SXSW 2018: Chelsea Manning, uma radical livre
Cyber-ativista presa por vazamentos de documentos sigilosos dá conselhos de como proteger sua vida no mundo virtual
Havia alguma coisa estranha naquela mulher. Sua postura era um pouco arcada, como se estivesse carregando um grande peso nas costas. Seu olhar era atento e beirava a paranoia, procurando à sua volta qualquer coisa errada. Suas palavras eram quase sussurradas, como quem conta um segredo que não deve cair em ouvidos errados. De fato, havia algo único naquela mulher, pois se tratava de Chelsea Manning, uma cyber-ativista transexual que ficou sete anos presa por ter vazado mais de 700 mil documentos do governo norte-americano no site WikiLeaks.
Manning mudou o curso da história quando vazou aqueles documentos. Da história mundial e, também, da pessoal: ela ficou sete anos presa em uma cadeia masculina (mesmo sendo transexual), onde sofreu uma série de torturas físicas e psicológicas. Sobre isso ela diz que esteve “sete anos morta. Depois que sai da prisão, eu não podia ir pra lugar nenhum. Não podia abrir sequer uma conta no banco porque eu não tinha como provar que eu era eu mesma.”. Menos de um ano após ter sido libertada, ela veio ao palco da SXSW para falar não só sobre a sua nova vida, mas também sobre a política radical e as consequências do poder estatal não controlado.
A conversa com Manning não foi das mais fáceis. Sua entrevistadora teve dificuldade para entrar em alguns temas mais delicados e manter uma linearidade na entrevista, mas isso não significa que o painel tenha sido superficial ou pouco proveitoso. Do seu jeito, a cyber-ativista alertou o público do evento sobre o quão expostos estamos nos dias de hoje e deu algumas dicas de como proteger nossas vidas de serem violadas por empresas, hackers e até os próprios governos:
Previsibilidade: os humanos são extremamente previsíveis, numa escala que é possível mapear e decifrar nosso comportamento usando equações matemáticas. Por isso que é tão importante inserir na sua rotina movimentos que contrariem esta previsibilidade. Acessar dados de computadores seguros, mudar hábitos de consumo, escolher rotas diferentes para se fazer, tudo isso faz com que a nosso rastro digital na internet se torne menos óbvio.
Informações: não estamos seguros na internet. Nossas informações estão online e nós aumentamos essa quantidade de dados sobre as nossas vidas toda vez que postamos alguma coisa nas redes sociais, quando usamos nosso telefone e até mesmo quando mandamos uma simples mensagem de texto. Sim, aquela mensagem despretensiosa que você enviou agora pouco diz onde você está e revela seu número de telefone e sua identidade.
Propaganda: não existe nenhum órgão que controle as informações que as empresas podem tirar de você. Sabemos que o Google e o Facebook têm acesso ao nosso microfone, câmera e dados gerados pelas nossas pesquisas. Tudo isso alimenta uma base de dados e serve para que eles possam oferecer anúncios cada vez mais certeiros. A dúvida levantada por Manning é a seguinte: o que impede que esses dados que hoje estão sendo vendidos para a publicidade não caiam em mãos erradas um dia?
Cuidado: toda vez que um programador desenvolve um código ele deve pensar não como aquilo pode ser bem usado, mas como aquilo pode ser mal-usado se de posse de indivíduos e grupos com más intenções. É isso que vai fazer com que ele descubra maneiras de se defender de possíveis ataques. E isso deveria servir de exemplo para nós, cidadãos comuns. Quando vamos usar a internet, toda a informação que disponibilizamos na rede deve ser monitorada e passar por uma curadoria. Deveríamos pensar sempre em como isso pode ser usado contra nós.
No fim da palestra, Manning respondeu algumas perguntas do público. A que me marcou mais foi sem dúvida a que teve a resposta mais simples e direta:
“Você tem alguma dica para dar para alguém que esteja disposto a transformar radicalmente a sua vida, assim como você fez?”.
Ela respondeu sem titubear: “Faça. Só faça.”
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