Jornalismo de peito aberto
Esse programa foi transcrito pela Mamilândia, grupo de transcrição do Mamilos
Este programa foi transcrito por Fernanda Cappellesso e Carla Rossi de Vargas.
Início da transcrição:
(Bloco 1) 0’ – 4’59”
[Vinheta de abertura]
Esse podcast é apresentado por B9.com.br
[Trilha musical]
Ju: Mamileiros e mamiletes! Eu sou a Ju Wallauer e essa é a…
Cris: Cris Bartis!
Ju: Com uma voz cagadíssima, gente! Cris saiu do hospital pra fazer o Mamilos. [Cris ri] Cris tava mal, Cris tava nas últimas, mas ela está aqui por muito, muito amor. Deixamos os nossos maridos, os nossos…
Cris: Côncavos e vieram os convexos.
Ju: É! A gente deixou todo mundo pra ficar com vocês. E mais, conosco ainda, porque hoje é especial, porque hoje é demais: menino Caio Corraini!
Caio: Olá, personas!
Ju: Olha isso! Olha que voz deliciosa!
Caio: Finalmente. Que prazer de tá aqui, efetivamente com vocês e não só numa nota que eu tenho que incluir e vocês nem sabem que ela existe.
[Risos]
Cris: Ele é mais que uma voz, ele é uma pessoa.
Ju: Caio está aqui porque ele é nosso solteiro mais cobiçado.
Caio: Olha só.
Ju: E ele está aqui porque nós vamos começar o projeto do Tinder do Mamilos.
[risos]
Ju: Com o Caio, tá? A gente vai… Então assim, meninas: se vocês tiverem interesse, mas só menina muito legal, muito inteligente, muito carinhosa, muito divertida…
Caio: Se for mais velha que eu é melhor.
Ju: Mais velha é melhor?
Caio: Eu prefiro mesmo mulher mais velha.
Ju: Então, o Caio prefere mulher mais velha. Vocês mandem o currículo pra mim e pra Cris, a gente vai fazer uma triagem.
Cris: Vai passar pelo nosso crivo. Tá fácil, tá fácil.
Ju: E aí a gente escolhe, a gente vai fazer uma seleção e aí a gente passa pro Caio. Bom, estamos aqui pra, mais uma vez, conversar sobre as polêmicas mais amadas e mais odiadas das redes sociais. Por favor, gente, a gente recebeu um e-mail falando… de um ouvinte, triste, com o coração doído falando que ele tinha ficado noites sem dormir pelo excesso de pensamentos do Mamilos; falando que é muita informação pra absorver e ninguém pra conversar, que ser ouvinte de podcast é ser um pouco só, devido ainda a não atingir muitas pessoas. Mas gente, tem uma página no Facebook pra você, ouvinte do Mamilos, poder interagir com outros ouvintes do Mamilos. Que coisa chata, você terminou de ver aquela temporada que explodiu a sua cabeça e você não pode conversar com ninguém? Pode! Vai lá na página do Mamilos, curta o Mamilos, interaja com os outros ouvintes, critique, comente, complemente, vá lá dar os seus vinte centavos sobre o tema.
Cris: É isso aí. E essa semana a trilha de uma diva inspiradora do Mamilos, com músicas como ‘Meu doce vampiro’, ‘Desculpe o Auê’, ‘Caso Sério, ‘Pagu’ e tantas outras, a musa Rita Lee tem nos ensinado a ser mulher, a amar, a viver na melhor extensão da palavra e é ela que encanta os nossos ouvidos nesta semana dedicada ao amor. Caiô, sobe o som.
Caio: Subo.
[Sobe trilha]
Românticos de Cuba Libre
Misto-quente
Sanduíche de gente
[Desce trilha]
Ju: Muito bem! E vamos com beijo pra Irlanda!
Cris: Ogaki, no Japão.
Ju: Takahama, no Japão.
Cris: Beijo pra Daiane, esposa do Jonatan Heart.
Ju: Pra Buenos Aires, na Argentina.
Cris: O Marco Valero tá mandando beijo para Luciana, ele diz que ela é o amor e a inspiração da vida dele.
Ju: Beijo pra Francisco Morato, em São Paulo.
Cris: Oswaldo Cruz, em São Paulo.
Ju: Rio Acima, em Minas.
Cris: Não fala assim…
Ju: Que isso, Rio Acima?
Cris: É “Riacima”.
Ju: Ah, gente desculpa, foi ela que escreveu.
Cris: Não, é Rio Acima, mas em mineirês é “Riacima”.
Ju: Aah, ah tá! “Riacima”.
Cris: Minha vó é de lá. Onde Cris começou.
Ju: É. Que mais, Cris?
Cris: Rio de Janeiro e feliz aniversário pro Glauber.
Ju: Betim, em Minas. Feliz aniversário, Tamires.
Cris: E Valadares, em Minas. Feliz aniversário, Gui. E obrigada por indicar o Mamilos aí pro seus alunos.
Ju: E a gente vai fazer um merchan muito legal essa semana da campanha ‘Flores pra elas’. Acho que a nossa timeline, que é super antenada, viu a notícia das quatro jovens espancadas, estupradas e atiradas de um penhasco das quais uma morreu essa semana. A Flávia Penido então começou uma campanha pela paz, solidariedade e união, essas são as palavras-chaves da campanha ‘Flores pra elas’, que tem como objetivo arrecadar doações e mensagens de apoio para as meninas de Castelo, no Piauí, e suas famílias. Através dessa campanha vai ser possível ajudá-las financeiramente e psicologicamente com gestos simples. Então, o link tá na pauta, é uma vaquinha pra vocês distribuírem um pouco de amor e um pouco de solidariedade. Comentários são bons, tuítes são bons, mas ações e atitudes falam mais do que palavras.
(Bloco 2) 5’ – 9’59”
Cris: Parabéns pra Flávia mais uma vez, uma iniciativa tão importante.
No programa passado, ficou tão claro pra mim que o futebol é o amor bandido, sabe? Ele te maltraaata, ele te faz sofrer, você não laaaarga. É, eu vou resumir o programa da semana passada com uma música que eu gosto muito, que chama ‘Samba do Sofá’, do Roberto Ribeiro. E ela fala: “Mais uma vez eu vou ter que te perdoar. Porque eu gosto dela. Infelizmente eu fui me casar com uma mulher tão bela, ontem a encontrei beijando outro em meu sofá. Veja que raiva eu senti. Hoje bem cedo, peguei o sofá e vendi. [Ju: Certo.] Alguém pensava que eu fosse pedir o desquite, não faço isso porque eu amo a Judite. [Ju ri] Se ela prometer comigo não mais errar, eu faço as pazes e compro outro sofá só pra ela sentar.” [Ju ri] E eu acho que foi bem essa mistura de: “Eu sei que não tá certo, tem muita coisa errada envolvida, mas eu amo tanto.” [Ju ri] E eu posso falar mal porque é o meu amor. [Ju: É lógico.] E nem só de futebol viveu também o programa passado, teve gente experimentando tapioca e até me mandando receita muito gostosa, que eu achei bem legal.
Ju: E foto, foto!
Cris: Foooto. Foi, foi mó bacana. E também um monte de gente descobrindo porque do nosso nome, decifrando o logo, que foi magistralmente desenhado pelo Rodrigo Bressane. É assim pessoas, temos um seio com um piercing. Foi muito legal ver a cara de vocês.
[Risos]
Ju: Nunca pensei que vocês não soubessem que era isso, gente!
Caio: Era tão óbvio, né?
Ju: É, eu achei que era óbvio!
Cris: Eu… Era uma mensagem subliminar. Vamo lá discutir um pouco mais sobre opiniões no Fala que eu Discuto.
[Trilha musical]
Ju: E no ‘Fala que eu Discuto’ Gire Lowback: “Não dou a mínima pro futebol, mas qualquer coisa que o Mamilos fale, tô aqui pra ouvir e apreciar. Mamilos tem a seriedade que poucos se arriscam a ter, com humor e carisma que muitos falham em conseguir.” Ai, quanto amor, né?
[Cris suspira e Ju ri]
Caio: Antes de ler o comentário, eu queria fazer um comentário meu, já aproveitar que eu tô aqui com vocês gravando. Eu queria falar o seguinte, eu sou do interior – sou do interior de São Paulo e tal – e quando eu vim pra São Paulo há quase 10 anos atrás, eu era extremamente machista e homofóbico. E eu aprendi a pensar diferente sofrendo, magoando pessoas, criando antipatias e aos poucos indo enxergando, né? Não é porque você tem uma criação tradicional, que tipo, isso deve se refletir na sua vida. E eu queria muito que na época que eu era novo e que eu tava errando, eu tivesse um Mamilos pra ouvir, porque as coisas teriam sido muito mais tranquilas, então muito obrigado a vocês duas.
Cris: Aiii Caio, fazendo a gente chorar!
[Ju ri]
Caio: Vamo lá! Comentário também do João Paulo Cardoso, ele diz o seguinte: “Me lembrei de uma frase que me falaram quando eu estava questionando a credibilidade do futebol em uma dessas discussões de bar. Eu estava discorrendo sobre a quantidade de dinheiro que rolava no meio e que não acreditava que onde rolava tanto dinheiro, que ninguém sabe de onde, o futebol pudesse ficar imune a isso. Um grande amigo meu então falou: ‘Quando eu acreditar que tudo o que eu vi e vivi foi armado, o futebol acaba pra mim e eu não quero que ele acabe.’ Isso foi há uns oito anos atrás e eu nunca esqueci. Acho que o caminho é por aí, as pessoas simplesmente preferem não acreditar que toda aquela paixão, que toda aquela entrega, que todo o sofrimento, fez parte de um grande armado circo de cartolas. Eu sou uma dessas pessoas, procuro me informar e saber de todas as podridões do esporte, mas no domingo, quando eu ligo a televisão pra ver o mengão jogar, simplesmente prefiro fingir que as falcatruas não existem durante os noventa minutos. E viva a hipocrisia consciente.”
Cris: [Rindo] Muito bom esse e-mail.
Ju: É… É a poesia que a Cris leu, né?
Cris: É… A Ananda Souza falou um pouquinho sobre a visão que ela tem da época de Copa: “se disse muito no Brasil que o país estava abrindo mão da soberania em favor das exigências da FIFA”, mas a percepção que ela tem é que não é bem assim não, que “o Brasil se candidatou e quando você faz isso você assume um compromisso com a FIFA, através da presidente da República, de cumprir os mínimos requisitos exigidos pela federação. Na prática, é quase assinar um contrato. Você assina um contrato com a FIFA dizendo que vai se sujeitar às normas que são impostas por ela. Então, quando a presidente da República optou por vincular a esse caderno de exigências, ela não abriu mão não da soberania, ao contrário: ela agiu, ao menos em tese, em nome dos interesses do povo, exercendo essa soberania. Na verdade, o Brasil, avaliando os custos – que são atendimento às exigências da FIFA – versus o benefício – que é sediar o evento e ter um suposto legado – conclui que conveniência é a oportunidade fazê-lo. E aí voltamos ao velho e recorrente problema de representação política: essa decisão vai de fato mesmo coincidir com o que os brasileiros queriam? Me parece que nós, brasileiros, ficamos muito felizes quando fomos escolhidos como país sede, mas bastante insatisfeitos quando tivemos conhecimento da conta que nós teríamos que pagar por isso. Mas essas condições – e aqui ela nem tá levando em consideração a corrupção envolvida – já eram bem claras desde o início, quando o Brasil se vinculou ao caderno de exigências.”
