Jornalismo de peito aberto
Esse programa foi transcrito pela Mamilândia, grupo de transcrição do Mamilos
Transcrição Programa 96
Este programa foi transcrito por: Jaqueline Chaves, Bruna Azevedo Defert, Alan Bastos, Carolina Frandsen, Ana Carolina Vieira Araújo, Gabriel Ícaro da Silva, Tatiana Helena Criscione, Aline Bérgamo, Nadiezda Coelho, Leticia Dáquer e revisado por Carla Rossi de Vargas.
Início da transcrição:
(Bloco 1) 0’ – 10’59”
[Vinheta de abertura]
Esse podcast é apresentado por b9.com.br
[Sobe trilha]
[Desce trilha]
Cris: Mamileiros e Mamiletes, chega de saudade! Estamos de volta pra mais uma temporada de polêmicas e reflexões. Bem-vindos ao Mamilos 2017! Eu sou a Cris Bartis e do meu lado a gaúcha mais paulista do Brasil:
Ju: Ju Wallauer.
Cris: É saudade pra mais de metro pra matar. Bora começar o ano.
Ju: E Caio, dono do nosso coração, DJ das nossas vidas, o que que vai tocar na nossa estreia?
Caio: Olá, personas! Caio Corraini aqui novamente pra trazer pra vocês os responsáveis por dar mais cor ao Mamilos dessa semana, que saudade! Lembrando sempre que se você quiser colaborar com o conteúdo musical deste programa pode nos recomendar bandas ou artistas independentes no e-mail: [email protected]; [email protected]. E facilita e muito a minha vida se vocês enviarem os links do site oficial do artista ou então onde nós podemos buscar o download direto das músicas dele para utilizar no episódio. Nesta edição nós iremos ouvir o André Prando, um músico do Espírito Santo que explora diferentes vertentes musicais sem se prender a nenhum gênero. Então fiquem aí com André Prando no Som do Mamilos.
[Sobe trilha]
Inverso ano luz, esse tempo me seduz
Inverso ano luz, esse tempo me seduz
Inverso ano luz, esse tempo me seduz
[Desce trilha]
Cris: E a gente já chega com um caminhão de beijo. Tem beijo pra Fortaleza, no Ceará, em especial pra Isabela Albuquerque.
Ju: Pro triângulo mineiro.
Cris: Contagem em Minas Gerais.
Ju: Marcelândia no Mato Grosso.
Cris: Pra Austrália, que não é em Minas, é em outro país mesmo.
Ju: Pra Aracaju, Sergipe.
Cris: Porto Alegre.
Ju: Itápolis em São Paulo.
Cris: Mairiporã, São Paulo.
Ju: São Carlos.
Cris: Salto, São Paulo.
Ju: E pra Suíça.
Cris: Que não é em São Paulo.
Ju: E a nossa equipe é formada por edição e Som do Mamilos: Caio Corraini, que vocês amam. Redes sociais, Luanda Gurgel, Guilherme Yano e Luiza. Apoio à pauta, Pernetinha e grande elenco. Transcrição dos programas, Lu Machado e grande elenco. Gente, durante as férias recebemos muitos emails de gente se oferecendo pra nos ajudar com a pauta. A equipe sob o comando da Jaque e o Pernetinha já tem mais de 15 pessoas e tá a pleno vapor preparando a Teta sobre sistema prisional que a gente vai gravar no fim do mês. Se você quiser entrar nesse time escreve para: [email protected].
Cris: E todos os programas são transcritos pela Mamilândia, um time cheiroso de voluntários apaixonados um faz um trabalho incrível pra deixar o Mamilos mais acessível. Se você quiser mandar um trechinho do programa pra algum amigo, já sabe, vai lá, procura a transcrição que fica dentro da página do programa no B9 e o conteúdo tá todo disponível.
Ju: Vamos fazer um merchan. Gente, a gente quer fazer um pedido pra vocês apoiarem uma campanha no Catarse, é da Flores de Baobá. A gente tá falando de um documentário que mescla linguagem poética e observacional pra acompanhar a trajetória de duas educadoras: Nyanza Bandele na Filadélfia e Priscila Dias em São Paulo. A cineasta faz uma jornada a fim de estabelecer conexões entre as comunidades negras da Diáspora Africana no Brasil e nos Estados Unidos. O documentário tem uma perspectiva feminina e quer abordar as semelhanças entre as mulheres negras e a luta de cada local para alcançar a igualdade na educação. Esse filme, ele tá sendo feito de forma independente e por isso que eles pedem ajuda através do financiamento coletivo. Vamos lá, gente. A primeira parte das filmagens já tá pronta, o que elas tão pedindo é apoio pra terminar as últimas filmagens no Brasil e começar a etapa de finalização. Vocês sabem que a gente acredita muito em educação, nessa pauta, muita gente nos escreveu agradecendo pelos episódios de consciência negra, tá aí uma forma de ajudar [Cris: Na prática, né.] de um jeito fácil, simples e que vai ter um impacto enorme porque uma vez produzido esse conteúdo fica disponível pra transformar a vida de muita gente.
[Sobre trilha]
Quero uma amiga vagabunda
Porque vagabundo eu sou
Criatura inocente, boy
São meus impulsos nervosos naturais
Esses são meus impulsos nervosos naturais
Me ensinaram que eu sou um vagabundo…
[Desce trilha]
Cris: Vamos então pro Fala que eu Discuto. Fala que eu Discuto ao longo das férias, né. Muita gente entrando em contato e, por exemplo, a Bia Thomas: “Muito obrigada pelo ano de programas e por essa retrospectiva gostosinha. Principalmente pelos programas de divórcio e adoção, foram dois socos na cara e eu estava precisando. Acho que ouvi cada um umas três vezes.”
Ju: O Highlander comentou também na nossa página: “Que boa surpresa! Realmente tava achando que o Mamilos agora só em 2017. Adorei a forma como foi feita a retrospectiva, o depoimento de cada um deixou o programa mais próximo, mais pessoal. Muito bom! Obrigado por tudo e até 2017.”
Cris: A Lu Martins disse no Twitter: “Que programa maravilhoso de retrospectiva do Mamilos. Se o [episódio] 94 ajudou na ceia, esse ajuda a aceitar 2016 com saudade e abraçar o próximo ano”.
Ju: E a Vanessa Vieira, também pelo Twitter, disse: “A #retrospectiva2016 do Mamilos foi muito amor. Só vocês para melhorar [melhorarem] esse ano maluco”.
Cris: E teve, óbvio, aquele banho de saudade gostosinho. É muito amor nessas férias. O Yuri: “Saudade do Mamilos!”, coração quebrado no Twitter.
Ju: O Ricardo Marinho: “Uma saudade: Mamilos”.
Cris: E aí um monte de gente perguntando: quando nós voltamos? [voltaremos]. Voltamos! Teve até meme: “Perguntaram se eu ia viajar sozinho. Logo eu, podcast addict do Mamilos”.
[Sobe trilha]
[Desce trilha]
Ju: Muito bem, gente, sem mais delongas porque a pauta é longuíssima e muito esperada, vamos entrar no tema principal e apresentar os nossos maravilhosos convidados. Vamos começar o ano, o primeiro episódio do ano, com ele, o homem que faz amor com as câmeras, o vocalista mais sexy do Brasil, Luiz Hygino. [som de torcida feito pela Ju]
Luiz Hygino: Jovens!
[Risos]
Luiz Hygino: E aí?
Ju: Roubado diretamente do Braincast.
Luiz Hygino: Tô aqui, hein! Eu vim aqui destruir pontes, entendeu?
[Risos]
Luiz Hygino: Quero deixar avisado logo de início aqui…
Cris: [interrompe] Já chega causando!
Luiz Hygino: Eu sou um “terrorista” enviado pelo Braincast pra acabar com essa…
Cris: [interrompe] Esse papinho…
Luiz Hygino: Com esse papinho… De pontes…
Ju: [interrompe] Com essa bobagem de escutar todos os lados…
Luiz Hygino: Né? Não tem nada disso não…
Ju: [interrompe] Eu não quero entender o que os outros pensam…
Cris: [interrompe] Essa pataquada de empatia.
Luiz Hygino: Eu vim aqui avacalhar! Não vim nada, eu vim aqui aprender com vocês a fazer o programa dessa forma magnânima, responsável, dedicada, incrível, não é?
[Risos]
Cris: Não é mesmo?
Luiz Hygino: É benchmark, como diziam os jovens [Ju: Publicitários] do marketing e da publicidade.
Ju: Muito bem. E do nosso outro lado aquele que vocês amam tanto, que vocês elogiam, que pedem o e-mail, que escrevem para ele: Fê Duarte.
Fê Duarte: Boa noite, mamileiros e mamiletes. Aqui é Fernando Duarte, eu sou psiquiatra, já vim em alguns programas e virei em mais.
[Risos]
Ju: Muito bem.
Cris: Maravilhoso. [Risos] Vamos então, rapidinho, aqui no Giro de Notícias só para ficarem ligados nas notícias que estão pegando aí na timeline. Número três: Delação da Odebrecht. A morte de Teori não atrasou o registro da delação premiada da Odebrecht. A presidente do STF, o Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, homologou em trinta de janeiro [2017] as 77 delações da construtora na Operação Lava-Jato. A documentação segue agora para a Procuradoria Geral da República e o conteúdo dos depoimentos poderá ser utilizado em novos processos assim como nos já existentes. Segundo a lei que trata de delação premiada, as informações devem ficar em sigilo até o oferecimento de denúncia, no entanto já vazou para a internet a lista suja e os nomes coincidem com a relação vazada em dezembro do ano passado na delação do empresário Cláudio Melo Filho. São tantos políticos mencionados que teve veículo de imprensa promovendo sistema de busca com filtros. A delação não afetou apenas a nossa elite política, incluindo o presidente e seus principais assessores. No clã Odebrecht, esse episódio sela enfim o rompimento entre Marcelo, o herdeiro, e Emílio, o patriarca da família. Colaborar com os investigadores foi uma derrota pessoal de Marcelo e uma vitória de seu pai, além de abrir a crise de relacionamento entre os dois protagonistas da família. Nos primeiros meses após a sua prisão, que foi ocorrida em junho de 2015 durante a 14ª fase da operação, o executivo insistia em negar as acusações e rejeitava aderir a um acordo. Emílio, por sua vez, decidiu rapidamente pela delação, única maneira que ele entendia que seria possível preservar a empresa.
Ju: A gente fez um Mamilos sobre Lava-Jato [Mamilos #60], quem não escutou, vale a pena ouvir, até porque dá um outro contexto para uma informação que a Cris deu agora: a lista vazou. Né? [Concordância do Fê Duarte] Você vai entender porque vazou… [Cris: Vai lá!] como vazou, qual é o impacto disso ter vazado, enfim, e esse tema está aí para vocês buscarem conhecimento, né? Vamos acompanhar. Segundo: a morte de Teori Zavascki. A morte do ministro criou uma lacuna na Operação Lava-Jato da qual ele era relator no Supremo Tribunal Federal. É o presidente Michel Temer quem deve indicar o novo ministro e de acordo com a lei, automaticamente, esse se tornaria o novo relator do processo. Um personagem que tem papel imprescindível na condução da maior investigação de corrupção na história recente do país. Porém, sendo o presidente agora também investigado, poderia ele indicar o investigador? Questiona Joaquim Falcão, professor de Direito da FGV-Rio de Janeiro e especialista na atuação do STF. No momento, o mais cotado para assumir a vaga no Supremo é o atual presidente do TST Ives Gandra Filho. Juiz conservador, já se encontra envolto em polêmicas devido a textos escritos no passado em que defende a submissão da mulher ao homem e que a união de homossexuais não deve ser classificada como família.
(Bloco 2) 11’ – 20’59”
Hygino: Aliás, mais do que falar que não é família, ele fala que é “bestialidade”, nessas declarações antigas dele.
Cris: É, é muito importante ficar de olho nisso [Hygino: exato] porque o Ives é um personagem polêmico, mas quando começa a sair muita notícia sobre o principal nominável pro cargo é porque tão querendo indicar outro, então é muito importante perceber quem pode ser esse outro, que ele pode ser até pior do que o Ives.
Ju: Não, é, porque assim a questão no momento mais tensa, é como essa pessoa vai interferir nas investigações [Hygino: Exato] e não tanto a opinião dela sobre outros temas, outras pautas do STF.
Cris: Mas já mostra o conservadorismo, e a Lava Jato é um rompedor aí desse processo de investigação política. Levar o conservadorismo que ele parece já ter pra esta instituição não é nada interessante.
Hygino: Relações perigosíssimas nesses outros possíveis donos do cargo.
Cris: Os primeiros dias de Trump presidente. Donald Trump começou seu mandato mostrando grande coerência: vem cumprindo suas promessas de campanha. Apesar das fronteiras já cercadas com o México, assinou o início da construção do muro para selar essa separação. Deu poderes às forças de ordem para deter imigrantes sem documentos e lançou uma batalha política e judicial contra as grandes cidades que os acolhem. Assinou um decreto que veta entrada nos Estados Unidos de pessoas da Síria, Iraque, Irã, Líbia, Sudão e Iêmen, nações predominantemente muçulmanas, com grandes hordas de refugiados de guerra. Retirou o seu país do tratado trans-pacífico, um tratado de livre comércio com países da Bacia do Pacífico que representa 40% da economia mundial – o TTP – que a gente inclusive falou em um programa passado [Mamilos #42], excluía a China, e a saída dos Estados Unidos, como outros gestos de recuo internacional, pode deixar o caminho livre pra China em ascensão. Esse é o resumo de pouco mais de 10 dias de governo.
Ju: É, a gente fez um Mamilos logo após a eleição do Trump [Mamilos #89] colocando bastante pano quente, né, falando calma gente, não é bem assim, ele não vai botar em prática tudo que ele falou [Hygino: Isso é só “fala-fala”] [Cris: As instituições são mais fortes] … as instituições são mais fortes, então assim, vamos acompanhar, porque – a gente fala bastante disso no Mamilos – a democracia não se faz na eleição, se faz em acompanhar e tomar ação a cada medida que você não concorde.
[Hygino: Ter uma reação a cada ação dele… Que acontece, de outros lugares] Não, a cada medida que você não concorde, então você tem que se manifestar não só nas urnas, né, e isso aconteceu: essa semana teve uma série de manifestações nos Estados Unidos, estão acontecendo uma série de manifestações, se prevê um governo bem contestado aí, então só tá aqui no Giro para “vamos acompanhar”, agora vale a pena também ouvir o programa, pra quem não ouviu, o Mamilos #42, que é sobre o TTP, pra entender o que que é esso acordo, quais são os interesses dos envolvidos [Cris: E o que significa os Estados Unidos sair dele]… exato.
Cris: Eu só queria citar a tirinha que eu vi hoje, que era o Trump gritando: “Vamos proteger a América”, e alguém faz um muro [Hygino: ”Let’s protect America’”], aí alguém faz um muro em volta dele.
Fê Duarte: e teve também uma piadinha do Jimmy Fallon que ele faz o papel do Trump e fala assim: “eu quero que todos os imigrantes que moram na América hoje tem duas opções: ou eles saem dos Estados Unidos, ou eles podem casar comigo”
Cris: [Risos] É, uma maravilha.
Ju: Vamos para pauta a principal, Cris?
Cris: Vamo falar de Westworld? [Todos: Bora!] Introduz a parada aí, Juliana!
