- Cultura 14.maio.2017
“Alien: Covenant” tem Michael Fassbender como maior trunfo
Ridley Scott mostra evolução em relação a “Prometheus”, mas não consegue assustar como no “Alien” original
⚠️ AVISO: Contém spoilers
Quando “Prometheus” foi lançado, em 2012, as reações passaram longe da unanimidade. O retorno de Ridley Scott ao comando da série “Alien” depois de mais de três décadas, contrariando as expectativas, foi encarado por muitos como um desperdício — um filme que, do título ao ato final, deixava de lado a essência do original. Mais voltado para a ficção científica do que para o terror espacial propriamente dito, o longa parecia se interessar justamente pelos aspectos menos interessantes daquele universo.
Mesmo entre aqueles que enfrentaram dificuldades para embarcar nas pretensões filosóficas do diretor, porém, um aspecto chamava a atenção positivamente. Não se tratava de uma figura de carne e osso como a tenente Ripley (Sigourney Weaver) ou sua sucessora indireta na franquia, Elizabeth Shaw (Noomi Rapace), mas de um androide.
David, vivido por Michael Fassbender e nomeado a partir da estátua de Michelangelo, condensava boa parte das questões espalhadas pelo roteiro sem que seu discurso freasse a trama. Era uma exceção entre os personagens em geral mal desenvolvidos daquele elenco. Além de funcional, pela capacidade de levar adiante os demais tripulantes e mover o público com suas provocações, o robô contava ainda com o trabalho cuidadoso do ator, o mais elogiado em um grupo repleto de nomes importantes.
Ciente disso, Scott decidiu ampliar a participação do personagem em “Alien: Covenant”. Desde a primeira sequência, quando interage brevemente com o homem que lhe deu vida (Guy Pearce) e logo constata a estupidez de sua mania de grandeza, o androide demonstra querer ainda mais do que recebeu no nascimento. Ele, uma criatura, poderia se tornar um criador?
Diferente do que ocorre no antecessor, aqui se oferecem mais respostas para perguntas do tipo, e David é porta-voz de boa parte dessas ideias, embora elas não sejam exatamente o foco no início. Após a curta interação entre o androide e Weyland citada acima, um flashback que serve também de prólogo (há outros dois), o olhar se volta para uma nova equipe de exploradores que, despertada durante um acidente, precisa se encaminhar emergencialmente para um planeta desconhecido.
A atmosfera remete a “Prometheus”, com imagens aéreas do terreno acompanhadas pela trilha sonora de Jed Kurzel servindo para apresentar a arena do inevitável combate. Há um senso de antecipação forte nesse primeiro terço do filme, que se instala principalmente quando os personagens deixam a nave Covenant, construída sem muita personalidade, e chegam ao solo. O mistério funciona: um a um, os personagens são infectados, e a cada passo dado o grupo se aproxima de perigos até então desconhecidos.
Enquanto se aproxima do filme de 1979 pela trama, “Covenant” também conserta os rumos de parte do que não havia funcionado em sua refundação
A nova composição da expedição cria também novas possibilidades. Os tripulantes estão em missão colonizadora e, em sua maioria, formam casais. São, portanto, figuras mais vulneráveis do que os cientistas e soldados que costumavam liderar a franquia, o que facilita a identificação do público quando o terror tem início. Os pares servem ainda para dar mais peso a incidentes individuais: para cada humano em risco existe outro tentando salvá-lo a qualquer custo, e, no limite, para cada morte de um personagem existe a dor genuína de outro em reação.
Colocadas no tabuleiro, as peças fazem sentido. Ao mesmo tempo em que alimenta expectativas sobre o encontro entre homens e aliens num ritmo mais intenso que o do longa anterior, Scott não perde de vista seus questionamentos sobre a origem das criaturas. David novamente passa a ocupar posição de destaque. As interações com o androide Walter, sua versão atualizada e “desumanizada”, também interpretada por Fassbender, são algumas das mais poderosas da produção. Especialmente no trecho em que um deles ensina o outro a tocar flauta, o diretor faz algo raro em sua filmografia recente: deixar que as imagens prevaleçam sobre o discurso falado, por vezes carregado demais.
A capacidade de conciliar a demanda por uma trama mais dinâmica e sua perspectiva mais ampla sobre esse universo, contudo, não exime o realizador de equívocos em outras frentes. Quando precisa colocar suas ideias à prova e mergulhar de vez no jogo de gato e rato que consagrou a série, a direção vacila, e o tão comentado retorno ao horror de “O Oitavo Passageiro” não se concretiza. É possível notar um esforço para tornar os embates mais assustadores (a escuridão, o sangue, o som), mas o filme insiste em anunciar todo e qualquer ataque, registrando em detalhes os momentos que os antecedem.
Se o pecado de “Prometheus” era dar pouco espaço às criaturas, o da continuação é usar a câmera para revelar mais sobre elas do que precisamos saber. Uma vez perdidas essa dúvidas, mesmo o xenomorfo, responsável por aterrorizar gerações de espectadores, se reduz a um monstro qualquer. A rapidez com que ele se move somada à duração dos planos em que aparece torna a ameaça artificial e pouco impressionante. O resultado dessa exposição exagerada dos aliens é um desfecho genérico, que não aproveita as maiores qualidades das partes envolvidas na luta — a superioridade física e o elemento de surpresa, de um lado, e a capacidade de improvisação e o poder de fogo, de outro.
Apesar disso, há motivos espalhados pelo filme para crer que o conjunto continuará evoluindo. Enquanto se aproxima do filme de 1979 pela trama, a franquia também conserta os rumos de parte do que não havia funcionado em sua refundação. “Covenant” prova que ainda falta um longo caminho até lá — mas dá indícios de que conseguir percorrê-lo sem grandes percalços não é um sonho tão distante quanto parecia cinco anos atrás.
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