivo, elas costumam virar segredos e até superdesagradáveis. E pensa bem, eu só sei quem é Bolsonaro, vai, porque ele pode dizer todos aqueles absurdos que ele adora. E eu sei que existem tantas pessoas acreditando nele apoiando ele, porque ela se manifestaram, né. A minha decisão seguinte de lutar pelas minhas ideias é diretamente ligada a esse meu alarme quando eu percebo que essas ideias completamente contrárias às minhas existem e tão ganhando apoio o tempo todo, entendeu? Quer dizer, a liberdade de expressão, pelo menos na minha opinião, né, é um antídoto para apatia, pra sombras, pra golpes. Não é por acaso que ela é uma das primeiras vítimas de qualquer regime totalitário. Acho assim, a gente precisa de mais luz, de mais liberdade, não menos. Você enfrenta ideias criminosas com leis, mas você só pode punir quem efetivamente disse ou fez algo que fira alguma regra. Porque, e é sempre bom lembrar, liberdade de expressão não é dizer qualquer coisa sem sofrer consequências. É saber que você pode dizer o que pensa e só depois de ter dito algo enfrentar, de acordo com leis ou contratos social da sua comunidade, as consequências de seus atos. Então, tentando amarrar aqui, assim, dar liberdade pro outro não é natural, querer a sua liberdade é natural. Então, assim, nós somos repressores por natureza, quer dizer, praticar uma visão aberta e livre, uma capacidade de dialogar, é um desafio, né; e é uma habilidade adquirida com o treino, praticando a empatia, né.
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Ju: Então agora pra encerrar, vamo só falar de algumas estratégias alternativas, por que se a gente tava falando que todo mundo quer essas pessoas fiquem quietas e seu eu pudesse, se eu tivesse um botão pra erradicar ideia errada, ideia ruim, [Cris ri] ideia que já, putz, deu ruim…
Cris: A gente já sabe.
Ju: Já sabe. Claro que eu apertaria. Como não há esse botão, a gente difere às vezes sobre a estratégia e eu queria que a gente falasse um pouco sobre diferentes tipos de estratégias. Apareceram algumas muito interessantes essa semana, né? Então, a primeira que eu queria que a gente falasse era de Boston, que eu achei, assim, fiquei extremamente emocionada e eu acho que isso, por exemplo, quando você cala um protesto na mordaça, isso de alguma maneira, ele autoriza o discurso de: “Ah, a gente é oprimido, pobre homem branco oprimido, porque olha aí a gente não pode nem falar.” [Cris: Que quer matar os outros.] Como é que a gente pode respeitar um estado que nos oprime dessa maneira e tal. Agora quando você tem essas pessoas focadas por quarenta mil contra-protestantes, é uma mensagem inequívoca: não passarão. Essa ideia não serve, a gente não concorda com isso, vocês são uma minoria, barulhenta, parem de fazer barulho, entendeu? Eu acho que essa forma, ela é didática, essa forma é poderosa, essa forma, ok, eu entendo que você tava falando, que assim: “Poxa, quando você tem todo o horror que os negros sofreram nos Estados Unidos com a Ku Klux Klan, isso reacende feridas”, mas quando você põe quarenta mil falando: “Isso é inadmissível! A gente não pensa mais assim! Esse país já passou.” Eu acho que também passa uma mensagem mais forte.
Camilla: Eu acho que é… O poder dessa mobilização é cada vez maior, na verdade, porque hoje em dia é… Na verdade as pessoas ficam dizendo: “Ai, ninguém vai mais pras ruas, as pessoas só protestam na internet”. Eu acho que hoje é cada vez mais importante botar gente na rua, porque justamente tá cada vez mais difícil, mas é, eu ainda acho que é assim, a memória é uma estratégia muito importante, porque pra mim eu tenho pensado muito nisso, é através da memória que a gente cria empatia. E eu sempre me lembro daquela propaganda em que Fernanda Montenegro fazia na televisão, sabe, que era do, que era que ela falava que um país que não tem memória não sabe o país que é. Eu sempre penso nisso, na verdade, todos os dias. E eu acho que a gente não ter essas experiências, não ter essas lembranças vivas, dificulta muito você formar gerações que consigam ser mais “safas” em relação à esse tipo de discurso que tem um apelo.
