Transcrição feita por: Lu Machado, Angelica Amaral, Alan Bastos, Andrey Almeida, Fernanda Cappellesso, Ana Cecília Vieira, Henrique Tavares, Luana Rosa, Letícia Lourenço
Vinheta de abertura: Esse podcast é apresentado por B9.com.br
Ju: Bem vindos ao Mamilos, seu espaço de encontro pra escutar opiniões divergentes com respeito e empatia. Abra o coração e a mente. Eu sou a Ju Wallauer e comigo está minha irmã de polêmica.
Cris: Cris Bartis.
Ju: Vamos conversar!
Cris: Caio, a playlist do som do Mamilos, menino está bombando no Spotify. Segundo especialistas está “top lacrante”. Conta pra gente o que você selecionou pra ir morar nessa casinha linda essa semana?
Caio: Olá personas, Corraini aqui novamente pra trazer à vocês os responsáveis por dar mais cor ao Mamilos dessa semana. Lembrando sempre que se você quiser colaborar com o conteúdo musical deste programa pode nos recomendar bandas ou artistas independentes no e-mail [email protected] . E facilita em muito a minha vida se vocês mandarem os links do site oficial do artista ou então onde nós podemos buscar os downloads direto das músicas dele para utilizar no episódio, falando ainda sobre esses belíssimos artistas cujo nosso objetivo aqui é apresentar muitos deles pra vocês, a nossa equipe de xoxomídia do Mamilos arregaçou as manguinhas e fez uma playlist dos Som do Mamilos no Spotify, o link tá no post e eu queria também para mandar um salve para a MC e pro Guilherme pelo corre. Nessa edição nós iremos ouvir o Lineker e antes que você diga, mas, Corraini tanto artista diferente precisando de destaque e tu vai tocar um que já apareceu. Então, nós já tocamos no Mamilos o Liniker com I, hoje nós vamos tocar o Lineker com E, inclusive tem uma reportagem muito boa do El País sobre essa confusão e ambos são super amigos, pois bem o Lineker com E é mineiro e bailarino, cantor, performer e diretor então fiquem aí com Lineker no Som do Mamilos.
[sobe trilha]
…Lá fora faz calor
Tonturas, tremores de paixão
Ventos e hálitos e amor
Medos e dedos que assolam o peito
Cai a tempestade e os corpos se enrolam no lençol
Chove lá fora faz calor
Tonturas, tremores de paixão
Ventos e hálitos e amor
Pernas e braços no tufão violento
Cai a tempestade na noite abafada de verão…
[desce trilha]
Ju: E o beijo para…
Cris: Riacima [risos], eu não consigo falar Rio-Acima MG
Ju: Solange, Otaviano e o pequenino João Otávio
Cris: Zona leste São Paulo, pra Cohab2 – Conjunto José Bonifácio, Guaianases e Cidade Tiradentes.
Ju: Pra Karina Galdino.
Cris: Pra Letícia de São João del Rei – MG
Ju: E pra Vila Velha/ES
Cris: E aquela né, aquela deixa de sempre, Fale com o Mamilos, ainda tem ouvinte que se surpreende que, é muito fofo isso, que a gente responde os emails. Sim pessoas! Nós somos pessoas e respondemos outras pessoas, manda seu e-mail só pra você ver. Então você pode falar com a gente no post do B9 entrar lá colocar seu comentário e abrir as portas das discussões, Facebook, Twitter, Instagram é aquele singelo e-mail fácil de guardar [email protected]
Ju: A Equipe do Mamilos é composta por
Edição e Som do Mamilos – Caio Corraini
Redes sociais – MC e Guilherme Yano
Apoio a pauta – Taty Araujo
Transcrição dos programas é comandada pela Lu Machado com grande equipe.
Cris: se você quiser ajudar com capa, transcrição, pauta, mandar vinho, dar abraço, entra em contato com a gente, que a gente encaminha pra nossa equipe.
[sobe trilha]
A vida cantando
Eu não sou água
Pra me beberes quando tens sede
Prefiro ser um copo de leite
Parte da refeição matinal
[desce trilha]
Ju: Vamos pro fala que eu te escuto e a gente começa com uma errata. No programa passado a gente comentou do caso da Indianara que entrou na justiça por estar sem camisa e nos referimos a ela como “um trans”. O correto seria ter usado o feminino, conforme ela se identifica. Ser tratado com o gênero certo é um direito básico que todo trans deve ter. Obrigada ao ouvinte trans Daniel pelo puxão de orelha com amor.
Cris: Sobre o Burkini, a Marília Ramos escreveu “adorei o programa e o bate papo sobre Burkini. Não apoio de modo algum essas leis francesas, mas tem um contexto francês de laicidade que complica a discussão e que não foi muito abordado. A questão lá é que não se porta símbolos religiosos em público e isso vale para qualquer religião. A religião é algo do domínio privado. Daí a discussão de não usar véu em público. Você também não pode portar crucifixos sobre a roupa, tem que estar escondido, em tese. É claro que tudo isso se mistura ao preconceito e à xenofobia, o que torna a discussão mais complicada. Esse histórico de laicidade vem justamente para afastar o poder que a igreja católica tinha e é de outro contexto mas segue firme com um dos pilares franceses. Não é pura e simples escrotidão, tem histórico aí. De novo, acho que isso se aplica mais aos véus do que ao Burkini. Afinal, o pessoal mencionou os surfistas. Fiquei pensando também nas pessoas que tem alguma doença de pele e não podem tomar sol, mas às vezes vão cobertos para a praia. Como fica?”
