- Cultura 28.out.2017
“Thor: Ragnarok” aposta no humor acima de tudo
Na conclusão da trilogia, o diretor Taika Waititi deixa a seriedade de lado e leva a Marvel de vez para a comédia
⚠️ AVISO: Contém spoilers menores
No universo das grandes produções de Hollywood, alguns diretores desaparecem debaixo do rigoroso controle dos estúdios enquanto outros conseguem imprimir suas assinaturas mesmo em materiais feitos sob encomenda. A primeira categoria é conhecida pela Marvel, uma companhia cujo selo muitas vezes se mostra mais forte do que as pretensões dos realizadores contratados. Já a segunda parece definir exatamente o que a empresa enxergou em Taika Waititi quando o contratou para concluir a trilogia “Thor”.
Lançada no distante ano de 2011, a franquia precisava sofrer uma chacoalhada para se manter de pé. Se as participações em “Os Vingadores” e “A Era de Ultron” ajudaram a construir um herói diferente daquele visto nos filmes solo, com muito menos pompa e circunstância, os curtas lançados pouco depois de “Capitão América: Guerra Civil” trataram de definir o deus nórdico como uma espécie de personagem cômico inserido numa série de ação e aventura.
Em “Team Thor” e sua continuação (veja aqui), os primeiros trabalhos de Waititi na Marvel, seu texto bem-humorado e o ótimo timing cômico de Chris Hemsworth foram colocados a serviço de uma história que cumpria a função de ligar pontas soltas no universo expandido, mas mantinha a diversão do público como objetivo principal. Em “Ragnarok”, essa proposta é levada adiante sem algumas das restrições que frearam outros diretores no passado.
Último lançamento da empresa em um ano marcado pela leveza de “Guardiões da Galáxia Vol. 2” e “Homem-Aranha: De Volta ao Lar”, o filme segue nessa linha e funciona como uma típica comédia desde a cena de abertura. Tudo serve de desculpa para que Waititi insira gags visuais na tela e respostas espirituosas nos diálogos, o que tira o peso de acontecimentos que seriam graves sob outra perspectiva. Apenas o encontro de Odin (Anthony Hopkins) com os filhos, além das interações do protagonista com Heimdall (Idris Elba), mantém uma dose de seriedade.
A grande ameaça é Hela (Cate Blanchett), anunciada como a deusa da morte, decidida a dominar Asgard a qualquer custo e capaz de destruir o martelo do herói logo em sua primeira aparição. Seu poder, no entanto, fica limitado ao flashback de um combate ocorrido séculos antes e aos discursos que ela faz diante dos asgardianos. Quando a trama finalmente exige maior envolvimento da vilã, colocando-a frente a frente com o time de heróis, a direção chega a recuar e sequer mostrar o choque entre inimigos.
Tudo serve de desculpa para que Waititi insira gags visuais na tela e respostas espirituosas nos diálogos
Parte do problema é que “Ragnarok” leva bastante tempo para reunir os personagens centrais. Antes de salvar sua terra-natal, Thor tem que conseguir chegar até lá. Desta forma, boa parte da ação se desenrola em outro planeta, onde ele e Hulk (Mark Ruffalo) são mantidos prisioneiros numa arena de gladiadores. O longa explora os novos cenários com interesse, mas só consegue dar vida a Sakaar quando aproxima a câmera e se concentra em ambientes fechados. Vistos à distância, salvo um detalhe ou outro, tanto o depósito de lixo a céu aberto quanto os edifícios da cidade parecem imagens genéricas retiradas de outras aventuras espaciais.
O diretor tropeça quando “Ragnarok” passa a pedir por grandiosidade
Mesmo assim, é esse o melhor trecho do longa. A mudança de chave é clara: em questão de minutos, passamos da ameaça do fim do mundo às loucuras do líder local, o Grão-Mestre (Jeff Goldblum). Aqui, as principais características de Waititi são aproveitadas, sobretudo quando o roteiro coloca personalidades tão distintas como Thor, Hulk e a estreante Valquíria (Tessa Thompson) para trabalhar em equipe. Bruce Banner, a versão humana da criatura esverdeada, também dá as caras, e seu tom neurótico, o tempo todo preocupado em manter a calma, ajuda a tornar o filme mais divertido e dinâmico.
Nesse segmento aparentemente deslocado da trama, que surge quase como um desvio de percurso, as coisas funcionam melhor graças ainda à trilha sonora de Mark Mothersbaugh (o compositor por trás do insano “Uma Aventura Lego”). Os sintetizadores e a batida constante criam uma atmosfera oitentista que não resulta em uma versão menor das mixtapes de “Guardiões da Galáxia”, mas em um ritmo que deixa toda a construção visual inspirada no quadrinista Jack Kirby ainda mais vibrante.
É também aqui que as sequências de ação começam a se multiplicar. Apesar de nenhuma delas ser capaz de tirar o fôlego do espectador, vale notar que elas ao menos não se repetem à exaustão, variando entre perseguições de naves espaciais, embates de exércitos e lutas corpo a corpo. A variedade permite que novas parcerias se formem, dando contornos diferentes às relações entre os personagens, e serve de base para novas situações cômicas — o salto final do Hulk é o melhor exemplo de cena em que Waititi consegue quebrar as expectativas do público para produzir humor.
Outra vez mais, a ambição de um cineasta novato na empresa acaba sufocada por um roteiro inchado
Embora tenha relativo sucesso na comédia, em parte por fazer um humor minimamente diferente dos demais produtos da Marvel, o diretor tropeça quando “Ragnarok” passa a pedir por grandiosidade. Sua preferência por planos fechados e a dificuldade de criar um senso espacial coerente prejudicam as coreografias das lutas do terço final, que parecem existir apenas para cumprir requisitos do gênero.
O esforço de Waititi para conferir personalidade ao desfecho (um dos desafios recorrentes da Marvel) aparece em diversos momentos, mas ele se complica pela necessidade de resolver uma dúzia de subtramas com ação de grande escala tendo que espalhar piadas pelo caminho sem fazer pausas para respirar. Outra vez mais, infelizmente, a ambição de um cineasta novato na empresa acaba sufocada por um roteiro inchado e uma produção mais preocupada em executar uma fórmula do que em servir ao que existe de original em cada proposta.
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