- Cultura 7.jan.2018
Com pé nos games, novo “Jumanji” tropeça dentro do próprio raciocínio
Aventura mostra consciência do tipo de história que quer contar, mas não do filme do qual ambiciona pertencer
Há um quê de paródia bem intencionada na forma como “Jumanji: Bem Vindo à Selva” busca refazer a proposta do filme original em um contexto contemporâneo, algo que vai muito além da mera adequação estrutural envolvendo transformar o jogo de tabuleiro em um videogame. Partindo do ponto onde o longa dirigido por Joe Johnston parou, a sequência não demora a tomar o mesmo caminho narrativo da aventura anterior e mostrar uma criança sendo sugada para dentro do mundo de Jumanji, um sequestro que novamente cria algum impacto nos subúrbios onde o garoto vivia. Mas se em 1995 este desaparecimento era logo convertido na temática central da obra, aqui o evento parece ser esvaziado de importância, relegado ao mero mecanismo de conformação da trama (isto é, um jeito de transportar o game para o século XXI) antes que os novos protagonistas adentrem no novo cenário.
Existe muito de adaptação neste processo, mas no fundo é das diferenças de contexto que o novo capítulo lida em seu âmago, uma questão maior de existência que há de se manifestar nas bordas da aventura da qual ambiciona proporcionar a seu público. Embora dotado de temáticas e virtudes próprias, o primeiro “Jumanji” não deixava de ser um produto dos anos 90, uma década onde a dificuldade de lidar com os diversos problemas sociais e políticos da realidade estadunidense afligiam o cinema do país, alimentado pelas instabilidades ideológicas proporcionadas pela queda do muro de Berlim e os temores do fim do mundo gerados pela aproximação cada vez maior do século XXI.
Aos olhos de Hollywood, este clima de incerteza e de esvaziamento de propósitos logo se converteria em uma leva de filmes que – como na aventura baseada no livro infantil de Chris Van Allsburg – tinham como propósito maior a ideia de levar para o real o deslumbre de mundos fantásticos e exóticos de forma a preencher estes buracos, seja qual fosse o gênero em que essas estavam inseridas. Os anos do primeiro “Jumanji” também foram os de “Jurassic Park”, “O Máskara”, “MIB – Homens de Preto” e mesmo “Independence Day”, grandes produções que de modos diferentes usavam da fantasia para purgar o espectador dos males vistos no noticiário.
Já o novo “Jumanji” lida sobretudo com um novo tipo de escapismo, um que se encontra reenergizado frente à aparente nostalgia do mercado e as novas relações com a tecnologia que prezam por novos ambientes virtuais. Como bem enuncia o subtítulo “Bem Vindo à Selva”, a continuação dirigida por Jake Kasdan reverte a proposta do original e coloca a ação dentro do jogo, uma noção de fuga da realidade que só se fortalece na criação de avatares estilizados e representados por celebridades de Hollywood. A história desenvolvida por Chris McKenna e escrita por ele e outros três roteiristas inclusive joga a princípio com essa assimilação do espectador com os personagens, introduzindo quatro jovens de perfis estereotipados como protagonistas dotados de dilemas facilmente identificáveis: temos aqui o nerd sem confiança (Alex Wolff), a popular julgada por todos como superficial (Madison Iseman), a garota introvertida (Morgan Turner) e o atleta egocêntrico (Ser’Darius Blain), todos tipos conhecidos dos dramas adolescentes e que vão desempenhar papéis opostos às suas personalidades no game em ordem de sobreviver aos perigos oferecidos pela aventura à qual são obrigados a participar.
Os atores “hollywoodianos” mostram-se muito confortáveis no ato de brincar com suas próprias figuras pelo olhar de uma criança sapeca
Essas inversões passam por um crivo puramente estético e sem surpresa hão de ensinar valiosas lições às crianças, como o nerd que passa a ter mais auto-confiança depois de habitar o corpo de Dwayne Johnson (um tipo de medida equivocada se relembrarmos da moral de “Christine – O Carro Assassino”, diga-se de passagem) ou a patricinha que passa a se importar com outras coisas além dela mesma ao incorporar a figura fora do padrão de Jack Black, mas existe algum charme na maneira como essa proposta ingênua é oferecida. Consciente da estrutura de videogame ao qual se insere, “Bem Vindo à Selva” usa disso como ferramenta de humor para tanto manter ligada a temática de desconstrução interior quanto para fazer piada em cima deste processo, em situações que vão da comédia simples com a unidimensionalidade dos personagens controlados pela máquina até esquetes mais elaborados envolvendo a disparidade entre os perfis dos protagonistas e seus avatares.
É neste sentido que sente-se com maior firmeza o tom de paródia do filme, com os atores “hollywoodianos” mostrando muito confortáveis neste ato de brincar com suas próprias figuras pelo olhar de uma criança sapeca. The Rock ri do seu perfeccionismo corporal, Black e Kevin Hart brincam com a “vulnerabilidade” de suas imagens (aos olhos preconceituosos da garotada) disformes e Karen Gillan desfaz a pose de ex-modelo, mas ao mesmo tempo os quatro também provam o seus próprios valores físicos dentro desta lógica quando necessário. É uma dinâmica narrativa que busca paradoxalmente a desconstrução e a reafirmação dos estereótipos que persegue, uma que de maneira curiosa nunca se anula nesse aparente jogo contraditório ao qual se submete.
O filme tenta por um lado manter a ação constante, mas sua necessidade de parar a cada cinco passos pra encenar uma situação de humor barra qualquer fluidez da narrativa
Mas se por um lado o filme é sagaz em manter a estrutura visível ao público, por outro essa exposição termina por sabotar a produção dentro de seu raciocínio. Estabelecido na Sony graças às comédias estreladas por Cameron Diaz que comandou, Kasdan repete no novo “Jumanji” essa direção por esquetes que empregou em “Professora Sem Classe” e “Sex Tape: Perdido na Nuvem”
mesmo esta não cabendo ao tipo de filme que a aventura almeja ser. O resultado é que enquanto o longa tenta por um lado manter a ação constante, sua necessidade de parar a cada cinco passos pra encenar uma situação de humor com seus atores barra qualquer fluidez pautada pelo gênero, gerando uma inadequação de narrativas que só piora com o clímax do grupo enfrentando o grande vilão (Bobby Cannavale, talvez a escolha mais pitoresca do elenco).
O erro de abordagem é grotesco, mas não deixa de ser importante para colocar as coisas em perspectiva. Pois ainda que exista certo revigoramento da fórmula em andamento aqui, o novo “Jumanji” ainda se prende a alguns valores que representam o pior nessas continuações atuais de sucessos do passado, uma tendência criativa capaz de esvaziar o significado narrativo de uma história e potencializar traços mais genéricos em busca daquilo que possa gerar maior lucro. A grande evidência deste processo talvez esteja na figura do sequestrado da vez, o jovem dos anos 90 que atua dentro da figura de Nick Jonas no jogo e cujo trauma parece ser renderizado como objetivo de uma missão paralela do game, condenado ao esquecimento pelo público mesmo o seu drama sendo o que impulsiona seus protagonistas a continuarem lutando.
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