Ju: Sobre o Futebol Feminino, o Alex falou “Oi meninas, eu sabia que essa discussão viria a tona. Concordo com muita coisa que foi falada no programa e talvez pareça meio repetitivo mas queria dar a minha opinião sobre o assunto. Existe SIM uma dose de machismo cultural no mundo e devemos lutar contra isso, é óbvio, mas há também uma dose de lógica nas questões esportivas. Não podemos ignorar as diferenças físicas entre um sexo e outro, isso é biológico. Senão não haveria a divisão na natação, atletismo e etc. E por mais que seja um negócio e que renda dinheiro e por isso os homens ganham mais, ainda falta um apoio decente pro futebol feminino, isso também é óbvio. Acho que elas não tem apoio exatamente por ser um negócio. A procura é menor e não vale o investimento, mas concordo que deveria ter mais apoio e também acho que deveriam rever as regras, diminuir o tamanho do campo, das traves e tal… Tem horas que o futebol feminino é difícil de ver. O nível técnico é bem baixo, tem pouca visão de jogo e muita bagunça. Como amante de futebol, não acho muito agradável de ver. Não vou fingir pra ser politicamente correto. É outro jogo. O basquete é parecido. Faltam as enterradas e habilidade atlética. Mas em compensação, no vôlei a diferença é menor, no feminino dá até mais jogo, é melhor. Enfim, paga-se mais porque é onde está o interesse dos patrocinadores. E se está lá é porque o público quer mais daquele produto. Simples como qualquer mercado. Acho que temos por elas o mesmo que temos pelo judô. Um sentimento de “poxa, elas nem tem tanto e…”. O que não quer dizer que adoramos, acompanhamos e que os patrocinadores devem colocar os milhões da CBF ali, porque não faz sentido. Quer apoiar o futebol feminino? Compre um ingresso, vá aos jogos! Acho a discussão válida, mas se você não vai ao estádio ou não contribui financeiramente, ela não vale de nada. O time feminino do Flamengo por exemplo, joga várias partidas com entrada franca e divulgação do clube e só vão meia duzia de torcedores das torcidas organizadas e alguns parentes das atletas, e o resto da maior torcida do país? A Fox Sports transmite o campeonato brasileiro feminino e ninguém assiste, ninguém liga… Ou alguém parou pra ver a Copa do Mundo feminina, comprou camisa e juntou os amigos em casa? Sabemos que não. Culturalmente, por rendimento técnico, questões físicas, tanto faz. Pode ter um pouco de machismo? Pode, mas é a realidade. O futebol feminino não atrai público. As coisas tem um valor estabelecido pela procura, não pelo que nosso ideal socialista acredita”
Cris: eu queria só complementar o que o Ruan Victor falou sobre isso que eu também achei bem interessante que ele falou que por exemplo a goleira da Colômbia tem 1,67, a trave do Maracanã tem 2,44m, a goleira teria que saltar 77 cm para alcançar o travessão. Então ele cita outros parâmetros tipo o tamanho do gol, o tamanho da bola, o peso da bola, a duração do jogo, o tamanho do campo, o que ele cita é que poderiam ser feitas adequações pra melhorar o nível técnico das partidas então é um outro viés né que é adequar o esporte igual por exemplo no vôlei…
Ju: [interrompe] ele chegou a falar sobre isso também né
Cris: no vôlei a rede é mais baixa no vôlei feminino do que no vôlei masculino, então tem adequação de repente é um outro jeito de dar atração pro produto.
Ju: verdade
Cris: sobre Sucesso, na verdade a gente recebeu um caminhão de e-mail essa semana sobre essa pauta, muitas pessoas contando aí o… A vida mesmo e as dificuldades e a gente selecionou um e-mail aqui pra falar sobre isso que é o e-mail da Laiza “ Olá meninas, Primeiramente Fora Temer, segundamente, queria dizer que AMO o Mamilos e que me fez mudar muuuuuuito em vários aspectos, agora sobre o último programa eu não me senti muito confortável com uma colocação a respeito de sucesso. Eu não sou mãe e eu vi a Ju falando que ela mudou bastante depois que teve filho e que isso fez ela entender que a finalidade na vida dela era sustentar aquela criança. Eu achei isso meio depressivo. Eu não estou feliz no meu trabalho pois é um local de fábrica e me sinto confinada dando até mais de 40h da minha semana para algo que eu não sinto muito prazer. Eu tenho que agradecer pois é um bom emprego, eu consigo ajudar meus pais, consigo financiar minhas viagens, mas a sensação de estar desperdiçando a maior parte do meu tempo em algo que está totalmente desconectado do meu eu é muito frustrante. E vejo minhas colegas com filho com muito mais afinco e foco que eu e elas justificam da mesma maneira que a Ju falou, eu me sinto mais sufocada ainda, pois será que somente quando tiver filho, coisa que não está realmente nos meus planos, sentirei prazer no esquema de trabalho que vivo atualmente e onde uma grande parcela da sociedade também vive? Eu entendo que nada é 100% agradável o tempo todo e que muitas pessoas devem se sentir realizadas sim na maternidade, mas eu preciso ter que ter a responsabilidade a mais de criar uma criança para ter mais vontade de ir para um emprego? Eu já tenho pessoas dependendo de mim e eu não sinto prazer algum de fazer todo dia a mesma coisa. Acho que usar o argumento da maternidade, ao menos para as mulheres solteiras que não pretendem ter filho, é mais desolador que consolador.”
Ju: eu quis ler esse e-mail aqui porque eu acho que as vezes o que a gente fala a gente tá falando de uma experiência pessoal e é generalizado como se a gente tivesse falando pra um mundo inteiro né tipo tudo mundo só vai encontrar a felicidade, o sucesso é o significado da vida e da existência quando tiver filho. Eu tava falando de mim, da minha experiência pessoal, tem gente que tem filho e não passa por isso, tem gente que não tem filho e encontra em outras coisa, pra mim funcionou assim agora se você não vai ter filho você vai… a regra é a mesma, pra mim o que mudou a minha vida foi um filho e pra você pode ser a religião, pode ser o futebol, pode ser conhecimento, pode ser escrever um livro, pode ser plantar uma árvore, sei lá o que que vai ser ser… O que acontece é que foi uma experiência marcante na minha vida que me mostrou que o motivo da minha existência era mais do que ter sucesso na carreira, sucesso na carreira passou a ser uma coisa secundária, eu passei a ter um propósito de vida, tem gente que tem propósito de vida de ajudar os outros, um propósito de vida de consertar um problema do mundo sei lá qual é o seu propósito de vida, vá procurar, o meu virou os meus filhos, é isso.
(Bloco 2) 11’ – 20’59”
Cris: É, acho que é “Insira aqui o seu propósito”.
Ju: Eu vou ler o da Isis:
Isis Soares
Esse episódio foi muito legal, especialmente sobre a questão da carreira/trabalho. Me senti aliviada em descobrir q tem mais gente que já percebeu que é doentia a relação que a sociedade mantém em relação à sucesso e trabalho. Concordo com a Cris quando ela diz q sucesso é, na verdade, conseguir manter sua sanidade mental e saúde e não quanto vc tem no banco.
❤️obrigada
Hugo Tosetto
A questão da busca do suce$$o é bem louca. E a relação das pessoas com o trabalho chega a ser doentio em muitos casos. o que deveria ser um meio, se torna o fim. Viram que mais uma vez um pai de família matou seus filhos, esposa e cometeu suicidou após um negócio frustrado? Não é o primeiro caso deste tipo.
É, em São Paulo também teve outro caso essa semana de um pai que no tribunal do trabalho se jogou com o filho porque tinha perdido a causa, enfim… Isso acontece bastante, A gente tem conversado, eu e a Cris, sobre isso e acho que tem uma Teta ai pra gente fazer, bastante sobre como… até uma questão de machismo estrutural, como as expectativas sobre o homem também interferem em saúde mental, também interferem em como a gente lida com o sucesso e com o fracasso e o peso que a gente está carregando, né. A gente deve fazer uma Teta em breve sobre isso também.
[sobe Trilha]
“Onde se diz o que diz, onde se diz o que diz… onde se diz o que diz.”