Ju: É isso.
(Bloco 3) 10’ – 14’59”
Cris: Essa semana, como a gente tá fazendo um especial de Dia dos Namorados, a gente vai mudar um pouquinho o Trending Topics e a gente vai falar bem rapidinho de algumas notícias, aprofundar um pouco mais. E agora, o Trending Topics.
[Sobe trilha]
[Desce trilha]
Cris: Então nessa semana a gente vai falar aqui três links rápidos pra vocês buscarem conhecimento e aprofundar mais em um. O primeiro é que a “Virgin concederá licença maternidade remunerada por um ano”. Os funcionários da empresa (que é um braço da investimento da Virgin Group) que se tornarem pais ou mães poderão tirar um ano de licença e receber salário integral durante esse período. Tanto as mulheres quanto os homens terão direito ao benefício, desde que trabalhem no escritório da empresa em Londres, no Reino Unido, ou em Genebra, na Suíça, por mais de quatro anos.
Ju: Tô mandando meu currículo!
Cris: E a gente começa a ver uma virada… A segunda notícia que a gente leu e achou bem interessante e tá aqui pra vocês aprofundarem sobre ela, é: “Nem todo mundo é 100% Jesus”. Pela primeira vez campeão na Liga dos Campeões, Neymar homenageia o seu ídolo, mas foi muito criticado por uma suposta tentativa de impor sua religião aos outros. Ele usou uma faixa escrito “100% Jesus” na cabeça e aí tem uma discussão interessante aí sobre cenário de cultura x respeito e diversidade que vale a pena aprofundar. Por fim, “O Raio X da Desigualdade no Brasil”. A Folha de São Paulo fez um especial que tem dados bem interessantes e até uma enquete pra você entender um pouco mais a sua posição no sistema. Vale a pena ler. Eu acho muito interessante porque, se alguém pergunta pra você, de cara, “você se julga um privilegiado?” muito provavelmente você vai falar: “Tá louco! Que privilegiado? Eu trabalho pra caramba, eu sou ‘classe média sofre’”, a gente usa muito essa piada; e cara, a gente é muito privilegiado. [Caio: Sim.] Se você entrar lá e fizer essa enquete, você já é um privilegiado, porque isso quer dizer que você tem acesso à internet e já é parte desse pressuposto. Então assim, dá uma olhada lá, eu acho que é importante a gente entender quem somos pra poder ter uma visão melhor do todo. E a notícia que a gente vai aprofundar um pouco mais aqui foi, é óbvio, aquela que vocês pediram, insistiram, imploraram, [Ju: Inundaram a nossa timeline!] encheram o nosso saco [Ju ri]… mas vocês pediram muito pra gente falar sobre a parada gay e a trans crucificada. Eu vou dar a nota aqui e a gente fala um pouquinho sobre o tema: Dentre os milhares de participantes que foram celebrar a liberdade de amar, uma performance em especial chamou a atenção. Uma trans crucificada no alto de um carro, com os cabelos cobrindo os seios, um corpo escultural, muito machucada como se tivesse sido espancada e acima da sua cabeça, uma placa escrita “basta de homofobia”. O que que a autora da ação diz: “representei a dor que sentimos”, diz a transsexual crucificada na parada gay. Xingada na web, Viviany Beleboni diz que o ato foi um protesto anti homofobia. Representar a agressão e a dor que a comunidade LGBT tem passado. “Nunca tive a intenção de atacar a igreja, a ideia era mesmo protestar contra a homofobia”, ela explica. Fala também de outras amigas que foram agredidas, uma delas inclusive foi morta em Porto Alegre e “eu vejo a parada como um protesto, não como uma festa. Usei as marcas de Jesus, que foi humilhado, agredido e morto, justamente o que tem acontecido com muita gente no meio GLS. Mas com isso, ninguém se choca.” Me diz aí, Juliana, que cê vai fazer?
A
Ju: A gente leu uma série de textos, textos que são a favor, textos que são contra, é… vocês sabem que o Trending Topics não é um quadro pra mapear a polêmica e mostrar todos os pontos de vista. Não é a Teta da Semana, tá? O Trending Topics é um quadro opinativo. Então, o que que eu peço? É uma coisa que deu muita polêmica, tem muitos links, a gente vai linkar pra vocês, leiam antes… como tudo que a gente fala pra vocês: leiam. Leiam antes, pesquisem, escutem antes de ter opinião. Não sai dando opinião. Então, o Trending Topics é o quadro pra vocês escutarem a nossa opinião sobre as coisas. Então eu vou dar a minha opinião sobre isso – depois de ler um monte de coisa. Primeiro, o que que eu acho: que uma questão polêmica que movimenta tanta gente e que todo mundo tem tanto a dizer, a primeira coisa: a resposta não é óbvia. Então, se você tem certeza da sua posição, pode parar, cê já tá errado. Não é óbvio, não tá dado. Então assim, tem pontos de vistas válidos diferentes. Primeira coisa: é complexo. Segunda coisa: se você é evangélico e tá magoado porque tem um símbolo seu que foi ofendido, eu sugiro que você escute. Tem uma dor enorme sendo retratada aí. Escuta. Reconhece a tua parcela de responsabilidade com relação a isso. Os transsexuais têm uma expectativa de vida de trinta anos. Trinta. Enquanto a expectativa geral da população brasileira é 70, 80. Então assim, eles estão sendo assassinados todos os dias, espancados todos os dias. Escute isso. Essa performance vem de uma dor genuína. Depois de escutar, reconheça qual é o seu papel na normatização de que isso aconteça. E repudie isso.
(Bloco 4) 15’ – 20’20”
Ju: Porque não é possível que você se sinta à vontade com esse quadro. Então você quer ser respeitado, mas você não quer que esse quadro seja verdade. Então assim, lute contra isso, ativamente. Levante a sua voz contra essa violência. Eu não sou estudiosa de verdade, mas quanto eu saiba, Deus requer pra ele a justiça. Ele não deixa nas mãos de homens, porque sabe como nós somos. Então, ainda que você acredite na Bíblia que vê homossexualidade como abominação, você não tem autorização pra ferir ou matar ninguém. Eu iria mais longe e falaria que nem pra ofender e hostilizar, mas aí já é uma questão de interpretação. Então, do que eu conheço da Bíblia – eu não conheço tão pouco assim – existem várias diferenças de interpretação, mas não existe nenhuma diferença que, em nenhum momento da Bíblia, ela te autoriza a praticar violência desse jeito, tá? Pelo menos não se você acredita no Novo Testamento. Não é pra isso. Então, pra evangélicos, é isso que eu tenho a dizer. Com relação a quem tá muito defendendo isso como: “para de mimimi, evangélico e tal”, eu sugiro que escute também. Porque a grita foi grande, vocês magoaram alguém, então… eu sempre converso com a Cris, que eu acho que tem duas maneiras de você propagar uma ideia, que é: pelo confronto ou pelo convencimento. E eu não acredito que a gente consiga andar mais pelo confronto. A gente precisa de convencimento. A gente precisa mostrar pras pessoas qual é a nossa dor. A gente precisa conversar. A gente precisa que elas sentem com a gente. Então eu entendo quando a comunidade LGBT fala que a cruz é um símbolo da nossa cultura cristã de castigo injusto. E ele foi usado com o Neymar, “põe o Neymar na cruz”, ele foi usado com político, com aviação aérea, com uma série de coisas. E nunca isso ofendeu ninguém. Por que que justamente colocar uma pessoa – porque é uma pessoa, aceitem isso, é uma pessoa – ofende? Por que que o Neymar não ofende e uma trans ofende? Então assim, tá aí um bom questionamento mas, de novo, a postura eu acho que não ajuda. Eu acho que a postura do confronto a gente precisa entender que a gente não vai avançar nossa causa goela abaixo, ofendendo as pessoas.
Cris: Caio, quer falar?
Caio: Não, eu só queria colocar um exemplo: eu, aqui em São Paulo, eu moro ali perto da Praça da República. E a minha rua é ponto de prostituição dos [das] travestis. E, sem brincadeira, eu acho que, no mínimo, umas duas vezes por mês rola algum tipo de agressão, rola algum tipo de violência contra elas. Essa semana, inclusive, e assim, morando lá, cê acaba tendo uma relação, né? Que seja, você reconhece, você fala “oi, boa noite”, elas sabem que você mora ali, então sei lá, eu nunca tenho problema de sair, sei lá, cinco horas da manhã pra comprar cigarro. Porque né, elas estão ali, elas meio que servem como as pessoas que estão ali na rua e elas vão olhar por você se algo de ruim, se alguma pessoa estranha for fazer algo. E essa semana um rapaz, eu não sei o que aconteceu, uma delas meio que me explicou que deu algum problema na hora de resolver como seria cobrado pelo programa, alguma coisa assim, o cara tinha uma arma dentro do carro, uma das garotas gritou por socorro, todas as outras juntaram, começaram a bater no carro pra meio que chamar a atenção do cara, tanto que, o final do problema é que tipo: ele estava com o carro tentando atropelar elas. E batendo e dando com o carro em lojas, em coisas, assim… [Cris: Nossa, tava muito louco, né?] E aí, eu olhando aquilo, já ligando pra polícia, só que na hora uma viatura veio cortando a esquina e foi atrás do cara. Aí eu desci pra falar com elas, falei: “meu, que que aconteceu, cês tão bem?” E elas me olharam como se eu fosse um extraterrestre. Porque, “como assim você veio perguntar se a gente tá bem, ao invés de chegar: que que vocês fizeram?”
Ju: “Que bagunça é essa, vocês estão atrapalhando meu sono”, né?
Caio: Tipo, então eu acho que, assim, eu já fui em diversas paradas gays, eu acho uma festa bem divertida de você ir. Principalmente quando você é novo, se você é hétero, vá. Porque tem muita mulher lá. [Risos] Mas eu acho assim que, por mais que muitos religiosos tenham ficado extremamente ofendidos, eu sei que quando você lida com esse… eu vim de família católica, minha vó, meu deus do céu, se eu falo essas coisas pra ela, ela fica absurdada da cabeça… mas eu acho que, de vez em quando, é bom incomodar pra chamar a atenção. Obviamente que os fins não justificam os meios, como você disse…
Ju: [Interrompe] Mas qual é o passo que você dá depois disso, pra “vem cá, vamos conversar, senta aqui comigo, não era meu objetivo.”
Caio: Tá. Sim.
Ju: Não é tapa na cara e gritaria, entendeu?
Cris: A percepção que eu tenho – e é muito dúbia – eu oscilo muito nesse caso, porque eu entendo o protesto como uma forma de fala também. Né? Tem hora que você faz um barulho pra chamar atenção pra partir daí pra uma discussão. E eu entendo a parada gay como uma manifestação artística também. Então é uma representação de… se a gente pega o personagem que foi utilizado, que foi Jesus, ele foi um personagem perseguido, humilhado, massacrado, ele serve pra representar outras comunidades que tenham passado – ou passam – pelo mesmo problema. Eu olho praquilo e vejo um protesto e vejo arte. Eu vejo arte.
(Bloco 5) 20’21 – 24’59”
Caio: Uhum. O simbolismo da situação, praticamente, né.
