- Cultura 13.jan.2018
“O Destino de uma Nação” retrata momento decisivo na vida de Churchill
Filme tem como destaque a atuação de Gary Oldman, coberto por próteses e maquiagem
Uma das figuras mais influentes da história britânica, Winston Churchill já foi interpretado por diversos atores ao longo das últimas décadas. O amplo material à disposição sempre permitiu que as adaptações de sua biografia privilegiassem determinados ângulos de sua personalidade a partir de recortes temporais e enfoques temáticos específicos. Assim, é possível acompanhar a trajetória do político desde a juventude (com Simon Ward, em “As Garras do Leão”) até a velhice (com John Lithgow, no seriado “The Crown”), passando pelos capítulos mais notáveis ao redor da Segunda Guerra Mundial (e aqui podemos citar a dupla de filmes feita pela HBO, com Albert Finney e Brendan Gleeson ocupando o papel principal, além de “Churchill”, estrelado por Brian Cox e lançado nos cinemas há poucos meses).
A adição mais recente a essa longa lista de intérpretes é também uma das mais incomuns. Embora não esteja tão distante da idade do primeiro-ministro quando a trama tem início, Gary Oldman precisa de próteses e alguns quilos de maquiagem para entrar em sua pele. Felizmente, a transformação física convence, conseguindo esconder o ator ao mesmo tempo em que abre espaço para sua performance, e não provoca estranhamento mesmo quando a câmera se aproxima de seu rosto, um recurso que o diretor Joe Wright emprega repetidas vezes, seja para encerrar com grandeza os discursos em público ou para criar um senso de intimidade nos momentos de isolamento do protagonista.
“O Destino de uma Nação” encontra Churchill num ponto especialmente complicado da carreira, quando o país precisa decidir sobre sua posição diante da ameaça nazista. O premiê enfrenta a resistência de parte do corpo político e a desconfiança do Rei George VI (Ben Mendelsohn), o que faz com que o roteiro de Anthony McCarten (de “Teoria de Tudo”) se desenvolva como um típico drama de gabinete na maior parte do tempo.
Longos e teatrais, os diálogos em que os personagens atropelam as falas uns dos outros são fundamentais para marcar as diferentes posições sobre o conflito, e é neles que Oldman mostra maior desenvoltura, usando a postura e o tom de voz para fazer imposições e minimizar concessões, às vezes aos gritos. “Você poderia parar de me interromper quando eu te interrompo?” é uma frase que o primeiro-ministro diz à certa altura, deixando claro seu protagonismo e revelando a instabilidade causada pelas disputas por poder dentro do governo. A dicção particular e o temperamento imprevisível apontam ainda para outra questão central do longa: a necessidade de “mobilizar a língua inglesa” e preparar o espírito da população para o pior, algo de que seus pronunciamentos inflamados logo darão conta.
Longos e teatrais, os diálogos em que os personagens atropelam as falas uns dos outros são fundamentais para marcar as diferentes posições sobre o conflito
As estratégias da direção para adicionar urgência a uma trama relativamente conhecida funcionam em parte. Wright, auxiliado pelo diretor de fotografia Bruno Delbonnel, enche os cômodos com luzes fortes vindas das janelas e aproveita o ar esfumaçado e as sombras carregadas que se formam para criar uma sensação de claustrofobia e intenso calor. Os paletós escuros parecem dizer o contrário, mas o verão de 1940 foi um dos mais quentes já registrados em Londres, e essa inquietude (que é também da câmera, quase sempre colocada em movimento) se torna também parte da narrativa.
Por mais aquecidos que sejam os debates, no entanto, o filme sofre para fazer com que eles extrapolem os limites dos gabinetes e ganhem contornos palpáveis. Em mais de uma oportunidade, o espectador vê a Europa de cima, como se olhasse para um mapa, enquanto bombas caem do céu. Esse distanciamento das imagens impede que haja uma conexão maior da audiência com os eventos externos a Churchill, que aqui não parecem acontecimentos verdadeiros com impactos reais, mas simples artifícios para representar o avanço alemão e a situação cada vez mais desconfortável dos britânicos.
A dificuldade para dar ao longa uma dimensão humana, que ultrapasse a arena política, afeta também a construção do protagonista. O humor e a vulnerabilidade que aparecem na relação com a esposa, Clemmie (Kristin Scott Thomas), até removem algumas camadas de solenidade e facilitam a identificação por parte do público, assim como as interações com a secretária, Elizabeth (Lily James), servem para dar ares mais comuns à sua rotina. O problema surge quando “O Destino de uma Nação” tenta humanizar o político por meio do contato com a população, o que resulta em um dos segmentos mais constrangedores já vistos numa cinebiografia do tipo.
Por mais aquecidos que sejam os debates, o filme sofre para fazer com que eles extrapolem os limites dos gabinetes e ganhem contornos palpáveis
No trecho em questão, Churchill decide tomar o metrô instantes antes de seu famoso discurso de união nacional. Filmada com direito a cidadãos completando versos de um poema recitado por ele, a cena é tão falsa que atira pela janela o esforço de recriar os passos duros que levaram até esse momento decisivo. Diferente do que ocorre na virada anterior da trama, quando o diretor preenche a tela de vermelho durante um pronunciamento via rádio para indicar o perigo imediato, aqui ele escolhe uma saída de conto de fadas, que se entrega facilmente à lenda e abandona o personagem e o realismo pelo caminho.
A escorregada é grande demais até para um filme que havia conseguido escapar de algumas principais controvérsias da biografia de seu protagonista, em parte graças ao estilo muito-bem-ensaiado de Joe Wright, que faz com que tudo pareça estar sempre no lugar certo; em parte porque o roteiro, no limite, se contenta em fazer reverência a quem retrata. Nem mesmo o grand finale armado para Gary Oldman brilhar no centro do parlamento, com toda sua carga histórica e dramática, consegue justificar o investimento no que acaba sendo apenas mais uma entre tantas homenagens.
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