“Once upon a time when the hot sun faded behind the mountains
The shadow of a strong man, with a gun in his hand
Raised to protect the poor people of the haciendas
They called him El Justiciero
[desce Trilha]
Ju: Vamos pra Teta então gente que a pauta é longa e a gente tem muitos convidados. Primeiros vamos começar apresentando quem está na mesa. Hoje é um programa especial, um crossover do Mamilos com o Xadrez Verbal, a gente está aqui com os dois apresentadores do Xadrez Verbal, com o Filipe. Filipe, se apresente:
Filipe: É pessoal, meu nome é Filipe Figueiredo, segunda vez que estou aqui no Mamilos. Muito obrigado pelo convite. Da primeira vez nem tinha podcast do Xadrez Verbal, só tinha o site e o canal e estou aqui, muito bom estar com vocês de novo.
Cris: Ele saiu daqui tão inspirado gente! Ele contou isso pra gente. Saiu inspirado e “Vou fazer um podcast!”. [Risos]
Ju: E quem mais está na mesa… Matias, se apresente:
Matias:Olá pessoal do Mamilos, eu sou o Matias apresentador do Xadrez Verbal, que fez um convite pro Felipe fazer um podcast. É a primeira vez que eu faço um crossover, então sejam gentis.[Risos]
Ju: A gente sempre pede isso, muito bem. Os mamileiros são muito receptivos. Antes de começar a gente precisa agradecer, agradecer a equipe de transcrição que transcreveu todos os áudios de entrevista que a gente fez em tempo recorde pra gente fazer a pauta. Agradecer o Oga, a Mari, o Zanine e o meu irmão Lucas que nos ajudaram com as fontes. E a todos os entrevistados que foram generosos e compartilharam seu tempo e experiência conosco. Vamos começar então? Sobre o que a gente vai falar que vocês estão curiosíssimos… Vamos falar sobre o conflito na Síria. Há um ano a foto de um menino de três anos morto em uma praia da Turquia comoveu o mundo e pautou o Mamilos 37, se você não ouviu volte lá. Semana passada o vídeo de um menino sobrevivente de um bombardeio aéreo falando que quando morresse ia contar para Deus sobre o seu sofrimento mais uma vez voltou todos os olhares para o conflito na Síria.
Mais de 150 mil pessoas morreram desde o início da guerra. 8.000 crianças. Mais de 4,5 milhões de pessoas fugiram do país desde o início dos conflitos, a maior parte de mulheres e crianças. Além disso 6,5 milhões de pessoas foram deslocadas internamente. Mais da metade dos moradores abandonaram suas casas nos últimos quatro anos. Cidades inteiras ficaram vazias. 70% da população não tem acesso a água adequada para beber, uma em cada 3 pessoas não tem comida suficiente para se alimentar, mais de 2 milhões de crianças estão fora da escola, e 4 em cada 5 pessoas vivem na miséria. Pelo menos 13 países se envolveram em operações militares nos quase cinco anos de conflito. E os tentáculos desse horror transcenderam as fronteiras Sírias atingindo outras nações através dos atentados. Porque falar disso Ju? A gente não tem problemas suficientes no nosso quintal? A gente não tem preocupações mais urgentes, mais próxima? A gente vai apresentar aqui pra vocês algumas coisas sobre esse conflito, o que aconteceu, quais são os autores, quais são as causas, quais são os prognósticos, e a gente volta pra responder essas perguntas.
Cris: Fazendo uma sinopse do que aconteceu uma série de manifestações se iniciam e pressionam um ditador, mas que se perpetua no poder há mais de 40 anos. Como reação a pressão popular o governo criminalizou a oposição, cortando comunicação externa e interna, controlando as notícias e matando qualquer voz dissidente. Uma série de protestos se transforma então em uma guerra civil quando os cidadãos começam a se proteger e a atacar. Uma guerra sem regras, de violações extremas aos direitos humanos, que ganha contornos geopolíticos com superpotências apoiando diferentes lados com rios de dinheiro. Um conflito que depois de 5 anos ameaça obliterar o país a ponto de não ter retorno, sem perspectiva de solução no curto ou mesmo no médio prazo.
Ju: Cris, fala pra gente então um pouco, porque eu já escutei falar de Síria várias vezes. Então eu vejo em noticiários, várias vezes está em manchetes mas é aquilo… entra na pauta no meio de um monte de outras coisas, então são informações perdidas. Eu acho que seria legal se você desse pra gente uma recapitulação de em que momentos a gente já escutou falar sobre a Síria, quais são os pontos… os momentos centrais em que esse conflito ganhou as manchetes.
Cris: Eu acho que principalmente pro brasileiro, né… o Oriente Médio é aquele lugar onde sempre está em guerra. Então é tudo a mesma coisa, né.
Ju: Sim.
Cris: A gente mal sabe a diferença… a Turquia do Iraque, do Afeganistão, da Síria… Então explodiu uma bomba é lá naquele lugar que sempre explode bomba, né. Mas na verdade tem um “flow” ligeiramente claro em como as coisas aconteceram lá. Falando muito por alto, em 2011 começou uma onda de protestos. Isso a gente ouviu falar bastante aqui até porque a gente se apoderou aí desse nome, né. Eles usaram… ficou conhecido lá como “Primavera Árabe” e essa série de protestos aconteceu nesse ano. Aí em 2012 esses protestos foram amplamente reprimidos e acabou estourando em uma Guerra Civil. Uma população que não queria ficar parada e instaurada por outros grupos acabou tornando ali, chegando combates na capital Damasco e ela seguiu se alastrando pelo país. Daí em 2012 surge o Estado Islâmico, esse estado conturbado acaba criando condições para que a Al Qaeda vá do Iraque lá para a Síria e junto com uma outra frente comece ali a se formar o que veio a se tornar o Estado Islâmico. Em 2013 aí acontece a denúncia do uso de armas químicas que gerou um grande burburinho, que de alguma forma todo mundo ouviu falar porque envolveu o nome dos Estados Unidos nesse escândalo. Em 2014 começam os bombardeios contra o Estado Islâmico, é como se o mundo tivesse olhado pra lá e falou “Poxa, tem um inimigo aqui que é realmente perigoso, vamos combatê-lo”. Então começam a entrar essa série de bombardeios que acabam, óbvio, atingindo a população civil também em cheio. Em 2015 o Estado Islâmico, justamente nessa tomada de terror e pra mostrar a força começa a bombardear uma série de cidades históricas e transmitir isso, mesmo pra demonstrar o poderio deles. E em 2015, lá para o meio do ano, aí explode de vez a crise de refugiados. A gente começa a ver aquelas grandes migrações, barcos naufragando, pessoas morrendo, a foto da criança da praia que aí sim, todo mundo viu e se lembra, e chega mais para o final do ano, em novembro de 2015 acontecem os atentados em Paris e o Estado Islâmico assume esses atentados. Então fazendo a cronologia mais macro esse é o “flow” dessa história.
