9 indicados ao Oscar 2018 que você talvez não tenha visto • B9

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9 indicados ao Oscar 2018 que você talvez não tenha visto

Lista tem três candidatos a melhor filme estrangeiro, dois documentários protagonizados por seus diretores, dois longas de atores veteranos, uma comédia romântica indie e o recordista histórico de indicações da Netflix

por B9

// Seleção por Matheus Fiore, Pedro Strazza e Virgílio Souza

Ao longo do último ano, cobrimos as estreias de diversos longas que depois se tornariam fortes concorrentes ao Oscar e acompanhamos os lançamentos daqueles que já desembarcaram nos cinemas brasileiros cheios de prestígio e expectativas por prêmios.

Além de produzir críticas e episódios do Cinemático sobre os candidatos a melhor filme (“Corra!”, “Dunkirk”, “A Forma da Água”, “O Destino de uma Nação”, “Me Chame pelo Seu Nome”, “The Post”, “Três Anúncios para um Crime”, “Lady Bird” e “Trama Fantasma”), falamos também sobre vários daqueles que conseguiram garantir ao menos uma indicação (como “Uma Mulher Fantástica”, “Viva”, “A Grande Jogada”, “Eu, Tonya”, “Planeta dos Macacos: A Guerra”, “Em Ritmo de Fuga”, “A Bela e a Fera”, “Blade Runner 2049”, “Star Wars: Os Últimos Jedi”, “Logan”, “Guardiões da Galáxia Vol.2” e “Kong: A Ilha da Caveira”).

Abaixo, falamos sobre outros 9 filmes que foram lembrados pela Academia em categorias variadas e apresentamos suas trajetórias rumo à cerimônia do próximo domingo, dia 4 de março. A lista inclui três candidatos a melhor filme estrangeiro, dois documentários protagonizados por seus diretores, dois longas de atores veteranos, uma comédia romântica indie e o recordista histórico de indicações da Netflix.

“Corpo e Alma”

Ainda que tenha ganhado destaque recentemente por sua indicação a melhor filme estrangeiro, “Corpo e Alma” já é um velho conhecido do circuito de festivais por ter sido o vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim de 2017. O júri, presidido pelo celebrado cineasta holandês Paul Verhoeven, decididamente se apaixonou pelo filme da húngara Ildikó Enyedi, que trata da história de dois trabalhadores em um matadouro que passam a compartilhar do mesmo sonho sobre dois veados em uma floresta. É a partir desta fantasia que o CFO Endre (Géza Morcsányi) e a recém-chegada à empresa Mária (Alexandra Borbély) começam a se conhecer melhor e acabam se apaixonando.

Sua premiação em Berlim chegou como uma espécie de quebra da tendência política crescente do festival, mas o longa não deixa de seguir a vibe experimental que é constante entre seus vencedores. Enyedi desenvolve em “Corpo e Alma” uma narrativa pautada nas aproximações sexuais da história, concebidas e encenadas quase como rituais de acasalamento em seus movimentos de atração. A diretora busca essa experiência mais próxima do tátil para refletir sobre o estado de interiorização dos desejos do indivíduo, deixando evidente nas dificuldades latentes dos dois protagonistas de se envolver uma recusa em se banhar nos “prazeres da carne”.

A proposta, porém, parece se perder na própria ingenuidade, até porque o filme recorre a elementos e recursos narrativos já exaustivamente utilizados em outras produções — ao enfim se desprender da própria timidez, Mária toma um banho de água dos regadores automáticos de um parque, por exemplo — e não deixa de soar como uma produção sobre o despertar da paixão de viés um pouco mais artístico e asséptico. No fim, é um filme extremamente hermético e que, apesar do desejo em abraçar o carnal, nunca consegue sair de sua configuração inicial. (P.S.)


“The Square – A Arte da Discórdia”

Um dos adversários dos húngaros na categoria também passou por um festival importante no ano passado: “The Square” foi o vencedor da última Palma de Ouro, principal prêmio de Cannes, superando filmes como “Okja”, “O Estranho que Nós Amamos” e “Bom Comportamento”. O longa é o mais recente trabalho do sueco Ruben Östlund, que já havia recebido o troféu Um Certo Olhar na riviera francesa por “Força Maior”, em 2014.