Cris: Pra te incomodar, pra te trazer pra reflexão, pra falar: “Meu deus, o que estão querendo dizer com isso?”. E num segundo momento, eu falo: “Puta, mas aí você perde uma oportunidade de simplesmente ser diferente. Eu acho que todos nós temos uma luta diária pra não se tornar exatamente aquilo que a gente abomina. Porque se você começa a se comportar igual àquilo que você odeia, o que é que vai diferenciar vocês? Então, pra quem assistiu Dogville [Ju: Sim.], eu acho que tem muito daquilo ali no final. Que ao mesmo tempo que você fala “clemência”, você fala “eu quero vingança”. Então eu acho que é esse mesmo sentimento que eu fico: “É isso mesmo, tem que jogar na cara”, e num segundo momento, eu falo: “Puta, a gente poderia ter feito diferente e sair por cima”, sabe? Eu posso virar pra você e falar e ser Jesus de verdade e oferecer a outra face e virar pra você e falar assim: “Eu sou melhor que você, porque eu estou aqui pra te ouvir. Eu te amo mesmo quando você não me ama”. E eu acho esse tapa muito maior, porque é isso que Jesus falava, né? E aí quando você usa as palavras daquele que outras pessoas usam pra te martirizar, pra te fazer sofrer, aí o jogo se inverte e aí eu acho que você tem mais chance de ganhar e de fazer a diferença. Então por isso que eu fico tão balançada entre entender aquilo e, ao mesmo tempo, saber que existe um caminho que possivelmente leve mais longe; leve a mais debate.
Ju: É, a sensibilização, né? Porque você pode provocar – que ok, é uma ferramenta útil – mas você pode também sensibilizar, mostrar a cara, “eu sou uma pessoa, olha pra mim. Eu sou uma pessoa como você, com desejos como você, com vontades como você, com direitos como você, com sofrimentos. Se você – aquela frase clássica, né – se você me cortar, eu não vou sangrar? Eu sou um ser humano, cara, olha pra mim como um ser humano.”
Cris: E assim, por outro lado, eu fico me perguntando: “Se não tivesse acontecido isso, o que teria sido da parada esse ano?”. E eu vi uma mobilização de alguns evangélicos irem com uma faixa: “Jesus cura a homofobia”. [Ju: Muito bom, né? Achei ótimo!] Os evangélicos indo lá, falando: “Olha, não são todas as pessoas que seguem a palavra e são religiosas que concordam com isso”. Eu tava conversando isso esses dias em casa… casa, né? Lá em BH com a minha vó de oitenta anos. E eu não tenho a mínima pretensão de fazer com que ela entenda o todo, mas ela falando, um primo meu… cara, tipo, se “declarou” gay pra família e a única coisa que eu consegui imaginar: “puta que pariu, ele tá fudido, mano… nossa!”. E aí a minha vó… [Ju: Explica o contexto, que a tua família é toda religiosa…] Muito religiosa! Muito machista! Muito preconceituosa! Racista… aquela típica família disfuncional que todo mundo tem um pouco. E a minha tem bastante. E aí a minha vó virou e falou assim: “mas eu quero perguntar pra ele se ele sempre foi assim.” Ela não consegue admitir. Ela: “Porque isso é muito errado!” Eu falei: “Vó, pra gente não sofrer, eu tenho uma sugestão: vamos pegar só o segundo mandamento; não é ‘amai ao próximo como a ti mesmo’? Isso não se sobrepõe a tudo? Então vamos amar tudo mundo. E aí a gente não precisa sofrer e nem saber nada sobre a vida dele. Porque ninguém tem direito de perguntar isso pra ele. E ela olhou pra mim com aquela cara de: “eu sei que você tem razão, mas é foda”. [Risos] É foda!
Ju: “Tá difícil pra mim, Cris.”
Cris: Tipo, “vamos arrancar só essa página, fazer uma tatuagem, e vamos nos apegar a isso”. E aí assim, ela: “Mas eu quero saber…” Aí eu: “mas você não tem direito de saber…” [risos]
Ju: Não, mas é que eu acho legal que a galera pega uns versículos, rasga outros, né? Porque tem um que fala assim: “Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados; perdoai e sereis perdoados.” Então é o seguinte, gato: pela regra que o cara lá tem, você tá frito, tendeu? Na regra dele, na régua dele, todos nós somos achados em falta. E ele já falou isso. Se você tiver dúvida, abre lá a Bíblia, lá tá escrito: “todos vocês tão achados em falta.” Então é o seguinte, para de olhar pro outro, cara! Cê tá em falta, tá todo mundo em falta, para de encher o saco!
Cris: Prum bando de ateu a gente sabe até bastante disso… [risos]
Ju: Já tive a minha passagem, né, pessoal.
Cris: E aí eu acho muito interessante que eu falei pra ela: “que o mais importante, se é a gente amar e se é a gente não julgar, a maior vingança é o amor. É o jeito certo de fazer as coisas.” E aí tem um outro texto que eu esqueci onde que tá agora, mas que fala que “só Deus sabe o que vai no coração do homem.” Se é só Deus, por que você quer saber, cara? Não tem que saber. [Risos] Então é isso, eu acho que essa polêmica aí faz a gente pensar, eu acho muito difícil assumir uma postura única; eu tendo a desejar mais diálogo e menos confronto [Ju: Exatamente] mas eu entendo que o confronto às vezes é necessário pra se trazer luz àquilo.
Caio: Chamar a atenção mesmo, né?
Cris: Chamar a atenção.
Ju: É, me proporcionou uma conversa muito bacana com o meu irmão que é pastor adventista. Né, Cris?
Cris: Tá fácil… ele é um cara super sensato.
Ju: É, e… em determinado momento eu achei que essa ia ser a Teta da Semana, que a gente ia realmente discutir sobre isso; eu achei que eu ia trazer ele aqui pra discutir. Cheguei a cogitar isso; e ele falou um negócio que eu achei muito legal. Ele falou assim – e eu não tinha nem feito o convite ainda, eu tinha falado que eu tava pensando em fazer um programa nesse estilo, e ele falou assim: “Bah, Ju, eu acho que não vale a pena você dar voz aos evangélicos nesse momento. Não me entenda mal. Eu acho que o assunto precisa ser abordado de dentro pra fora; não de fora pra dentro. O que um hétero cristão tem pra falar sobre a dificuldade e preconceitos sofridos por um homossexual, cristão ou não?” E eu fiquei absurdada, eu fiquei chocada, porque o meu irmão, assim… tinha todo o direito de estar lá putaço e “essa gente não respeita nada e bla bla bla”. Eu vi coisas interessantes escritas por gente assim tentando explicar sua dor, tentando explicar por que que aquilo fez mal pra eles e tal, e meu irmão, assim, tipo “cala a boca”, sabe? “Não, não faça o programa assim, porque evangélico não tem que falar. Não é a hora de evangélico falar sobre isso.” E eu falei: “O quê?!” [Cris: Aí a gente se cala.] Então, calemos.
(Bloco 6) 26’21 – 29’59”
Cris: Vamo lá, gente, porque iniciemos agora o papo bom, o papo coração e corações: a Teta da Semana.
[Sobe trilha – Rita Lee]
[Desce trilha]
Ju: E essa semana, Dia dos Namorados, esse é um especial Mamilos Dia dos Namorados, vamos falar sobre amores, mas quando o Mamilos fala sobre amores… não são quaisquer amores, são amores polêmicos. [Risos] Prepare seu ouvidinho que nós fizemos a curadoria de seis histórias polêmicas pra você. Abra o seu coração e escute com amor.
Cris: Deixa eu explicar um pouquinho pra vocês como é que foi a dinâmica. Nós encontramos personagens com histórias super legais, mais uma vez muito obrigada, vocês atenderam o nosso chamado, muita gente mandou história bonita, não vai dar pra contar tudo, mas a gente quer inclusive compartilhar algumas depois na página. E aí a gente montou um roteirinho assim, só pra gente se guiar, ligou pra pessoa, conversou, ela contou toda história, mas pra não ficar muito cansativo, ter muito áudio, todo aquele problema que a gente tem quando grava por telefone, a gente transcreveu basicamente essas conversas e nós vamos interpretá-las pra vocês. Eu, a Ju e o Caio. E eu vou começar aqui com uma história, eu tô apaixonada por todos, então tá super difícil assim e toda hora eu vou falar, é porque ela é muito linda, e essa é de Brasília. Então vamo lá. Deixa eu contar pra vocês o que que aconteceu.
[Sobe trilha: “Olha” – Erasmo Carlos]
[Desce trilha]
Cris: “Comecei a trabalhar em um salão onde o meu futuro marido era cliente. Um ciclo de alto nível, pessoas de bom poder aquisitivo. Nos conhecemos lá, no meu trabalho. Todo enxerido, ele ficou perguntando sobre a minha vida. Sumiu por um tempo e quando esteve lá novamente ele acabou me fazendo uma proposta de trabalho, me dizendo que estava se separando e que precisava de uma assistente pessoal que pudesse viajar e cuidar da agenda dele. A princípio eu não aceitei não, mas ele convenceu o meu chefe a me liberar, dizendo que eu era a pessoa ideal pro trabalho que ele tinha. Dito e feito: meu chefe, muito amigo dele, me liberou dando a benção e dizendo que tava muito feliz pela minha oportunidade. Mas o danado já tava com segundas intenções, porque a primeira coisa que ele quis foi ir em Londrina conhecer minha família. Pra ele, foi amor à primeira vista; pra mim, não; eu era cheia de preconceitos, ele logo se declarou e as investidas dele me abalaram, eu pensei em desistir, em voltar pra minha cidade… Disse que ele estava confundindo as coisas, que a sua forma de lidar comigo tava me incomodando; ele se comprometeu a não tocar mais no assunto. Passaremos então a ter uma relação puramente profissional, mas daí começaram a surgir as viagens. E na primeira, um misto de ansiedade e de medo me fizeram passar muito mal, uma diarreia terrível e, pra piorar, minha menstruação desceu totalmente na época errada! Eu toda suja no banheiro, tive que dizer pra ele – que esperava do lado de fora – que que tava acontecendo. Eu morri de vergonha, mas eu não tinha o que fazer, pois ele foi na farmácia, voltou com meia dúzia de sacolas com todos os tipos de absorventes dizendo que não sabia qual que eu usava, então ele trouxe todos. Quando eu saí do banheiro, ele já tava pedindo água quente no quarto do hotel, ficou lá cuidando de mim, colocando bolsa de água quente na minha barriga; e eu não sabia se eu morria mais de cólica ou de vergonha. Eu não resisti, pensava: “Como um homem mais jovem teria um carinho e compreensão dessa?” Daí veio assumir um relacionamento e esperar o que a família diria. Eu tenho 35 anos e ele 74. As famílias acabaram por aceitar o namoro, não chegou a ser um susto, já que nós nos conhecíamos por função do trabalho. Ele tem filhos mais velhos que eu, mas eles aceitaram, me trataram bem. Eu entendo que os filhos se interessam pela felicidade do pai deles e nós somos muito felizes. Eu amo a experiência de vida que ele tem; eu sou a 5ª mulher dele, ele tem filho com as outras quatro mulheres, então de mulher ele entende. Ele sabe conviver, não adianta eu querer brigar com ele, sabe por quê? Porque ele não briga comigo. Ele sabe que que vale a pena, ele me mostra isso todo dia e isso é tão apaixonante. Essa calma, essa vivência, essa escolha pelas lutas certas. Essa consciência que a vida é curta e que é preciso saber aproveitá-la, isso me une a ele de uma maneira única, numa prática que eu não vejo possível com qualquer outra pessoa. E ainda tem o dengo na hora de dormir, o carinho nas costas até que eu durma. Da outra vez, sou eu que faço massagem nos pés dele pra que ele possa relaxar, porque ele tem diabetes e isso sempre ajuda. Ele é um homem muito generoso e prova disso é que tivemos um filho. O mais novo dele tem 24 anos, mas o meu sonho era ser mãe e ele disse: “Eu não vou te privar do seu sonho.” E mais uma vez ele atendeu os meus anseios, temos uma linda menina de 4 meses e ele jura que agora tem muito mais motivo pra viver. As pessoas estranham, elas olham de canto de olho, elas riem, você percebe que elas estão falando de você. No começo eu tinha muita vergonha, eu nem andava de mão dada. Hoje? Eu não ligo mais não. É a minha vida, é a minha felicidade, eu superei o meu próprio preconceito e hoje eu sou feliz. Então, não é o olhar dos outros que vai diminuir a beleza da minha família.”