Ju: É porque eles entraram na conversa do dia-a-dia, né. Porque saiu de um conflito que era regional e que era os horrores da guerra mas estavam lá… distantes, e começou a mostrar que essa bagunça ia chegar nos outros países, ia chegar muito… os tentáculos iam chegar no mundo inteiro porque a pretensão dele não era de tomar um território local, né. Então por exemplo: Na guerra Israel x Palestina eles estão lutando por um espaço físico muito definido, não adianta eu dizer “Escuta, exatamente do tamanho desse território que vocês estão brigando tem aqui no Mato Grosso, vocês podem pegar aqui ó… Tocantins vai dar pra vocês aqui…” pra pararem de brigar e chega. Não vai resolver. Porque é aquele espaço e é aquele espaço ali que eles querem, aquele espaço que está em disputa. Não é o caso, a disputa que a gente está vendo aqui ela não se resume, no caso do Estado Islâmico, ela não se resume a um lugar. O que eles querem, dentro do que eles falam mesmo é apressar o Apocalipse.
Filipe: O espaço que eles estão querendo é o mundo.
Ju: O mundo, exatamente.
Cris: É o espaço onde a gente vive, inclusive.
Filipe: Eles não estão se contentando com um território só, né.
Cris: Tem duas grandes causas que fez com que a guerra da Síria parasse de ser ignorada. A primeira é a força ostensiva do Estado Islâmico, quão rápido eles se organizaram e partiram pro ataque e tornaram esse terror tão aparente e a grande migração humana. Ficou impossível ignorar quando você vê todas as semanas milhares de sírios deixando o seu país. Seja pra campos de refugiados seja pra ir para outros países, inclusive o Brasil.
(Bloco 3) 21’ – 30’59”
Ju: Vou puxar um áudio agora de alguém que vai me explicar quem que tá envolvido nesse conflito para a gente começar a aprofundar então, sair dessa visão mais macro e começar a tentar entender o que que aconteceu lá.
Talal: Pode começar? Tá. Então. Eu sou Talal Altinawi (soletra). Eu sou sírio de Damasco, sou engenheiro mecânico mas agora eu trabalho como cozinheiro. Cheguei aqui ao Brasil desde dezembro de 2013 com minha família, esposa e dois filhos. Eu fugi de Síria a causa da guerra. Escolhi o Brasil porque só o Brasil abre portas pra sírios sem documentos. Nos outros países não. quando cheguei aqui depois de um mês e tirei o protocolo, em dois, quatro meses tirei RNE, mas agora eu tenho uma menina brasileira, por isso agora eu tenho permanência. E agora eu posso fazer uma prova pra tirar naturalização. Eu e minha esposa. Mas pra meus filhos, eles não podem agora, ter depois 18 anos. Quando eles têm 18 anos.
Ju: Qual foi a gota d´água pra vocês fugirem?
Talal: A guerra na Síria começou em 15 de março 2011, em Daraa, uma cidade no sul da Síria, depois ela ficou tudo da Síria, toda cidade. Mas pra mim eu morei no centro de Damasco, o centro de Damasco mais ou menos tranquilo, não tem muitas bombas por dia, mas aconteceu uma coisa comigo, por isso deixei Síria, fugi da Síria. Porque eu fui a Beirute com minha família pra tirar uma diploma de inglês da (…) da Inglaterra. Quando voltei em Síria com minha família, a polícia do governo me pegou e entrou na prisão. Porque meu nome igual outra pessoa, o governo da Síria quer ele. Meu nome é Talal, outra pessoa nome dele é Talal, o governo da Síria quer ele. Mas causa da guerra, a situação fica muito complicado, por isso eu fiquei na prisão três meses e meio. Durante esses três meses, uma pessoa que trabalha dentro da prisão fala comigo: ‘Ô Talal, se você quer sair da prisão, o melhor pra você é deixar Síria, porque o governo vai fazer o mesmo errado com você e você vai entrar na prisão de novo. Mas a próxima vez não como agora, fica mais difícil, você vai ficar mais tempo’. Por isso, quando eu saí da prisão e fiquei duas semanas na Síria, pra arrumar minhas coisas, depois eu fugi com minha família pra Beirute. E fiquei em Beirute dez meses, depois que vim aqui ao Brasil. São Paulo.
Ju: Por que que você acha que os conflitos chegaram no ponto em que estão?
Talal: Porque a criança quer situação melhor, quer o presidente fica melhor, mas o governo colocou todas as crianças no prisão. Os pais das crianças falaram com o governo. Governo… Eles, pais na prisão de novo. Depois você sabe, esse cresceu mais rápido, até ficar tudo em Daraa. Governo usa arma, usa essas coisas que militar usa na guerra, em Daraa. Depois ela cresceu, ela ficou em tudo da Síria. Entendeu?
Ju: Vocês não tinham um meio democrático de demonstrar que vocês não queriam mais aquele governo e quando se esgotou a paciência do povo, o povo recorreu às armas. Foi isso, certo?
Talal: Certo. Certo. Certo. Lá na Síria o governo falou, a Síria é democracia. Mas se você não tiver, se você não gostar o presidente, você não pode falar ‘não’. Aqui Brasil é diferente, aqui pessoas tá na rua, ele pode falar não, não tem problema, o governo não usa arma pra falar, pra conversar com o povo, entendeu. Essa é diferente, mas o nome… Aqui tem democracia e lá também tem, o governo falou isso.
Ju: O que você sentia, que é uma coisa que algumas pessoas sentem no Brasil, certo ou errado, é que a democracia ela está corrompida então que pelos meios democráticos, pelo voto, vocês não iam conseguir tirar o presidente. O que se pensa aqui é que pelo voto, exercendo a democracia a gente não vai conseguir mudar quem está no poder. Então, por isso, vocês imaginaram antes, no seu país, que valia a pena pegar em armas. É essa a pergunta que quero te fazer: não existia meio democrático de mudar o jogo.
Talal: Aqui tem democracia mas também o povo não pode mudar o presidente, não pode mudar o governo, essas coisas. Mas o que é diferente, lá, na Síria, você não pode mudar, mas o governo usa arma porque você não pode fazer isso, você não pode falar ‘não’. Aqui você pode, sem problema. Você pode mudar ou não, isso é outra coisa, mas você pode falar não, você pode descer à rua pra falar o que você sentir sobre isso. Sem problema, governo não usa arma. Lá é diferente, lá o governo usa arma, lá governo mata pessoa, é diferente.
Ju: Pensando na Síria, como o governo era violento contra a população, como a população não tinha como mudar o governo, a população cansou da injustiça e pegou em armas. Hoje, cinco anos depois do conflito, vendo tudo o que aconteceu com o país de vocês, você acha que valeu a pena pegar em armas?
Talal: Olha, agora a guerra na Síria mudou. Antes violência de violência, mas agora a guerra na Síria é guerra de dinheiro. Quando, é… Se ainda na Síria tem dinheiro, a guerra vai continuar. Porque tem país que vende armas pra governo, outros países vende arma pra outro lado. Então isso é dinheiro. Então vai continuar. Mas até quando? Eu ou outra pessoa não sabe. Lá na Síria não tem conversa.