Ju: Tem, com certeza.
Cris: Eu gosto muito da estratégia de assumir aquilo que você é. Porque ser um nazista com capuzinho de Ku Klux Klan é uma coisa, agora o seu chefe saber que você é nazista, os seus amigos saberem, a sua mãe saber, e todas as pessoas da sua rede, ou seja, “Ah, você é isso? Então sustenta isso socialmente”. Né, vamo lá. Então, você é esse grupo? Então agora vive socialmente com outras pessoas que não estão dispostas a tolerar a sua intolerância. Então eu acho que quando mais a gente vai conhecendo esses personagens eu acho que eles têm um dificultador, é interessante que é o intolerante experimentando a intolerância, então eu acho que é uma empatia à forceps aí.
Ju: Eu gosto muito também da estratégia de ridicularizar. Então essa semana, esse fim de semana, por conta de toda essa conversa rodou muito no twitter um vídeo de uns caras fazendo paródia, então indo com uma bandinha ou uma marchinha acompanhar e colocando uma trilha sonora de Casseta e Planeta pra tudo parecer ridículo e tal. [Cris: Meio Monty Phyton] É. Eu achei também isso muito legal. Tem uma história também da Alemanha de que uma cidadezinha recebia anualmente uma marcha e eles não queriam receber e não tinha jeito de fazer com que os caras parassem de ir, e eles resolveram fazer um fundo e doar não sei quantos mil marcos pra cada metro que essa marca fizesse e marcar isso na cidade. Então, pra cada passo que você der, a gente vai doar uma uma ONG de causa antinazistas.
Camilla: Os alemães, aliás, são muito bons nesse tipo de estratégia. Nessa época dos refugiados que eles tiveram esse backlash eles fizeram uma série de coisas muito legais…
Ju: Eu achei muito legal porque assim, a gente vai falar de protestos pacíficos, né. Soluções não violentas. E eu achei muito legal uma dessas pessoas que é diretora do programa do instituto da paz nos Estados Unidos ela falou “há uma diferença entre uma resposta terapêutica e estratégica. A violência é uma péssima estratégia. Violência direcionada a supremacistas brancos apenas alimenta sua narrativa de vitimização. Se violência contra minorias é o que você acha repugnante na retórica nazista, então você está usando a própria força que deseja combater”. Eu achei sensacional.
Cris: Tem uma coisa que eu queria aproveitar e deixar o gancho aqui é que direitos humanos também existem pra nazistas. Não dá pra ‘amiguinho que roubou o celular’ não pode ser espancado, o nazista foi lá e falou uma mega bobagem aí ele merece apanhar. Eu acho que quando a violência é aplicada naquele que a gente discorda ela tira o pior da gente, né, que você se sente saciado e isso é muito vil. Direitos humanos é para todos, inclusive pra aqueles que tão pregando o ódio, sim. Não dá pra chegar lá, matar o cara e dizer “agora você não vai ser mais violento, porque eu te matei”. Ué, aí não funciona, né?
Ju: Mas o Ricardo falou na matéria dele da BBC de uma atitude muito linda dos moradores lá de Charlottesville que eles tavam dando biscoito e água pras pessoas, pra todo mundo, e falando: “Olha aqui, meu filho, se alimente, se hidrate” inclusive pra esses caras odiosos que eles não queriam que tivessem na cidade deles.