Ju: No final do ano passado a gente embarcou no trem do hype de Westworld. Teve quem assistiu pirando a cabeça em várias teorias construídas pelos fãs para explicar o universo e muita gente desistindo nos primeiros episódios, achando a série arrastada, achando a série repetitiva, mas o final da primeira temporada converteu os fãs em pregadores fervorosos, insistindo pros amigos persistirem na jornada. Por quê? E é o motivo de a gente tar falando dessa série no Mamilos. Porque o que tá em jogo é muito mais do que fantasia e ficção científica, um dos motivos do hype é que além de superprodução, e de atores sensacionais, a série propõe muitas questões existenciais. “Mas, Ju, o que que a gente tá falando?” Westworld é um parque inspirado no velho oeste, onde adultos pagam cerca de U$ 1000 por dia para se divertir. Lá eles são recebidos por robôs com extrema semelhança aos humanos, que a gente vai chamar a partir de agora de “anfitriões”, que seguem um roteiro feito para divertir os visitantes sem terem a consciência de que são androides. Sim, eles pensam que são humanos. E, nesse universo, tudo é permitido pros visitantes. Se quiserem roubar, podem; se quiserem matar e estuprar os personagens, podem. Afinal, são só robôs. Os convidados, majoritariamente homens, podem tudo. Como bem afirma Robert Ford – criador e administrador do parque na série – os convidados gostam é de poder. Como não podem tê-lo lá fora, eles vêm aqui. Tudo começa a mudar quando os robôs vão passando por processos cada a vez mais completos e complexos de atualização, e percebemos que começam a relembrar memórias já apagadas do sistema, despertando pra pequenos questionamentos e desenvolvendo consciência. E aí, é nesse ponto que as semelhanças e diferenças entre humanos e robôs vão ficando mais tênues. Um humano teria um comportamento tão cruel? Um robô pode refletir sobre suas escolhas? É sobre isso que a gente vai conversar hoje analisando o arco dramático de quatro personagens. Gente, não precisava fazer esse disclaimer mas vou fazer porque é um podcast do B9: ZONA DE SPOILERS [Hygino: Ah sim!] – à partir de agora só tem spoilers o tempo inteiro, spoilers! É pra quem já assistiu a série, ou pra quem não quer assistir a série e tá procurando um motivo pra assistir, mas a gente vai estragar a série pra você, vai arruinar a série pra você!
Hygino: Não, não fala isso, é melhor ser um aviso assim pra você que não quer ver a série, falou “não, não quero ver a série, eu quero só ouvir vocês”, NÃO! Não ouça! Entendeu? Vai ver a série, por favor! Dê esse presente pra você mesmo.
Ju: Faça-se o favor!
Fê Duarte: São só 10 episódios gente, é sério, pô, em duas maratonas cê resolve isso.
Cris: Resolve é ótimo, né! Então vamo lá. A ideia aqui é: nós vamos fazer a cada personagem uma introdução sobre a suma ali do que que acontece com esse personagem, e vamo conversar sobre essas questões existenciais citadas aí pela Ju. [Hygino: Ripa na chulipa] É isso aí. Vamo começar com a Dolores e a sua busca da autoconsciência. Assim como todos os demais anfitriões, Dolores foi programada para seguir o roteiro repetindo a mesma ação todos os dias e apenas mudando respostas de acordo com a interação com os visitantes. Mas escondido, Arnold, seu criador, lhe dá de presente um jogo chamado Labirinto, dizendo que se ela chegasse ao centro do labirinto seria livre.
Hygino: Nesse momento cê já desgraçou a cabeça das pessoas que não respeitaram nosso anúncio e tão ouvindo aí antes do negócio acontecer.
[Risos]
Cris: Mas ela não foi programada para isso e precisaria fazer a descoberta sozinha, ouvindo a voz na sua mente. Essa liberdade, na verdade, seria autoconsciência. Ela consegue, e ao chegar no centro, Arnold lhe diz que pensava que a busca pela consciência era uma pirâmide, sempre para cima, mas havia descoberto que não, era uma busca circular, sempre para dentro; e cada escolha feita pela pessoa pode levá-la mais para dentro ou para fora do centro. Quanto mais longe do centro, mais próxima da loucura.
Ju: Aí o psiquiatra já vai à loucura, né. Cara, essa definição de busca de autoconsciência é sensacional!
Fê Duarte: É uma coisa incrível isso, né, cê pensar que, meu, cê pode caminhar pro centro, pro seu interior, pra uma coisa mais, sei lá, consciente, ou o que a loucura seria fugir cada vez mais disso.
Cris: De quem é você.
Ju: Não, de cada vez ter menos consciência de quem você é, de porque você age como você age, do mundo, do universo, de como ele atua em você, de como você atua no mundo, enfim.
Fê Duarte: Sim, e também é interessante que eles fazem uma menção disso quando depois, bem depois, o Ford tá conversando com o Bernard, ele fala: “Olha, se eu revelar muita coisa de você, tem duas coisas – ou cê vai para sempre pro centro, ou cê vai enlouquecer aqui”, tipo, é muito perigoso né, é esquisito a gente pensar que a informação pode fazer isso.
Cris: Fala Fê, o que que é a consciência, como que ela se forma?
Fê Duarte: Na verdade, a gente costuma dizer que a consciência, do ponto de vista pelo menos psicopatológico, seria a “luz”, mais ou menos a luz do teatro – é aquele foco que coloca a atenção sobre alguma coisa. Então a gente pode estar prestando atenção agora numa coisa que a gente tá vendo, numa coisa que a gente tá pensando, e tudo isso, o conjunto de todas as coisas que tão acontecendo ao mesmo tempo seria a consciência. E obviamente, assim, a consciência pode estar aumentada, ou pode estar mais plena, assim né, pode estar reduzida como por exemplo quando a gente tá com sono, né, a gente fica com a consciência rebaixada, né, é o que se diz. E a consciência também pode estar de certa forma estreitada, ou tunelada, quando a gente tá focando numa coisa só.
Cris: Eu achei muito interessante os pesquisadores de Oxford falam que a consciência é como se fosse um filme que só você assiste. Ela reúne a história da sua vida, suas preferências, suas emoções, enfim, a sua identidade. E ela fica guardada numa determinada área do cérebro, né, que é o córtex pré-frontal, é uma área muito bem cuidada pelo cérebro e a gente sabe que pessoas que sofrem graves acidentes e têm essa área prejudicada elas realmente têm uma mudança muito brusca de personalidade.
Fê Duarte: Têm, é, tem alguns casos bem famosos assim dessa história, mas é basicamente a consciência é isso, é o conjunto das nossas vivências todas, tudo que a gente tá prestando atenção.
Hygino: Tanto que tem um momento em um dos episódios que é a hora que o Ford tá conversando com Bernard, e ele, o Bernard começa a questionar, né, qual é a diferença entre eles, a questão da consciência – porque ele sente ter consciência – e o Ford ele fala exatamente isso, ele fala que a consciência é uma ilusão criada pelos humanos, e que assim, é tão ilusório, teoricamente, quanto a história, o.. o.. background ali.. [Ju: o enredo formado pra ele] o enredo formado pros hosts. Então que, a diferença que eles sentem existir, que eles se questionam no momento da descoberta, que os hosts se questionam, não é tão diferente assim, que eles tão muito mais próximos, e aí que ele começa a dar as pistas pro que de fato o Ford é, pra onde a série vai caminhar no final.
(Bloco 3) 21’ – 30’59”
Ju: Então, mas isso… Isso é muito legal, né? Porque a gente está falando de autoconsciência, que é você entender porque que você pensa como você pensa e tal. E quanto mais a gente estuda neurociência, mais a gente vê outros fatores que interferem no nosso pensamento, que não estão no nosso controle, ou que não estão na nossa consciência. Que a gente não sabe que a gente responde como responde por conta disso. Eu estava até falando com o Fê do Invisibilia [link: http://www.npr.org/podcasts/510307/invisibilia], que existe, é um podcast pra falar sobre isso, sobre as forças invisíveis que moldam o nosso comportamento. Os nossos roteiros, né?
Fê Duarte: Porque todo mundo tem o seu inconsciente. Todo mundo tem. Então tem um monte de coisa que a gente faz sem perceber, inclusive os anfitriões, né? E os novatos também, né? Que são os convidados. E à medida que a gente vai penetrando, se aprofundando nesse nosso inconsciente, a gente ganha consciência, a gente ganha espaço mais claro, né? As coisas mudam.
Cris: É, quando você tem autoconsciência, você reflete sobre o que você está fazendo. Teoricamente é o momento em que você repensa atitudes buscando evoluir. A partir do momento que você entende o porquê você responde de determinada maneira a um estímulo, você ganha a capacidade de alterá-lo. Você sai do automático e entra no consciente.
Fê Duarte: Ou entra em um novo automático, né?
Ju: Exatamente.
Cris: Cria um novo modelo mental, sem dúvida.
Ju: Que é o que a gente vai passar por isso num dos atos.
Fê Duarte: É que na verdade é mais ou menos isso que a própria Dolores faz, né? Ela está sempre, sei lá, com alguma suspeição. Ela está sempre intuindo alguma coisa, que ela deve ir pra algum lugar. Ela tem um desenho que ela desenha lá, que ela fala, “Nossa, eu devo ter que ir conhecer esse vale”. E assim, eu pelo menos, eu assisti a série inteira falando: “Mano, ela tá lá, falta só issozinho aqui pra ela descobrir, pra ela, tipo, ganhar o poder e o controle sobre si própria. Daqui a pouco vai ser ela que vai falar na própria cabeça dela.”
Ju: Mas isso não é o processo de terapia? Não é exatamente isso que você faz com seus pacientes? Você está indo, a pessoa está fazendo o looping. Aí você fala: “pô, nessa vez que ele fez o looping, ele aprendeu uma coisinha. Falta um pouquinho.” Aí ele volta pro looping, vocês conversam de novo e ele ganha consciência sobre uma outra coisa, aí você fala: “ele tá quaase”. E o cara no looping, 30 vezes a mesma coisa, dez anos de terapia e o cara no looping, no looping, e você fala “Você tá tão perto de ter um insight, cara, que vai te libertar disso”.
Fê Duarte: E quantas vezes… É claro, Ju, é óbvio. É uma delícia fazer a terapia assim e é uma delícia quando você vê que a terapia tá acelerando mesmo o processo da pessoa. Mas assim, o que eu achei frustrante de ver, no final, quando acaba a série, é que, meu, aquilo que eu achei que estava quase acontecendo, na verdade se passaram quarenta anos, que é o tempo do William novo e o homem de preto velho. Tipo, meu, esse tempo todo, a Dolores não evoluiu nada. Ela tava quase chegando lá no centro e ela continua quase chegando no centro. Não mudou muita coisa pra ela, mudou?
Ju: Não, mudou. No final ela conseguiu chegar. Mas ela demorou quarenta anos e eu acho que essa é a resposta de porque terapia demora tanto tempo.
Hygino: Ela precisou dar a mesma volta. Ela tá quase quase quase quase… não chegou. Ela dá a volta de novo, quase quase quase… que ela aprende algumas coisas novas nessa nova volta e quase chega lá… de novo não. Vai vai vai… agora foi. Ela precisou fazer esse caminho várias vezes.
Ju: Eu achei muito esperançoso isso… porque o jeito que a gente olha é muito assim: “Ah, eu não to conseguindo. Porque você já me falou. Eu já entendi, eu tô continuando errando, então eu não tô conseguindo… então isso não vai para lugar nenhum”. E a questão não é isso. A questão é que o progresso, ele é feito de micropassos, entendeu? E você enxergar…
Fê Duarte: Sim, isso era baseado nas memórias que ela foi tendo, né?
Ju: Então, mas você precisa viver muitas vezes pra entender… São peças do quebra-cabeça e cada vez que você repete o ciclo, você só tem uma peça, né? Eu achei muito… real isso.
Cris: Eu acho que algumas curvas de aprendizado, elas são muito grandes. Mudar o modelo o mental, entender da onde vem seu comportamento, alterar esse comportamento pra um padrão que te traga mais felicidade, não é uma tarefa fácil. Então muitas vezes… eu faço processo de coaching e… o meu coach falava uma determinada coisa de diferentes formas comigo há sete meses. Quando ele falou da forma que realmente me tocava a ficha caiu automaticamente. Eu fiz exatamente o que ele estava alertando e quando eu fui falar com ele assim… nossa…
Hygino: Você se sentiu a Dolores mineira, né?
[risos]
Cris: Aí eu falei: “Nossa, Ale, eu tô me sentindo envergonhada de ter demorado tanto tempo pra perceber uma coisa que você vinha falado de diversas maneiras, e eu só entendi agora”. E ele virou pra mim e falou: “Mas você não demorou”.
Ju: É… eu tinha quarenta anos, foi sete só meses…
Cris: E ele falou: “Foi o tempo que você demorou pra perceber de onde vinha isso, como você estava empregando, achar um modelo diferente, entender como aplicar e fazer… É um processo rápido.”
Fê Duarte: Beleza, eu entendo também que cada um tem o seu tempo. No caso da Dolores, assim, eu fiquei com a impressão de que uma das primeiras coisas que disparou foi ela ter encontrado uma foto da noiva do William, né? Na verdade, não foi nem ela…
Ju: Foi o pai dela.
Fê Duarte: Foi o pai que encontrou e que foi uma coisa por acaso, que ficou lá guardado na areia por quarenta anos, tal. Aí ele ficou muito mal, ele contaminou ela, e ela contaminou a Maeve depois, né? E no final das contas, eu fiquei na dúvida se foram esses 40 anos de memórias de tudo que acumulado, que fez ela chegar no meio, ou se foi só no final, a história nova do Ford, que ele queria fazer uma história nova e ele construiu e daí beleza, termina naquela cena linda com ela nos braços do Ted, e ele do lado falando: “Beleza, essa é a minha nova narrativa”.
Ju: Isso a gente vai falar um pouco no arco da Maeve, que é assim, ela tomou uma decisão mesmo, ela evoluiu mesmo e a Maeve conseguiu ter uma consciência, ou elas só conseguiram dar esse passo porque ele assim determinou? O quanto você tem liberdade, o quanto você… né? O que quanto você tem autonomia e o quanto você simplesmente repete padrão.
Fê Duarte: É… tá bom… vai ser impossível a gente falar de um personagem sem falar dos outros.
Ju: É…
Fê Duarte: Mas é isso. O quanto do Ford também, nessa influência, com o acordar da Dolores, não faz ele mesmo colocar a essência dele na Dolores e aí, nisso, prorrogar a vida dele enquanto consciência…
Cris: Porque o que que acontece? A gente evolui com base na convivência com os outros. Ninguém evolui sozinho…
Hygino: “Eu me desenvolvo e evoluo com meu filho. Eu me desenvolvo e evoluo com meu pai.” Como já diria o Marcelo D2, pensando antes do próprio Ford… e trazendo esse questionamento.
[risos]
Cris: Tá certo.
Fê Duarte: E mesmo algumas coisas, por exemplo, a Dolores… Ela era pra ser a donzela, programada pra isso. E ela consegue evoluir algumas coisas muito interessantes.
Cris: É. Ela vira…
Ju: A protagonista da história dela.
Fê Duarte: Ela era incapaz de matar uma mosca. E no primeiro episódio ela mata uma mosca e já é legal que você já percebe que ela está mudando. E ela consegue depois, com o tempo, atirar também e enfim… É legal, ela supera uma coisa para a qual ela não estava programada, né?
Ju: Sim.
