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“Vida”: ideias ambiciosas não fazem terror espacial decolar

Daniel Espinosa imprime sua marca na direção, mas filme sofre com roteiro irregular e ato final problemático

por Virgílio Souza

⚠️ AVISO: Contém spoilers

É difícil assistir a “Vida” e não pensar em dezenas de filmes semelhantes temática ou visualmente. Trata-se de uma obra original, desvinculada de qualquer franquia ou projeto mais amplo, mas as inspirações e referências saltam aos olhos em vários momentos, como se o filme não recusasse o cânone do gênero. Entre um instante que gera desconfiança quando remete ao imaginário de “Alien, o Oitavo Passageiro” sem muita inspiração e outra que recupera memórias de “O Enigma do Horizonte”, no entanto, o diretor Daniel Espinosa encontra meios de imprimir sua marca no material.

Como em outros thrillers espaciais, é natural que as distintas condições de gravidade desempenhem um papel central na maneira de filmar, manifestando-se em flutuações da câmera e na coreografia adotada pelos personagens, que se movimentam com certa liberdade apesar de confinados a procedimentos e cenários restritos. Em mais de uma ocasião, o eixo se inverte e acompanhamos os eventos de cabeça para baixo, num recurso que pretende causar imersão e certo desconforto. A preocupação com sensações do tipo, que transferem o espectador para aquele contexto, é um dos trunfos do longa.

Há outros truques na manga de Espinosa. Em parceria com Seamus McGarvey, fotógrafo de obras como “Godzilla” e “Os Vingadores”, ele usa a computação gráfica a seu favor, limitando as aparições do alienígena no início para valorizar seu impacto em cena posteriormente, em trechos mais agudos. Vale destacar também o contraste entre o realismo na construção do interior da estação espacial e a expressividade de determinadas sequências, como aquela em que o vermelho das luzes de emergência ganha toda a tela para intensificar o drama.

Apesar de beber de fontes bem claras, sobretudo na forma de conduzir a narrativa, “Vida” oferece uma porção generosa de momentos distintos. Quando lida com sangue pela primeira vez, por exemplo, o filme parte do gore ao poético em questão de segundos. Os golpes são brutais e fazem franzir a testa, mas a morte parece uma pintura, como se nos forçasse a olhar. Aos moldes da criatura marciana, o cineasta tem mais curiosidade do que medo, e isso se manifesta no produto final.

No restante do tempo, quando não testemunha os seguidos ataque ou passeia apressadamente pela nave, a câmera segue um esquema simples, mas eficiente, de plano-contraplano. Uma imagem assustadora, por exemplo, ganha novo peso quando alternada com a reação aterrorizada a ela. É o caso da cena em que Rory (Jake Gyllenhaal) e Kat (Olga Dihovichnaya) estão separados por uma porta, apenas um deles protegido — e, logo sabemos, não por muito tempo.

O estilo consistente não é o único aspecto positivo do longa. De modo inteligente, o roteiro de Rhett Reese e Paul Wernick (de “Zumbilândia” e “Deadpool”) usa os padrões de ação dos astronautas para criar uma dinâmica própria de videogames. Sua estrutura espalha os personagens pela arena, oferece a cada um deles habilidades específicas e, a partir daí, enfileira desafios com regras particulares, como fases de um jogo de sobrevivência. Essa progressão se beneficia do confinamento, dessa natureza “sem saída” da situação. Graças à direção capaz de armar segmentos marcantes individualmente, é perturbador ver cada colega ficar pelo caminho, cada área da nave deixar de ser uma opção, cada alternativa se apresentar mais difícil.

Nossa sobrevivência depende de personagens com os quais nem mesmo conseguimos nos importar — para “Vida”, esse erro acaba sendo fatal

Os problemas aparecem quando o filme decide explorar os efeitos que a vida no espaço tem sobre Miranda (Rebecca Ferguson) e companhia, talvez sua característica mais original, digamos assim. O elenco tem bons nomes, que se esforçam para conferir bagagem ao material, e os tipos escolhidos, organizados como uma família de origens, funções e personalidades variadas, não seguem com tanto rigor as normas do gênero. No entanto, tudo isso fica apenas na superfície, suspenso no ar enquanto a trama se desenrola e o clima de tensão se instaura para retornar no fim, quando já é tarde para se estabelecer qualquer relação mais profunda com qualquer um deles.

Com muito pouco a dizer sobre seus heróis, o filme se complica no ato final. Até ali, as coisas haviam funcionado seguindo uma dinâmica básica de superação de objetivos — uma versão de terror de “Perdido em Marte” nesse sentido. Contudo, antes de se encaminhar para o desfecho da missão, sem dúvidas seu elemento mais importante, o filme muda de curso e produz seus momentos mais fracos: uma conversa melancólica em que os astronautas refletem sobre a vida e uma virada final desnecessária, que subverte de forma gratuita as ideias apresentadas a princípio.

O desfecho desastroso surge cheio de pompa, embalado por um tema musical bastante enfático que parece querer enviar o espectador para casa em choque. Mas a aparência de grandeza não é suficiente para sustentar as decisões dos personagens, tomadas com base no diálogo em que um deles recita um livro infantil enquanto a vida como conhecemos acaba lá fora. No fim da linha, nossa sobrevivência depende de personagens com os quais nem mesmo conseguimos nos importar — para “Vida”, esse erro acaba sendo fatal.

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