A trama acompanha a história de Christian, curador do Museu de Arte Moderna de Estocolmo, que lida com os problemas de uma sociedade fria e egoísta enquanto realiza os preparativos de sua primeira grande exposição. Por meio dessa premissa, a narrativa de Östlund tece críticas à arte contemporânea e ao atual estado social de seu país, fazendo um paralelo entre a decadência da produção artística local e a perda de sensibilidade daquele povo. “The Square” toca em temas polêmicos e faz observações ácidas para expor sua visão da realidade, criando uma jornada de ganho de consciência por parte do protagonista — Christian começa totalmente alienado e gradualmente passa a compreender o estado da cultura de seu país. O diretor faz questão de enfatizar que arte e sociedade possuem uma ligação direta, já que os criadores e apreciadores de uma obra existem necessariamente dentro de um contexto social.

Mesmo tendo conquistado a Palma de Ouro, o filme não figura entre os favoritos ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, já que a Academia tende a valorizar obras que tocam em temas mais visíveis ao público americano — como a questão dos imigrantes, que parece ter pesado para que “O Apartamento” levasse o prêmio no ano passado, quando seu diretor não pôde viajar aos Estados Unidos em virtude de novas diretrizes de imigração colocadas em vigor pelo presidente Donald Trump. (M.F.)


“O Insulto”

Toni é um cristão libanês muito orgulhoso de sua religião e de seu país. Certo dia, após acidentalmente jogar água em Yasser, refugiado palestino que trabalhava em sua rua, ele inicia uma batalha judicial que, aos poucos, toma dimensões nacionais, e os dois personagens passam a representar, no tribunal, duas distintas visões de mundo. A premissa pode parecer simples, mas em um país onde os conflitos ideológicos são tão definidores, “O Insulto” é um filme com forte carga política.

Primeiro finalista a melhor filme estrangeiro da história do Líbano, o longa de Ziad Doueiri é um dos mais cotados para levar o prêmio — a que também concorrem, além dos dois citados acima, o chileno “Uma Mulher Fantástica” e o russo “Sem Amor”. Temáticas como xenofobia e inclusão social, presentes na trama, muito têm a ver com o atual momento político dos EUA, o que tende a criar identificação entre parte dos votantes e a obra.

Além do chamativo contexto político e social, “O Insulto” conta ainda com uma linguagem americanizada, que abusa do humor e de uma trilha mais pop em uma narrativa estruturalmente simples, direta e com clímax “otimista”. Apesar de essas não serem características decisivas nas escolhas da categoria — vencedores recentes, como “O Filho de Saul” e “Ida”, pouco dialogam com o cinema norte-americano —, é algo que destaca a obra das demais. (M.F.)


“Doentes de Amor”

Em um ano em que a categoria de melhor roteiro original está bastante carregada de produções que almejam também o principal prêmio da noite, a presença de “Doentes de Amor” é no mínimo peculiar. Lançado no Festival de Sundance do ano passado, o filme dirigido por Michael Showalter e produzido por Judd Apatow soa como a típica comédia romântica estadunidense, mas tem chamado atenção do público (e dos votantes) por ser baseado em uma história real.

Baseado em um momento da vida dos roteiristas Emily Gordon (vivida por Zoe Kazan na produção) e Kumail Nanjiani (que interpreta a si mesmo), o longa percorre com uma doçura muito bem dosada todas as batidas tradicionais do gênero, alinhado a um humor sobre o contemporâneo que é muito similar ao de seriados como “Master of None”. Por trás de tudo isso, no entanto, existe o conservadorismo da família paquistanesa do protagonista, que a princípio se mostra o principal impedimento para a união do casal: ele encerra o relacionamento acreditando que seus pais não irão aceitar a garota, mas um evento trágico faz com que o comediante perceba seu erro e lute para consertá-lo.

Há uma ou outra reviravolta que mantém as coisas interessantes, mas a verdade é que “Doentes de Amor” não se propõe a algo além do filme de gênero que é, uma decisão pelo convencional que não agrada a todos os gostos. O mais curioso, porém, é que quem acaba roubando os holofotes são os pais de Emily. Eles escapam do papel de mero alívio cômico e habitam um drama próprio, uma dualidade que é transposta para a tela nas atuações sólidas de Ray Romano e (especialmente) Holly Hunter. (P.S.)