Cris: Sabe o que tava faltando lá? Umas mães brasileiras que vai buscar os filhos, puxa a orelha… [todos riem]
Bruno: Isso que a Cris falou é um problema dos Antifas [Antifacistas], né? E isso que a Cris falou também tem o seguinte, é protegendo o direito daquele que a gente odeia é que se garante o nosso direito. Então assim, um desses políticos muito famosos por corrupção foi um dos primeiros casos em que se decidiu, o supremo na época decidiu, a questão da algema. E foi um dos caras daqueles que todo mundo sabe que é corrupto, que é pilantra. Mas no fundo, o fundo, aquilo quer dizer que aquele cara que todo mundo sabe que é corrupto, que é pilantra, tem de ter respeitado o direito dele, é assim que se respeita o nosso. Porque amanhã podem achar que o corrupto e pilantra somos nós. Então, nesse sentido, a proteção, o limite do nosso combate aos intolerantes é o limite do direito. É o limite de onde a gente pode ir exatamente pra isso, o problema dos Antifas é eles estão usando os mesmos instrumentos de violência, né, e isso leva a uma negação da própria construção do direito que você tenta fazer enquanto sociedade. Direito é muito menos uma questão de jurídico e muito mais uma questão de construção social, de acordo social e de exercício da democracia.
Cris: Se você aplica no outro aquilo que você não gostaria que fosse aplicado a você, o que que te difere do outro?
Bruno: É isso!
Camila: E aí que essa coisa de mais gente na rua para responder, se torna uma estratégia ainda mais bonita, eu acho, e ainda mais poderosa. Porque, por exemplo, a gente estava aqui falando do modelo alemão e, no caso da Alemanha também um detalhezinho, uma ideia muito importante da gênia Hanna Arendt que é a ideia da banalidade do mal. E isso moldou muito no caso da Alemanha que é: gente, qualquer um de nós… sabe… eu não precisava de odiar judeus para fazer aquelas coisas, porque pessoas não precisam necessariamente odiar as outras [Cris: Tô seguindo ordem] para fazer aquelas coisas. No caso da Alemanha tem aquele extra de você estimular memória, estimular uma empatia e criar condições para que aquela sociedade não vá mais numa direção em que as pessoas vão ser levadas a fazer algo assim. Quando você bota a gente na rua falando, as pessoas estão se posicionando, né. Elas não tão… tem gente que confunde tolerância com “não, deixa para lá” [Cris: Pacifismo, né?] “Não vamos falar, deixa esse pessoal lá”. Não! Isso já é intolerância a rigor. Isso já é intolerância com os intolerantes. É você ir pra rua e dizer: “Não! Não vou te bater, não vou fazer nada com você mas assim… não!”
Ju: Sim, exatamente. Eu me posiciono, né. Eu não me calo. É… eu tenho impressão assim que quando a gente pede para o Estado intervir e falar: “Você não tem direito de falar, vou botar uma mordaça”. Na verdade, isso… eu vejo assim, né… isso nasce da nossa descrença no outro, né. Porque assim, eu tô pegando uma minoria, uma minoria frágil: “Cara, a maioria iria te esmagar” e eu tô falando: “Cara, não faz porque aqui eu te protejo, esse é o nosso limite”. Isso que é bonito. Assim, quando eu preciso te calar, subconscientemente passa a mensagem de que se não tivesse alguém para calar, esses caras estavam falando. Quando você não precisa falar, você fala: “Amigão, você vai me falar mesmo que é feio ser gay? Você vai mesmo falar que mulher tem que ficar na cozinha? Você vai mesmo falar que negro tinha que ficar segregado? Vai lá campeão! Tenta a sorte.” Que aí você manda assim, não é que ele não pode falar, não. É que a quantidade de gente que não acredita nisso é muito maior, entendeu? Eu acho isso mais efetivo e mais poderoso e que isso sim constrói a sociedade.
Bruno: É mais efetivo, é mais poderoso, mas por outro lado, quem tá sofrendo não pode esperar e aí é um problema da legislação, né. A gente, por exemplo, a gente foi andando e em 89 o racismo vira crime, em 2017 está se discutindo se a homofobia é crime ou não. Enquanto a gente já tem uma maioria da sociedade contra os atos de homofobia, a parcela que pratica isso ainda é expressiva o suficiente para gerar sofrimento.