Ju: Rapidamente, a gente tem que falar um pouco das consequências desse conflito. Primeiro a questão de refugiados, então eu quero chamar o Marcelo, que foi voluntário num campo de refugiados e vai falar um pouco da experiência dele lá.
Marcelo: Olá, meu nome é Marcelo Viana, ultimamente tenho trabalhado como designer gráfico. Eu estive 7 anos no Oriente Médio, de 2009 até janeiro desse ano, eu morei 4 anos no Líbano e 3 anos no Iraque na região do Curdistão, que fica no norte do país, e o contato que eu tive com os sírios, primeiro no Líbano antes da guerra, contato muito bom, os sírios são pessoas maravilhosas um povo muito hospitaleiro, como é de costume do oriente médio, pessoas de mente muito aberta. Normalmente quando a gente pensa em muçulmanos ou num país muçulmano a gente pensa em pessoas um pouquinho mais fechadas, mas esse não é o caso com a Síria. Era um país muito aberto de pessoas também de mentalidade bem aberta, tolerante e onde cristãos e muçulmanos viviam em harmonia, viviam em paz cada uma cuidando da sua vida e obviamente existem pessoas um pouco mais religiosas um pouquinho mais conservadoras mas normalmente o sírio é considerado normalmente um povo muito aberto pra essa questão de comportamento. Então mesmo sendo muçulmanos, não tão radicais ou nem um pouco radicais, todos viviam em muita alegria na Síria. Eu fui até Damasco umas duas vezes, uma cidade linda maravilhosa, a cultura deles é muito bonita, a comida muito boa e nesses últimos 3 anos, onde eu estive no Iraque, infelizmente eu pude ver esse lado do Sírio pós guerra. Então pessoas muito sofridas, pessoas que passaram por muitos traumas. Realmente aconteceu de pessoas saírem de suas casas sem nada, só com a roupa do corpo viajando por horas, semanas, dias pra tentar achar um lugar de refúgio, muitas delas acabaram indo pro Curdistão, teve uma época onde mais mil pessoas atravessavam a fronteira por dia. Existe um campo de refugiados sírio em Duhok, uma cidade que fica no Curdistão, com mais de 200 mil pessoas, então é uma situação assim muito triste. Essas pessoas acabam morando em barracas. Duas, três famílias dentro de uma barraca e assim, não tem expectativa de reconstruir a vida, né. Algumas conseguem trabalho, outras não. As grandes ONGs trabalham para manter a vida dentro desse campo de refugiados com água, saneamento, escola pras crianças a Unicef consegue construir, então pelo menos essa parte básica assim de sobrevivência de vida as grandes ONGs e a Unicef e a ONU eles conseguem providenciar pras pessoas. Existe um grupo muito grande também de pessoas que acabam não morando nos campos de refugiados, eles acabam indo para prédios abandonados, prédios em construção e esse foi o meu foco maior durante esses três anos. Eu voluntariei em diversas ONGs dentro dos campos de refugiados mas é um trabalho mais difícil porque tudo é pra todas as pessoas são, cada campo de refugiados com mínimo de 10, 15 mil pessoas, então quando a gente faz esse trabalho mais perto de quem está fora fica mais fácil. Então nós abrimos ali uma ONG com os amigos e a gente fazia um trabalho mensal com esses refugiados que moravam em prédios abandonados e em prédios em construção.
Ju: Agora o Guilherme Casarões vai falar pra gente um pouco sobre quem são os atores envolvidos nesse conflito.
(Bloco 4) 31’ – 40’59”
Guilherme: Quando a guerra civil síria começou em março de 2011, muitos analistas tentaram descrevê-lo como um conflito entre uma população oprimida, uma população lutando pela democracia e pelas suas liberdades de um lado e um governo autoritário, um governo opressor do outro. Olhando para a realidade síria, contudo, a gente percebe que a situação é muito mais complexa do que aquela que alguns analistas escreviam no passado, até pra gente poder compreender por quê que o conflito se arrasta por 5 anos tendo deixado 260 mil mortos num nível extremo de violência a gente tem que olhar com cuidado para aquilo que compõe o mosaico sírio pra gente perceber as dinâmicas e as dimensões complexas desse conflito e tentarmos portanto jogar um pouco de luz sobre o que tá acontecendo.
Eu costumo descrever o conflito sírio em três níveis diferentes, tem o nível da sociedade, o nível dos atores domésticos, vamos dizer assim, um nível intermediário e um nível global, e esses três níveis interagem entre si na compreensão do que acontece na realidade síria.
Vamos começar pelo mais básico que é o nível da sociedade síria. Síria é uma sociedade bastante complexa, bastante plural, embora a gente não tenha percebido essa pluralidade até o eclodido conflito em 2011, quem tava observando a Síria com um pouco mais de distância dizia ah a Síria é um país homogêneo, um país que enfim tenta construir uma identidade árabe, uma identidade com algumas feições religiosas mas fortemente secular, né, sobretudo o governo, mas a gente tem que entender que a história da Síria é uma história de uma construção de identidade forçado sobre fronteiras artificiais, até a década de 20 não existia propriamente uma Síria, um povo sírio, na década de 20 você ainda tinha, aliás final dos anos 10 pros anos 20, fim da Primeira Guerra Mundial, havia o Império Otomano com várias regiões administrativas, algumas delas que correspondem à Síria atual e as linhas do mapas aquelas que a gente conhece como Síria foram construídas pela França, que estabeleceu um mandato no fim da Primeira Guerra Mundial, e na medida em que a Síria foi se tornando independente, essas linhas se tornaram a referência, a baliza pra que se tentasse construir uma identidade árabe-síria que a partir dos anos 60 ganhou um forte componente secular, né. Então a religião acabou saindo desse contexto, mas olhando pro mosaico sírio na sociedade local o quê que a gente percebe? Existem muçulmanos sunitas que que compõem setenta e poucos por cento da população 75, existe uma parcela expressiva de xiitas na Síria, em torno de 10%, sendo que as xiitas são sobretudo alauitas, que é um braço, um desdobramento específico do xiismo muito comum na Síria e que é a religião do presidente sírio Bashar Al-Assad e da sua família, que governa o país desde 1970, então embora eles sejam seculares eles pertencem a esse lado xiita, o que explicam alguns alinhamentos internacionais do governo, você tem também drusos, cristãos na Síria do ponto de vista religioso, então um mosaico complexo e há também diferenças étnicas, 90% da Síria é composta por árabes mas também há uma minoria importante de curdos, curdos que também são populações importantes expressivas numericamente na Turquia, no Irã e no Iraque, o que explica também algumas dificuldade de alguns alinhamentos naquele contexto. Nesse nível da sociedade a gente tem basicamente três grandes atores que lutam entre si, há por um lado o governo e os apoiadores do governo do Bashar Al-Assad, que em geral hoje são identificados como as minorias na Síria porque o governo historicamente defendeu as minorias contra uma maioria sunita, então esses são os apoiadores atuais de Bashar Al-Assad, do outro lado você tem a oposição síria largamente identidade com essa maioria sunita há diferentes graus de fundamentalismo religioso entre alguns sectos mais radicais desses sunitas na Síria, inclusive as oposições organizadas, militarizadas que os Estados Unidos apoiam, por exemplo, elas tendem pra um certo radicalismo islâmico, né, como o Exército Livre da Síria ou a Frente al-Nusra, que ganhou uma certa popularidade ano passado em função da sua ligação com a Al-Qaeda, e do outro lado além do governo e dessa oposição há o Estado Islâmico, né, que ganha uma força muito grande também a partir do ano passado, 2014 pra 2015, e que vem tomando territórios importantes na região leste da Síria e vem também chamando atenção da imprensa global.
