- Cultura 6.dez.2016
Com excelente episódio de 90 minutos, “Westworld” encerra primeira temporada em grande estilo
Season finale explora o talento de seu elenco, atende as expectativas criadas e consagra o seriado como grande produção da HBO desde o lançamento de “Game of Thrones”
⚠️ AVISO: Contém spoilers
“Westworld” parece ter sido projetada para discussões em artigos e fóruns de internet. A opção de Jonathan e Lisa Joy Nolan é clara: a cada episódio, os criadores alimentam a trama com mistérios, espalham pistas para revelações posteriores e o público dá conta de desenvolver suas teorias a partir daí. Esse formato, que de algum modo segue produções como “Lost”, ainda que com ritmo menos acelerado, carrega vantagens e desvantagens muito particulares.
Embora tenham causado alarde nas redes sociais, as grandes viradas de roteiro das últimas semanas não faziam muito mais do que confirmar especulações já previstas pelos fãs. A sensação de que havia muita hipótese para pouca prática acompanhou vários momentos dessa primeira temporada, como se o seriado insistisse em frear as explosões de seus personagens. Esse é um lado da questão.
Passados os 90 minutos do último capítulo, porém, a avaliação geral aponta em outra direção. Os plot twists, fundamentais para que a série ganhasse fôlego a cada episódio, ganham novos contornos e se mostram capazes de surpreender mesmo o espectador mais atento. O banho de sangue derradeiro, antecipado pela violência intrínseca ao parque, escapa de parecer gratuito e ganha uma motivação essencial que conecta os massacres do passado e do presente. A sensação de que as peças se encaixam (e de uma maneira tão inesperada e bem orquestrada) não apenas é gratificante, uma recompensa merecida após acompanharmos esse universo ser erguido a partir do nada, mas dá novo significado ao que foi apresentado anteriormente.
Os plot twists ganham novos contornos e se mostram capazes de surpreender mesmo o espectador mais atento
Joy entende que não se trata de adivinhar ou não se Bernard é um anfitrião, por exemplo, mas de saber o que acontece a seguir — e isso diz respeito a personagens e emoções. O mundo de “Westworld” ainda parece frio e distante às vezes, muito em função do rigor com que os roteirisitas trabalham suas criaturas e da forma como se prestam a explicar suas tramas em detalhes, geralmente entregando mensagens por meio de monólogos. “The Bicameral Mind” passa longe de se desvincular dessas marcas, mas funciona melhor que qualquer outro episódio da série por finalmente se concentrar no aspecto mais emocional e menos engenhoso dessa tomada de consciência.
“Westworld” não se contenta em oferecer piscadelas para o espectador sem incorporar suas metáforas à narrativa
Nem toda previsão apressada se concretizou, porém. Ao longo da série, o jogo de adivinhações (quem é robô e quem é humano?) se concentrou em figuras específicas e lançou para o segundo plano nosso palpite sobre o uso do gestual como principal indício para as revelações. Cumpriram essa função as dinâmicas entre os personagens, mais uma vez fundadas em diálogos sobre elas próprias. De todo modo, há trechos cruciais do desfecho em que essa vocação para o gesto grandioso se manifesta, sobretudo quando a intenção é alinhar vários tempos diferentes. A montagem é muito inteligente ao usar os cortes da câmera para deslocar os personagens no tempo e no espaço, dando destaque à confusão proporcionada pela aquisição de memórias.
Para uma série em que tudo é simbolismo e todo plano é uma referência, ao menos uma porção generosa deles tem força própria. Felizmente,“Westworld” não se contenta em oferecer piscadelas para o espectador sem incorporar suas metáforas à narrativa. Elementos como as diferentes logomarcas para diferentes épocas ou a espiada em outra galeria do parque servem para apontar caminhos, mas são superados, principalmente no último capítulo, quando florescem de vez os dramas de Ford (Anthony Hopkins), Dolores (Evan Rachel Wood), o Homem de Preto (Ed Harris) e Maeve (Thandie Newton).