Camila: É… o Brasil ainda é o país que mais mata, né? [Bruno: Perfeito!] Que mais mata homossexuais e transgêneros. E aí? Estamos muito evoluídos.
Bruno: E aí? Então será que instrumento do direito aqui, né, um instrumento de fazer uma pressão e de sim, criminalizar e etc, não serve também para também para essa proteção? Para gente não esperar o processo histórico de educação? Por isso que eu acho assim… eu não quero ser muito Policarpo Quaresma, mas eu acho que o Brasil tem que caminhar o próprio caminho; nem um modelo americano, nem o modelo alemão, a nossa trilha é um pouco por aí.
Ju: Sim… Mas é o que você falou: cada um a sua história, né? Cada um no seu contexto.
Bruno: É isso.
Cris: A minha preocupação… No início, a gente tava falando que a intolerância está aumentando. Tá? Estão os dados aqui, umas coisas super surreais. E aí a gente autoriza a propagação. A propagação me preocupa. Que é eu te dar o aval para “pode ir lá fazer isso, porque isso também é normal”. Se eu preciso tolerar, eu preciso tolerar tudo. Então, propagar o discurso permitindo que ele aconteça com esses avais, eu acho que ele dá justamente o sentido de amplitude para despertar naquelas pessoas que não se sentiam representadas a representação. Então independente virar e falar: “é errado, mas você pode fazer”, você tá… eu acho, na minha opinião, que isso incita a propagação.
Ju: Na minha opinião o que incita a propagação é o presidente [Donald Trump] não ser inequivocamente contra isso. Então assim, o direito é o direito de todos. Então o direito vai falar: “Esse discurso é babaca, esse discurso tá errado, esse discurso não tem empatia, esse discurso não tem contexto histórico, esse discurso não vai a favor da construção do tecido social, mas discursar você pode. Você não pode mais fazer, mas discursar você pode”. Agora, a mesma coisa que faz na Alemanha, o presidente do país consistentemente é contra. Todos os partidos consistentemente são contra. Todos os veículos de comunicação ser consistentemente contra. Então eu acho que o aval social é muito… tem um peso muito maior do que propriamente a decisão jurídica.
Camila: Eu acho que você tem que ter uma combinação. Porque na Alemanha todo mundo se manifesta a contra, mas o partido neonazista não é permitido como partido. Porque aquilo ali entende-se que não deve de alguma maneira se manifestar no âmbito da política pública, de forma nenhuma. Então eu acho que tem uma combinação aí.
Cris: Não valida, né.
Camila: É, você tem um limite jurídico que aí ele pode ser, por exemplo, na medida em que você ataca o direito à vida. Tem-se usado muito essa expressão nos Estados Unidos, nessa semana: liderança moral. Muita gente dizendo que faltou liderança moral da parte de Trump. Você tem um limite que é o presidente não fazer equivalência de tudo isso, você tem uma série de limites que dá para você colocar em âmbitos diferentes, ainda respeitando um direito aí, mas eu acho tem que ser uma combinação mesmo.
Cris: Só pra poder reforçar como isso pode ser usado pro bem e pro mal. Até alguns atrás homossexualidade era crime e as pessoas não podiam defender isso abertamente. E foi rompendo essa barreira que as pessoas… né? Começou a atrair um monte de gente pra ideia da tolerância e isso aconteceu. Então, na verdade, acho que o que a gente tem que entender é esse limite quando: se parte do discurso da intolerância a sociedade precisa usar os instrumentos que ela tem pra mostrar que isso é intolerável.
Ju: Outro exemplo é a marcha da maconha. Você está quebrando a lei pra protestar, você está fumando maconha em praça pública pra fazer o maconhaço lá. Também é isso, entendeu?