No segundo nível, na segunda camada a gente tem os atores regionais, sobretudo três são muito importantes, eles lutam uma disputa geopolítica regional e a Síria acaba sendo palco pra sua atuação, que são Arábia Saudita, o Irã e a Turquia. A Turquia tradicionalmente apoiou a oposição síria à Arábia Saudita, também a Arábia Saudita também tem uma relação com o Estado Islâmico que é uma relação de influência ideológica, ambos são salafistas ou wahabitas, como a gente costuma dizer, uma modalidade muito fundamentalista dos sunitas, e o Irã, que é o grande apoiador regional do Bashar Al-Assad, então também em função dessa disputa geopolítica das grandes potências regionais a gente tem um elemento aí adicional no conflito sírio.
Por fim cê tem o nível das grandes potências: a Síria é hoje também é palco de uma disputa geopolítica ampla que até nos faz rememorar a guerra fria entre Estado Unidos da América de um lado e potências ocidentais em geral, sobretudo Reino Unido e França, e do outro lado a Rússia, acompanhada em menor grau pela China, então uma as razões pelas quais no nível multilateral nas Nações Unidas, no seu Conselho de Segurança, o conflito sírio não tem encaminhamento devido é porque um lado, o lado ocidental, americano quer uma intervenção mais dura, quer condenar o governo de maneira ostensiva apoiando essa oposição organizada, e do outro lado a Rússia é acompanhada pela China, apoiam ostensivamente o governo Bashar Al-Assad. Então é exatamente isso que torna o conflito sírio tão tão violento, tão destrutivo e também nos ajuda a entender por quê que vem durando por tanto tempo.
Filipe: Em 2011, a gente tem uma série de protestos na Síria, especialmente na região sul e sudeste da Síria, causados por razões econômicas e geográficas. Nós tivemos um cenário de prolongadas secas nessas regiões, uma região basicamente agrícola. O governo por outros motivos tem que cortar alguns dos subsídios agrícolas. E então várias das famílias, que moram nessas regiões elas passam a ter problemas de abastecimento de alimentos, problemas de renda familiar, começam a sofrer, não vou dizer de miséria mas uma situação de escassez material e de alimento.
Mathias: E acontece um êxodo rural também, muitas dessas populações acabam indo para cidades mais populosas do país.
Filipe: É, mais ao norte, especialmente Aleppo, Damasco e Homs. Com isso nós temos uma série de protestos, que inclusive são inspirados digamos assim de Primavera Árabe, que foram protestos em diversos países do Oriente Médio e no norte da África, que a gente pode entrar depois. Esses protestos foram recebidos com repressão do governo Assad, os articuladores desses protestos começaram a ganhar apoio internacional, por razões inclusive geopolíticas. E aí fazendo um paralelo, porque são coisas sincrônicas (ao mesmo tempo) o governo da Síria desde a década de 1960, ele é um governo muito próximo da ex-União Soviética hoje da Rússia. A base naval de Tartus na Síria é a única Base Naval Russa em águas permanentemente “quentes”, fora do seu território. E na região da Síria, passaria um oleoduto para exportar petróleo dos países do Golfo Pérsico diretamente pro Mediterrâneo, sem precisar escoar essa produção pelo próprio Golfo Pérsico. Sem ter que contornar a península arábica e tudo mais… Com isso diminuindo os custos e aumentando a oferta. O governo Assad era contra isso, até porque pela sua aliança com a Rússia, isso afetaria as exportações de gases de petróleo russos para a Europa. A Rússia é um exportador de commodities, assim como o Brasil também, por exemplo em boa parte. Então nós também temos essa questão de o Assad internacionalmente ele não tinha muito apoio na região e não tinha muito apoio Global, independente de ser ou não o ditador. Como escalada desses protestos, nós temos o elemento que transforma e o que se achava que era apenas manifestações, de fato era uma guerra civil. Que é… (também num efeito sincrônico) o Iraque passa, e passava desde aquele momento, por um cenário de falência estatal. O Iraque também tem violência sectária, entre setores da sociedade, assim como na Síria. E no Iraque, nós temos um agravante, que é: nós tivemos a total expulsão do antigo aparato de Estado do Saddam Hussein. Então agora nós temos militares desempregados que se tornarão mercenários, nós temos generais que se tornarão líderes regionais contra esse governo central Xiita e pró Estados Unidos (muitos deles sunitas). Nós teremos muita gente desempregada, na miséria sendo alvos de ataques terroristas. Então você agora tem uma química absolutamente explosiva, que é: uma população insatisfeita, lideranças com apoio internacional, e armamento (e gente que sabe usar armamento) disponível na região, que vai se aproveitar da situação, para inclusive tomar o poder regional. E aí a gente tem um divisor de águas, que se esses protestos em 2011 pareciam que eram um protesto (movimento interno). A partir de 2013 a gente tem basicamente quatro grandes grupos envolvidos nessa guerra interna: os curdos que vivem no nordeste da Síria e Noroeste do Iraque, e são considerados a maior etnia que não tem o seu Estado nacional, (calcula se que existam cerca de 30 milhões de curdos no mundo). Eles não têm o seu país, que lutavam contra o Saddam Hussein e lutava contra o Assad e luta contra Estado turco, para eles terem o seu próprio país. A chamada Oposição Síria Moderada, que são diversos grupos como o Exército da Síria Livre, Forças Democráticas da Síria, Brigadas de Damasco. Que são forças alimentadas pelos Estados do Golfo Pérsico e pelos Estados Unidos, para supostamente lutar contra o Regime do Assad e instaurar um regime democrático. O próprio regime de Assad, que conta com o apoio russo, apoio do Hezbollah e apoio iraniano. O regime do Assad é um aliado do Irã, por terem um inimigo em comum digamos assim, que seria Israel. Mas mais que isso, por serem dois regimes xiitas, na verdade o regime do Assad é um regime alauíta, que pode ser considerado um ramo do xiismo. E finalmente, o que se convencionou chamar de Estado Islâmico, como eles gostam de se chamar de Estado Islâmico do Iraque e do Levante (Levante é o nome da idade antiga para a região do Líbano, Síria, Jordânia e Israel mais ou menos).