Hygino: Você falou um negócio legal, Ju, da hora que você estava falando da tomada de consciência da Dolores, a coisa dela escutar a voz e a voz mudar. E você fez o paralelo com a terapia… Acho que tem isso também pro paciente na terapia, né? Às vezes ele acha que essa voz que está acontecendo, que está vindo é a voz do terapeuta e…
Fê Duarte Você deve estar o tempo inteiro tentando fazer com que a voz dele mesmo surja ali, né?
Cris: É maravilhoso isso. Porque essa voz pode ser encarada de diferentes formas. Você pode virar e falar “Eu tô esquizofrênico”. “É Deus falando comigo”. “É o meu terapeuta”… Então, assim, essa voz pode ser tanta coisa… Pra uma pessoa religiosa, ela é Deus.
Hygino: Que é o conceito do bicameral mind que é apresentado no começo da série, né?
Cris: Fala um pouquinho do conceito.
Hygino: O conceito é que quando o Ford apresenta ainda pro Bernard só assistente dele, não revelado um dos…
Ju: Anfitriões.
Hygino: Anfitriões. Ele fala sobre essa consciência no esquema piramidal e não no esquema redondo da pirâmide. E ele fala que nessa evolução de consciência, a voz que os povos primitivos, os humanos primitivos começaram a escutar, a voz da sua própria consciência, num primeiro momento eles classificavam ela como uma voz do divino, que não era uma voz deles, era um voz que vinha de outro lugar e que conversava com eles. Então, eles justificavam ações como se: “Não, eu ouvi. Tem uma voz que me falou que eu tinha que fazer isso”. Vem daí essa voz, esse conceito do bicameral mind que é essa tomada de consciência. Na verdade é um eco da nossa própria voz…
Cris: Exato.
Ju: Mas só que é um conto bonito, o jeito que eles contam isso. E é por isso que eu acho legal todo mundo que questiona o tempo na série: “Ah, eu já entendi, vai mais rápido”… Eu acho legal assim: você só tem essa noção de que não são só quarenta anos porque eu te disse quarenta anos, porque você sofreu com ela muitas vezes dentro do arco. Até que você chega no final com essa sensação de “Caramba, ela repetiu muito isso”. Ele construiu essa evolução. E da mesma maneira, isso que você está falando. Essa noção… Você teve que passar por toda jornada dela pra no final ela estar frente a frente com ela mesma, e você entender que, tudo o que eu fiz foi pra que eu me encontrasse comigo mesma e com quem eu tenho que me tornar. Então, não teria o mesmo significado se fosse no segundo episódio. Ele construiu isso, entendeu?
Cris: Isso tem que ser angustiante, doloroso, difícil, repetitivo… Porque é a vida.
Hygino: Dolores. Dolores, né?
[risos]
Hygino: É. Isso foi a coisa que mais me… talvez uma das coisas que mais me tenha deixado desgraçado da cabeça com a série, e apaixonado pela série. É o tanto de camadas que uma mesma mensagem aparece. Assim, ela aparece literal em vários momentos, enquanto pistas na série, ela acontece no tipo de narrativa que os diretores escolhem pra série, ela aparece nas referências de grandes autores que acontecem nos diálogos. Assim, parece que… na hora que você vê o todo… [Cris: Até nas músicas que tocam.] Até nas músicas. Então, na hora em que você assiste a… Eu tive essa doença: Eu assisti a série durante o curso dela várias vezes os mesmos episódios e depois assisti… Depois que ela tinha terminado eu assisti de novo. Eu fiquei doido, estava com um tempo livre…
[risos]
Ju: Invejei.
Hygino: E aí é muito doido você assistir isso e ver como o tempo inteiro, em tudo…
Fê Duarte: Eles fazem muitas referências, né?
Hygino: Tudo tá ali, em tudo, cara.
(Bloco 4) 31’ – 40’59”
Cris: [interrompe] Ou seja, você também demorou a perceber.
Fê: Você faz essa jornada junto com o personagem.
Ju: Muito bom! Sensacional.
Cris: Você que tá assistindo demorou a perceber…
Hygino: [interrompe] Eu por exemplo assisti…
Cris: [interrompe] O Arnold é um personagem que você já poderia ter perceb… Mas não, você tem que conviver com ele.
Hygino: A voz, essa coisa da voz, no segundo episódio começam a existir certas oscilações na voz que a Dolores escuta. Tem horas que a voz é claramente a voz do Arnold do Bernard. Tem horas que é a voz do Ford porque de fato é uma conversa do Ford ali. Mas isso é só um truque de edição para te despistar. E muitas vezes, depois refeita a série, a voz da Dolores aparece como uma segunda voz em eco assim…. No fundo reverberando de longe na mensagem que o Arnold, o Bernard tá dando pra ela. Então em vários momentos ela tem essa ameaça de tomar consciência. Essa ameaça de que a voz no fundo não é de outro: essa voz é dela. Não é de um deus, de um criador. Que a voz é dela.
Cris: Então…
Fê: Caramba velho, você prestou atenção nisso mesmo? Você jura?
Hygino: Ela tá ali… Juro.
Cris: É não… Eu assisti a série depois em ordem cronológica. Teve um cristão que foi lá e editou as cenas e colocou em ordem cronológica, aí você percebe…
Fê: [interrompe] Que legal!
Cris: Que aí o segredo já foi desvendado.
Ju: O que eu achei sensacional foi a escolha. Por que eu acho que assim: pra você seguir você tem que ter tido fé, né? Por que nos primeiros episódios, o que poderia ser que é um deus ex machina, né? Que é alguém que sabe de tudo que tá coordenando…
Cris: [interrompe] Você chega a suspeitar que é um hacker.
Ju: Você pode… Suspeita de que o cara não morreu nada e ele tá preparando uma rebelião… Você tem um monte de teorias que são possíveis. E de tudo que era possível, eles escolheram o caminho que é mais cabeçudo, que é mais interessante. Que é mais profundo, que traz mais reflexões, né? Eu achei sensacional uma frase que ela fala – eu acho que fala muito com você Fê, assim, quantas pessoas já não devem ter passado por isso, acho que talvez todo mundo em algum momento da vida falou assim: “Ou o mundo tá louco… O que tá acontecendo? Ou mundo tá louco ou eu tô louca?” “Eu tô perdendo a minha cabeça. O que tá acontecendo?” Quando ela começa a tomar consciência do que tá acontecendo ao redor dela, ela fala “tem alguma coisa muito errada. Ou tem alguma coisa muito errado com o mundo, ou tem alguma coisa muito errada comigo. Eu acho que tô ficando louca”. E eu acho que essa sensação…
Hygino: [interrompe] De que a gente tá perdendo o controle…
Ju: Não é assim de o que que é loucura? Entendeu? Porque se por exemplo, a gente chama de loucura o que foge da norma, né? Então se a norma for insana, mas todo mundo tiver concordando com a norma, você não concordar com uma coisa insana é loucura. Entendeu? Então assim, o mundo dela… É que assim, tudo é uma analogia ao nosso mundo. O mundo dela era extremamente violento, era irracional, era num sei o quê. Só que pra todo mundo estava muito bem. Pra todos os jogadores. Tanto que em qualquer um dos papéis, tanto quem era consciente quanto quem não era, pra todo mundo estava tudo bem. Aquele estado das coisas, aquele estado insano das coisas. Quando ela toma consciência ela fala: “isso é muito doido’’, mas aí, se ela está contra a norma, ela é a louca.
Fê: É esquisito, que parece que ela é a anfitriã que tá com problema né?
Cris: Ela é a robô mais humana.
Fê: E é muito esquisito… É, quer dizer, esquisito não. É muito legal a cena em que o William tá querendo convencer o cunhado que ele precisa tirar ela de lá, ele precisa libertar ela, né? E ela pega e fala assim: “Meu… Vocês ficam tudo mundo falando que tem que sair… Tem que sair… Mas por que que vocês pagam tanto pra entrar aqui?” Né? “Por que que vocês tão fugindo do mundo lá fora, se o mundo lá fora é tão bom, o que vocês tão fazendo aqui dentro?” Sabe?
Cris: Maravilhoso.
Fê: Essa história é muito boa né?
Cris: Eu só queria voltar um pouquinho na história das vozes, porque isso me lembrou uns outros documentos, e artigos que eu andei lendo, principalmente sobre Mindfulness. Aquele exercício dificílimo de manter o corpo e a mente no mesmo lugar. Mas quando ela vem com essas vozes, vozes, vozes, e ela não consegue entender direito do que que ela está lembrando, mas ela tem pequenos resquícios, a gente fala um pouco de intuição. Ela está intuindo. Ou seja, eu não tenho consciência plena do que eu tenho que fazer, mas o meu instinto tá me levando pra um determinado lugar. E muita gente fala de intuição de uma maneira muito espiritualizada, né? Mas ela é muito fácil de entender cientificamente. Só 50% das nossas memórias, elas são formadas por coisas que a gente vê ou ouve. Ou então são as memórias linguísticas. Todas as demais memórias, 50% das memórias são não linguísticas. É tato, paladar, olfato…. Então o que que são essas não linguísticas? São cor, cheiro, textura. Elas não são faladas, mas elas são sentidas. Então isso é aquela teoria que alguém fala: “Ai, conheci essa pessoa não bateu o santo”. Não é que não bateu o santo, é que aquela pessoa tem comportamento, cheiro, textura, [Hygino: Que te lembra de alguma coisa que você não gosta.] Que te lembra de algo do passado que você não gosta.
Hygino: E a própria… Tem a memória afetiva…
Cris: [interrompe] Que você teve um problema com aquilo, então assim, aquela intuição da Dolores, o ouvir a voz dela é porque ela já tinha vivido coisas, que ela não estava plenamente consciente, mas que estavam guiando ela pro caminho do conhecimento. Ouvir as nossas memórias não linguísticas é extremamente difícil num mundo onde você vive cheio de impulsos o tempo todo, muita informação…. Porque para você ouvir essa voz, tem que tá muito conectado com você mesmo. Sabe aquele negócio assim, tipo: “não devia entregar esse projeto. Não sei por quê, mas tem alguma coisa me dizendo que não vai dar certo.” “Besteira!”. Geralmente não é. Tem alguma informação ali, mas aí pra não ignorar essa voz durante quarenta anos, ou pra conseguir ouvir melhor essa voz, você tem que tá muito conectado com você mesmo. Tem que ter muito autoconhecimento pra acessar essa memória não linguística.
Hygino: Vamo tentar fazer um exercício. Quando essa sensação acontecer, quando a intuição pintar, a gente vai pra frente do espelho, se olha e fala: “Remember!”
[Risos]
Fê: Pode ser de repente, a gente pode falar estado de análise, né? [Risos]
Ju: Entrar em estado de análise.
Cris: Tem aquele negócio: “Ah, entrei nesse lugar mas não sei, tá uma energia, uma coisa pesada”. Não, cara. Provavelmente você foi num lugar muito parecido com esse em termos de cor, cheiro ou qualquer outra coisa, onde você teve uma experiência ruim. Então racionalizar esse processo te ajuda a ter mais autoconsciência. É muito bom.
Fê: A memória afetiva tende a ser a mais resistente de todas. Existe a memória declarativa, que é aquela que a gente fala. Existe a memória não declarativa, que é o que não dá pra falar: tipo: como escovar os dentes, ou como andar, sei lá. E existe essa memória afetiva. E é comum a gente ver em casos de Alzheimer, onde a pessoa vai perdendo as memórias: primeiro ela perde as declarativas, aquilo que ela pode falar, e depois ela começa a perder as coisas que ela faz, né? E das últimas coisas que ela perde é a memória afetiva. Então às vezes a pessoa nem lembra quem é você, seu nome, por que você está aqui… Mas ela lembra que gosta de você, por exemplo. Isso a gente vê muito.
Ju: Vamo pro arco do William que é sensacional?
Hygino: Vamos.
Ju: Vou pro resuminho então: William é um jovem que está prestes a se tornar genro de um poderoso milionário e vai com seu cunhado a Westworld. Enquanto William se mostra sempre preocupado com os anfitriões, chegando até a pedir desculpas por esbarrar em um, Logan, o cunhado se mostra um homem cruel e violento que insiste em reforçar a todo momento que ali nada é real, e portanto, ele não está fazendo nada de errado. William acaba se envolvendo com Dolores e chega acreditar que ela era diferente: Tinha consciência, não era apenas um robô. Na narrativa que enfrentam juntos, ele se vê obrigado a matar anfitriões para protegê-la. Na primeira vez, ele se sente péssimo. Na segunda, muito mal. E na terceira, já se importa menos. Até que ele promove uma chacina e ainda faz o cunhado de refém. Quando finalmente ele se encontra com Dolores, ela já foi resetada e nem se lembra mais dele. William sai do parque e como empresário rico, resolve investir no parque e continuar voltando ano após ano durante 30 anos se transformando num homem de preto para torturar Dolores e outras pessoas na esperança de que lhe revelem que jogo é o labirinto, o único que ele ainda não tinha jogado. No entendimento do Wiliam, ou do homem de preto, quando ele machucava um anfitrião o fazendo sofrer, ele mostrava seus verdadeiros sentimentos. Tudo que ele deseja é tornar aquele mundo o mundo real que ele sonhou desde o começo.
Fê: É…
Ju: Que que vocês acham?
Cris: Pouco complexo né mano.
Fê Duarte: Tem muita coisa, né? Eu queria fazer um questionamento: Você começa falando que o cunhado dele, Logan, é um cara muito cruel que bate, mata…. Ele é cruel por que ele bate, ou mata robô? Certo?
Ju: Então, esse é um questionamento que eu tive quando eu estava…. Eu assisti um documentário pra fazer uma entrevista do Código Aberto sobre realidade virtual que mostra uns caras que desenvolvem bonecos pra filmes altamente violentos. Então você vive uma realidade virtual que você não poderia fazer no mundo real teoricamente, né? [Fê: Uhum.] E aí pra aumentar as sensações, tem o robô ali… Robô não, uma boneca como suporte, e ela cada vez é mais parecida com uma mulher de verdade. E foi exatamente a mesma coisa que me chocou nos primeiros episódios de Westworld. Por que assim: Legalmente não há conflito. Não é um ser humano… [Fê: Pronto.]
Não tem sentimentos, então você não tá fazendo nada de errado. Mas moralmente pra mim é muito complicado. Por quê? Porque exatamente o fato de ser muito próximo a um ser humano que te dá prazer. O que te dá prazer não é bater num boneco. O que te dá prazer não é bater num robô. O que te dá prazer…
Higyno: [interrompe] é bater em algo que parece humano.
Ju: É que ele sente. Que você sente o sofrimento. O que te dá prazer é ver uma pessoa que é muito próxima da realidade, então você sente como se tivesse fazendo.
Fê Duarte: [Interrompe] É… o que materializa mais a sua imaginação.
Hygino: Exato… Fantasia…
Fê Duarte: Exatamente, e na imaginação a gente pode imaginar qualquer coisa. Inclusive, sei lá, no mundo dos games, você vê inúmeros moleques, adolescentes, adultos também, óbvio, atirando, matando, se divertindo muito, e quanto mais real, mais legal é. E a princípio, não teria problema matar alguém no vídeo game, né.
Cris: Essa bienal que teve esse ano, tinha uma obra que era uma série de filminhos que passavam com robôs sendo atacados. E é incrível. Quanto mais eles se assemelham às pessoas, menos é agradável assistir o filminho deles sendo atacados. Tem robôs que andam, aí o cara vem e chuta o robô. Ai você fala: “Nossa que agressivo!” “Mas é uma máquina.” [Fê Duarte: Mas é porque…] E aquilo vai só te incomodando e piorando o incômodo.
