- Cultura 13.jan.2017
“Assassin’s Creed” é uma nova decepção nas adaptações de videogames
Filme estrelado por Michael Fassbender vai em busca do DNA da franquia, mas é incapaz de reproduzir os trunfos do material de origem
Quando “Assassin’s Creed” foi lançado, quase dez anos atrás, os elogios se concentravam em três qualidades do jogo: o visual impressionante, a liberdade de ação e o enredo envolvente. Presentes desde o surgimento da série, esses elementos seriam posteriormente desenvolvidos pela Ubisoft, interessada em explorar, a cada nova viagem no tempo, as diversas possibilidades oferecidas pela premissa e pelas plataformas em questão.
Na transposição para o cinema, a tendência se mantém, ao menos em teoria. O trabalho do diretor Justin Kurzel é uma clara tentativa de preservar essas características originais, esse DNA da franquia, ao mesmo tempo em que imprime uma espécie de assinatura no material. Michael Fassbender, protagonista e produtor, segue na mesma linha quando perguntado sobre a relação entre videogame e filme, assim como os responsáveis pelos direitos da série, também envolvidos na adaptação.
O que se vê em tela é bem mais complicado, capaz de deixar o espectador mais desatento com saudades da simplicidade de produtos como “O Código da Vinci”. Embora o longa se esforce, com pompa e circunstância, para tornar relevantes suas discussões sobre livre arbítrio e violência, os pormenores da trama pouco importam (ou pouco deveriam importar). Seguido a lógica de vários blockbusters recentes, todos os recursos explicativos possíveis são utilizados, a começar pelo letreiro de abertura, que anuncia a existência de um item sagrado e os grupos que se enfrentarão para obtê-lo.
Escrito por Michael Lesslie, Adam Cooper e Bill Collage, o roteiro opta por dividir a ação em dois tempos diferentes: o passado, em que se desdobram os eventos similares aos videogames, e o presente, em que basicamente nada acontece além de ouvirmos reflexões sobre o que acabamos de (ou estamos prestes a) acompanhar. O grande problema da divisão é que os autores elegem os questionamentos vagos de 2016 como foco, em detrimento da ação em 1842, que acaba resumida a flashbacks um tanto convencionais.
A partir daí, o filme se presta a explicar o inexplicável: as motivações da Abstergo, os laços entre corporação e governo, a relação entre violência e liberdade, e a própria origem do protagonista. De alguma maneira, os trechos em que Fassbender interage com a personagem de Marion Cotillard (e ela com o de Jeremy Irons, e ele com a de Charlotte Rampling) fazem com que “Assassin’s Creed” aperte o botão de pausa no jogo e passe a debater o funcionamento do próprio videogame — o que pode até ser interessante sob algum ponto de vista, mas que acaba se tornando apenas entediante à medida que a trama principal dos assassinos avança.
O roteiro elege os questionamentos vagos de 2016 como foco, em detrimento da ação em 1842
Além disso, os diálogos nesse segmento ocorrem apenas em espaços de cores neutras ou diante de telas de computador, e as tentativas de agitar as coisas se apresentam de modos interessantes, mas jamais evoluem. Um exemplo é a sequência em que o protagonista enfrenta uma figura fantasmagórica em um cômodo fechado. Por mais interessante que seja o conceito (e ele realmente é), a execução insiste no que há de mais convencional na indústria. No caso em questão, a montagem usa quase vinte cortes para fazer um personagem se levantar e lutar um simples combate dentro de um quarto de vidro, tornando a ação confusa e se afastando de sua principal referência visual, repleta dos mais atrativos planos-sequência.
Os retornos ao presente durante as lutas anulam toda a fluidez das coreografias
É razoável afirmar que certas soluções são inventivas, como a de transformar a Animus em uma máquina interativa em vez de uma cadeira de repouso (evitando comparações com “Matrix”). Ainda assim, quando nos retiramos do lado mais imersivo da experiência, ou seja, quando saímos do passado para o presente, o entorno parece pálido demais, em certo sentido carente justamente de ação. Na ânsia por explicar tudo, Kurzel transforma um aparato útil para a narrativa, por colocar o personagem em movimento em duas frentes diferentes, em uma distração desnecessária. Os retornos obrigatórios ao presente durante as lutas anulam toda a fluidez das coreografias, desviando a atenção a cada choque, e o recurso se torna contraproducente logo na segunda oportunidade.
Não falta empenho para relacionar as duas tramas, e até é possível destacar alguns desses elos por sua eficiência. Planos como aquele em que o garoto surge pulando pelos telhados da vizinhança, por exemplo, antecipam cenas semelhantes envolvendo o protagonista, adaptadas a novos contextos. A combinação entre essas imagens indica que o salto entre jovem inocente e adulto irrecuperável pode não ser tão grande assim, e oferecem ao protagonista algo mais pelo que lutar.
A mitologia é tratada de maneira superficial, mencionada apenas em conversas ou vista de passagem
Nos momentos em que se volta para Aguilar, nome do antepassado espanhol de Fassbender, a direção alcança voos mais satisfatórios. Kurzel e sua câmera se aproveitam da figura imponente do assassino e mergulham de vez nesse universo do parkour na Idade Média, mesclando detalhes em câmera lenta com planos abertos dos cenários.
Nesse sentido, incomoda apenas que a mitologia seja tratada de maneira tão superficial, mencionada apenas em conversas ou vista de passagem sem que influencie diretamente a ação, sem que a fidelidade a um método se manifeste como o aspecto mais importante das missões. A movimentação cuidadosa e silenciosa, fundamental para o sucesso de um jogador, por exemplo, dá lugar a abordagens nada furtivas, que se valem do contraste entre luz, poeira e fumaça não para ocultar a aproximação, mas somente para criar explosões mais vibrantes.
Em “Macbeth: Ambição e Guerra”, seu trabalho imediatamente anterior, o diretor trazia um tom grave sob todos os ângulos, carregando nas tintas mais escuras e defendendo as particularidades do material de origem. Aqui, a grandiloquência de Shakespeare parece não ter ido embora, mas agora acompanha uma construção visual que não consegue ser tão inventiva quanto as incursões mais profundas de Jaume Collet-Serra no gênero (“Busca Implacável”) nem tão frenética quanto as de Luc Besson (sobretudo “Carga Explosiva”). Tudo aqui está mais para Olivier Megaton, o autor das continuações menos inspiradas das duas franquias citadas, e esse não costuma ser um bom sinal.
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