Bruno: Nesse caso, teoricamente não. Na verdade quando o Supremo discutiu a marcha da maconha ele discutiu só o discurso. Eles muito inteligentemente não foram discutir se as pessoas fumavam maconha ou não na marcha da maconha, porque era melhor evitar esse problema [RISOS].
Ju: “Como nós vamos falar a respeito?”
Cris: “Ô moço, tipo… Cê acha que eu tô fazendo o quê?”
Bruno: Muito espertamente… Mas eu acho que… Tem um filósofo francês que tem um livro meio de filosofia pop, mas bastante bom que é o André Comte-Sponville que ele fala, Pequeno Tratado das Grandes Virtudes, que ele fala na tolerância como uma virtude de meio, ela é uma virtude transitória, porque no fundo, no fundo se fosse uma virtude de verdade você deveria ter aceitação. A virtude é aceitação. A tolerância… Você só tolera aquilo que você não aceita. Você só tolera aquilo que você não aceita integralmente, que pra você não é normal. Então acho que a gente tem que sempre lutar pra caminhar pra aceitação. Só que a caminhada pra aceitação que é onde a gente vá chegar, talvez, no caso dos homessexuais ela é pesada e as pessoas sofrem nesse processo. Então, aí a gente tem que brigar em todas as áreas: ir pra rua, ir pra internet e ir pro direito também, porque as pessoas morrem porque palavras ferem, porque as pessoas por conta do discurso de ódio… Uma coisa é o discurso em relação ao que você faz da tua vida. Outra coisa é o discurso em relação à quem você é. O discurso de ódio em relação à quem você é mata [Camila: Mata mesmo]. O próprio discurso mata [Camila: Com muita frequência].
Ju: Uma coisa que eu acho que tem que ser pontuada aqui a ausência na mesa de pessoas que tem lugar de fala. De uma minoria que é ameaçada contra a sua vida. Porque eu acho que isso faz completa diferença da sua abordagem na discussão. Porque uma coisa é você ter uma discussão filosófica, outra coisa é você ter uma discussão sobre uma assunto que diz respeito à sua vida, né? Então eu não imagino que seja possível você ter posições semelhantes nessas duas colocações, nessas duas visões, nessas duas vivências. Então acho que isso marca bastante, acho que percebo diferentes… respeito de maneira diferente, escuto de outra maneira. Acho que quem vem de outro lugar, de outra vivência, vai ter outro discurso do que o meu e é nesse encontro que a gente vai construir algum consenso dentro de uma sociedade.
Cris: E acho que é muito fácil a gente ser tolerante quando nunca sofreu intolerância.
Bruno: Uhum.
Ju: Exatamente.
Camila: Em determinados níveis especificamente.
Ju: É, eu acho que é… tem algumas… isso é uma coisa que eu tenho aprendido bastante com o Mamilos, que é assim: tem algumas coisas que você acessa com a sua inteligência, tem algumas coisa que você acessa com raciocínio e tem algumas coisas que você vai precisar viver pra entender. São outro argumentos, são outros olhares, são outras coisas que vão fazer sentido pra você. O mesmo conhecimento você vai acessar de outra maneira.
Camila: E eu volto pra questão da memória. A memória emocional ela é física também, na verdade. A memória emocional não é etérea. Ela é do corpo, ela é química, ela engatilha em você uma série de coisas. Então esse tipo de memória que é a memória do acontecimento, não é? Que é a memória que desencadeia… é a vivência, é que a fica no corpo, essa memória é muito importante, por isso que eu acho essas experiências de vivência cada vez mais importantes. Penso cada vez mais. Essa coisa de a gente não ter memoriais reais sobre a experiência dos negros que vieram pro Brasil é um absurdo, na realidade. Considerando que a identidade negra é muito da identidade brasileira. A gente não faz a menor ideia, sabe? Do que é viver como metade da população brasileira vive e… ouve… o que as pessoas ouvem, como elas crescem . A gente não sabe, a gente não faz ideia. Fazer políticas públicas, ir pra rua pra falar contra o discurso de racismo é muito difícil pra gente quando a gente não enxerga, não faz ideia, sabe?