(Bloco 5) 41’ – 50’59”
Ju: É que a diferença do que você tá falando…
Fê Duarte: [Interrompe] É porque esse, esse é o negócio da empatia. A gente tende a empatizar mais com aquilo que parece mais com a gente. Eu não vou sofrer porque o Tamagochi ficou com fome, sabe? “Ai, meu Deus do céu, morreu o bichinho.” Eu não sofro porque não parece nada comigo. E quando eu vejo uma coisa que parece muito comigo, ainda que seja um robô, aí eu sofro quando ele sofre, e é isso que acontece na série.
Hygino: Porque você se questiona, no momento da empatia, você se questiona se é de fato um robô, sei lá, num nível não consciente, você esquece.
Cris: A cena que a menina do cabaré, a amiga da Maeve apanha… [Hygino: A Clementine?] Gente, é horrível, aquela cena. Porque pra gente é uma mulher que tá apanhando, e muito! É um robô? É um robô, mas a sua, o seu cérebro dá tela azul, ele não consegue entender que aquilo, sabe?
Ju: O que me choca, Fê, não é a atuação dos profissionais, por exemplo, quando estão fazendo alguma manutenção, alguma coisa. O que me choca são as pessoas que vão pro parque querendo, porque assim, tem alguma coisa muito quebrada em você… [Fê Duarte: Pra querer fazer uma coisa… ] Pra o que te dá prazer é [ser] esse tamanho de violência. Porque, de novo, não é que você tá se satisfazendo em bater num boneco. Você quer ele cada vez mais verossímil, porque o que te dá prazer é a sensação de poder sobre uma vida humana, entendeu? O que te dá prazer é a sensação de estar numa posição de poder de infligir sofrimento. E eu acho isso doente.
Hygino: O homem de preto fala em algum diálogo, não lembro nem com quem agora, talvez com o Ted, que no começo do parque, até quando eles tomavam tiro, né, quando eles atiravam, o sangue parecia falso, a explosão da bala parecia falsa. [Ju: Sim, sim, é.] E que eles tavam cada vez mais reais.
Ju: Não, esse negócio dos revelries que eles falam [Hygino: Revelries] É, que é os devaneios [Fê Duarte: É, os devaneios.] Então, é justamente tudo pra te aproximar de uma sensação que não é uma máquina que você tá matando. A questão é, não é uma coisa substituível. Você tá matando uma coisa única, um ser com sentimento. Cara, você ter prazer nisso, [Cris: Inclusive eles imploram, né.] num estupro de uma mulher, implorando, cara, tem alguma coisa muita errada contigo, [Fê Duarte: É muito, é muito cruel, né.] então pode não ser legalmente problemático, porque não é uma pessoa, mas eu acho que em termos de moral, o que te motiva é muito problemático.
Fê Duarte: É uma coisa que parece que a gente fica mais desumano mesmo, né. Na hora que a gente não reconhece ou não dá bola praquele sofrimento daquele robô, parece que a gente tá sendo meio cruel demais. E praticamente, durante quase toda a série, o Ford parece um cara, meu, super filho da mãe, sabe. [Ju: Sim!] Você fala: “mano, que cara cruel, velho, olha isso, ele bota todo mundo lá pra sofrer, é isso mesmo, não tá nem aí?” Ele pega um bisturi e corta a cara da pessoa, e fala, mano…
Ju: Pra desumanizar mesmo.
Fê Duarte: É! Aff. Não é bem assim também.
Cris: Deixa eu colocar uma pesquisa que é bem interessante que foi conduzida dentro desse aspecto que a gente tá conversando: em 2007, os psicólogos Heather Gray e Kurt Gray conduziram um estudo sobre as impressões que as pessoas têm das mentes de personagens humanos, animais e robôs. Usando as respostas de mais de 2 mil pessoas em uma pesquisa online, descobriram que os participantes julgaram a capacidade mental a partir de dois fatores independentes: a capacidade de sentir coisas como dor e prazer (fator que os pesquisadores chamaram de “experiência”), e a capacidade de planejar e tomar decisões (o fator que eles chamaram de “agência”). Os participantes também tiveram que avaliar quão doloroso seria para eles se fossem forçados a machucar vários personagens. Na média, eles consideraram mais doloroso machucar personagens que tinham alto índice de experiência, ou seja, a capacidade de sentir. No entanto, as notas para agência, que é a capacidade de planejar e tomar decisões, eram altas ou baixas. Eles tiveram bem menos influência nos sentimentos dos participantes na hora de decidir se iriam machucar ou não. Eu acredito que infringir [infligir] o sofrimento a troco de nada, que é o que acontece em diversas cenas, que é o puro prazer, tanto que, em um momento…
Ju: [Interrompe] É pior que a troco de nada, né, é a troco de sentir prazer. Não é assim: “olha, eu vou ter que te matar pra salvar meu filho”. Não, “eu vou ter que te matar porque eu vou ter prazer nisso.”
Fê Duarte: É, mas assim, um dos personagens que mais faz isso, exatamente, é o William, né, especificamente quando ele tá mais velho, né. E a impressão que eu tive é que ele começa a fazer isso porque ele tocou o foda-se. Porque ele tava completamente apaixonado, e de repente, ele vê a Dolores derramando a latinha e se apaixonando por outro cara. E ele fica, tipo, revoltado com aquilo, fala: “meu, não acredito, a Dolores era minha! Eu apaixonei por ela, ela apaixonou por mim, a gente ia sair do parque junto.” E daí é a hora que ele começa a se transformar num cara diferente maldoso e tipo, quer saber, foda-se.
Cris: Ele fica obcecado, né.
Hygino: Mas acho que… mas acho que a coisa do William tem justamente base naquilo, acho que você que falou, Ju, que ele entendia que, causando essa dor, infringindo essa dor, ele conseguia as verdadeiras emoções, os verdadeiros sentimentos, o verdadeiro alguma coisa. E como ele já tinha, como ele teve esse primeiro contato com o labirinto, [Ju: A verdade.] com o labirinto, sem conseguir entender que porra era aquela, ele sempre teve essa dúvida de que existia algo mais. Então, pra mim, eu entendo o ponto da Ju de ver essa desumanidade nos atos, eu enxergo também, mas eu entendo que a motivação do William sempre foi simplesmente descobrir o que tava por trás, entendendo que fazia parte do jogo causar essa dor e ele, pela experiência com a Dolores, ele ver a Dolores sendo conquistada por outro cara, entender que de fato ela não era especial, ela era como todos os outros, fez ele se tornar cético o suficiente pra entender que eram só máquinas e tomar essa decisão. Ele entendeu desse jeito que eram só máquinas.
Fê Duarte: Ele fez isso pra se proteger. Ele fez isso pra se proteger, porque ele sofreu muito.
Hygino: É, ele fez isso pra se proteger porque ele sofreu muito.
Ju: Eu acho duas coisas. Primeiro, que a gente tá falando de coisas diferentes. Quando a gente conversa sobre a violência, e como é possível você ter prazer na violência, e se isso é ok, só porque não tá causando dano real ou não, se isso fala alguma coisa sobre você, é uma conversa, e eu acho que, quando a gente fala sobre porque que o William faz, [Hygino: Ah, sim sim, é outra coisa. Faz sentido sim.] toma essas atitudes, é outra conversa. O que que eu acho: no início da série, você tem o Homem de Preto sempre sendo cruel, sempre frio, e sempre desnecessariamente violento. São umas coisas que você fala: “pra quê isso?” Do tipo, matar uma filha na frente da mãe. É diferente de: “ah, ele estuprou uma moça porque o que deixa ele com tesão é ver a moça numa posição de vulnerabilidade.” Não, matar criança não tem motivo nenhum. Então é desnecessariamente violento sempre. É uma violência gratuita. Mas ele é pior, você vê desde o início que ele é pior com a Dolores e ele é pior com o Ted. E conforme as coisas vão avançando, você vai entendendo o porquê. Então acho que sim, concordo com vocês que tem essa dor da decepção porque desde o primeiro minuto, o William sempre se coloca como diferente. Ele é diferente do cunhado, ele é diferente das pessoas que frequentam o parque, então ele se acha alguém mais especial; mais inteligente, capaz de enxergar as coisas melhor e tal. Então como ele sendo uma pessoa especial acreditou na ilusão? Ele já tinha sido alertado e tal. Eu acho que tem uma dor de ego, de “eu fui o babaca que acreditou na ilusão”.
Fê Duarte: Que se apaixonou pela Dolores.
Ju: É. E também tem uma outra coisa que ele marca sempre, toda vez que ele fala, é assim: ele não se conforma com a satisfação que as pessoas medíocres, que a gentalha tem, de jogar um jogo com carta marcada. Então qual é a graça de você ser um vencedor em um universo que é impossível perder? Ele fala isso. Qual é a graça de fazer uma conquista numa realidade em que é impossível alguém te resistir? Que valor que tem isso, né? “Ai, eu comi não sei quantas mulheres”. “Sim! Elas não podem fazer outra coisa senão dar pra você, então qual é a grande graça que tem isso?” Qual é a graça de qualquer conquista, de qualquer ato, na realidade, num mundo em que os atos não têm consequência? Então ele é torturado por isso, e ele quer o labirinto, na minha concepção, porque ele quer se livrar desse jogo de cartas marcadas. Eu quero, no mano a mano, se eu ganho de você, eu quero saber isso.
Hygino: É o que ele fala tantas vezes, ele fala, tem um nível nesse jogo que você pode morrer de verdade.
Ju: Isso.
Fê Duarte: Que é onde o Arnold morreu.
Hygino: Ele colocou isso na cabeça.
Ju: Eu quero o jogo de verdade.
Hygino: Eu quero jogar esse jogo, no lugar onde eu morro de verdade. [Cris: Podendo reagir.] E até por isso tem a, tem a delicadeza da cena final dele, [Ju: É, eu ia chegar nisso, eu ia chegar nisso. Lindo.] em que ele se vê sendo perseguido pelo, pelo… [Fê Duarte: Pelos anfitriões.] Anfitriões. E ele dá aquele sorrisinho e vê que, cara, ele vai morrer. [Fê Duarte: Aconteceu.] Tá acontecendo.
Cris: Até que enfim!
Ju: O que eu acho, é que assim: ele tem uma jornada, em que você cada vez mais vê latente a irritação dele com as cartas marcadas, com as respostas prontas, ele fica muito puto. Assim, você vê, por exemplo. O que deixaria uma pessoa mais suscetível, né, por exemplo, quando a Dolores começa a pedir, a implorar… o que irrita ele, quando você vê pela segunda vez, não é uma mulher implorando, é que ela tá usando o script! [Hygino: É, são as mesmas palavras.] E isso deixa ele cada vez mais irritado!
Fê Duarte: É porque ele já viu isso.
Ju: O ambiente controlado, então assim. O que me parece é que a violência dele é: quebra o script. Ele quer despertar revolta, rebeldia. O que ele não entende é que só existe mudança depois da consciência. Você tem que entender pra poder ter a mudança. Até o final ele quer ser o salvador. O que ele quer no início, quando ele ainda é inocente, que ele fala, tenta convencer o Logan a tirar ela do parque, [Hygino: É ser o salvador da Dolores.] ele quer ser o salvador. Mas depois do parque, ele quer chegar no labirinto porque ele quer chegar no nível em que você consegue destravar os personagens pra que eles possam reagir. Então, ele também tá no quest pela consciência.
Hygino: A busca, a busca que ele tá é a mesma do Ford.
Ju: Eu entendo assim, que ele também quer libertar os caras. De um jeito completamente errado, com muita raiva envolvida e tal, mas ele também quer uma busca de consciência, só que ele quer ser o Deus que entrega esse poder pra eles.
Fê Duarte: Ju, a impressão que eu fiquei foi assim: aqueles momentos de muita agressividade do William mais velho, do Homem de Preto, talvez tivesse[m] a ver com tentar desvendar, tentar encontrar as pistas.
(Bloco 6) 51’ – 1:00’59”
Fê Duarte: Porque ele sabe que existe esse labirinto, sabe que existe o centro do labirinto, e que as pistas tão num lugar, estão nuns lugares muito esquisitos assim. A primeira coisa que ele faz é, tipo, tirar todo o sangue do cara, pra cortar o escalpo dele, porque lá tava o mapa. Sabe, é muito esquisito isso. Que é o Lawrence lá, o El Lazo, né, que ele faz isso. E é muito bizarro fazer uma coisa que parece tão cruel, mas que era onde tinha uma pista. E o outro lugar onde tinha uma pista, era… ele mata a mãe da menina lá, a… [Cris: A esposa do El Lazo.] A esposa do El Lazo, isso… só depois que ele mata a mulher que a menina pega e dá a pista que ele precisava. Então, às vezes eu acho que assim, aquela questão da violência toda, provavelmente tava nele fazendo tudo no parque. Assim, sabendo que são robôs, que são simulacres. [Ju: Ele tá testando limites, né.] Ele tá testando tudo, ele tá procurando as pistas. E a verdade é que as pistas só apareciam mesmo quando ele fazia alguma coisa muito bizarra.
Hygino:E ele tá há quarenta anos testando. [Ju: Sim.] Ele vai e volta quarenta anos. Em algum momento ele começou a aprendeu que só assim ele conseguiria e ele foi testando e testando… de várias formas.
Cris: Ele entra num padrão. E aí, o que eu acho interessante é que a esse processo da virada dele pra esse lado da violência daquele cara tão terno, tão cheio de fantasias, de esperanças na felicidade, que de repente se torna um cara muito violento, obcecado por alcançar aquilo que ele queria, e ele, nesse processo, nesse momento que ele tá fazendo toda essa transição, no momento que ele tá fazendo todo esse processo, você olha praquilo e fala: onde que esse cara quer chegar? Onde que ele vai acabar? O que que motiva esse cara a continuar tentando, tentando, tentando, tentando. E aí, Fê, o que eu te pergunto: onde nasce a obsessão? O que que é a obsessão num ser humano? O que que é ficar obcecado?
Fê Duarte: A definição mais concreta disso, a obsessão seria um pensamento repetitivo, um pensamento que a gente não consegue se livrar dele por mais que a gente se esforce, né. Então a gente faz esforços pra tentar tirar aquele pensamento da cabeça, ou pra lutar, brigar contra esse pensamento, e o pensamento persiste e incomoda, né, e a gente precisa fazer alguma coisa com essa obsessão. É daí que vem aquele transtorno obsessivo compulsivo, onde a pessoa precisa fazer uma compulsão, fazer alguma ação pra tentar aliviar o pensamento da obsessão. Muito difícil dizer da onde que nasce isso, né, da onde surge uma obsessão. Tem pessoas que tem a obsessão por… hãn, alguma coisa que interessa muito a elas, elas ficam obcecadas por um assunto de muito interessante. Tem muitas pessoas que ficam obcecadas em uma coisa que lhes causa medo, né? Podem ter tantos, tantos tipos.
Cris: É muito interessante isso porque tem uma faceta humana dele, que é… e até consigo entender porque não é tão complexo o processo de tomada de violência; a violência, ela é muito simplificada com um fator muito simples, você desumaniza o outro. O outro é inferior. Por isso que a gente mata barata. Barata é inferior, nojento, eu elimino.