(Bloco 7) 31’51” – 34’59”
Caio: Tá, vamos com a história de Vitória, agora. Vitória do Espírito Santo.
[Sobe trilha: Eu sei que vou te amar – Tom Jobim]
[Desce trilha]
Caio: “Em 2005 ele esteve na minha cidade para estudar e acabamos frequentando a mesma igreja, os mesmos grupos, os mesmos amigos e por fim nos tornamos amigos confidentes. Inclusive para contar sobre outros casos, outras bocas. O curso acabou e ele voltou pra sua cidade natal. Mantivemos contato; horas de conversas, mensagens, orkuts. Dois anos depois, ele retornou para o casamento de um amigo em comum. Dessa vez nos vimos com outros olhos, um sentimento começava a surgir. Continuamos a nos falar e quando ele voltou para um segundo casamento, no final daquele mesmo ano, o clima estava posto e nos apaixonamos de vez. Porém, mais uma vez, veio a distância: mais e-mails, mensagens, até que eu joguei a toalha! Me declarei e em troca ouvi uma linda declaração também. Ele veio passar as férias aqui e sacramentamos a paixão com um longo beijo cheio de abraços e sorrisos no meio do saguão do aeroporto, ali, pra todo mundo ver, porque não tinha mais motivos para esperar. Ficamos em cidades diferentes por três anos. [Meu deus, que louca. [Risos] Desculpa, é que é a primeira vez que eu tô lendo….Caraaalho, gente. Quando eu namorava uma mina de Minas eu já ficava louco e eu podia pegar um ônibus pra ir ver ela, sabe.] Namoro e noivado à distância se vendo uma vez por mês.” [Ju ri muito!] [É impossível!]
Ju: Taí, ó. Provando que é possível.
Caio: “Muita gente falando na cabeça: ‘Sabe onde tá o seu namorado agora, né?’ É incrível como as pessoas muitas vezes projetam as suas inseguranças no relacionamento dos outros. Imagina se eu fosse ficar neurótica? Nós construímos isso juntos. Estamos juntos porque queremos, então eu nem encanava. Não é a preocupação que vai impedir as traições, a questão não está na distância e sim no caráter e nos acordos firmados entre o casal. Nisso já se vão oito anos, essa tranquilidade está presente no nosso relacionamento até hoje. Não temos que estar colados o tempo todo; fazemos programas separados, às vezes ele quer ao cinema e eu na casa da minha mãe e tudo bem. Se apaixonar pode não ser uma escolha, mas amar sim. Você escolhe dividir a vida com alguém e se tem durado até aqui é porque fiz essa escolha e ele também. Estamos nessa jornada juntos, pra fazer dar certo e é essa consciência que faz nossa relação ser forte, saudável e duradoura. Viver juntos é a nossa escolha diária, amo quando nos deitamos na cama e passamos horas e horas conversando sobre o dia, sobre o que lemos, vemos, ouvimos. Quando nos conectamos com a pessoa nas coisas mais simples, isto também acontece nas mais complexas. É o diálogo que mantém essa conexão e isso veio da convivência à distância, quando tudo o que tínhamos era telefone, a fala, a voz. Não perdemos isso e eu adoro essa parte da nossa relação. Somos parecidos, passionais e coléricos, mas temos a máxima de não dormimos brigados: falamos, conversamos, resolvemos. Também acredito que a distância nos amadureceu nesse quesito: você sente no tom da voz da pessoa que às vezes não tá legal, daí você corre atrás e não dorme brigado.” A Naiara é branca e seu marido é negro. “Meu olhar nunca foi voltado para detectar o preconceito, eu ruiva e ele negão. Nossa família e amigos nos receberam muito bem. Às vezes tem sim uma ou outra piada, você leva na ironia, talvez tenha um pouco de ingenuidade nossa, mas com o tempo e estudos, você vai percebendo a necessidade de uma construção social mais amadurecida, que a piada não é tão inocente assim. Claro que eu comecei a ver o mundo com mais critério, com mais questionamento. A entrada dele na minha vida trouxe junto o teste do pescoço: eu olho ao redor pra ver quantos negros frequentam o mesmo lugar que nós e a sua posição social. É sim uma questão que me inspira mais cuidado e reflexão, principalmente porque pretendo ter filhos e, apesar de qualquer dificuldade, eu quero que ele tenha a cor do meu marido, que é a cor que eu amo. Tenho certeza que terei lindos filhos negros e nós vamos estar juntos nisso também, conversando e achando caminhos para que nossos filhos sejam tão felizes e realizados como nós dois somos.”
(Bloco 8) 35’46” – 39’26”
Ju: Bora pra história de Viamão, no Rio Grande do Sul.
[Sobe trilha: Só Tinha que ser com você – Elis e Tom]
É, só eu sei quanto amor eu guardei…
[Desce trilha]
Ju: Essa é a história de colegas de trabalho que descobriram que tinham um mundo de afinidades, de um homem que tem sensibilidade pra entender e valorizar o lado feminino das coisas, de enxergar além de peito, bunda, coxa, de ver a essência. De uma mulher que sabe enxergar poesia no cotidiano, que começaram falando de telemarketing e de repente já estavam no hardcore, descobrindo um monte de paixões e valores compartilhados. E de repente as conversas se estenderam pelo telefone por hoooras e hoooras e hoooras, madrugada adentro. Em um ano a mãe do Felipe morreu e a Tati veio de mala e cuia pra vida dele; e no auge da paixão, os dois amadureceram juntos e fizeram a poesia virar concreto na construção de uma casa e de uma vida compartilhada. Quem já fez uma reforma sabe: nada como uma obra pra separar um casal. Porque são um milhão de pequenas escolhas que definem o que é mais importante pra cada um. E afinal, que que é mais importante: morar mais perto do trabalho pra gastar menos tempo em transporte ou morar num lugar simples, tranquilo, perto da natureza? A gente quer tá perto de um shopping ou acordar com o galo cantando? Os dois respondiam igual cada pergunta. Ele gostava de pegar ônibus pra ver a cidade passando e compartilhar tempo com as pessoas; ela preferia convivência com as pessoas humildes à comodidade. E nesse cotidiano não cabia clichê: tarefa de homem, coisa de mulher. Cada um fazia o que dava, um ajudando o outro. Tati pega enxada pra resolver o que precisar no quintal, Felipe gosta de cozinhar e organizar. E essa parceria construiu em dez anos uma afinidade profunda. Todos os anos o casal faz uma peregrinação a Torres nas férias. Eles sempre prometem que vão conhecer um lugar diferente, mas acabam voltando pra lá, porque foi lá que o Felipe ensinou a Tati a andar de bicicleta e a perder o medo do mar, foi lá que eles andaram de parapente e balão. Cada canto tem uma história. Felipe é deficiente visual, a Tati não. Quando eu perguntei das dificuldades desse relacionamento, a Tati lembrou do constrangimento de não ter banheiro pra deficiente separado, que obrigava ela a levar o Felipe no banheiro feminino, pra super constrangimento dele. Tá, mas e as pessoas? Eles causam comoção onde vão, ninguém acredita que uma menina nova e bonita possa ser casada com um cara de bengala, que não enxerga. Não entra na cabeça das pessoas. O Felipe diz assim: “Ano passado, no verão, a gente tava andando no centro, e a Tati de vestidinho, toda toda. E ouvi um cara comentar: ‘Olha aí, o ceguinho se deu bem heim!’” [Risos] E aí a Tati conta: “uma vez no trabalho, um colega me perguntou: ‘Tá, mas onde tu foi arranjar esse cara pra ti? Tipo, onde é que tu te enfiou pra achar esse cara?’” E eles ligam? Ele diz que quando tá com ela, esquece que não consegue enxergar. Quando eu perguntei pra Tati do que que ela abriu mão pra ser casada, ela disse que achava que não abriu mão de nada por ser casada com deficiente visual; que ela abriu mão de fazer um monte de festa porque casou, só isso. “O fato dele ter deficiência não interfere, é a característica dele; assim como eu ser branca e ter sardas. Durante um tempo, como o Felipe tava em fase de adaptação pra usar bengala e ficar mais independente, precisava que eu levasse e buscasse no trabalho, então eu precisava ter um horário específico, que eu negociei com meu chefe. Em função dessa escolha, eu abri mão de participar de processos seletivos. Psicologicamente Felipe precisava de mim naquele momento de adaptação, e eu priorizei ele. Quando eu penso em algo que abri mão, só lembro disso. Conjunto de características do Felipe são únicas, eu comparo com as outras opções do mercado e não tem similar, não tem genérico. Muitas vezes acontece alguma coisa no meu dia e eu sei que só ele vai entender. Por mais que a gente esteja há muito tempo juntos, eu não vejo como ter rotina, porque sempre tem coisas novas. A gente não consegue enjoar um do outro, parece que é sempre um relacionamento que acabou de começar.”
(Bloco 9) 39’26” – 43’15”
Cris: Vamos agora para uma história de São Paulo.