Ju: Então, temos um programa, Cris?
Cris: Programão hein.
Ju: Então vamos pro Farol Aceso.
Cris: Vamo lá.
[Sobe trilha]
[Desce trilha]
Cris: Vamos então para o
Farol Aceso? Ju, quer começar?
Ju: Nossa, eu tenho um tanto de coisa pra falar, vamos ver. Eu vou falar agora de um livro que eu li nas férias do Mamilos maravilhoso chamado “Liberdade” do Jonathan Franzen, você já leu?
Camilla: Comecei a ler já, peguei da minha irmã, só que eu não terminei porque eu tive que deixar com ela. [RISOS]
Ju: É MA-RA-VI-LHO-SO. Eu comecei a ler e eu fiquei encantada com o jeito que ele escreve. Então, o que que ele vai fazer? Ele vai fazer uma crítica, uma sátira da nossa vida, do jeito que a gente lida com as coisas, do que que é importante pra gente e tem tudo a ver com a discussão dessa semana. Eu coloquei na pauta, nem sabia do que que a gente ia falar.
Camilla: Só pra não esquecer.
Ju: E no final tem tudo a ver. Porque que o título é Liberdade? Porque o tempo inteiro ele segue uma família americana, então ele mostra como é que o casal se conheceu, como ele constituiu família, como é que as coisas aconteceram com eles. Ele é muito irônico, ele é muito sarcástico, ele é muito ácido então eu dava risada lendo o livro e tal. Me enxerguei em muitas das coisa, me senti muito ridicula. E no fim o que ele sempre pergunta é: pra quê? É o que o filósofo Alexandre Pires pergunta “o que é que eu vou fazer com essa tal liberdade?”. [RISOS] Cê tá disposto a morrer pela liberdade pelo quê mesmo, amiga? Liberdade de ser um imbecil e andar com arma por aí? Liberdade de ter a sua SUV pra destruir mesmo o planeta e não deixar nada pra trás? Então, o que que cê quer fazer com essa liberdade? Porque você quer tanto essa liberdade? Cara, que livro lindo. A história é ótima, os personagens são muito bem escritos então ele tem personagem que te irrita e você odeia, e você muda de ideia no meio do livro, e no final existe uma corrente que ele vai tecendo, uma corrente muito bonita de amor, de apesar de todo o cinismo dele ele constrói um livro belíssimo. Eu indiquei pra Gica, ela leu, também devorou o livro não conseguiu parar de ler e quando terminou que ligou: “Meu deus do céu, que livro é esse?”. Então assim, leiam e tem tudo a ver com o tema de hoje. Também tem tudo a ver com o tema de hoje o documentário Humans ” Humans”, que todo mundo já viu há um tempão mas eu só vi essa semana, e é lindíssimo justamente pra reforçar, eu acredito muito nisso, no poder da educação, da gente colocar face a face uns com os outros pra gente se olhar, se reconhecer e se entender como espécie humana. É lindíssimo, eu falei assim, olha, eu quero muito ver um making-off desse documentário porque as cenas de paisagens são surreais, não pode ser verdade, é CGI, ele fez no computador. É bizarro. É um documentário muito sensível e também muito lindo, vale a pena. Está na Netflix, e eu assisti com o Merigo, um filme absolutamente perturbador. Eu não sei o que pensar dele então eu tô falando aqui pra vocês me dizerem o que pensar. Chama Lady Macbeth “Lady Macbeth”, foi um lançamento, eu não sei o que pensar, só sentir, eu tô perturbada, não consegui digerir o filme ainda então vocês me digam por favor o que pensar. E você, Cris?
Cris: Fiquei assustada com esses negócio assim…
Ju: É pra ficar assustada com esse filme mesmo.