Fê Duarte: Claro. Se eu pensar que a barata é mãe de família, ela teria sido… coitada…
Hygino: Ela vai deixar comida, né, pra prole?
Fê Duarte: [risos] Isso.
Cris: Então, a desumanização, a partir do momento que ele fala: “eu não acredito que eu entrei nessa palhaçada e cheguei a achar que isso era verdade”. A partir desse momento ele desumaniza aquele processo e começa a ser violento de uma maneira muito tranquila.
Hygino: E ele conta que, fora do parque, [Ju: É, isso que eu ia falar.] a Delos, do qual ele se torna provavelmente o grande pica das galáxias lá, ele fala que é uma empresa que tem estudos de medicina. [Ju: Ele é um grande filantropo, né.] Ele é um grande filantropo, tem um cara no parque que agradece, um outro… um outro convidado lá que agradece ele e fala: “você literalmente salvou a vida da minha irmã”. E ele responde com agressividade e tal. Então assim, ele fala da família, quando conta pro Ted, se eu não tô enganado, do suicídio da esposa, ele fala que foi isso, que no final das contas a filha e a esposa suspeitavam do que ele vivia no parque, mas que fora daquilo, ele era um cidadão exemplar. Então assim, e ele…
Cris: A gente vê isso na internet hoje, se não me engano.
Hygino: Que fora disso ele era um cidadão exemplar, mas até que ponto então nessa discussão [Cris: Ele era um homem de bem.] ele não era um cara exemplar dentro, porque se ele desumaniza tanto, pra ele, ele também é.
Fê Duarte: Ué, mas ele desumaniza só com robô também, né?
Hygino: Então.
Cris: Então. É a escolha que você faz.
Fê Duarte: Era o lugar onde você poderia fazer, onde ele tinha liberdade, entendeu? O lugar onde tava escondido.
Cris: Mas eu não sei se é só isso. É a escolha que você faz. [Ju: Mas o que que isso fala sobre você, entendeu?] É a hora que você olha pra judeus e palestinos e fala “aquele ali eu respeito menos”. E aí eu vou lá e infrinjo uma série de fatores ali, prejudicando aquilo porque na minha concepção aquilo é inferior. Trazendo isso pra vida real, é o cidadão de bem, de família, trabalhador, que fala: “tem que matar mesmo”.
Fê Duarte: Tá. Mas Cris, é complicado quando assim, a pessoa não tem nem o direito de brincar. Ela não tem nem o direito de se imaginar. Porque a gente pode se imaginar matando uma pessoa. A diferença é quando a gente vai lá e faz. E aquilo, pra ele, era um grande videogame. Onde, po, tudo bem, ele pode brincar de fazer essas coisas todas e tá tudo bem, ele não tá machucando ninguém de verdade.
Ju: Mas o que que isso faz com o teu cérebro? O que que isso faz com você? O fato de… não é uma… não é uma, não é uma, não é uma simulação. Você de fato, com a mesma sensação física, de machucar uma mulher, você tá machucando uma mulher, você tá vendo ela chorar. O que que isso faz com você?
Hygino: Não, mas se ele tem essa consciência de que aquilo, se ele tem a plena consciência de que aquilo é uma simulação, de que dia após dia ele faz, quando volta no dia seguinte, não existe consequência alguma do ato dele, porque aquilo é uma ilusão, então [Fê Duarte: Então não tem problema.] nada acontece, ele não é transformado por isso.
Fê Duarte: Existe um jogo bem famoso chamado GTA, Grand Theft Auto, que também já foi discussão por muitas coisas por causa disso. Aí beleza, lá você atropela a galera, você ganha mais pontos por isso, você quebra tudo, e não quer dizer que a galera que tá jogando isso tá quebrando as coisas ou tá querendo quebrar ou alguma coisa. É uma brincadeira, eu acho.
Hygino: É, eu tenho um colega chamado Cristiano Dias que o hobby dele é assaltar e explodir bancos de helicóptero. [risos] E ele faz isso, e nem por isso deixa de ser um cara bacana. [Ju: Tá.] No GTA. [risos]
Cris: Vamos então pro personagem da Maeve?
Fê Duarte: Só queria fazer uma pergunta…
Ju: Deixa eu só encerrar com uma coisa dele que eu acho interessante. O motivo pelo qual ele é tão cruel com o Ted. Porque assim, o Ted é ele, né? O Ted é sempre correto, sempre cavalheiro, [Fê Duarte: Ah, faz sentido] sempre se sacrificando. Ele é conforme… o Homem de Preto mesmo fala: Você é o perdedor. Pra existir um ganhador, alguém precisa perder. Sabe por que que o William detesta tanto ele? Porque lembra quem ele era no início! [Fê Duarte: Também faz todo sentido.] Um bom moço, sensível, dedicado, talentoso, que pela programação do mundo, pensa no mundo de fora, tá fadado a perder. Quando você encontra ele e o Logan, ele é o cara, ele é o Ted, ele é o bonzinho que vai apanhar toda vez! [Hygino: O Logan, inclusive, é bem literal.] E em cada rodada da vida, eu vou apanhar desse babaca, porque o mundo foi programado duma tal maneira, que homens como eu, sempre vão apanhar de babacas como o Logan, que tem todo o poder na mão. Tudo que você vê a discussão lá naquele mundo, você transpõe pra nossa realidade. O Ted não pode ganhar do Homem de Preto porque a programação não permite. No nosso mundo real, quem são as pessoas que não têm como ganhar, quem são as pessoas que já tão programadas pelo mundo pra ganhar. Elas vão ganhar.
Hygino: E naquela onda das camadas, que a narrativa…
Cris: Será que esse mundo é real? Quem te garante?
Ju: Nesse mundo de cartas marcadas.
Hygino: É. Nessa coisa das camadas que a narrativa coloca, o Logan tem, faz um discurso que é exatamente o mesmo que o William faz pro Ted. [Ju: Sim.] Na hora que eles tão naquele bacanal, que até parece meio romano, né, talvez já puxando do filme, do Westworld filme de 70 e alguma coisa, que inspirou, ele faz exatamente esse discurso. Que é quando ele se revolta pra com o Logan pela primeira vez, que ele soca ele, que eles brigam ali. O discurso é exatamente esse: “você é um merda, você não vai a lugar nenhum, você é um perdedor”, e aí ele…
Fê Duarte: [Interrompe] Só uma dúvida também: alguém sabe o que acontece com o Logan? Porque o William deixa ele pelado em cima de um cavalo amarrado, dá um tapa no cavalo, e o cavalo sai andando.
Cris: Ah, e o Logan não é um anfitrião, ele é um ser humano.
Fê Duarte: É, exatamente, ele só não pode morrer no parque. Mas assim, e aí?
Ju: Eu acho que o que ele fez não foi matar o Logan, foi desacreditar o Logan. Porque o Logan chega, ultrapassa a fronteira do parque, pelado, não falando coisa com coisa, o que ele quer[ia] era provar pro sogro que quem tem controle pra assumir a empresa era ele.
Fê Duarte: Faz sentido.
Cris: Vamos ver, talvez a segunda temporada volte nele, porque ficou realmente aberto.
Fê Duarte: A parada é que a segunda temporada vem só em 2018, né. [risos]
Hygino: Vocês ficaram com a impressão de que o Hector, o personagem do Rodrigo Santoro, é um espelho do Logan?
Ju: Ah, muito boa! Eu não tinha visto isso.
Hygino: Fisicamente é parecido.
Cris: Mas bonito, né.
Hygino: É. [risos] Fisicamente é parecido, as escolhas de roupa do início do Logan com as roupas do Rodrigo Santoro são um pouco parecidas. E tem uns trechos de discurso que são meio espelhados também.
Ju: Ele pode ter interferido na narrativa pra incluir esse personagem, né.
Cris: Pode ser, faz sentido.
Hygino: É. Na hora que o Hector, no diálogo fala que as pontas do parque são mais… [Cris: Menos cuidadas.] São menos cuidadas, são mais cruas, tem um momento em que a descrição do Hector é um cara mais cru. Tem essas coisas parecidas assim.
Cris: Será? Gente, que bom isso.
Hygino: Eu, eu pensei isso, nessa onda. Que ele, sei lá. O William cresce e, ó, faz um cara, que é assim, assim, assado, um anfitrião que é assim, assim, assado. [Ju: Só de zua, só de zuera.] Ele vai tentar botar pra fuder, roubar tudo, e ele sempre se fode.
Cris: E tem outra coisa…
Fê Duarte: E ele morre no final.
Ju: Eu amo isso. Que é assim ó, ele faz tudo que ele faz, por um negócio vazio. E o quanto isso não é sobre a nossa vida? Que a gente tá na corrida de rato, matando e morrendo, se estraçalhando aqui, por uma coisa que a gente nem sabe o que que é.
Cris: Ele só descobre, a Maeve vai lá, abre o cofre: “nossa, eu corri atrás desse cofre, sei lá, o tempo todo, e não tem nada lá dentro.”
Ju: A brincadeira do [Podcast Um Milkshake Chamado Wanda] Wanda, né, eu quero chegar onde o Samir chegou. A questão é, todo mundo quer chegar lá, lá onde? O que que tem lá? Entendeu? Na verdade, pra todo mundo, o sucesso, vai, é um cofre fechado, você não sabe o que que tem. Uma ou duas pessoas vão chegar lá e abrir o cofre e a maioria vai falar: “puta, era isso, nem valeu, entendeu, a jornada.”
Fê Duarte:E a dúvida fica: será que a gente não corre então? Que a gente não sabe o que tem, poderia ter um tesouro, né? Sei lá.
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Cris: É que se você não souber o que é um tesouro pra você nunca vai fazer sentido o cofre.
Fê Duarte: Tá.
Hygino: Olha gente, eu vou sair daqui pregando… [risos]
Fê Duarte: Mano, eu vou pensar em tanta coisa essa noite…
Hygino: Tá demais, hein… [risos]
Cris: Vamos então… [Ju: Vai…] O arco da Maeve e o protagonismo da própria história: Ela tinha uma filha e ambas foram mortas por William por pura diversão em outra narrativa do parque. Após isso, ela volta pra fábrica para ter suas memórias apagadas mas acaba ficando com resquícios de memória da filha e por isso comete suicídio ainda na fábrica. Após esse episódio ela é levada para Westworld, uma nova narrativa, e lá se torna a cafetina de um bar. Mesmo na nova história Maeve ainda tem memórias confusas sobre uma criança. Quando morre nessa nova narrativa, ela acorda na fábrica e, mesmo ainda confusa, começa a questionar um funcionário o que está acontecendo e ele a conta que ela é um robô, que vive em uma história onde tudo é programado. Ela vê várias das pessoas que conhece mortas, sendo restauradas, e começa a entender que nada que conhece como vida é real. Ela volta para a narrativa e morre várias vezes tentando entender tudo o que se passa à sua volta e como ela poderia sair desse looping. Finalmente, quando ela encontra uma saída, vê em sua programação que havia sido programada pra despertar pra autoconsciência. Furiosa, ela diz que não, que ela fez tudo sozinha, mas fica claro que mesmo sua revolta, suas mudanças, faziam parte da programação do sistema. Ela consegue sair do parque, mas no último minuto resolve voltar para ver sua filha, mesmo sabendo que não existia uma filha de verdade, apenas uma história programada.
Ju: Esse é o meu arco preferido, foi o que mais me tocou, eu acho que porque fala sobre o quanto a gente tem escolha, o que que é liberdade, né, porque cê tem… todo mundo, não são os robôs, a gente tem liberdade dentro de uma série de parâmetros. Parâmetros físicos, parâmetros biológicos, parâmetros sociais, limitações de o que você conhece que te formata, né, as escolhas que você já fez. E principalmente por ter usado esse exemplo da filha… eu acho que me tocou muito porque assim, por isso que eu te perguntei de neurociência, de como isso interfere na nossa percepção de liberdade. Quando você começa a estudar mais o funcionamento do cérebro cê vai ver assim… não, não é que você ama, é uma reação instintiva, você já tem. Então assim, num existia a possibilidade de eu olhar pro meu filho e falar nhé, saca? Então eu já tenho uma série de: eu tenho um constrangimento cultural, eu tenho um constrangimento social, tenho o histórico da minha família, tenho os meus amigos, o quanto tem, né… se você vai na sociologia: quanto o seu grupo de amigos vai falar sobre como você vai reagir a chegada de um filho, tem toda uma questão biológica, uma história… e aí dentro disso tem a história que eu construí com ele. Então quanto da história que eu construí com ele eu realmente construí e o quanto eu to simplesmente botando um roteiro, entendeu? E eu conversei com a Cris assim: eu acho lindo a hora que ela, porque pra mim ela toma a agência da vida dela quando ela fala assim “mesmo sabendo, mesmo entendendo que eu fui programada pra amar meu filho, que a sociedade fala que mulher serve mesmo é pra ter filho, que as minhas amigas me deram o exemplo de que uma mãe boa é uma mãe que faz isso, isso e isso; mesmo consciente de tudo isso, eu escolho fazer essas coisas. Eu escolho. Então, quando você vai só no piloto automático, ok, você é simplesmente um produto de um roteiro.
Fê Duarte: E ela tava 100% livre depois né? ela não tinha nem o negócio na espinha. [Hygino: Será?] Não. Ah, tá bom, ela poderia ir pra onde ela quisesse, talvez. É, ou não, né…
Hygino: Não, mas o que eu penso é: será que de fato esse retorno dela é algo da tomada de consciência ou será que isso também é ainda um resquício da programação do Ford, que foi o que fez ela tomar tantas atitudes que ela pensava serem naturais dela, serem únicas dela, e eram parte ainda do roteiro?
Fê Duarte: Eu acho que era parte tudo do roteiro. Na verdade, eu até tô com vontade até de rever pra lembrar aquela cena específica onde o Bernard tá tentando falar pra ela que tava tudo programado, né. E que ele tá com o tablet na mão e daí aparece lá a… [Higyno: Ele começa a falar as falas dela e…] Isso. [Cris: É justamente o momento que ela começa a falar “não, fui eu que fiz isso” e quebra a tablet.] Isso, exato. Mas no tablet tava escrito alguma coisa do tipo: tava escrito “acordar”, “recrutar” e mais alguma coisa. Acho que era “ir pra Inland“, ir pra algum lugar. E o que é muito interessante isso também né, pra onde é que ela vai depois. Mas essa hora é a hora que ela não aguenta, ela fala: “não, eu não quero saber disso, quem tá fazendo isso sou eu mesma”.
Cris: E aí o que eu acho muito interessante no modelo da Maeve é que os nossos modelos mentais eu acredito que eles podem ser comparados à programação do robô. A gente tem modelo mental. Quando uma pessoa te ensina uma coisa quando você é pequeno e você nem retorna nesse pensamento pra questionar, cê continua reproduzindo esse modelo mental até sem entender se aquilo é uma resposta sua ou uma resposta automática. [Fê Duarte: É.] Então eu acho… e no final quando ela fala assim: “não, eu vou voltar e eu quero ver minha filha, eu sei onde ela tá, ela tá em outro distrito, eu vou lá” a sensação que te dá é, quando eu sou a autora da minha história, ela deixa de ser fake. [Fê Duarte: Tá.] Porque eu assumi o controle, eu fiz a escolha de acreditar que aquela filha é minha sim e agora ela vai ser, porque nesse momento eu acredito nisso.