[Sobe trilha: “Por você” – Barão Vermelho]
[Desce trilha]
Cris: “Nosso amor foi feito na festa. Nos conhecemos numa festa de réveillon, nos reencontramos numa festa de São João. Nessa segunda vez que nos vimos, o sorriso dela me recebeu tão bem que o meu coração se aqueceu. Morávamos em cidades diferentes e passamos um bom tempo sem nos ver novamente. Resolvi que gostaria de fazer uma trilha e me divertir um pouco, uma coisa mato adentro. Num rompante de loucura, a convidei pra vir comigo, assim mesmo, sem aviso prévio, já esperando a negativa, mas ela não se fez de rogada, ela aceitou. Dois encontros informais e lá fomos nós viajar pro meio do mato. Aquela conversa inteligente, letrada, bem informada, antenada, interessada, me apaixonei. Tudo pra dar errado e deu certo. As vidas eram completamente diferentes, as idades também. Ela queria se aposentar, eu a toda na carreira. Quatorze anos depois estamos dividindo a mesma trilha ainda, ela me completa. Ela gosta de cuidar, eu gosto de prover. Aquela afinidade do início se traduz em uma sintonia hoje, brincamos: “Não pensa não que eu vou ouvir, viu!” Isso não importa a distância, essa sintonia nos mantém no mesmo diapasão. Claro que a gente enfrentou crises, como qualquer casal. O ciúme dela eu rio, já virou folclore. Eu descobri que amor e paixão são duas coisas muito diferentes; o amor é construído no dia-a-dia e vem das afinidades e da capacidade de resolver as diferenças. Não dormimos sem matar nossos demônios, resolvemos e vivemos bem. Tem a regra de não falar com raiva. Na hora da raiva a gente se respeita, dá o tempo do outro. Melhor momento é dormir e acordar ao lado dela, é quando conversamos. Eu tenho me esforçado pra que esses momentos sempre aconteçam porque eles são sagrados pra nós. Além disso fazemos as refeições juntos, café-da-manhã, jantares… Nos finais de semana eu cozinho pra ela, os nossos pais são idosos, ela precisa ficar mais com a mãe dela, eu com os meus pais, são viagens que causam alguns dias de separação, e cada reencontro é mais certeza desse amor.” A Cristina vive com outra mulher. “Nem todo mundo sabe da nossa relação, tem amigos que sabem, tem familiar que sabe e finge que não sabe. Enfrentamos resistência, pessoas próximas que não aceitam, mãe, irmã. Pensamos em um dia nos casar e oficializar essa união. Não foi fácil pra nenhuma das duas, a análise me ajudou muito. Me aceitar, me libertar, me entender, me respeitar. Ambas tivemos relacionamentos heterossexuais antes de nos conhecermos e a nossa relação foi uma opção pela felicidade consciente. Muito da resistência da família eu enxergo como: ‘A sociedade não aceita, logo elas vão sofrer e eu não quero isso.’ Mas quando é possível ver que estamos felizes e conscientes da opção pela vida que fizemos, esse argumento cai por terra e a aceitação vem melhor. Outro fator é o respeito: não usamos a nossa vida pra ferir o outro, sabemos nos portar como qualquer outro adulto, nem em outras relações eu me colocava ostensiva. Não é porque eu tenho uma relação homossexual que eu tenho que mudar o meu jeito, eu me preservo porque eu guardo o que eu tenho de melhor, que é a minha relação, pras pessoas que eu amo e confio. O peso ainda é maior pra ela, ela é receosa, se sente exposta. Ela é mais velha então ela enfrentou mais preconceitos que eu, mas eu vou quebrando essa resistência segurando a mão dela na mesa do bar. Minha forma de carregar a bandeira, de militar, está em mostrar que o diferente não é tão diferente assim não. Na diferença existe um monte de coisas que são iguais. Eu quero ser respeitada não pela diferença, mas porque eu sou igual a todo mundo num monte de coisas. Com isso eu ressalto não o lado da diferença e sim o lado da igualdade. Ser gay não é a única coisa que me define, é uma das minhas facetas.”
(Bloco 10) 43’16” – 48’40”
Ju: E agora a gente vai ouvir uma outra história que também é de São Paulo.
[Sobe trilha: Para você eu guardei o amor – Nando Reis]
Ju: “Quando eu conheci a Isa, percebi que tinha alguma coisa diferente nela. O rosto da Isa emana uma luz que eu não sei explicar, o olhar dela me fazia pensar: ‘Tem alguma coisa diferente nesse ser humano.’ Desde do início eu sentia uma coisa especial, mas eu tentei bloquear. Fui me aproximando, tentando criar assunto. Descobri que ela fazia kung fu e comentei que eu praticava krav magá e adivinha? Ela tinha booode de krav magá! Quanto mais eu tentava, mais ela me odiava, ela me achava chato, pretensioso, vaidoso, orgulhoso, o exato oposto do que ela buscava. Um dia ela veio tirar satisfação porque achava que eu tava incentivando um cara a dar em cima dela. Ela me deu uma bronca, que na hora eu pensei: Olha o poder dessa mulher! Ela vai me colocar no trilho, não tem como escapar, não tem como enrolar. Acho incrível um casal se divertir juntos, mas o mais importante é o crescimento mútuo. E essa, essa não vai me dar moleza, é isso que eu quero. Eu tava pensando muito nisso e ficando maluco porque não avançava um milímetro. Uma amiga então percebeu minha angústia e recomendou que eu falasse com a mestre de cabala em Los Angeles. ‘Fala que você precisa de uma ajuda, não fala do caso específico. Seja aberto.’ Pensei um domingo inteiro o que eu ia falar pra mestre, quando enfim consegui falar com ela, o que saiu da minha boca foi: ‘Karen, eu amo uma mulher.’ E ela perguntou: ‘Mas ela gosta de você?’ Éé… Não sei. ‘Ela sabe que você gosta dela?’ Éé… Não sei. ‘Ela tá disposta a levar a sério o caminho espiritual?’ Não sei. Então ela riu da minha cara e disse: ‘Mas então fala com ela.’ E eu: ‘É isso?’ Tipo, super, master conselho da guru é: ‘fala com ela.’ E ela: ‘É, marca um date com essa pessoa.’ Mandei uma mensagem na hora, isso depois que eu já tava enchendo a paciência da menina, já tava claro que tinha alguma coisa estranha entre a gente, e aí eu mandei a mensagem: ‘Vamo falar?’ E ela respondeu: ‘Que foi agora? Você tem certeza?’ E eu disse: ‘Não se preocupa, já falei com a Karen Berg.’ Depois dessa carteirada que que ela podia fazer além de aceitar, né? Foi nesse momento que eu falei: ‘Eu gosto muito de você. Eu não consigo separar as coisas, eu preciso fazer isso acontecer. Eu quero sair com você, mas não é pra ser à toa, eu quero tentar até o fim. Vamos apostar, não quero uma aventura, eu quero casar.’ Ela ficou chocada. PÃN. A gente tava tomando um cafezinho e ela sem perceber, começou a colocar o açúcar, os chazinhos, tudo o que tinha em cima da mesa entre nós, criando uma muralha, sem nem perceber que tava fazendo isso; era uma demonstração clara de que ela tava com medo, e eu achei isso muito engraçado. Afastei tudo pro lado, removi os obstáculos entre nós e olhei pra ela com um sorriso e disse: ‘Tá tudo bem.’ Foi esse momento que clicou pra ela: ‘Pô, gostei do posicionamento desse cara.’ Ela sentiu tanto poder e pensou: ‘Esse cara é interessante.’ Só depois que ela me contou que, um mês antes, ela teve o mesmo sonho durante sete dias seguidos: da mestre Karen Berg levando ela pra mim. E a Isa ficava com raiva: ‘Por que você tá me levando pra esse cara?’ Namoramos um ano e meio, já estamos casados há nove meses. A gente tem nosso pequeno mundo, à noite sentamos no sofá juntos, ela prepara um jantarzinho gostoso, saudável, ela faz cosquinhas sem fim, eu saio correndo pela casa, ela sai correndo atrás de mim, depois eu lavo a louça. É um momento sagrado pra gente, nós rimos juntos feito duas crianças. Daniel é judeu ortodoxo, Isabele era sua aluna no curso de cabala. Dentro das comunidades de professores de cabala ao redor do mundo, existe o costume de casar entre eles, porque é uma vida muito louca de dedicação completa, super intensa, muito específica. O Daniel foi o primeiro professor a não se casar com uma professora. Aí ele continua dizendo: “Pra casar comigo a Isa tirou do papel o sonho que tinha desde menina de se converter ao judaísmo.” O processo de conversão é muuuito difícil, muito, você tem que estudar uma quantidade de livros insana: são 25 livros grandes que você tem que estudar e saber praticamente de cor. Você tem que mudar completamente o estilo de vida. Tem um monte de detalhes e a pessoa é testada muito pra saber o quanto ela quer. É todo um processo massacrante pra garantir que você realmente quer fazer isso, além de orgulho de querer outra coisa. E a Isa fez isso em tempo recorde, ninguém consegue se converter em menos de dois anos, ela conseguiu em um ano. A preocupação dos meus amigos era: ‘Mas e se ela desistir da cabala?’ Eu falava pra ela: ‘Eu quero você. Eu quero ser casado com você. Eu sou professor de cabala e sou um homem casado, mas primeiro eu sou um homem casado.’ Eu dediquei doze anos da minha vida pra isso, mas a minha missão de vida mudou. Minha missão de vida agora é ser marido dela, não só inspirar pessoas e hoje isso tá dando certo fazer as duas coisas, mas tá muito claro pra mim qual é a prioridade. Claro que existe, como qualquer relacionamento, muito sacrifício de ambas as partes; o sacrifício dela foi fazer a conversão em tempo recorde. Eu tive medo de ser julgado, criticado, e aconteceu – não de forma direta, não pelos amigos mais próximos, não pela família, mas um constante burburinho da comunidade. De certa forma o burburinho é pior, porque não é uma coisa que dá pra encarar. Se fosse aberto, me daria a oportunidade de conversar sobre o assunto. De início fiquei um pouco neurótico, mas depois foquei no que é importante: na vida. Não posso controlar as pessoas. Isso me ajudou muito a olhar pra dentro de mim, fazer o meu melhor e pronto. No dia que a gente casou, o comentário que mais recebemos foi: vocês não sabem o quanto me inspiraram. Pessoas casadas, divorciadas, quem tava buscando alguém, jovens, velhos, todos com lágrimas nos olhos falando que o amor de verdade é maior do que qualquer coisa. Então percebemos que as pessoas estavam por um lado julgando e pelo outro torcendo pra dar certo, porque isso significaria renovar a fé no amor.”
(Bloco 11) 48’41” – 50’44”
Cris: Um amor que é quase do tamanho do Brasil.
[Sobe trilha: Pela Luz Dos Olhos Teus – Tom Jobim]
[Desce trilha]
Cris: Os dois nasceram em pequenas cidades interioranas, em ambiente rural e com famílias compriiidas. Ele no Rio Grande do Sul, semanas depois do fim da Guerra Paulista, numa casa vinda do casamento de dois viúvos e de uma lavoura na colônia. Ela em Minas Gerais, cinco meses depois da morte de Eva Perón, numa casa branquinha. Ele com quatorze irmãos, ela com nove. Aos doze, ele entrou no seminário; aos quatorze, ela entrou no convento. Portugal, França, Itália, São Paulo, Santo André e São Bernardo. Irmãos e depois padre, freira e professora. Ambos acreditando na promessa de uma América Latina diferente, se envolveriam em movimentos sociais, principalmente no campo. E nesses movimentos em acampamentos e encontros, se encontraram: ele padre, ela freira. Depois se reencontraram, se reencontraram, se reencontraram. Amor e parceria. Os projetos se somaram, mas sem padre ou freira. As famílias estranharam, muitos desaprovaram, alguns praguejaram: “Seu filho nascerá com chifres e com rabo.” Os amigos desapareceram, os verdadeiros apoiaram. A união foi na Praia do Francês, lá em Alagoas. Só os dois. O casamento foi em casa mesmo, no dia da mulher. Quem celebrou foi um amigo, um dos verdadeiros. Quem cantou foi a noiva, de vestido roxo e violão na mão, o noivo de barba comprida e muito sorriso; sem padre, nem freira. Dois anos depois, o primeiro filho nasceu, sem chifres ou qualquer marca. Foram para o pantanal, batalharam contra grileiros e caçadores ilegais. Veio o segundo filho, para a surpresa de alguns, nem era um demônio. Foram para Goiás, professor, professora. Mãe e pai. Lutadores. Trinta anos juntos, ainda sem criaturas malignas, ele 83, ela 63. Eles, juntos.