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Filipe: Ou como eles podem ser chamados e a gente até mencionou isso também, né, Daesh em árabe porque eles não gostam desse nome, então já é um antigo pra irritar eles, que pretendem controlar território para a partir desse território, que pra eles é um califado islâmico com al-Baghdadi de líder, o al- Baghdadi que inclusive teria conhecido os líderes da Al-Qaeda na prisão e no Iraque. E que vários dos principais nomes do estado islâmicos são do do ex exército iraquiano do Saddam Hussein do partido Baath, que pretende controlando uma base territorial instaurar uma máquina estatal e a partir dessa base territorial lançar a sua revolução islâmica escatológica, né, lembrando que escatologia tem a ver com apocalipse e não a ver com ir ao banheiro.
[ risos ]
Filipe: Então assim, resumindo bem dá pra dizer mais ou menos isso. A partir do fim de 2014 início de 2015 a presença da Rússia aumenta muito na região, o Obama ele chegou a mandar tropas, mandar drones, mandar dinheiro, mandar muitos suprimentos pra região, porém o apoio Russo foi decisivo, a Rússia entrou com os dois pés no peito e nós temos as três potências regionais também com suas próprias agendas, Irã, aliado do Assad; Arábia Saudita aliada dos grupos islâmicos inclusive…
Matias: [interrompe] Financiadora
Filipe: É, então, assim… Dá pra dizer que 100% de certo modo embora tem muita poucas provas, mas o estado islâmico é alimentado pela Arábia Saudita, se não é mais, o início dele foi graças a Arábia Saudita, né. Tem algumas imagens que são muito icônicas, as primeiras imagens do estado islâmico proclamando seu califado né com a bandeira preta e seus soldados próprios eles usam um uniforme camuflado, uma farda camuflada, não é uma farda que você tropeça na rua e acha, e ela é um modelo idêntico da Arábia Saudita, assim, chega a esse ponto, né. Estamos falando de uma força organizada que usa armas americanas muitas vezes, inclusive eles usam tanques iraquianos capturados e armas americanas muitas vezes, fornecidas pelos estados do Golfo e por isso que naquele meio da Hillary que dizem que podem decidir as eleições americanas que a Hillary teria ciência disso. Que armas americanas vendidas pro Bahrein e Arábia Saudita iam parar na mão do do Estado Islâmico.
Matias: Inclusive o Obama aprovou 500 milhões de dólares em ajuda a esses grupos, né.
Filipe: Sim.
Matias: No…no congresso americano..
Filipe: Teoricamente os grupos moderados.
Matias: É oposição moderada.
Filipe: E finalmente a Turquia cuja agenda principal é combater os curdos. A Turquia também teve relatos de envolvimento com o Estado Islâmico, porque o…o auge do Estado Islâmico no final do ano de 2014 foi quando eles passaram a controlar a região de Mossul, que fica no extremo Norte do Iraque que é uma região muito rica em petróleo. Só que assim não adianta você ter petróleo no seu território, alguém tem que comprar esse petróleo, né. E muito provavelmente a Arábia Saudita lavava esse petróleo, digamos assim, comprava e depois vendia no mercado internacional como se fosse seu. Teve acusações que a Turquia chegou a ser receptora desse petróleo e paradoxo do paradoxo, o regime Assad comprava esse petróleo porque ele precisava do petróleo pra por dentro do tanque que ia atacar esses caras.
Matias: E justamente porque o Estado Islâmico na Síria é muito presente nas reservas de petróleo da Síria. Então o regime Assad não tinha acesso ao seu próprio petróleo.
Filipe: Então resumindo bem e assim pros ouvintes que podem até ter ficado um pouco confuso, acreditem, nós estamos resumindo BEM a coisa.
Ju: Filipe, fala pra gente então, agora que você explicou direitinho, todo mundo que tá envolvido nessa disputa, esse conflito, ele parece mais complexo do que os outros que a gente tá acostumado que claramente a gente consegue, mesmo com alguma ambivalência, escolher um lado. No conflito da Síria é um pouco difícil escolher quem apoiar, não é? Tipo, você quer que a guerra pare normalmente você apoia um dos lados faz esse lado ganhar, a guerra vai parar e você torce para que tudo dê certo. Certo? É o jeito…
Filipe: Mais simples.
Ju: Mais simples. Eu não sei nem se é mais simples [ mais certo =
Filipe: = Mais pragmático.
Ju: [ Mas é o que a gente tem feito…ah, a gente vírgula Estados Unidos tem feito há muitos anos. Mas nesse conflito tá um pouco intrincado, tá difícil escolher um lado, né.
Filipe: É até porque o caso Sírio nessa salada gigantesca é que a gente não tem dois lados, um contra um. A gente tem dentro da Síria, quatro lados. A gente tem na região dá pra resumir em três e a gente tem no mundo mais dois e com as contradições típicas dessa situação muitas vezes. Esse é um dos motivos que o conflito torna Síria ele parece muito intrincado e principalmente ele essa questão que você colocou, né, de escolher um lado se eu tivesse que escolher um lado na guerra da Síria por assim dizer tivesse assim fosse obrigado seria dos Curdos, porque eles é o que me parece, que me parece não, realmente penso isso e falo isso várias vezes no programa Xadrez Verbal, se tem uma bandeira legítima ali é a deles. Se tem uma bandeira que muito clara e objetiva é a deles. A gente quer ter o nosso país, acabou. E os países em volta não querem perder território pra eles. [ É…é =
Ju: [interrompe] Tá. Mas esse país dele seria amigável pra todas as outras etnias que estão na Síria?
Filipe: Não. Seria o país dos curdos, seria o Curdistão.
Ju: Ou seja, eles resolvem um problema, mas e o resto do problema? [ E os outros todos… [ risos ]
Filipe: [= Não, mas…exatamente. Exatamente.
Ju: Eu continuo não resolvendo o problema.
Filipe: E…e aí entra uma questão que é muito importante quando a gente fala da Guerra na Síria que por exemplo, agora a pouco, né, antes do áudio do Casarões que ficou muito feliz de entre aspas de dividir o programa com ele, meu amigo e colega de trabalho, a Cris mencionou a força que o autointitulado Estado Islâmico conseguiu no mundo. Por que ele conseguiu essa força, né? Porque assim, a gente já teve Al-Qaeda que realizou o que muitos consideram o maior ataque terrorista de todos os tempos, vai ter gente que diz que não, que tem gente que diz que Hiroshima foi ataque terrorista, mas enfim, isso é outra discussão. A gente já teve o talibã que dominava um território, dominava um país, um país inteiro, o Afeganistão. E o Afeganistão né ele virou sinônimo de fim de mundo, né, ‘Ah, vai lá pro Afeganistão…’, mas o Afeganistão é uma região do ponto de vista estratégico importantíssimo, une a Ásia Central, a Índia, o Oriente Médio e você tropeçou ali tem alguma coisa preciosa naquele cão, pode ser gás, pode ser xisto, enfim no caso do autointitulado Estado Islâmico eles revolucionaram o uso da internet das redes sociais da mídia como um todo, eles passaram a fazer atos midiáticos então assim, eles vão lá e jogam um homossexual do alto do minarete da mesquita, baseando isso supostamente na condenação que o Alcorão faz aos homossexuais que todos os textos de religiões abraâmicas fazem, mas a partir do momento que você faz uma coisa, entre aspas, espetacular no sentido de ser um espetáculo, se você quiser, assim a Arábia Saudita também executou homossexuais e ninguém vê essas imagens, mas não, eles fazem questão de ser uma coisa bizarra por assim dizer de ser filmada e colocada na internet espalhada por canais na internet, tanto que o Estado Islâmico ele tem a sua própria agência de notícias, eles tem uma revista, eles têm, ironicamente, um podcast, eles tem canais no telegram, e hoje eles têm…
Cris: Só falta falar que eles tem uma agência de publicidade.