“Mudbound – Lágrimas sobre o Mississippi”

O filme da norte-americana Dee Rees (do ótimo “Pariah”) também foi apresentado ao mundo no Festival de Sundance. Bastante elogiado pela crítica, foi disputado por empresas como A24 e Annapurna na época, mas acabou adquirido pela Netflix e lançado diretamente na plataforma em diversos países. No Brasil, graças à distribuição da Diamond Filmes, chegou aos cinemas há duas semanas e segue em cartaz em algumas salas.

Aparecendo em quatro categorias, “Mudbound” já é dono de marcas importantes. Trata-se do primeiro longa de ficção com o selo do serviço de streaming lembrado pela Academia e da primeira indicação para uma diretora de fotografia na história do prêmio. E o reconhecimento é justo: o trabalho de Rachel Morrison com a câmera consegue dar a cada imagem o peso exigido pelo roteiro de Rees, também indicada pela adaptação do livro de Virgil Williams.

A trama acompanha duas famílias (uma negra, outra branca) durante e após a Segunda Guerra Mundial, observando as tensões raciais no delta do Mississippi a partir de diferentes perspectivas que se alternam na narração da história. Uma das vozes que ouvimos é a da atriz/cantora Mary J. Blige, que concorre duas vezes: pela música-tema do filme e pelo papel de Florence, a mãe de um jovem negro que se torna herói na libertação da Europa, mas segue vítima de agressões e humilhações em sua terra-natal. É nas relações do rapaz com os pais e com um dos vizinhos, interpretado por Garrett Hedlund, que o filme encontra seus momentos mais poderosos. (V.S.)


“Ícaro”

O convite à festa por um longa de ficção era inédito, mas entre os documentários Netflix e Oscar já tinham alguma história. A empresa, que colecionou cinco indicações sem vitória nos últimos quatro anos (incluindo o ótimo “A 13ª Emenda”), agora busca o cobiçado troféu com dois concorrentes: “Strong Island”, que comentamos aqui, e “Ícaro”. Ambos têm diretores envolvidos diretamente nas temáticas em questão, mas que sabem se afastar do centro da narrativa quando personagens mais interessantes e situações mais graves aparecem.

Chega a ser curioso definir “Ícaro” dessa maneira quando a premissa do filme consiste  justamente em submeter seu autor, Bryan Fogel, a um severo programa de doping e analisar os resultados do processo — ou seja, a se focar completamente nele. Mas a relação do cineasta com a ambiciosa figura da mitologia grega não fica apenas no título, e chega um ponto de desgaste em que a história se torna muito maior do que seu experimento e segue outros rumos, ganhando contornos de conspiração internacional. É quando entra em cena seu grande trunfo: o cientista russo Grigory, um sujeito de personalidade extravagante que toma o longa para si por ser capaz de oferecer um nível de acesso sem precedentes a um dos maiores escândalos da história do esporte. (V.S.)


“Visages Villages”

Mesmo competindo contra a dupla de representantes da Netflix e os relevantes “Abacus: Small Enough to Jail” e “Últimos Homens em Aleppo” (respectivamente, sobre a única instituição financeira condenada nos EUA após a crise de 2008 e um grupo de voluntários que tenta prover ajuda a cidadãos sírios durante a guerra), não há como tirar o posto de favorito de “Visages Villages”

O filme é fruto da parceria entre Agnès Varda, cineasta que é considerada precursora da Nouvelle Vague, um dos principais movimentos cinematográficos da história, e o fotógrafo JR, autor de instalações como “Kikito” e os painéis espalhados pelo Rio de Janeiro durante os últimos Jogos Olímpicos. Aqui, a dupla realiza um experimento documental: em uma viagem pelo interior da França, utilizam fotografias impressas em larga escala para registrar pessoas e momentos marcantes de diferentes lugares.