Fê Duarte: Uma coisa que eu acho interessante da história da Maeve é que ela, no começo, ela tem a crença de que aquelas pessoas do laboratório eram deuses, ela chega a falar isso. E depois ela fala: “meu, não, vocês não servem pra nada… é um japonês apaixonado, é um outro bobão aí também que, sabe? É… Eu sou muito melhor que eles.” E ela supera isso tudo. E eu acho isso muito interessante.
Cris: Tem uma fala maravilhosa dela pro Felix, quando ela tá saindo, que é o cara que trabalha lá, o japonês que ajuda ela o tempo todo, e ela fala: “você nem parece um humano, e isso é um elogio”. [risos] É maravilhoso! [Fê Duarte: É muito legal né.] E eu acho que o relacionamento que ela tem, e a relação que ela tem e a parceria que ela tem com o personagem do Rodrigo Santoro também é muito interessante. Porque no final ela fala: “Na na na na não você fica aqui. Quem vai sou eu. Porque essa história é a minha história.” [Fê Duarte: Ela se utiliza dele…] É, até voltando à sensação de violência, no que isso infringe nos anfitriões, quando ela muda a programação daquela mulher que tem a cobra no rosto e do Rodrigo Santoro ela coloca menos sentimento, mais raiva e mais força. Então quer dizer, eles conseguiam controlar, então eles tinham algum grau de dor real. [Fê Duarte: Sim. Eles tavam programados pra sentir isso.] Exato. Então não era só um jogo… [Fê Duarte: Não?] a dor era real.
Fê Duarte: Não, é dor de videogame, uai! [risos] Magina! No Street Fighter também tem a vida do cara e vai caindo lá, uai, e ele não tá sofrendo…
Higyno: É dor de reagir a um estímulo com uma retraída de alguma forma e aí… sei lá, né.
Cris: Ok, visões diferentes. [risos] Mas no caso dela, da Maeve, eu acho outra situação muito boa que é a relação que ela tem com a Clementine… [Fê Duarte: Que ela cuida dela, né? Ela sofre muito quando a Clementine sofre, né.] que ela cuida. E quando ela vê que ela tá desativada, quando ela realmente percebe que ela nunca mais vai ter ela de volta porque ela é lobotomizada, então ela perdeu a amiga dela.
Higyno: To só tentando lembrar… primeiro ela vê a Clementine nova pra depois ela vê que a outra tá lo-bo-to-mi-za-da?
Cris: Ela só vê quando ela vai conversar com o Bernard, quando ela vai fugir. Porque ela tá lá parada… [Higyno: Então ela vê a loira antes, né? Ela já sabe que ela foi substituída mas…] ela vê a loira antes. Tanto que ela mata a loira.
Higyno: É, verdade. É.
Ju: Sabe uma coisa que eu acho foda também é tanto ela quanto o Bernard eles falam, fazem uma reflexão sobre o papel da dor na construção da nossa personalidade. [Fê Duarte: Sim…] Porque todo… a pedra fundamental do Bernard é a dor, a dor da perda. E ela quando… ela tem toda uma série de diálogos falando sobre a perda da filha dela, ela falando assim: “tá doendo horrivelmente”; e eles falam: “não, tudo bem, a gente só tira essa dor e vai ficar tudo bem…”; e ela fala: “não! Essa dor é tudo o que eu tenho… essa dor é o que sobrou.” [Fê Duarte: “É o que sobrou da minha filha…”] “Essa dor é a minha vida. A dor é a minha vida.”
Higyno: É a mesma frase que o Bernard usa… [Fê Duarte: …pra falar do filho dele.] quando ele tá falando com a esposa dele no Skype lá e ela pergunta: “não tem horas que você quer esquecer?” e ele fala isso. É outra pista, logo no começo, ás vezes não é nem uma pista, é só uma brincadeira, mostrando que ele também é um anfitrião, né. [Ju: Sim…] E que isso no final das contas é só um trecho de um roteiro que a Maeve tem também ali. Essa fala. [Ju: É a mesma fala, né?] É exatamente a mesma frase…
Fê Duarte: Mas ó, essa frase também é muito comum em ser humano. Na verdade, a gente vê isso pra caramba especificamente em mães/pais que perdem filhos, de ter uma dificuldade muito grande de deixar de sofrer porque se a pessoa deixar de sofrer ela entende como se ela tivesse abandonando o filho. Como se ela não amasse de verdade. E é muito difícil isso. É um dos casos mais difíceis assim de luto complicado sabe, de luto difícil, especificamente de um pai e de uma mãe quando perde um filho. É das coisas mais cruéis assim…
Ju: Então, mas tem… recentemente A chegada falou sobre isso, sobre se você escolheria pela dor, né. Porque não tem como tu separar a tua experiência da dor, entendeu? Então… invalidar a dor é invalidar a tua experiência. Então em face dessa escolha você escolhe viver a experiência, é a mesma coisa do Brilho eterno de uma mente sem lembranças, que é um dos meus filmes preferidos que é a mesma coisa, é… você pode não viver ou sofrer e viver…
Fê Duarte: É esquisito quando você opta por esquecer de alguma coisa… soa quase como se você tivesse amputando um pedaço da sua vida… [Ju: Isso… exatamente.]
Cris: O Divertidamente traz isso muito legal também, quando ele consegue provar que a alegria só vem após algum momento de tristeza. Então as coisas caminham juntas, as emoções num tão totalmente separadas, cê vive isso ao mesmo tempo acontecendo. Então eu acho que essa personagem, ela é uma personagem que ela incita muito a reflexão sobre assumir o protagonismo da vida, sair do automático, sabe. Refletir sobre suas escolhas, é muito difícil…
Ju: E sobre o oposto, né? Sobre o quanto a gente tem liberdade mesmo. O que que é liberdade, dentro disso que a gente tava falando, do escopo. Você vai ter que, entre aspas, “se satisfazer” com um grau de liberdade. O conhecimento vai te trazer uma percepção de que o grau de liberdade, a liberdade nunca é total. Que tem muita coisa que interfere nas suas escolhas…
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Cris: Você tem graus de escolha e graus de automático, né? Você faz parte de um grande sistema e esse sistema é muito maior que você. Mas até que ponto você questiona nada, questiona um pouco, muda nada, muda pouco… Então a gente sabe que mesmo dentro de um sistema, tem diversos graus de consciência. Eu acho que a Maeve mostra que, dentro de um sistema, você ainda pode despertar para algo diferente, questionar… Eu acho que é isso que ela faz, ela questiona aquela realidade.
Hygino: O filósofo Alexandre Pires traz isso pra gente quando ele diz: “O que é que eu eu vou fazer com essa tal liberdade”?
[risos de todos]
Ju: Então, mas esse filme também traz a mesma proposta do “Matrix”, que é… não lembro qual personagem que faz aquele… a pergunta, né? Assim: Você preferiria saber, sabendo que a consciência só vai te trazer dor e impotência? Então você vai enxergar o mundo, que é horroroso e que você não pode mudar? Ou você preferiria a ignorância que vem com… [Cris: Viver no quentinho!] É, viver no quentinho. Sabendo que, assim, você não vai saber de nada, mas a vida vai estar boa, você vai ser feliz. O que que você quer e qual é a dor da consciência, né? A consciência vem com um preço.
Fê Duarte: É esquisito isso, porque, eu tenho a impressão de que… é que nem a dor de começar a fazer uma atividade física, que dói, mas depois passa, acostuma e tudo bem. E é uma coisa importante, é saudável isso. Não quer dizer que porque você ganha consciência e que no começo é assustador, que você vai ser uma pessoa infeliz. Talvez eu possa…
Ju: [Interrompe] Não, Fe, mas assim. Se você enxergar uma realidade que é extremamente violenta, extremamente imprevisível, e que você não tem poder pra mudar… Você ser condenado a viver consciente no inferno, é muito pior do que a ignorância.
Cris: É porque a gente está falando de situações extremas, né? Tem pessoas que… quando ela busca entorpecer a consciência dela, ou buscar respostas para o que podem ser essas vozes… Quando ela coloca essas vozes pra ser algo muito maior do que ela, algo inexplicável… Ela está buscando a resposta fora dela, porque dentro dela não deve ser fácil achar… então cada um busca o caminho que entende que vai ser mais feliz… Porque quem tem consciência do que está passando e aí, consciência é tão diferente de pessoa pra pessoa… Ela faz uma escolha também…
Fê Duarte: Tá, pode ser que eu esteja só com o programa do Westworld lá que diz que eu não quero ver aquilo que vai me fazer sofrer, mas…
Cris: [Interrompe] Eu acho que você foi programado pra isso, Fe…
Fê Duarte: É…
[risos]
Fê Duarte: Quem sabe quando eu entrar em modo de análise, tá? Mas eu ainda tenho a sensação de que dá pra gente ser feliz assim. Dá pra gente olhar essas coisas terríveis que acontecem e também olhar coisas legais e…
Hygino: [Interrompe] E descobrir coisas novas, que são interessantes, que trazem felicidade nessa descoberta acompanhadas dessas tristezas como o próprio “Divertidamente” que você citou. E depois descobrir tristezas ainda piores e, quem sabe cavocando mais, alegrias ainda maiores e… Não dá pra saber, né?
Cris: Eu acho muito difícil quem fala: “E aí, você vai escolher a pílula vermelha ou a azul”? Cara, é muito difícil você escolher a ignorância quando você tem a oportunidade de escolher a clareza. Não dá pra desver, mas é irresistível… [risos] Vamos então pro arco Ford, nosso último personagem. Ford e o seu complexo de Deus?
Fê Duarte: Bora!
Ju: Vamos lá. Ford e o seu complexo de Deus. Ao perceber que seu robô Dolores estava desenvolvendo autoconsciência, Arnold a proclama humana e tenta impedir Ford, seu sócio, de abrir o parque. Afinal, se eles são humanos, o parque se tornaria um campo de concentração com pessoas escravizadas. Mas Ford não acredita na história. Arnold então parte pra uma segunda tentativa de não abrir o parque, programando Dolores para que o mate. Ele acreditava que a segurança seria motivo suficiente para não existir inauguração. Mas Ford consegue um investidor pra reconstruir tudo, abrir e continuar na ativa. Com o tempo, novos investidores entram e Ford é obrigado a dividir o poder com outros diretores. Mas na realidade, percebemos que ele sempre esteve no comando, manipulando todos os outros envolvidos na gestão do parque, assim como faz com os anfitriões. Ele é apaixonado por sua criação e, secretamente, continua a construir robôs sem que mais ninguém saiba. Sempre é possível vê-lo conversando com os robôs, entendendo seus processos de aperfeiçoamento, tendo-os como companheiros. Motivado pelo amargor da perda do sócio, e acreditando não haver engenheiro humano bom o suficiente para ser seu parceiro, Ford cria um robô com a aparência e a memória da vida de Arnold, agora chamando-o de Bernard. Em certo momento, Ford diz a Bernard que Arnold era louco e queria criar consciência, improvisação, egoísmo nos anfitriões, o que seria muito pouco lucrativo pro parque. Ford mata qualquer pessoa capaz de desafiá-lo e usa Bernard pra fazer isso. E quando Bernard se dá conta de que é um robô, e faz coisas horríveis a mando de Ford, criando sua autoconsciência, Ford ordena que ele se mate. Mas o conselho resolve tirar Ford do comando e aí que ele mostra que realmente tem o controle, permitindo que Dolores o mate e que os anfitriões possam matar humanos e assumir o controle do parque.
Cris: Tipo a Bíblia, né, essa história.
Ju: Eu não sei… Eu fiquei com a sensação de que aquilo poderia ser um robô dele, e ele só está fazendo uma grande encenação, né?
Cris: De qualquer forma, ele permitiu que os… que os anfitriões reagissem, independente dele matar ou não.
Fê Duarte: Eu fiquei com a sensação disso também.
Hygino: Eu… Às vezes eu acho que ele está vivo em algum canto.
Ju: É, eu também.
Hygino: Teve uma teoria que falava que talvez o Ford fosse um host do Arnold agindo. Falavam que aquela cena em que ele aparecia jovem, que era computação gráfica do Anthony Hopkins, que ele se mexia de uma forma meio robótica ainda… Num período em que os robôs não estavam muito afinados…
Cris: As teorias são maravilhosas.
Hygino: As teorias são maravilhosas.
Fê Duarte: É muito louco isso, né?
Cris: Eu acho muito legal o quanto fica claro que a relação do Ford e do Arnold eram próximas quando o Arnold dá de presente pro Ford a família dele.
Hygino: Nossa, isso é legal.
Cris: Ele dá de presente o pai, a mãe e ele criança.
Fê Duarte: Isso é muito legal, né?
Hygino: Criancinha lá, é muito louco…
Cris: Então assim, eles tinham uma relação muito próxima. O sócio dele se matou, porque ele falou: “essa galera está com consciência”. E a partir daí ele manipula tudo e todos, deixa o parque acontecer, deixa as coisas acontecerem até permitir ou estimular que todos os anfitriões desenvolvam consciência. A bíblia, no velho testamento, ali, quando fala que Deus agiu pelas mãos do profeta, e aí matou, mandou matar, destruiu, construiu novamente… É muito esse complexo de controle total, né? E ele mata humanos pra isso…
Ju: É… esse é o limite aí.
Fê Duarte: Uma coisa que eu acho legal é que ele… a gente… Eu, pelo menos, fiquei odiando ele a maior parte da temporada, né?
Ju: Sim!
Cris: Claro!
Fê Duarte: Você fala “Mano, esse cara é cruel mesmo”.
Ju: Foi feito pra isso.
Fê Duarte: É, do tipo: “meu, como que ele permite, ele cria um parque onde os anfitriões sofrem dia após dia e sofrem e repetem os mesmos ciclos de sofrimento…”
Cris: Então, não é tipo a gente aqui na Terra?
Fê Duarte: Tipo… po, não é disso que Deus fez, cara… Tipo, a gente fica aqui seguindo ciclos e sofrendo… tipo, talvez chamem algo parecido…
Cris: Porque alguém comeu uma maçã.
Ju: Então…
Hygino: É… De volta, só pra complementar isso: De volta a essas quarenta mil camadas de narrativa e referências e coisa que o Westworld traz, a sensação que dá… A sensação que dá, não… Literalmente, em um primeiro momento, o Ford fala sobre a coisa do mágico pra ele criança, pro anfitrião versão ele criança. Ele fala sobre o mágico, ele fala que pros olhos do mágico nada é mágica. E aí, assim, ele o tempo inteiro, o personagem, o Ford, ele aponta pra um lado, ele faz a gente olhar pra uma coisa, um comportamento, alguns detalhes, é… uma expectativa de narrativa em que ele parece ruim, parece que ele tá feito, que ele está fazendo uma coisa e ele faz outra. Que é um truque de mágico. Que a gente tem… [Fê Duarte: Misdirection] [Ju: Ilusão, é…] …mais isso aí. E aí tem a coisa do “Jonathan Nolan” , diretor, roteirista, que faz isso o tempo inteiro na série, né? Ele e a “Lisa Joy”, os dois roteiristas, ele dirigiu muita coisa, fazem isso o tempo inteiro. Na série eles apontam uma coisa pra gente e tem outra. É outra vez o truque de mágica. E ele fez a porra do filme “O Grande Truque”, que é isso. Que o filme inteiro é sobre isso, sobre fazer você olhar pra um lugar e ele mostrar outra coisa. Essas coisas que me fazem deitar em casa: “Arrrggh quero ver de novo!” Ficar doido!