(Bloco 12) 50’45” – 57’08”
Ju: Quando você faz uma pesquisa, você fala que: antes de ir pra campo você tem que ter uma tese, que você vai a campo pra comprovar ou pra ver que ela não se comprova. E a tese que a gente tinha é que: as nossas semelhanças nos aproximam e as nossas diferenças nos afastam, e que somos nós que definimos o que é mais importante. Então a gente foi atrás das histórias, construindo elas de uma maneira a mostrar primeiro o que elas têm em comum com todos nós, pra só então mostrar as diferenças, e aí aprofundar mais as diferenças, nesses tabus de raça, tabu de deficiência, tabu de idade, tabu de religião, pra ver como que as pessoas lidaram, como que os amores vitoriosos conseguiram passar por isso. E um dos critérios que a gente usou pra selecionar as histórias era tempo do casal junto, porque a gente falava: isso é a credencial que a pessoa tem. Se você não conhece nada mais, a credencial que a pessoa tem pra mostrar é: “Cara, me respeita, tô há 10, 20, 30 anos juntos. Dá certo, independente do seu tabu, do seu preconceito, isso aqui tá funcionando.” E o que a gente achou engraçado é que eu ficava uns 40, 50 [minutos], uma hora falando com as pessoas, mas quando a gente chegava na hora do tabu, eu não conseguia mais do que cinco minutos, porque pras pessoas isso não era um tabu. Pra eles isso não era relevante, assim, eles não achavam que tinham vencido grandes coisas ou que eles tavam lutando contra o mundo, ou que… Isso não era o mais determinante da relação, eles tinham muita coisa pra falar sobre o amor e pouca coisa pra falar sobre as diferenças.
Cris: Eu tava comentando sobre isso, se no dia-a-dia da gente, acho que quando a gente passa por um problema muito sério, ou situações de vida, você acaba focando em resolver, né, em passar aquilo; quem tá de fora, olha e fala: “Ai, coitado.” Mas cara, a pessoa que tá vivendo tem um propósito tão claro que sabe o que que acontece no final? Fica todo mundo com preconceito e a pessoa fica vivendo. É tipo bate e volta. Porque ela simplesmente entende muito rápido que o foco não é isso, o foco é a relação em si, né, o foco é ela investir no que realmente importa; e aí tudo fica muito pequeno, as pessoas em volta, mesmo se for familiar, por mais que tenha uma não plena aceitação, que fica muito claro em todos os casos que a gente viu, é que isso une muito as pessoas. O casal fica muito unido.
Ju: E o que acho interessante é como as histórias que causam identificação também unem a gente de uma outra maneira. Que assim, talvez se eu encontrasse a Isa, usando peruca e seguindo costumes de uma religião super tradicional e que tem costumes antigos, eu diria assim né, eu achasse que eu não tenho nada a ver com essa menina, que né, assim, que nós somos completamente distantes, completamente de outro mundo. E aí quando você escuta essa história, ela é tão sua irmã, ela é tão sua, essa história é tão igual a sua, é tão… vocês têm tão mais em comum do que as coisas que te diferenciam, né?
Cris: É, eu acho que todas as histórias eu consigo me enxergar, pela possibilidade de tê-las vivido. [Ju: Sim.] E isso é muito gostoso. Eu acho que, quando… a ousadia de arriscar, né, alguém dá o primeiro passo, alguém fala: “Me apaixonei.” Alguém fala: “Eu vou convidar.” Alguém diz: “Eu vou jogar a toalha.” [Ju ri] E aí tudo se transforma, o propósito fica maior e rola uma conexão, né, rola uma conexão entre as pessoas de um desejo gigante de querer fazer dar certo, acho que tem frases muito poderosas aqui, com respeito, palavras como prioridade, conexão, intimidade, acho que o fato também de todos terem respondido sem pensar duas vezes. Quando a gente pergunta assim: “Mas o que que é uma coisa legal do relacionamento de vocês?” Dois segundos, surge um: “Ah, um carinho nas costas”. “É uma cosquinha”. “Não ir dormir brigado.” Então, você percebe que é muito verdadeiro, né?
Ju: Sim. Você, Caio?
Caio: É muito fácil, né?
Ju: Você com todo o seu coração peludo.
Caio: É, meu coração tá bem peludo atualmente.
[Risos]
Caio: Mas…
Ju: Você recuperou um pouquinho a fé no amor?
Caio: Um pouco, assim, é que é… Meio o que você falou no começo, dessa questão de que as pessoas que estão de fora, elas são as que mais, na maioria das vezes, são as que mais sentem essas lamúrias, que olha e: “Nossa, tadinhos, eles devem sofrer tanto.” E a pessoa que tá lá, tipo, vivendo: “Foda-se!” Nada acontece.
Ju: “Tadinho não, sou super privilegiado porque eu tô felizão aqui.”
Caio: Sim: “Tô felizão aqui e você taí comendo pipoca e assistindo Netflix.” [Risos] Mas era uma coisa que eu também passei um pouco, no meu último relacionamento, que eu me mudei com a minha ex-mulher pra Manaus. Meio que larguei toda a minha carreira aqui, tudo o que eu tava fazendo e tal e fui pra lá com ela. Infelizmente no meu caso não deu certo, mas ainda assim, todas as reações que eu tinha, tipo: “Cara, cê é louco. Cê tá, você vai largar tudo o que você construiu aqui, toda a tua carreira, as portas que tavam totalmente fechadas pra você e você deu cabeçada até elas abrirem, você vai largar tudo por causa de uma mulher?” As pessoas meio que não entendem que o que elas enxergam como dificuldade, eu enxergava como oportunidade, eu enxergava como sorte, eu falava: “Cara, eu tô com uma pessoa que me faz ver todas essas dificuldades e achar que é tipo whatever!, vambora, vamo morar no meio da floresta!” Então isso que você falou é muito verdadeiro, acho que tipo, quem tá feliz e vivendo aquela situação, por mais que sim, tem as dificuldades do dia-a-dia, elas não sentem tanto essas porradas que quem tá de fora tá: “Nossa, mas vocês devem apanhar tanto!” “Não, a gente só é feliz.”
Ju: [Ri] Felicidade é a melhor paga, né.
Cris: Não, e… Essa pessoa perde mó tempão vivendo a vida do outro e outro tá lá, benzão, felizão. [Ju ri] Tem algumas coisas que a gente vê também como condições semelhantes em todos os relacionamentos, né. A gente vive hoje uma vida tão atribulada e tem tanta coisa pra resolver e tem tanta opção, né? Tem muita opção. Você vê um esforço diário das pessoas pra fazer dar certo.
Ju: É, todos eles têm em comum uma puta afinidade de… todos eles falam assim: “Ah, que que te fez apaixonar?” “Valores. Ela tinha os mesmos valores que eu, ela queria as mesmas coisas que eu.” E todos falam: “A gente… eu entendo muito a diferença entre paixão e amor. Você não escolhe por quem você se apaixona, mas você escolhe quem você ama.” Amor é uma construção. [Caio: Exatamente.] Amor é uma construção diária.
(Bloco 13) 57’09” – 1:10’49”
Ju: Bom, então aqui encerramos as polêmicas polêmicas. E eu queria encerrar com um último caso, que ele é um caso feminazi. Esse caso que eu vou ler agora, essa história linda que eu vou ler agora, eu dedico para todas as minhas amigas que já beijaram a lona, eu dedico pra mim mesma de um tempo atrás, eu dedico pra você que tá num relacionamento de merda, eu disse: Você! Acorde, escute esse caso, especialmente pra minha amiga Clau. Então vamo lá!
[Sobe trilha: Royal – Lorde]
[Desce trilha]
Ju: A história da Lu Bazanella. “Eu me apaixonei loucamente, me joguei numa história que hoje eu vejo que nunca fui plenamente feliz. Foi um relacionamento que sempre tinha uma tensão. Viemos juntos de Porto Alegre pra São Paulo, a gente tava sempre num job. Job de vir pra São Paulo, de se adaptar em São Paulo, principalmente porque eu vim com trabalho tudo certo e ele pra ver no que dava. Passar num doutorado. E aí começamos a brigar muito na fase de adaptação da cidade nova. Eu percebo que fiquei muito isolada, numa coisa que eu me convenci que era linda e romântica e hoje eu vejo que era castradora, uma coisa de medo. Aí entramos num job de família margarina: tá na hora de ter um filho. Eu tava mega workaholic, mas entendi que era a hora, eu ia fazer 33 anos. Claro que não foi como eu imaginava; eu não conseguia engravidar, tive que fazer tratamento. Tenho ovário policístico, o médico logo avisou que sem hormônio demoraria muito tempo. Aí que que a gente faz? Roteiro. Vamos engravidar mês tal. Faz plano de saúde, fica três meses sem tomar pílula usando camisinha pra esperar a carência, tudo planejado, tudo planejado. Tudo como eu achava que tinha que ser. Aí meu pai teve câncer, não tem planilha que dê conta disso. Foi um período muito difícil pra minha família e eu focada no job família doriana e tomando um monte de hormônio e com uma depressão foda. E como toda pessoa que precisa de ajuda, eu achava que não precisava de ajuda. Eu achava que tava seguindo o script. Quando eu ficava triste, pra não desgastar o relacionamento, eu chorava no elevador, me arrumava e entrava em casa. Eu pensava que eu tinha que ser forte, que eu tava fazendo o certo. Hoje eu vejo que não era uma coisa honesta, que eu tava num job, que não parava pra questionar se eu tava feliz ou não. Zero. Às vezes ele parava e falava: ‘Cara, talvez a gente devesse esperar um pouco.’ E eu: [Voz de histérica] ‘Nããão! Tem que ser agora! Tá fora de cogitação.’ Porque isso pra mim era a coisa mais definitiva, então lógico, todo mês que não rolava era aquela choradeira. Fiquei com trauma de fazer teste de gravidez. Sabe aquelas mulheres de novela? O cara tá total em outra e ela esperando ele feliz, com janta em casa, completamente óvni, que tu pensa: “Putz! Que roteirista ruim! Capaz que essa mulher não ia se dar conta, tá ridícula essa cena.” Essa cena era eu. Não fazia a mínima ideia, eu achava que tava no roteiro da família doriana e ele também, só que ele não tava. Eu tava lá tentando dar conta de todas as coisas, dar suporte pra minha família, dar conta do trabalho, dar conta do casamento, do projeto filho, de não enlouquecer tomando cada vez mais hormônios e aí, todo o meu divórcio aconteceu em uma semana. Eu fazendo mil exames, no meio do tratamento, na semana da separação, eu fiz aquele exame super intrusivo e doloroso, pra descobrir se as trompas estão obstruídas, desmaiei de dor, e de repente numa briga, ele vomita de uma vez que tava com outra pessoa e não queria mais nada. Três dias, terror e pânico, entre ele dizer que tínhamos um problema e assumir que tinha outra e ir embora. Bati a bunda no fundo do poço, entrei numa depressão profunda. Não conseguia dormir, não conseguia comer, em um mês emagreci 10 quilos. Eu passava os dias à base de Rivotril. Eu fiquei literalmente desesperada, minha vida acabou. Eu falava pra ele: ‘Fácil pra ti [tu] falar, tu vai sair daqui e vai ter um filho com quem tu quiser. Eu não. Meu prazo acabou.’ O que também não é justo com nenhum homem. Eu vejo que todos esses anos que a gente ficou juntos, eu aceitei coisas que eu não queria pra não criar conflito. Eu não fui sincera com os meus sentimentos, eu não tava feliz. Eu me sentia como se estivesse à beira de um precipício, eu chegava na beira e parava. Criar um conflito era como me atirar no precipício, então parava. Eu era muito apaixonada por ele, mas o nosso relacionamento não me fazia nem um pouco feliz. Eu fui perdendo a minha espontaneidade pra segurar essa onda. Botei nele uma responsabilidade que não era dele, era o meu sonho ter um filho, uma família, eu não fui corajosa de assumir que isso não tava me fazendo feliz. Não tive coragem de romper com a minha expectativa, da sociedade, da família, do mundo. E aí na lona, o tempo inteiro eu pensava: ‘Que que tem de errado comigo? Que que ela tem que eu não tenho? Por que que ele não me amou como eu amei ele? Rejeição braba, acabou. Tudo o que eu sonhei a vida inteira cabou. Eu não vou mais ter uma família, não vou conseguir nunca mais ficar com outra pessoa, impossível, não tem como. Homem não presta. Se com toda energia que eu coloquei nesse casamento não deu certo, não tem como dar. Total falta de esperança.’ Mas…
Caio: Ainda bem que tem mas, gente.