Cris: Eu vou falar um negócio pra assustar também. Vou na onda. Eu assisti um filme durante as férias do Mamilos e eu fiquei tão apaixonada por ele e eu acho que ele tem tudo a ver com o tema de hoje. O nome do filme é Under the Shadow “Under the Shadow”, ele tá disponível no Netflix, é um filme de terror muito legal porque é o terror usado numa situação aterrorizante e ele se passa mais ou menos em 1988 no Teerã quando o regime fundamentalista toma conta da cidade. Então, ele acompanha a história de uma mãe e de uma filha que vai vendo o cerco se fechar com o fundamentalismo chegando. E eles fazem um paralelismo ótimo porque a boneca da criança some, e aí ela foi sequestrada pelos espíritos maus. O monstro é maravilhoso. E aí cês vão assistir e cês vão ver o quanto o monstro representa todo aquele sistema que tá invadindo a cidade e vai dominar aquela mulher. Porque depois disso ela vai ser a mulher que usa burca, a mulher que tá dentro de um regime em que perde todos os direitos… Esse filme foi feito mais ou menos, ele retrata a mesma época que a escritora canadense retrata no Handmaid’s Tale. É a mesma época, só que agora vista por quem vive na região. É de um diretor ali do oriente médio que vivia na cidade, e faz isso, não se esqueçam de assistir Handmaid’s Tale porque a gente vai fazer um mamilos sobre isso. [Camilla: Dever de casa] Assistam! Mas, voltando no Under the Shadow eu fiquei muito impressionada o excelente paralelo de usar o gênero terror para mostrar uma situação real que é aterrorizante. Vale muito a pena, eu fiquei neurada com o filme, tem várias cenas interessantes e depois eu fui buscar todas as teorias malucas porque tem muita mensagem subliminar que se você não tá muito entendendo ali no filme porque você não tem conhecimento do que aconteceu na época, buscar essas teorias te dá uma fundamentação incrível. Assistam Under the Shadow. E o outro filme que eu quero indicar, a Carol falou muito da Hannah Arendt aqui durante o programa, que ela tem uma teoria sobre não necessariamente as pessoas que cometem coisas ruins elas são monstros. Ela tem uma teoria muito bem… [Ju: Banalidade do mal.] Exato. Ela tem uma teoria super bem fundamentada sobre isso, mas eu vou entregar ela pra vocês mastigada e linda. O filme “O Leitor” “O Leitor” foi um ganhador de Oscar, a Kate Winslet tá tipo mágica nesse filme, tudo que cê pensar de errado tem no filme. Ela tem um caso com um menino metade da idade dela, pedofilia na alta, e esse cara some e depois de adulto ele reencontra com ela, e chama “O Leitor” porque ela não sabia ler e ele ficava lendo livros para ela. A relação deles é muito interessante, mas o legal é que depois de adulto ele reencontra a Hanna, a personagem, num julgamento por crimes cometidos na guerra durante o nazismo e aí aquela Hanna que você conheceu se transforma numa outra Hanna que você não sabia que existia, e aí se encaixa como uma luva, mastigadinho, muito palatável essa teoria da banalidade do mal. Assistam que é muito bom, e depois me contem se vocês ficaram com medo lá do monstro do Under the Shadow.
Ju: Camilla, que que cê viu de bom?