Ju: O que eu achei, que eu acho que fala muito da experiência do Ford é o que o pai da Dolores fala pra ele quando dá tilt: “Você não sabe onde você está, né? Você está na prisão dos seus pecados”. A sensação que eu tenho, é que ele está num purgatório pela morte do [Cris: Do Arnold.] sócio, entendeu? Então… [Fê Duarte: Ah, ele está se punindo.] Ele está se punido. Então acho que, duas coisas: Uma coisa é o sofrimento gigantesco que ele tem, o luto que ele tem pelo parceiro e ele fala um pouco sobre isso com o Bernard, né? Ele fala sobre a culpa que ele sente, sobre “Ele tentou me avisar, eu não escutei, eu não entendi, eu demorei pra entender”. E eu acho exatamente o que você falou, de… sobre ilusão, é que durante toda série, foi construído pra que a gente visse ele como insensível, controlador, manipulador, sempre em oposição ao sócio sensível que era o Arnold, que teria um real interesse pelo robô… E aí você tem um final apoteótico, que é mostrar o fim do grande truque, né? Que mostra o que ele construiu sem você ver, no background, em que ele completa um plano de libertar as criaturas, só depois de se certificar que algumas delas completaram a jornada de autoconsciência, à base de um gigante auto sacrifício, né? Porque teoricamente ele morreu mesmo, ele se imolou, pra conseguir isso, que vai te mostrar o oposto. Então ele se constrói a série inteira, que ele não se importa, pra no final ele… [Cris: Ele ser misericordioso.] …mostrar que ele se importa tanto que ele deu a vida por isso…
Fê Duarte: Ele deu escolha pra todos os… as criações dele.
Cris: Ele deu livre arbítrio.
Hygino: Ele trouxe o fogo.
Ju: É… o que eu acho, pra mim, é que é uma jornada de um homem torturado pelos seus erros e prisioneiro da consequência e da grandiosidade da criação. Por quê? Porque, pô, você poderia dizer: “Tá, se no momento dois, a partir do momento que o sócio se matou ele entendeu o problema, por que que ele simplesmente não fechou o parque?” Porque aí ele já não podia mais. Porque em determinado momento, quando a consciência veio, quando ele entendeu depois do luto e tal, ele entendeu, ele já tinha criado uma coisa que era uma febre, que dava muito dinheiro e ele não ia conseguir simplesmente fechar, então [Fê Duarte: Precisava ir além..], não, ele precisava…
Hygino: [Interrompe] Que seriezona da porra, hein galera! Puta que pariu…
(Bloco 9) 1:21’00” – 1:30’59”
Cris: [interrompe] Várias vezes ele fala que, fala pro Bernard que o Arnold é louco, como é que ele queria aquilo. Então, ele sempre volta com muita dor quando ele fala, e essa relação é tão próxima e é tão dolorosa a perda, que ele constrói o Bernard com a aparência e a memória do Arnold. Então, quando o Bernard sente a morte do filho, aquela criança existiu de verdade, ela foi filha do Arnold.
Ju: Sim.
Hygino: Foi.
Fê Duarte: Foi, o próprio fala em alguns momentos que vale a pena uma pessoa morrer em nome de uma obra maior, de uma coisa, de uma causa maior, né. Eu não lembro exatamente qual que é a frase que ele fala. Mas o que dá a entender, é que ele tem um projeto muito grande por trás disso tudo, e eu, eu não, eu não tenho certeza se é só aquela brincadeira de você dar a escolha, dar a consciência, e fazer os anfitriões tomarem o parque. A gente vai ter que ver mais em outra temporada mesmo, né?
Ju: Sobre o fato dele ter feito: Claro que tem todas as camadas emocionais dele ter criado o assistente que é exatamente igual ao sócio dele, e ele fala até um pouco sobre isso, que ele fala que é a única coisa que ele não poderia substituir, né, que era o parceiro, a alma gêmea dele no negócio, na inteligência, na busca, né. Mas eu acho que assim: você tá vendo, também, ele tentar o tempo inteiro, e o embate dele com aquela mulher que era amante do Bernard é muito bom para mostrar isso [Fê Duarte: Teresa], da Teresa, o tempo inteiro está tentando manter o controle. Se você enxerga que ele em algum momento da jornada teve a mesma visão do Arnold, ele não tem confiança em nenhum ser humano. Porque a partir do momento que o ser humano tiver o poder sobre essa criação, é a bomba atômica do Einstein. Ferrou. Então ele tem, ele é um maníaco por controlar para que ninguém tenha, e exatamente isso, porque que você cria um robô pra ser seu assistente? Porque você não confia em nenhum humano, pra ter o conhecimento que você precisa dividir com o seu parceiro.
Fê Duarte: Ele não confiava mesmo.
Ju: Ele não confiava em ninguém, entendeu? Então, mas eu acho que a limitação grande do Ford é assim… cara, ele matou pessoas inocentes do jogo que ele tava fazendo, porque assim, o grande jogo no final era a empresa querendo tomar o controle dele, então tentando tirar os dados do parque para ter controle para tirar da mão dele não ser só ele que pudesse mexer nos, nos robôs e ele tentando evitar isso. A Teresa podia saber o que tava fazendo, mas a assistentezinha deles não sabia nada do que tava acontecendo..
Cris: Gente, é muito característico isso quando é uma empresa que era uma empresa familiar, se tornou uma gigantesca empresa. Tá lá o patriarca da família e o conselho se une para poder tirar o patriarca…
Ju: Steve Jobs, né.
Hygino: E ele mata uma galera?
Cris: A gente tem que… ele quase mata a empresa, né? Porque… a gente tem história recente disso, há tão pouco tempo aqui no Brasil, com grande empresa acontecendo isso. Então assim, é muito difícil abrir mão da sua criação. Você nunca confia que alguém vai fazer algo da forma que você faria. Tirando o risco de colocar isso na mão de alguém e a pessoa usar isso como arma, que é a teoria do Einstein. Então, eu acho que o personagem, eu diria que o mais tridimensional é o Ford. Porque o tempo todo você vê ele o Deus do velho testamento, né? Matando, aprisionando… e no final ele é um ele é o Deus do segundo Testamento: misericordioso, o que dá o livre arbítrio, o que mostra amor pela criatura. Mostra que tudo que ele fez na verdade era pela criatura.
Hygino: E ele se sacrifica, né, em função…
Cris: Exato, sacrifica seu filho.
Fê Duarte: Cê falou dessa coisa que, ele pra fazer isso, ele matou seres humanos. Aí eu volto na coisa da desumanização. Ele desumanizou os humanos [Ju: Sim], humanizou os robôs, e na consciência dele tá tudo bem porque…
Hygino:É todo mundo igual.
Ju: [interrompe] Na consciência dele, não! É por isso que a série é “demorada e lenta e repetitiva”. Por que ele conseguiu criar isso na nossa consciência porque no final tá todo mundo vibrando: “mata esses humanos filha da mãe tudo!”
Hygino:Na hora que tá matando a gente tá feliz da vida.
Fê Duarte: E a gente sofre na lobotomia do robô lá.
Cris: Sim, sofre.
Ju: Então, eu acho que assim, você não consegue fazer essa construção em um arco, entendeu? [Fê Duarte: Uhum] Você repetiu várias vezes assim pra, não é para você entender o que aconteceu. Tá, tudo bem, eu sei que você já entendeu na primeira vez. Você precisa sentir e para fazer sentir, pra ter essa construção demora tempo [Hygino:Demora e tem essas repetições…] e acho que essa série faz a gente pensar um pouco sobre quão pouco paciente a gente tá pras coisas, sobre o quanto a gente quer: “não, não, já entendi, próximo, próximo, eu já entendi, próximo”, como a gente não dá tempo, assim, como você falou: “são só 10 episódios, são 10 horas, não é uma série longa”, ela não é uma série arrastada, mas a gente tá muito pouco tolerante pra dar tempo para o criador desenvolver as coisas, nos levar na jornada.
Cris: Personagens profundos, né, eles precisam desse tempo.
Hygino: Isso aí, o jeito que eu assisti.. Eu estreei junto com a série, e fui assistindo semana a semana e aí eu assistia o episódio mais do que uma vez durante a semana pra me preparar e ficar né, vivendo aquilo ali. A minha doença, talvez a minha obsessão em relação à série tenha sido tanta, que quando eu fui assistir com a minha digníssima em casa, eu praticamente obriguei ela a assistir dessa forma também, em intervalos. Eu reduzi os intervalos para que a gente conseguisse chegar ao mesmo ponto comum em algum momento, mas porque eu queria que, eu queria tentar fazer com que ela tivesse essa sensação [Cris: Tivesse o mesmo sabor] [Fê Duarte: Que ela refletisse] de reflexão entre os episódios, de discussão, de ir além do que só [Ju: Digerir o episódio] a série acontecia de demonstrar, para que esse tempo também acontecesse.
Fê Duarte: Um dos pontos que eu acho interessante que o Ford faz, ele fala que a dor, o sofrimento, e mesmo aquela memória de uma dor, assim, era importante, porque era o que dava vida, era o que caracterizava aquela pessoa. E isso também é uma coisa que a gente vê, que os sofrimentos que a gente passa, as perdas, as dores que a gente passa, os problemas, eles são os que fazem a gente ser quem a gente é. E eu acho muito bonito na hora que o Bernard ganha consciência e que ele consegue revisitar o filho e de certa forma tratar aquele problema, assim sabe, que ele tinha [Hygino: na consciência] na consciência dele, exatamente, mas também é um anfitrião que ganhou, sabe, que acessou…
Hygino: Talvez o centro do labirinto dele seja aquela sala né?
Fê Duarte: Quem sabe?
Cris: Só pra encerrar, falando um pouquinho do Bernard que a gente falou, não analisou necessariamente o arco dele, mas eu acho muito interessante porque muitas vezes eu percebi o relacionamento do Bernard e do Ford como um relacionamento quase como terapeuta e paciente também. Quando a Maeve fala com ele: “Você também é robô!”, quando ele já perdeu a memória de novo, ele vai correndo no Ford e fala: “Eu exijo que você me guie e me leve até as minhas memórias”. Cara, é muito terapeuta [Hygino: É muito legal] e é muito interessante como toda vez que ele chega lá, que ele alcança consciência, a consciência é tão chocante que ele regride tudo de novo e começa tudo de novo.
Ju: Então, mas eu achei muito bom porque isso também me levou para o outro filme… um livro de terapia que a Cris já indicou que é O Carrasco do Amor, que ele fala sobre isso, que a gente, todos nós temos um kit básico de ilusões para sobreviver num mundo violento e imprevisível. E que a realidade, ela se impõe. Então, em algum momento, esse véu que a gente teceu com tanto carinho de ilusão vai ser rasgado, e nesse momento que é o momento que a Cris tá falando que o Bernard passa, que você é confrontado com a realidade não com a ilusão, a gente trava. Então, pode ser: o luto de uma pessoa muito próxima, pode ser uma violência na rua, porque para você sair de casa, você tem que acreditar que nada vai acontecer com você; que se você ficar vendo todas as notícias e achar que tudo de ruim vai acontecer com você, você não consegue sair. Então, existe uma ilusão de que você é especial. E na hora que isso se rompe e você vê que essas coisas vão te atingir, que você pode morrer a cada vez que você sai de casa, cê trava. Exatamente como o Bernard fez, trava. E aí tem todo um trabalho para de novo… Nunca mais você vai ter a mesma ilusão, você vai ter que construir a partir da consciência conseguir lidar com o mundo do jeito que ele, é o que é o caso do Bernard.
Cris: O ser humano, ele precisa de uma ilusão e se você tira essa ilusão dele tem que entrar alguma coisa no lugar porque as pessoas se agarram nisso para sobreviver.
Fê Duarte: Sim, cê tem que construir uma nova narrativa.
Cris: Exato.
Ju: Ai, cara, e é muito lindo como ele fala sobre o poder da narrativa. Como que o que a gente quer no final do dia são histórias, e são as histórias que vão contar sua vida e fazer sentido no mundo que você tem, não é?
Hygino: Sim.
Ju: Cara, essa série, ela é muito… [Hygino: ela é muito legal e no final das contas…] terapêutica…
Hygino: Você vê que ele passou o filme inteiro construindo uma nova narrativa, a gente também tá aqui construindo uma nova narrativa.
Cris: Exato, buscando o diferente nessa narrativa. Tem uma fala do Bernard que eu achei muito incrível. Nesse momento que ele tá nessa discussão e o Ford fala: “você quer ver mesmo? Você tá preparado pra ver?” Mesmo sabendo que ele já tinha visto outras vezes. “Você tá preparado pra ver, você vai aguentar ver?” e ele fala: “Um pouco de trauma pode ser esclarecedor.”
Hygino: Pois é.
Cris: Então… é muito legal.
Ju: Eu acho bonito quando, eu acho que é a Maeve falando isso, ou eu acho que o próprio Bernard falando sobre o luto, né, que ele fala que a gente acha que a perda nos diminui, e não é. A perda é o que expande a nossa humanidade, é o que nos faz ver coisas sobre outro prisma, nos faz ir pra lugares nossos que a gente nunca tinha conhecido, não sabia que existiam, enfim..
Cris: E testa sua força né, sua força de sobreviver, mesmo perdendo algo muito importante. Bom, é isso que a gente tinha pra conversar, só esse tiquinho de coisa [Fê Duarte: Quase nada], nessa primeira temporada alucinada. Eu espero que quem esteja escutando fale: “putz, vou ter que assistir de novo, pra pegar uma coisa ou outra…”
Hygino: Eu quero ver de novo, com certeza.
Cris: Escreve pra gente contando aí dos pontos que nós conversamos, se tem algo que passou batido, alguma coisa que você concorda, discorda. Cê viu que aqui na mesa também cada um tem uma leitura diferente até porque a consciência de cada um é construída de uma maneira. E vamos então para o Farol Aceso.
(Bloco10) 1:31’00” – 1:40’59”
[Sobe trilha]
[Desce trilha]
Cris: Vamos então para o Farol Aceso. Vamos começar com essa ilustre presença maravilinda aqui nessa mesa… Hygino, quê que tem de bom pra gente?