[Risos]
Caio: Nossa, velho, eu tava muito “Aaaaargh”. Cadê o plot twist disso aí, velho? Pelo amor de deus, me oferece um plot twist nisso aê.
Ju: História da minha vida, história da minha vida, hein, galera? “Como já era um fracasso, né? Eu já não tava cumprindo meu papel. Eu me propus a fazer viagens, baladas, passar por um momento de redescoberta. Óbvio que eu tinha crise, né? Sou uma mulher de 35 anos, eu não devia tá aqui, devia tá em casa, com filhos, isso aqui não é o meu lugar, que coisa ridícula, sou uma ridícula. Até que uma amiga veio me visitar em São Paulo e a gente foi numa balada na Augusta. Na porta, um mendigo muito louco parou na minha frente, me encarou, se ajoelhou, tirou uma pulseira e me deu tipo uma oferenda. Nisso eu olho pro lado e tem um cara meio impressionado e a gente começou a conversar. Aí a gente entrou na balada e eu notei alguma coisa estranha. Sabe, festa estranha com gente esquisita? Sabe quando você entrou na balada errada? Putz, acho que só tem gurizada aqui. Olho pro cara e pergunto: ‘Escuta, só tem piá nessa balada? Quantos anos tu tem?’ E ele: ‘Vinte e três.’ [Ju ri] Aí eu dei um grito no fumódromo: ‘Escuta, tem alguém aqui que tem trinta anos ou mais?’ E todo mundo: [Ju faz voz de como se várias pessoas estivessem berrando lá do fundo] ‘Nããão!’ Um filha da puta levanta a voz: ‘Minha mãe tem 37, serve?’
[Risos]
Ju: “Pensei, tô aqui, né. A gente dançou muuuito na pista de dança, o cara veio, me beijou. Achei graça, tirei uma foto e mandei pra todas as minhas amigas: ‘Peguei um guri de 23 anos.’ Tirando muito sarro. Foi daí que eu coloquei um apelido nele: ‘Tu é um puppy! Tu deve até ser virgem!’ Eu falava pra minha amiga na frente dele: ‘Olha, eu ganhei um filhotão!’ [Risos] Bom, como eu pensava ‘Nunca mais vou ver essa cara na minha vida’, quando ele se ofereceu pra me levar em casa, eu aceitei. Quando ele quis subir, eu pensei: ‘Por que não, né?’ Não tinha expectativa nenhuma. Zero. Era uma coisa totalmente focada no momento. Neste momento ele tá sendo legal, querido, educado, tem uma conversa legal, que bom! Amanhã eu não sei. Eu tava literalmente nem aí se ele tava pensando que eu tava pensando, se ele tava pensando, nanana, que que ele tava achando, tava nem aí. Não tava fazendo nada pra agradar, não tinha um roteirinho na minha cabeça. Daí a gente ficou junto e naquela semana meu gato ficou doente e ele foi visitar o meu gato [risos] no hospital, e me mandava foto dizendo que o gato tava bem e eu achando um amor ele cuidando do meu gatinho. Mas tirando pra piá, né? Fofo, porém, piá. Daí ele me liga do hospital dizendo: ‘Oi, Lu! É o Puppy, tudo bem?’” [risos] Se assumiu!
Caio: Ele abraçou.
Ju: Abraçou. “‘É o Puppy, tudo bem? Tô aqui com o Asterix’ e eu vomitei arco-íris! Que que é esse guri, que coisa mais fofa! Uma semana depois ele, que tava estudando gastronomia, me falou: ‘Eu vou fazer um prato pra ti’ e mandou uma foto. Cara, eu me senti de novo aquelas mulheres de novela, pensei: ‘Nunca um homem cozinhou pra mim na vida.’ Na outra semana eu ia pra Itália, à trabalho, e ele se ofereceu pra ficar na minha casa com o gato. Todos os dias ele mandava o vídeo do gato, dele tocando violão com o gato super curtindo a música. E eu derretendo de ternura, pensando: ‘Cara, esse guri é muito ovni’. Mas eu tava muito baqueada. E ele também; tava saindo de um relacionamento muito ruim pra ele. A gente se contava tudo. Sabe aquele papo de revista de fofoca? ‘Não fale do seu ex!’ Nada disso! Eu ligava chorando, descabelada: ‘não consegui dormir’; ele chegava aqui e eu tava com a cara que era uma lua, inchada de tanto chorar. Ele sentava e: ‘Jura? Me conta!’ Tri amigo gay. E também me contava altas histórias trash da ex; coisas que ela falava pra ele, umas coisas horrorosas. E eu ficava passada: ‘Sério? Mesmo?! E aí?’ E a gente se ajudou muito nessa história. É verdade que, desde que nos conhecemos, a gente grudou e nunca mais desgrudou. E quando me dei conta, já fazia três meses que a gente se falava todos os dias, ficava o tempo todo juntos. ‘Ué? Eu tô gostando desse guri! Meu deus do céu, tô fudida!’ Mas eu tava muito num lance de meditar, tentar ser uma pessoa menos ansiosa… cara, olha a porrada que eu levei? Planejei, planejei, planejei e só me fudi. Eu pensava assim: ‘Vou sempre me fazer a pergunta: hoje eu quero estar com ele? Eu quero conversar com ele? Quero que ele esteja do meu lado? Hoje?’ Eu sempre respondia: ‘Sim, eu quero’. Às vezes me vinha um pensamento: ‘Cara, eu tô me boicotando, que que eu tô fazendo com esse guri? Ele nunca vai querer um relacionamento sério. Nem é preocupação de um casamento, mas construir alguma coisa, de estar no mesmo ponto emocional.’ Quando eu falava isso pra ele, ele não entendia: ‘Bah, por que que você tá falando isso? Tamo aqui junto, que bobagem. Que que eu fiz pra tu pensar isso?’ E eu só respondia: ‘Tu nasceu em 1990!’ [Risos] E as coisas foram acontecendo assim, não teve aquele momento ‘Ai, vou apresentar ele pra minha família’. Teve o seguinte: minha irmã veio me visitar e ele disse: ‘Bah, eu quero muito ver uma pessoa que tem a mesma cara que tu, teu sangue, cresceu contigo.’ Não teve aquela coisa de ‘será que estamos no momento de apresentar a família?’ A conversa foi completamente outra. Ele foi conhecendo meus amigos do mesmo jeito. Eu falava das pessoas e de repente ele: ‘Bah, quero conhecer a fulana, vamos marcar’. Eu não ficava questionando se esse era o momento de apresentar pras amigas. Desde o primeiro dia que a gente ficou junto, ele nunca mais ficou com ninguém. E eu também não, mas não falava. Achava que tinha que esconder. Ele não tava nem aí. No final do ano ele já tava praticamente morando na minha casa. Daí eu comecei a pensar: ‘Putz, quando é que eu vou casar? Como é que eu vou ter filho?’. Mas eu pensava: ‘Bom, tô apaixonada por ele, agora não tem mais o que fazer’. Ainda pensei: ‘Ai, ano que vem, quando eu fizer 36, vou sentar com ele, vou conversar sobre engravidar, fazer tratamento’, expliquei pra ele que eu precisava fazer tratamento. Aí eu viajei e pensei: ‘Bah, na volta tenho que conversar com o Puppy, porque a gente tá praticamente morando junto e eu não quero que seja assim, a gente precisa conversar, pra ele se sentir em casa, preciso dar esse espaço conscientemente.’ De novo, planejando, né? Daí eu comecei a ficar mal, não sabia o que é que eu tinha, enjoada, rinite, tontura, nada fechava os sintomas. E uma amiga dizia: ‘tu tá grávida, vai fazer o exame’. E eu dizia: ‘Não vou fazer exame, já fiz exame demais na minha vida. Já chorei muito com aqueles palitinhos de merda!’ Até que nada fechava e eu tive que fazer o exame. E já tava de nove semanas. E aí eu decidi só contar pessoalmente. Tive anos me acostumando com essa ideia, tratamentos, enfim. Pra ele é totalmente outra coisa, ele pode encarar como uma limitação na vida dele. Mas pensei: ‘bom, também não tem mais o que fazer, né?’ Cheguei em casa e soltei na lata: ‘Puppy, senta aqui. Preciso conversar contigo. Tô grávida.’ Ele ficou chocado. Mas logo encarou como uma coisa mágica, um sinal de Deus: ‘Se isso aconteceu, é porque é pra ser.’ Ficou andando de um lado pro outro, repetindo incrédulo: ‘meu deus, meu deus, eu vou ser pai, meu deus!’. De repente ele sentava e chorava e dizia: ‘Anjinho! Deus nos deu uma alma pra gente cuidar!’ E eu me descabelava de chorar. E a conclusão muito lógica na cabeça dele é que eu era a mulher da vida dele; não podia existir outro motivo pra eu ter engravidado. E aí eu fui conhecer os pais dele, assim: ‘Oi, tô grávida!’” [Risos]
Cris: “Olá, prazer. Tô grávida! Esse é seu neto.”
Ju: “E eu achava que os pais dele iam me achar uma maluca, iam achar péssimo, mas eles foram super amorosos comigo, felizes, comemorando, como se estivessem há anos esperando a gente ter um bebê. Pra fechar com chave de ouro, a minha sogra teve a ideia de fazer aquele chá pra revelar o sexo do bebê. Daí todos os amigos e família se animaram, porque era a oportunidade de eles se conhecerem. Minha mãe, minha irmã e a amiga que tava comigo quando nos conhecemos vieram de Porto Alegre. Acabou virando um super evento. Tô lá e de repente, vejo uma movimentação lá fora, escuto a música que tava tocando quando nos conhecemos e vejo uma faixa, segurada pela minha mãe e a madrinha dele: ‘Quer casar comigo?’. Eu já abri um berreiro e vem ele com um buquê de rosas, se ajoelha na minha frente, explodem papeizinhos, ele me pega no colo, me leva pra uma sala que a mãe dele tinha arrumado uma mesa de noivado – eu achei que eu ia parir o Miguel naquela hora – colocou uma aliança no meu dedo, que era da vó dele. Moral da história: eu planejei, planilhei, eu tinha um casamento de cinco anos com um cara que eu acreditava ser o homem da minha vida e deu tudo errado. Beijei a lona, fui pro fundo do poço, na merda, resolvi pelo menos me divertir. Sem roteiro, sem nada, a vida me entregou muito mais do que eu poderia pedir, desejar, e até sonhar. Eu realmente aprendi. Não tenho raiva nenhuma. Viveria três vezes tudo de novo pra viver o que eu tô vivendo hoje. Claro que a gente briga, mas é uma coisa verdadeira, que eu acredito. Às vezes eu me pego tendo esses raciocínios: ‘Ai, não vou falar isso, porque ele não vai gostar.’ Daí eu penso: ‘Gente, é o Puppy. Eu não preciso fazer essa história toda.’”