Além das imagens que podem ser vistas de longe e das conversas com moradores pelo caminho, o resultado consiste em uma série de reflexões dos diretores sobre o poder da arte para eternizar sentimentos, em contraste com a efemeridade da vida humana. Exibido pela primeira vez no Festival de Cannes, onde conquistou o prêmio Olhar de Ouro, “Visages Villages” é um dos favoritos ao Oscar de melhor documentário não só por suas qualidades evidentes, como também pela importância de Varda para o cinema. Prestes a completar 90 anos, a cineasta recebeu um prêmio honorário da Academia no fim do ano passado e conquista agora sua primeira indicação por um filme específico. (M.F.)


“Roman J. Israel, Esq.”

Filme que entrou no páreo do Oscar de melhor ator depois que denúncias de assédio sexual derrubaram a candidatura de James Franco por “Artista do Desastre”, “Roman J. Israel, Esq” talvez só vá sobreviver na memória do público pela atuação de Denzel Washington. O ator, oito vezes indicado ao prêmio e dono de duas estatuetas, é a principal (e quase única) força do novo trabalho de Dan Gilroy, que em 2014 havia feito algo parecido com Jake Gyllenhaal no elogiado “O Abutre”, sua estreia na direção.

O longa é centrado no mesmo Roman J. Israel do título, advogado que foi um grande militante dos direitos civis no passado e que nos dias de hoje trabalha num pequeno escritório de advocacia preparando a papelada para o dono, seu grande amigo e único colega de trabalho. Quando este sofre um ataque cardíaco e entra em coma, a firma deixa de existir e o protagonista entra numa crise interna por conta do choque entre sua ideologia radical e suas dificuldades financeiras.

A produção acaba tomando caminhos um tanto rasos de dramaturgia na ânsia de Gilroy por construir um thriller idealista aos moldes de Martin Scorsese e, assim, perde a chance de explorar melhor o aparente descompasso da velha guarda da militância com as questões sociais mais contemporâneas — a cena do discurso de Israel na startup millennial é o indicativo maior deste potencial desperdiçado. Para a sorte do diretor, Washington mostra-se muito confortável nesse papel de ativista da terceira idade em crise, no início proporcionando espaço para o espectador se aproximar do protagonista com pequenos movimentos de hesitação e instabilidade (a maneira como o ator corrige a posição dos óculos no rosto é uma de suas principais ferramentas de trabalho nesse sentido), e depois traduzindo didaticamente o arco de transfiguração deturpada de seu personagem. O papel não é nem de perto o melhor trabalho do ator, mas é por sua performance que “Roman J. Israel, Esq” se torna minimamente envolvente. (P.S.)


“Todo o Dinheiro do Mundo”

O caso de Christopher Plummer, indicado a melhor ator coadjuvante, não é muito diferente, embora as circunstâncias que o levaram ao papel tenham sido bastante específicas. “Todo o Dinheiro do Mundo” será para sempre lembrado como o filme que Ridley Scott completou em tempo recorde após a substituição de Kevin Spacey no elenco. A série de denúncias contra o ator, revelada no fim do ano passado, levou o diretor a refilmar 22 cenas em apenas nove dias para que o produto final ainda conseguisse chegar aos cinemas.

Não fosse essa decisão sem precedentes, porém, talvez o longa acabasse esquecido nas salas e prateleiras como tantos outros thrillers lançados anualmente no mercado americano. De qualquer forma, são as mudanças de última hora que dão ao filme sua maior qualidade. Plummer, vencedor do Oscar em 2012 por “Toda Forma de Amor”

, dá a complexidade necessária a Jean Paul Getty, o magnata do petróleo que teve o neto sequestrado nos anos 70, mas se recusou a pagar o resgate por motivos inicialmente difíceis de se compreender. Em grande parte centrado nas posições que o personagem toma diante dos acontecimentos ao seu redor, o roteiro coloca suas convicções à prova constantemente e depende das reações precisas do ator para funcionar.

Infelizmente, o restante do filme se divide entre saltos no tempo para trás e para frente, passagens por uma dúzia de países diferentes, sequências estilizadas sem motivo aparente e narrações desencontradas em off. Juntos, esses ingredientes tornam a trama inchada e confusa — o suficiente para que nem o clima de urgência, os retornos ao personagem de Plummer e as boas aparições de Michelle Williams sejam capazes de prender o espectador. (V.S.)

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