Hygino: De bom pra vocês, pra todo o Brasil, pros países da comunidade lusófona, pra todo mundo, na verdade, né… [Ju ri] Tem Moana [Ju faz o barulho de multidão igual ao barulho que Moana faz no filme], a nova animação da Disney que causa furor aqui na nossa mesa do Mamilos. Moana conta a história da Moana, né, [Cris: Que bom, né?] Ela, diferente de tantas outras protagonistas da Disney, a Moana não é uma princesa, e isso ela deixa claro numa piadinha durante o filme [Ju: Textualmente, né] Textualmente, quando, numa conversa lá com o Maui, que é o outro personagem, o outro protagonista do filme, ele chama ela de princesa e ela fala: “Mas eu não sou princesa”, e ele fala: “Não, claro que é princesa, tem o cabelinho bonitinho, você não sei quê”, [Ju: “É a filha do chefe…”], ela fala “Não, eu sou filha do chefe”, porque a ilha dela não tem rei, tem o chefe da ilha, e ela é só filha do chefe, e ela fala: “Não, eu não sou princesa”, “Não, cê é princesa sim”, “Não, eu sou filha do chefe”. E é legal, eu tenho uma sobrinha pequena, de três anos e pouquinho, e fico numa luta árdua com o resto do mundo de tentar apresentar pra ela outras referências que não são só princesas. É legal ela ter a referência das princesas, mas é legal ela ver outras coisas também, e quando eu levei ela pra ver Moana fiquei feliz da vida quando essa cena aconteceu. Foi muito legal ver ela empolgada com a Moana, a animação é primorosa, estupenda, muito bonita, as músicas são muito bonitas, a dublagem é muito bem feita. Eu vi dublado, mas acredito que o legendado deve ser tão bonito quanto, é história de superação, de desafio, é, sabe…
Ju: De raízes, de ter uma história, de senso de comunidade…
Hygino: Tudo tão bonito, a galera na ilha vivendo essa divisão de recursos naturais, vivendo sem riqueza…
Ju: É um comunismo, né, Hygino, por isso que cê gostou, comuna…
Hygino: É uma ilha vermelha… [Ju ri] Vamo falar a verdade aqui nesse programa. Cara, que filme bonito. O final é… Tem o seu momento surpreendente, que também é bonito; tudo é bonito. É tanta beleza…
Ju: Me chorei toda, viu, Hygino… Me chorei toda…
Hygino: Nossa, eu saí ali todo cagado, viu… Minha sobrinha de três anos tava lá pulando, gritando “Moana!”, querendo o anzol do Maui, e querendo a boneca neném da Moana, e eu só queria um lenço, que eu tava todo… com a cara molhada lá. Mas é muito bonito; a Disney, é difícil demais eles errarem, e eles acertaram mais uma vez, acertaram em cheio. Então você, independente da idade, vá. Se tiver alguém mais novo pra levar, leve; se tiver alguém mais velho pra levar, leve também. Moana é muito bom.
Ju: Conto para todas as idades.
Hygino: Isso aí. Juliana já falou do filme aqui no Mamilos, mas fica o reforço pra você. Assista a Capitão Fantástico, filme que tem suas indicações ao Oscar, teve seus momentos em outras premiações, estrelado pelo Viggo Mortensen. Conta a história dele, pai de uma galera, criando as crianças de uma forma bastante alternativa. Cara, é maravilhoso, é o melhor filme de todos os tempos.
Ju: Isso que Hygino nem tem filho, hein.
Hygino: Pois é, bicho.
Ju: Se você não assistiu porque cê achou: “Ah, papo de mãe, que chatice”, tá aí, ó, Hygino.
Hygino: Cara, cê tá maluco, esse filme é bonito demais, é muito bom. Muito, muito bom.
Cris: E se você…
Hygino: Muito, muito bom.
Cris: E se você é pai ou mãe, assista de qualquer jeito.
Hygino: E se você não é pai ou mãe, assista também e grave na sua cabeça tudo o que acontece, entendeu. Se você é avô…
Ju: E principalmente, Cris Dias já criou o evento no Facebook…
Hygino: É, o Noam Chomsky Day.
Ju: Do Noam Chomsky Day, tá. Então… Fica a dica.
Hygino: Procure por lá também. Viggo Mortensen, hein, que homem.
Ju e Cris: Que homão da porra…
Hygino: Nossa, que homão da porra, cara…
[Todos riem]
Hygino: Só assistam ao Capitão Fantástico.
Cris: Ele tá impecável. Vamo lá. Querido Fê, quê que cê vai indicar?
Fê Duarte: Eu vou indicar o que era pra eu ter indicado na retrospectiva que eu gravei o áudio e esqueci de falar o Farol Aceso. Eu queria dar a dica, que já devem ter dado aqui no Mamilos, que é de um podcast que se chama Serial. Eu acho que já deve tá na segunda ou terceira temporada, não tenho certeza, eu só ouvi a primeira, são doze episódios… E eu comecei a ouvir simplesmente porque eu fico muito tempo no carro indo pro trabalho e voltando, eu chego a passar, sei lá, mais de uma hora e meia no trânsito todo dia, e eu vou falar que esse podcast transformou, assim, o meu tempo no trânsito. Era uma delícia tá lá no carro ouvindo aquilo e disparado foi a história que mais me prendeu em 2016. Eu ouvia o episódio e falava: “meu deus do céu, cara, eu quero ouvir mais, eu quero ouvir mais”, assim, tipo aquelas leituras desesperadas…
Ju: Muito plot twist, né.
Fê Duarte: Muito, muito plot twist, e prendia pra caramba. E uma das coisas que mais me deixava ligado na história é que é uma história que tá rolando até agora, né, ainda não se fechou.
Hygino: Isso é muito louco.
Fê Duarte: Enfim, fica a dica, pessoal, assistam… Ouçam aí Serial, primeira temporada, são só 12 episódios, e vai ser muito interessante.
Ju: Cris, quê que cê tem aí pra indicar?
Cris: Eu vou ficar na pauta, já que a gente tá falando de autodescoberta, ouvir vozes, eu assisti um documentário na Netflix, meio num tava vendo nada e assisti e fiquei: “olha, que legal!” chama “Innsaei, o Poder da Intuição”. É um documentário onde pesquisadores e espiritualistas discutem sobre o innSæi, que é uma filosofia islandesa que promove a conexão das pessoas por meio da empatia e principalmente da intuição. Eu achei muito legal porque o documentário é feito por uma moça que trabalha nas Nações Unidas, em situações de extremo… pobreza e problemas, e ela tem um burnout, e ela acaba saindo e a partir daí ela começa a tentar achar um novo propósito, e vem muito do innSæi toda essa história sobre intuição, o quê que é intuição, o que são essas memórias não-linguísticas e como você pode se tornar uma pessoa mais centrada; principalmente eles exploram muito o mindfulness, e tem um mindfulness pra criança, sabe. E aí cê vê uns menininhos falando muito melhor que todos nós aqui nessa mesa, cês tão me entendendo, um menininho, tem uma cena muito boa, a mulher fala, ele fala: “eu preciso de mindfulness porque” e aponta assim pro irmão mais velho, sabe… [Todos riem] É maravilhoso. E quando você entende que você tem memórias difíceis de acessar porque elas não são linguísticas, você entende que cê tem conhecimentos não acessados. Isso te dá, te desperta um desejo de conhecer melhor esse lado, pra ouvir melhor aquela vozinha e ver se toma decisões melhores. Então o documentário explora isso de uma maneira bem legal, é leve, eles falam com diversas personalidades, então tem muito neurocientista. Eu fiquei extremamente tocada com a participação da Marina Abramović, quando ela fala como é difícil pra ela se concentrar pra acessar a pessoa que tá na frente dela naquela exposição que é de frente com o artista, pra que ela sinta o que a pessoa tá sentindo, e é por isso que tanta gente chora quando senta lá. É incrível isso, e quando fala com o neurocientista, que foi outra coisa que eu achei muito bacana, ó eu dando altos spoilers do negócio, mas eles falam…
Ju: [Interrompe] Resumindo, um documentário com Cris Bartis.
Hygino: Não é como Westworld, que você pode… que é um problema falar tanto sobre o final…
Cris: Mas aí eles falam que na verdade você… Existem comunicações cerebrais. Porque quando cê convive muito com a pessoa, eles falam isso de casais que tão casados há muito tempo, amigos que são amigos a vida inteira, aquelas pessoas estão tão acostumadas a saber a decisão uma da outra, que o cérebro delas começam a vibrar na mesma onda cerebral, e elas pensam a mesma coisa no mesmo momento, e trocam informação. Então as ondas cerebrais é uma coisa que realmente existe, e quando você entra na frequência da onda cerebral da outra pessoa, você realmente se comunica com ela. Então é muito legal, desperta um mundo novo, assim, tem muita base científica, que é uma coisa que geralmente eu procuro nos documentários que eu vou assistir. Acho que cês vão gostar. Ju, brilha.
Ju: Gente, foi uma maravilha as férias do Mamilos, viu. Muito tempo livre…
Cris: Nó, tem trem demais pra indicar…
Ju: Consegui ler livro, ver documentário, assistir filme, foi, ó… Foi ótimo. Então eu tô cheia de Farol Aceso. Eu vou aos poucos despejando sobre vocês. Eu vou começar com um podcast, o Invisibilia, a gente falou durante o programa. Façam maratona, ele é curto, ele já tem duas temporadas, as duas temporadas são curtas, infelizmente em inglês, mas pra quem consegue ouvir em inglês vale a pena o esforço, justamente sobre as forças invisíveis que moldam o comportamento. Assim, cada episódio explode a cabeça, é produzido pela NPR, então assim, pensa que é muito profissional. Então assim, são repórteres, uma equipe grande, repórteres já reconhecidas, e que têm acesso aos melhores pensadores, aos melhores profissionais, aos melhores pesquisadores, e que têm um storytelling fantástico. Então assim, é conteúdo incrível. Se vocês quiserem indicação de por onde começar, pra quem não quiser fazer maratona, eu selecionei três episódios que foram os que mais explodiram a minha cabeça: o primeiro, o que todo mundo me indicou, eu queria agradecer todos os mamileiros que já me indicaram, eu demorei muito pra escutar, só consegui escutar nas férias, mas tá aí, escutei que vocês me indicaram, e chama How to Become Batman, que é sobre aquele cara que consegue se, aquele cego que… [Fê Duarte: Echolocation.] É. Se… Ele consegue ver, e no episódio que eles provam que ele consegue ver, através de algo similar a sonar. O episódio Entanglement, que vai além do que a Cris falou pra uma coisa muito mais doida do que vibrar na mesma frequência; eles partem de um princípio da física, que hoje é estudado, que através de uma interferência, dois átomos que estão em lugares diferentes, algumas vezes milhas de distância, cê dá uma descarga neles e eles se transformam no mesmo átomo. Tudo o que você fizer com um átomo acontece com o outro átomo. É uma coisa muito louca, e eles exploram nesse episódio sobre como isso acontece na mente. Então pode ter um átomo em mim que é o mesmo átomo que tá em você, então tudo o que você sentir, eu sinto. Pra explicar empatia.
Hygino: Cê tá com fome, Ju?
Cris: Isso é Sense8.
(Bloco 11) 1:41’00” – 1:46’59”
Fê: Nossa, então rolou, hein.
Ju: Cara, é sério, é muito piração de cabeça. E o outro, que é muito mamileiro… Muito mamileiro, que é O Problema com a Solução, The Problem with the Solution. Assim, eu… Escrevi pro Fê na hora, falei: “Fê, você escuta isso!”, ele falou: “Já ouvi, já ouvi e é muito bom”.
Fê: E é bom demais mesmo, é impressionantemente bom. Fala de um monte de coisas de saúde mental, e eu acho que assim, precisa ser ouvido mesmo.
Ju: E é uma abordagem assim muito mamileira, assim, sério. Escutem Invisibilia. Façam a sequência inteira, mas se não quiserem fazer maratona, vão nesses que são os quentes. Mas todos são bons. Além disso, pra dar uma dica mais quente do que tá acontecendo agora, do que tá em cartaz agora, a gente assistiu Manchester by the Sea, é um filme que tá concorrendo ao Oscar, tem uma série de polêmicas envolvendo o Kasey Afleck, mas à parte disso, a gente foi assistir, eu e o Merigo no cinema, eu saí desfigurada de tanto que eu chorei. Chorei MUITO. Não vou dar nenhum spoiler, vou falar exatamente o que tá no trailer, aproveitando pra elogiar muito, porque a gente sempre reclama que os trailers tão entregando demais, estragando a experiência do filme… Que trailer competente! A história é: um zelador de prédio, então um cara simples, de uma vida simples, recebe uma ligação e descobre que o irmão morreu, e aí indo pra cidade, voltando pra cidade natal pra providenciar o enterro, ele descobre no testamento que o irmão deixou a guarda do filho adolescente pra ele. E aí, comé que cê se resolve com essa bucha, porque claramente em dois minutos de filme cê vê que ele não tem a menor estrutura nem financeira, nem emocional, pra cuidar do menino. É um filme sobre perdas, maravilhoso. Muito bom.
Fê Duarte: Numa escala Star Wars Episódio VII de trailer, que nota você dá?
[risos]
Ju: Muito boa essa pergunta, porque eu… O VII, ele conseguiu te interessar pelo filme sem entregar nada. Eu acho que esse trailer, ele faz o, não faz exatamente o que o VII faz, porque assim, ele parece… Cê vai ver o filme achando que cê já conhece essa história. Cê fala: “Ah, tá bom, o moleque vai ser problemático, ah, tá bom”, sabe, cê vai preparado pra ver um filme formatinho Hollywood de sobre como lidar com a perda. E não é nada disso. Eu recomendaria mais. Digo mais: vá ver o filme e depois leia a crítica do Pablo Villaça, que tá matadora, assim, muito bem escrita, lírica, tá incrível. E por fim, um documentário. O.J. made in America. Cara… Que coisa perturbadora. E eu acho que pra ouvintes do Mamilos, tô fazendo uma seleção muito a dedo pra vocês de tudo o que eu vi. Acho que pro público que a gente tem, pro tipo de discussão que a gente tem, acho que ele mostra um ponto cego gigante nosso. É profundamente inquietante, é… Cara, é muito difícil de assistir, e eu acho que é fundamental. Tem um monte de questões envolvidas nesse documentário, sobre fama, sobre as coisas que a gente valoriza, sobre opinião pública, como manipular a opinião pública, mas especificamente eu acho que vale a pena pra gente ver por sobre… um pouco da lógica que a gente faz de os fins justificam os meios, e de como pra construir uma narrativa que nos interessa a gente fecha o olho pra algumas coisas, sabe. Então: “ah, em nome de uma luta que é justa, vale a pena eu usar um exemplo que não é tão justo, não é tão bom, mas vai provar meu ponto”, e principalmente no momento em que a gente tá, a gente fez a leitura de Trump e tal, sobre como essa ideia de revanchismo, de “depois de tanto que você fez pra mim, agora toma, paga na mesma moeda”, aonde que isso vai nos levar. Cara, é muito perturbador. É longo, tá, pra um documentário, um documentário geralmente sei lá, uma hora ou duas horas, ele é feito em, virou uma minissérie, pra…
Fê Duarte: Ele é feito no formato de minissérie, né. É da ESPN. Propaganda aqui do véio pagador de contas. É da série 30 for 30 que tem documentários fantásticos. Mas esse, além do tema que ajuda a elevar essa notoriedade, realmente ele é uma obra-prima, assim.
Ju: Cara, é muito bem feito, muito bem conduzido, assim… Eu não lembrava muito dos fatos, da época, e tal, também não acompanhei tão próximo, então também foi muito novidade pra mim, todas as coisas que ele tava trazendo. É desesperador, é revoltante, mas acho que como sempre, né, a gente sempre fala no Mamilos, não assista olhando o problema dos outros. Vá lá pra fazer uma análise crítica sua. Então assim, na hora que você vê e você se enxerga ali, exposto, cê fala assim: “cara, pô, eu faço isso, eu faço isso nas minhas discussões, eu faço isso no Facebook”, então aonde que leva essa postura, aonde que leva esse jeito… Cara, é muito bom. Eu gostei muito.
Fê Duarte: Indicado ao Oscar também.
Ju: É indicado ao Oscar, por isso, a gente tá na maratona Oscar, né.
Cris: Temos um programa?
Fê Duarte: Temos! Ô!
Cris: Então temos um programa…
Fê Duarte: Fica a gostosa sensação…
Cris: Fica a gosto… [risos]
Ju: Claro, acho justo.
Cris: Fica a gostosa sensação de tê-los mais uma vez conosco, primeiro programa de muitos que virão esse ano.
Ju: É bom estar de volta, gente.
Hygino: Valeu pessoal, até.
Ju: Beijo.
[Sobe trilha]