Cris: Muito lindo!
Caio: Genial!
Cris: É muito linda essa história! É… é muito lindo, eu consigo ver todo esse sentimento, é muito lindo isso. Bom, e esse foi o nosso especial Dia dos Namorados.
Ju: Espero que tenham gostado, espero que tenha sido bom, espero que tenha inspirado vocês. Foi muito bom pra mim, fiquei muito inspirada com essas histórias.
Cris: Caio?
Caio: Foi bom, passou uma gilete no meu coração peludo.
[Risos]
Caio: Eu acredito que a vida pode ser boa de novo, as pessoas podem ser felizes.
Cris: É, eu acho que o que fica dessa conversa toda é: se dê a oportunidade de ser feliz. Olhe pro lado. Olhe pra cima, olhe pra baixo.
Ju: Pare de fazer fucking roteiro! A vida não cabe em roteiro.
Cris: Insista. Eu acho que o amor tá muito mais presente no que a gente se esforça pra superar, do que naquilo que já nos une, né. Isso tá posto, o trabalho é maior.
Ju: Vamos pro Farol Aceso?
Cris: Bora lá!
[Sobe trilha]
[Desce trilha]
(Bloco 14) 1:10’50” – 1:20’43”
Cris: E aí, Caio?
Caio: Então, vamos começar aqui com o meu Farol Aceso, eu quero recomendar pra vocês o autor japonês, o Haruki Murakami, ele é um… uma pessoa muito interessante, eu já li a biografia dele e tal. Ele… Um dos maiores hobbys dele é correr; é correr maratona e todas essas coisas. E quando eu tava no Recife, eu comecei a correr – voltei a correr, me redescobri viciado em corrida – aí falavam: “Porra, você que tá curtindo correr e talz, lê esse livro.” Eu li a biografia primeiro e depois eu fui ler os livros. E eu me apaixonei absurdamente assim, eu acho que é o meu autor favorito atualmente, ele é um cara que já trabalhou em bares e tal, ele foi resolver ser escritor com sei lá, trinta e tantos, sabe: “Ah, acho que eu sei fazer isso.” E foi e testou e é o maior neo… maior autor japonês atualmente. E eu quero recomendar o ”Norwegian Wood”, que é um livro que fala sobre a juventude, que fala sobre relacionamentos, que fala sobre se relacionar com pessoas que têm problemas muito difíceis nas suas vidas e que sofreram perdas e todas essas coisas; e o Murakami escreve de uma maneira que ele fala do real de uma maneira tão apaixonante, que quando eu leio o que ele escreve, eu lembro porque que eu gosto de escrever. Porque eu falo: “um dia eu quero fazer isso”. Então eu acho assim que – principalmente num episódio que a gente falou tanto de relacionamento de tanto de amor e todas essas coisas – o Murakami escreve sobre amor de uma maneira que ao mesmo tempo é extremamente mágica e ao mesmo tempo extremamente trágica. Então, vai ler esperando se desesperar com, sabe, coisas ruins que acontecem e tal, mas ao mesmo tempo se apaixonar por personagens que são absurdamente reais, que você consegue ver o relacionamento deles acontecendo do lado da sua casa. Então, leiam qualquer coisa do Murakami, ele é inacreditável. A maneira com que esse cara fala sobre emoção, sexo e família, todas essas coisas, eu nunca vi ninguém fazer igual.
Cris: Legal. Bom, eu e a Ju vamo dividir o Farol.
Ju: Eu tô muito generosa, gente. Porque eu peguei primeiro, tá? Mas eu tô deixando ela falar.
Cris: Mas a minha primeira indicação tem a ver com a minha experiência pessoal. Não tão recente, mas é alguma coisa que tem me despertado um pouco mais a atenção. A Ju começou o programa brincando que eu tava vindo direto do hospital e, realmente, eu passei um perrengue por esses dias; eu tenho problemas respiratórios que têm piorado com o tempo. E de vez em quando eles têm assustadoramente acontecido com mais frequência. E isso acabou despertando a minha atenção pra uma coisa que a gente pensa que sabe fazer e não sabe, que é respirar. E respirar é um exercício que a gente faz de uma forma inconsciente e deveria fazer de uma forma mais consciente. Eu tenho lido algumas coisas sobre isso e eu recomendo às pessoas a prestar um pouco mais de atenção na respiração: na respiração que ajuda a gente a pensar, porque leva mais oxigênio pro cérebro; na respiração que ajuda a gente a se acalmar, a controlar a ansiedade e não ser só um músculo. É mais do que isso. Respirar é trazer e levar vida pra você mesmo. Então é uma coisa que eu tenho sido obrigada a prestar atenção e eu recomendo que as pessoas não deixem chegar nesse ponto. E vamos dividir? Você quer falar, chateada?
Ju: Não, pode falar. [Risos]
Cris: É que não dá pra deixar ela falar sozinha, porque a gente tá apaixonada por ”Sense8”. Por tudo ali, eu acho.
Ju: A série textão, né?
Cris: É, a série textão. O que que, pra mim, é o… tá, eu ainda não acabei, tá, tô no finzinho. O que que pra mim…
Ju: [Interrompe] Eu não acabei também, tô na metade.
Cris: Loser, tô na sua frente! [Risos] É… a sororidade acaba quando entra série no meio, né? Mas no mundo que a gente tá discutindo consumo compartilhado, que a gente tá começando a despertar pro consumo compartilhado, que na verdade você não precisa comprar tudo, você pode compartilhar, me aparece essa série com conceito de inteligência compartilhada; que qualquer um pode ser super herói se você acessar habilidades de outras pessoas que convivem com você. Então o grande fundamento pra mim, o grande tipo “caralho, que argumento é esse” vem daí. As pessoas – um grupo de pessoas que não se conhecem se conectam por um motivo que não está claro e de repente cê já não tá mais tão interessada assim no motivo, porque você tá interessada em como as conexões vão se fortalecendo e vão fazendo com que essas pessoas expandam mais sua consciência: quem é ela, quem é o outro e que a sociedade, o mundo é muito maior do que as pessoas que ela conhece e convive. Então assim, eu tô super apaixonada por esse tema; os personagens, eu gosto dos personagens, eles são bastante caricatos, porque eles representam regiões do mundo e tudo mais. Tem os excessos. Eu tô me cagando pros excessos, porque eu tô gostando muito, eu me divirto, até Four Non Blondes eu cantei. [Ju ri] Tá, desculpe, cantei, fiquei lá balançando a cabecinha, se eu tivesse um isqueiro eu ia acender. Então assim, eu recomendo a série, porque – e eu entendo a impaciência das pessoas também – porque a gente tá falando de gente; e nem sempre as pessoas estão interessadas em pessoas, né? “Eu tô interessada em ação”; “eu tô interessada em contexto”…
Ju: Mas tem bastante ação, também, né?
Cris: É, eu acho que…
Ju: É que a trama não necessariamente desenrola, mas tem bastante ação.
Caio: O Sense8 é dos Wachowski, né?
Ju: Dos irmãos Wachowski, é.
Caio: Pra Netflix?
Ju: É.
Cris: Ah, tô cagando … não vou mentir que eu comecei a assistir, falei: “vou dar uma última chance a eles!”
Caio: Depois de Speed Racer, vocês me perderam, gente.
[Risos]
Cris: Aí, é… na verdade, o que eu gosto é de ver pess… eu gosto de pessoas. E eu acho que a série traz isso de um jeito bem legal.
Ju: Eu não vou mentir que eu escolho as coisas, porque quem escolhe o que eu vou assistir é o Merigo, todo mundo sabe disso. Eu acho interessante, porque de uma certa maneira, ele fala sobre a solidão que a gente vive hoje. Tá todo mundo fragmentado na sua bolha, então assim, os caras precisam conseguir ajuda do outro lado do mundo, de pessoas que compartilham a inteligência deles, porque, no final do dia, tá cada um sozinho pra resolver os seus problemas. Então fala um pouco sobre isso. Sinceramente, eu não fiquei muito me apegando se o roteiro era tão bom assim, eu não tava… eu achei a ação bem estruturadinha, os ganchos funcionam, você realmente se interessa em saber o que vai acontecer depois, em conhecer as pessoas, em saber quem são as pessoas. Não acho que é uma obra-prima do… sabe, mas achei extremamente divertido, muito bom. Eu sou obrigada a ver com o Merigo um monte de coisa que não é nada divertida, que é job. Assim, é muito legal ver uma coisa que é divertida.
Cris: Um momento ali diferente, eu acho que já é…
Ju: Me entreteve, sabe? Eu tinha vontade de ver o próximo, “não, só mais um, só mais um, só mais um”, sabe? Então assim, talvez não seja a criação mais brilhante do universo, mas cara, eu me diverti. Eu recomendo.
Cris: Não, e assim, a Ju brincou que é a série do textão porque a gente leu algumas críticas também a respeito, tipo, a gente tá bem apaixonadinha, né? Vamos ver qual é que é. E tem gente cagando na série, meu. Mas tipo cagando nível master. E pior: tem gente que nem acabou de assistir a série e já colocou uma crítica fundamentada em veículo de grande circulação. Triste isso.
Ju: É, isso aí o Merigo é bem contra.
Caio: Ainda mais se for pegar coisas como a maneira com que a Netflix distribui esse tipo de conteúdo, que é tipo, “Cara, tó, tá inteiro, tó”. [Ju: Qual é a dificuldade de ver?]
Tipo, assiste!
Ju: Teu trabalho é esse, né? Aliás – parênteses – já teve gente reclamando que a gente usa termos de publicidade, a maioria dos ouvintes não é publicitário. Job é um projeto que a gente recebe. Então quando a gente fala “isso é job”, a gente tá falando que isso é trabalho, que isso é um projeto.
Cris: E a gente faz isso sem querer, pode falar mesmo, toda vez que acontecer, é vício de linguagem.
Ju: É. A minha outra indicação é o livro “Faça Acontecer: Mulheres, Trabalho e a Vontade de Liderar”, que é da Sheryl Sandberg. Ela é executiva do Facebook, é um livro muito legal pra mulheres – não é um livro pra homens; meninos, pulem esse, assistam o Sense8. É um livro pra mulheres, pra gente pensar sobre as nossas escolhas de carreira, sobre as coisas que fazem a gente ser menos eficiente ou menos bem sucedida ou menos feliz no trabalho, enfim. Ela tem provocações bem interessantes, não precisa concordar com tudo. Eu inclusive parei de ler na metade, porque não é um livro pra você… Ele é bem escrito, então daria pra ler numa sentada; mas o objetivo não é esse. Acho que cê tem que ler um capítulo, pensar sobre ele e passar uma semana analisando a sua rotina à luz daquele capítulo, pra depois ler outro capítulo e tal. Eu fiz o propósito de passar a semana não dando nenhuma opinião, a menos que alguém tivesse me perguntado, falhei miseravelmente, não poderei continuar lendo o livro [risos]. Vou ter que refazer o exercício mais uma vez. Mas enfim, eu tô achando o livro super interessante, então taí minha indicação.
Cris: É isso, galera. Muito obrigada pela companhia nesta noite.
Ju: Feliz dia dos namorados pra vocês!
Cris: E brigada, um beijo!
Ju: Tchau, gente.
Caio: Tchau.
[Sobe trilha]