Camilla: Aproveitando já o gancho do O Leitor também eu vou falar do filme “Hannah Arendt” que eu acho que também pra quem gosta, pra quem tá a fim de conhecer é bem legal porque você vê o início dessa formulação das teorias dela no momento que ela viveu. Eu acho que é muito legal também porque ela é gênia porque ela formulou isso justamente no momento em que a discussão tava quente. [Ju: No epicentro do furacão, né?] Justamente, no epicentro do furacão, que eu acho que é uma coisa que ainda é muito mais difícil até de fazer. A outra coisa que eu li um romance recentemente que eu tô apaixonada, chama-se Homegoing Homegoing e eu tava até aqui olhando se ele vai chegar no Brasil em breve porque não queria indicar uma coisa que as pessoas não vão ter como ler [nota: foi publicado no Brasil com o título O caminho de casa pela editora Rocco O caminho de casa], e eu vi que ele vai se lançado no Brasil ainda esse ano [Cris comemora], chama-se Homegoing, é de uma escritora chamada Yaa Gyasi, ela é ganense-americana e ela basicamente conta a história de dois ramos de uma família de Gana ao longo das gerações. São duas meninas que não sabem que são irmãs, uma dessas meninas casa com um mercador de escravos em Gana, uma menina negra, e a outra menina vira escrava e é mandara para os Estado Unidos. E enfim, cada capítulo é uma geração de uma delas duas. Nossa, é um livro incrível, não tem nem como explicar pra vocês, porque eu queria muito um livro desse no Brasil. É incrível, absolutamente incrível. Funciona como pequenos contos mesmo, mas é isso você vê as marcas que esse tipo de coisa deixa em cada geração e que se manifestam, que o racismo se manifesta de maneiras muito diferentes, né, desigualdade, enfim… É um livro bem incrível. E a outra coisa que eu quero indicar que eu pessoalmente acho que é sempre indicável é um poema de Carlos Drummond de Andrade que se chama “A Morte do Leiteiro” A Morte do Leiteiro. Eu gosto muito, sou muito apaixonada por ele, acho que ele fala de intolerância, acho que ele fala de uma série de coisas que a gente sempre precisa ler, especialmente em momentos de crise, então acho que todo mundo deve ler. Aliás, aproveitem e façam algo melhor ainda que é ir no youtube e colocar a versão de Paulo Autran recitando esse poema. [Cris: Aí sim, heim.] Inclusive, chora-se. É maravilhoso, é bem bonito.
Ju: E você, Bruno?
Bruno: Primeiro um bem curtinho, jogo rápido, eu já tinha mencionado que eu assisti O Povo Contra Larry Flynt, um filme sexo, drogas e rock and roll e liberdade de expressão, tudo junto. Da melhor qualidade, atuações memoráveis né. Depois tem um livro, ele é de filosofia mas, eu juro que não é chato de ler, é um livro do Emmanuel Levinas, chama “Entre Nós – Ensaios sobre a alteridade” Entre Nós – Ensaios sobre a alteridade em que ele é um filosofo que sempre discutiu essa ideia de se ver no outro independente talvez de você ter identidade ou não com ele, esse conceito de alteridade ele é muito bonito e em certo momento da vida ele meio que admite que aquilo não ia funcionar pra sociedade, não ia chegar lá mas ia ser muito legal se a gente chegasse. [Ju: Uma boa utopia?] É uma boa utopia, é uma utopia gostosa de ler e eu queria ligar isso com duas coisas muito brasileiras e simples, uma é o documentário da Laerte, o Laerte-se que tá no Netflix. Eu considero a Laerte a maior gênia da história do cartoon no mundo, eu sou um cara obcecado por quadrinhos e que você vê no outro, é um outro que eu não tenho a menor identidade com aquilo ali, eu não consigo nem compreender profundamente o processo pelo qual ela passou e você vê ela indo das coisas mais profundas às mais mundanas e você percebe que tá ali uma pessoa inteligente, sensível e que em muitas coisas é como você e em outras também, até por essa questão de memória que a gente tava discutindo, uma música na gravação do Pena Branca e Xavantinho, que já faleceram, chamado “Leilão” Leilão. Essa música vale por um livro de história. É uma música que conta a história de um casal separado por uma venda de escravos e pra mim é uma das coisas mais impactantes sobre essa época que eu já ouvi.
Ju: Muito bem! Temos um programa, Cris?
Cris: Temos um programa. Fica a gostosa sensação de trazer um tema espinhoso mas com umas pessoas que tornaram isso muito mais fácil. É isso pessoal, e a gente aguarda retorno sobre a newsletter. Beijo!
Ju: Beijo!
[Sobre trilha]
[Desce trilha]
Caio: Esse podcast foi editado por Caio Corraine.