- Cultura 3.mar.2017
Violento e implacável, “Logan” faz jus à história de Wolverine
Último filme de Hugh Jackman na pele do herói resolve boa parte dos problemas da franquia
As diferenças entre “Logan” e os demais componentes do seu universo são gritantes. Como se buscasse esse distanciamento, o diretor James Mangold demarca as principais características de seu filme com mãos firmes. O tom, definido em diversas ocasiões como sombrio, se sustenta na forma direta de lidar com a violência em cena e na seriedade das temáticas em jogo, mais adultas do que a média. A estrutura, por sua vez, prefere esquemas típicos do faroeste às conhecidas fórmulas apressadas da maior parte dos longas de super-heróis, o que dita um ritmo particular.
A proposta não é exatamente nova, mas dessa vez seu desenrolar ocorre de maneira mais focada e menos conflituosa em relação aos interesses da 20th Century Fox, estúdio responsável pelo personagem. Curiosamente, é preciso olhar para aquilo que permaneceu no lugar para compreender essa mudança de rumos — e, nesse sentido, a figura de Mangold, novamente no comando, é essencial.
Quando embarcou no episódio anterior da franquia, “Wolverine: Imortal”, o cineasta se deparou com um roteiro que tinha uma ideia central definida (a jornada do herói no Japão) e, a partir daí, tentou manipular os elementos existentes e incorporar sua perspectiva (ele confiava, acima de qualquer coisa, na força da narrativa samurai na história). Algumas de suas marcas acabaram impressas no material, sobretudo na primeira metade da produção, mas o terceiro ato arruinou a coesão de sua proposta por se render aos truques mais básicos do gênero.
“Logan” chega aos cinemas com o poder de resolver grande parte desses problemas. Escrito em colaboração com Scott Frank e Michael Green, o roteiro é assinado também pelo diretor, decidido a narrar o capítulo final como uma obra ao mesmo tempo independente em estilo e capaz de fazer jus ao legado de dezessete anos do personagem no cinema. As duas coisas não se chocam. Ao contrário: valendo-se do esqueleto do western e tendo “Os Brutos Também Amam” como principal referência, Mangold se desvia da necessidade de preencher as lacunas deixadas pela confusa cronologia do universo e consegue aproveitar apenas seu impacto emocional graças ao vínculo estabelecido com o público ao longo de oito filmes.
O Logan do início dos anos 2000 era um nome de destaque, mas fazia parte de filmes com preocupações mais amplas — especialmente os de Bryan Singer. Mais maleável que as demais franquias de heróis e dona de um percurso que se confirmou pouco usual, “X-Men” se apresentou como uma alegoria sobre a discriminação promovida pelos humanos antes que fosse feito um capítulo fechado sobre os efeitos dessa realidade em um dos mutantes. Assim, mesmo que algumas das questões primordiais em torno do Wolverine (Por que ele mata?, por exemplo) estivessem postas desde o início, só agora elas possuem o espaço para serem devidamente exploradas.
Valendo-se do esqueleto do western, James Mangold se desvia da necessidade de preencher as lacunas deixadas pela confusa cronologia do universo
O Logan de 2029 continua sendo um sujeito que enfrenta dificuldades para verbalizar o que sente e o quanto sofre. A diferença, aqui, são as consequências do tempo, que aumentam a gravidade de seu estado e favorecem a economia de explicações. “Coisas ruins acontecem com as pessoas que eu amo”, é como ele se refere aos acontecimentos do passado. Não é preciso dizer muito mais do que isso, e seu rosto envelhecido traz o restante da informação necessária. Após tantas batalhas enfrentadas e amigos perdidos, num contraponto ao desfecho otimista de “Dias de um Futuro Esquecido”, ele aparece à beira da exaustão, e retornar para uma nova missão cada vez mais significa encarar o fim definitivo.
É difícil encontrar uma adaptação capaz de conciliar estilo e estrutura de maneira tão distinta quanto “Logan”
Suas companhias não estão em melhor situação. As condições de saúde de Charles Xavier (Patrick Stewart) são precárias, ao passo que Laura (Dafne Keen) tenta escapar de seus perseguidores, o governo e seu aparato violento. O retorno de um rosto familiar e a adição da jovem ao elenco são suficientes não somente para colocar a trama em movimento, como também para criar dinâmicas únicas na série. Assim, Mangold se esquiva de dois grandes obstáculos de diferentes naturezas: a dependência de Magneto (Michael Fassbender/Ian McKellen), uma sensação crescente no decorrer da franquia dos mutantes, e a dificuldade de trabalhar relações afetivas, comum no gênero como um todo.
Nos momentos em que se volta para a ação, porém, “Logan” não deixa a desejar. Por mais que Mangold não seja dos diretores mais inventivos da categoria, ele demonstra habilidade para utilizar as armas que possui. Os seguidos banhos de sangue justificam a classificação indicativa, oferecendo aos espectadores as explosões de raiva aguardadas por quase duas décadas desde a primeira adaptação dos quadrinhos. Uma sequência, em especial, faz a alucinada participação do herói em “Apocalipse” parecer brincadeira de criança.
Mais significativo: embora exagerada em volume, a violência passa longe de ser gratuita, no sentido de que possui consequências físicas e emocionais para os personagens.
O custo envolvido em lutar aumenta a cada dia. Cada golpe, portanto, é acompanhado de uma expressão de dor, um grunhido ou uma queda. A proximidade com o protagonista faz com que Jackman entenda bem seu aspecto físico, e é recompensador vê-lo interagir com o espaço ao seu redor, derrubando objetos durante uma corrida ou arremessando adversários contra a parede. Sob esse aspecto, importa que o filme tenha pretensões contidas e um escopo menor. O roteiro coloca apenas humanos no caminho de Wolverine, o que concentra os embates no chão e permite que o ator demonstre suas forças e fraquezas em movimento.
Na maior parte do tempo, o longa se desenvolve naturalmente, pausando ocasionalmente para promover reflexões sobre o estado das coisas (das vidas dos mutantes, em geral, e desses mutantes, em específico), por meio de diálogos simples, mas eficientes. Contudo, em certos momentos de calmaria, quando o roteiro demanda explicações para preparar novas situações ou amarrar a trama, Mangold e companhia se entregam a recursos pouco criativos. A sequência que conta a origem de Laura através de um vídeo de celular é um exemplo, assim como a entrada em cena de um vilão redundante que conduz um inimigo mais interessante ao segundo plano.
O ato final sofre um pouco mais com decisões do tipo, mas o peso dramático da resolução, amplificado pelas circunstâncias em que o protagonista é levado a encarar passado e futuro ao mesmo tempo, consegue suportar os desequilíbrios. O sucesso de um filme não pode ser definido somente pelo tom adotado e pela adesão ou não às fórmulas vigentes. De todo modo, parece difícil encontrar uma adaptação do formato capaz de conciliar as duas coisas, seu estilo e sua estrutura, de maneira tão distinta quanto “Logan”.
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