Também é interessante notar como o episódio final se arrisca em outros gêneros mesmo que brevemente, fugindo desse esquema controlado de laboratório. Há um trecho de horror, quando Armistice (Ingrid Bolsø Berdal) e Hector (Rodrigo Santoro) se rebelam contra dois cientistas e iniciam sua escapadada, e um de ação propriamente dita, quando soldados confrontam a rebelião. Os dois momentos criam imagens poderosas: criaturas destruindo criadores, corpos humanos armados marchando entre corpos robóticos nus. É digno de elogio, mas uma pena que Nolan, responsável por comandar a conclusão da temporada, não tome caminhos como esses mais vezes. Até em termos de pretensões, seus roteiros são sempre mais arrojados que sua direção.
Hopkins lidera o elenco, claramente mais entregue ao material do que em outros trabalhos recentes
Não significa dizer que seu texto seja exatamente livre. O cineasta parece confortável nesse ambiente controlado, do detalhe que é a chave para tudo, das conexões feitas e acompanhadas passo a passo na frente das câmeras. É curioso vê-lo narrar uma trama de libertação dentro de limites tão delineados, mas tudo faz sentido (e não poderia deixar de fazer) quando a tela se escurece. Essa rebelião supervisionada pode não indicar uma ruptura na carreira de seu realizador, mas ele obtém resultados melhores do que nunca.
Nolan continua interessado no controle, no funcionamento das coisas. Diferente de qualquer outro trabalho assinado por ele, contudo, “Westworld” teve tempo para desenvolver suas relações e preparar situações de maior peso dramático. A direção de atores desempenha um papel importantíssimo nisso, porque cabe aos intérpretes, anfitriões ou não, nos transportar nessa jornada e, no limite, nos fazer olhar para dentro.
Hopkins lidera o elenco, claramente mais entregue ao material do que em outros trabalhos recentes. Além de se beneficiar da estrutura dos diálogos e da já mencionada tendência explicativa dos autores, ele aproveita todas as oportunidades para tomar o controle das cenas mais intensas. Jeffrey Wright e Harris, que costumam acompanhá-lo, se situam bem entre duas personas, o primeiro se beneficiando de interpretar ambas e o segundo, da relação previamente estabelecida entre William (Jimmi Simpson) e Dolores.
A principal personagem feminina do seriado é quem recebe a maior recompensa no fim. Rachel Wood carrega o episódio derradeiro, obtendo agência e conquistando, através de suas decisões, a posição de peça-chave de todo o enigma. Vale notar como Ford não usa a frase que dispara sua reação assassina; é ela quem escolhe agir. A resolução ainda traz como subtexto o desbravamento da fronteira oeste, parte do imaginário norte-americano, e dá a Teddy (James Mardsen) a conclusão para seu destino de herói quase shakespereano (as menções diretas ao dramaturgo inglês existem do primeiro capítulo ao último).
Maeve também consegue encerrar (ao menos temporariamente) sua trajetória realizando uma escolha que, mesmo condicionada, sinaliza uma mudança na essência da personagem. Cheia de nuances, sua aparição final redime a subtrama mais constrangedora da temporada, aquela envolvendo Felix (Leonardo Nam) e Sylvester (Ptolemy Slocum), funcionários desastrados que contrariam toda a noção de vigilância constante que está no coração do parque.
“Westworld” já é a temporada mais vista da história da HBO
Olhando em retrospectiva, toda a conspiração corporativa parece uma distração do passado. As disputas envolvendo Charlotte (Tessa Thompson), Theresa (Sidse Babett Knudsen), Simon (Lee Sizemore) e companhia foram úteis para conhecermos melhor as ideias de Ford (novamenete, para Nolan informação é tudo), mas jamais avançaram em direção a reflexões mais significativas sobre o código-base e a tão sonhada imortalidade.
O que agora pode ser um pouco frustrante, porém, talvez se transforme em temática central para temporadas futuras, dispostas a aprofundar os conceitos explorados nesse segmento inicial. Considerando que “Westworld” está longe de definir um ponto final para seus personagens e questionamentos, tendo se estabelecido como o produto mais acompanhado da HBO desde o lançamento de “Game of Thrones” e prestes a se tornar a temporada mais vista da história da empresa (superando a primeira de “True Detective”), ainda haverá muito o que acompanhar.
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