[ risos ]
Cris: Que medo..
Filipe: É…é praticamente, praticamente.
Matias: Mas tem relações públicas.
Filipe: É..tem, tem relações… E hoje eles chegam ao ponto de ter… Criaram há dois meses atrás, segundo revelaram alguns briefings de agências de inteligências europeias, uma agência de inteligência própria, como se fosse 007 do agente islâmico, do terrorismo islâmico. Por que? E por que eles tão fazendo isso? E por que a gente não vai esquecer desses caras tão cedo? E aí entra o que você falou, é muito complicados ao mesmo tempo essa complicação faz com que vire um trauma, vire uma cicatriz que não vai passar tão cedo pras outras pessoas que a partir do momento em que o Daesh o auto intitulado né o Estado Islâmico perdeu seu território eles falaram “olha a gente tá perdendo território, tá tomando bomba na cabeça de todo mundo então a gente vai ter que começar a atacar a França a gente vai ter que começar a mandar ataques na Alemanha, no Reino Unido…
Ju: na Bélgica
Matias: e muitas vezes eles reivindicam ataques que nem foram propriamente eles que cometeram mas, porque eles entenderam que essa pressão midiática faz eles ganharem força.
Cris: mas Matias eu queria que você falasse um pouquinho como que esse Estado Islâmico se formou tão rápido e ganhou tanto poder.
Matias: é uma questão de um vácuo de poder em muitas regiões e também a marginalização de setores tanto na Síria quanto no Iraque de populações sunitas porque a gente entra no sectarismo que leva…
Cris: [interrompe] o que que é sectarismo?
Matias: sectarismo é dividir a sociedade de acordo com etnias, religião e no caso o Estado Islâmico ele segue o arrabismo que é uma interpretação radical…
Filipe: não, extremamente radical!
Matias: é, extremamente radical da vertente sunita do islamismo tanto na Síria quanto no Iraque os sunitas passam por um momento de perseguição. Só lembrando que o Saddam Hussein era sunita então com a queda do Saddam os Estados Unidos colocam uma liderança xiita no lugar…
Filipe: [interrompe] e aí veio o troco
Matias: e aí veio o troco. Lembrando também que o Iraque é um país de maioria xiita, enquanto que a Síria é de maioria sunita.
Cris: mas quando as pessoas se veem na rua, dessas diferentes castas que cês tão falando elas se reconhecem?
Filipe: muitas vezes sim, porque às vezes você tem algum…
Cris: [interrompe] dá pra saber se um cara é sunita, xiita?
Filipe: sim porque às vezes
Matias: tem bairros que são estatificados
Filipe: pelo bairro é um exemplo que parece banal justamente essa situação ela é tão particular que ela acaba sendo assim que é você tem os movimentos de um determinado ramo do Islã por exemplo que vão a um determinada mesquita ou num determinado imã por conta disso eles usam alguma coisa que os identifiquem como tal, uma determinada cor em [sua roupa =
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Cris: [Não é vermelho, não?!
Filipe: = Um exemplo ainda no Oriente Médio, mas para sair da questão do Islã, em Israel dependendo do tipo e da cor da quipá, você sabe de qual orientação aquela pessoa é, então por exemplo os que têm a quipá branca com bordado azul são os religiosos nacionalistas, os que usam preto são os ortodoxos [ e por aí vai =
Cris: [É que o fato deles conseguirem se identificar na rua já deve gerar uma tensão gigantesca, né?!
Filipe: = Sim
Matias: Um exemplo no mundo islâmico, no Afeganistão , o Talibã colocava como lei que os homens não podiam fazer a barba, então qualquer um que tava com a barba feita era detido e muitas vezes morto.
Filipe: Aí essa questão… só para retornar a questão que a Ju mencionou de não sabermos escolher um lado, é porque isso acaba sendo um pouco decorrente da visão dos Estados Unidos de conflito, né?!
Matias: Não existe um maniqueísmo aparente no conflito em sírio. Todo mundo é bandido, não tem mocinho não.
Cris: Mas todo mundo é mocinho?
Matias: Não, todo mundo é bandido.
Cris: Mas não tem nenhum mocinho? Não tem ninguém para ser defendido ali?
Matias: Como Filipe falou, a gente tem total solidariedade ao povo curdo, porque inclusive, quando os olhos da comunidade internacional saírem da Síria… porque é uma coisa momentânea, né?! Quando tiver um novo conflito que chamar atenção da sociedade ocidental, os curdos vão continuar esquecidos, vão continuar sem Estado, vão continuar sendo perseguidos e aí por todos os lados, porque eles são de maioria cristã, então são perseguidos por sunitas, xiitas, radicais… então tenho solidariedade aos curdos, inclusive as mulheres curdas que estão pegando em armas também.
Filipe: Algumas das principais tropas da região são de mulheres curdas.
Cris: Inclusive retomaram uma região lá, né?! As próprias mulheres, foram elas que retomaram.
Filipe: Os curdos, os yazidis e os bahais, eles estavam sofrendo, especialmente os yazidis, porque os yazidis eles são pacifistas, eles estavam sofrendo políticas de genocídio por conta do autointitulado Estado Islâmico. E os curdos falaram “olha eles vão chegar aqui querer matar a gente e estuprar nossas mulheres, então todo mundo vai ter que saber dar tiro nesses caras”, então você tem batalhões formados só por mulheres. E essa questão dos Estados Unidos muitas vezes o senso comum diz “Ah, o cara fez história, então ele é comunista e ele tá falando mal dos Estados Unidos”, primeiro que nem comunista eu sou , mas os Estados Unidos pela sua história, por ser um país americano, então ele sempre esteve isolado dos conflitos europeus, o discurso da política externa dos Estados Unidos desde o século XIX é de que a guerra tem que ser por motivos ideológicos, a guerra tem que ser por algo maior, ai esse algo maior muitas vezes é a questão da exportação da democracia ou libertar o povo da tirania, só que esse discurso no Oriente Médio, especialmente do George W. Bush pra cá ele ficou cada vez mais contraditório, porque os Estados Unidos fala “Queremos derrubar o ditador Assad a qualquer custo”… o Assad é um ditador, o Assad é um filho da puta, o Assad não é um cara que eu chamaria pra jantar na minha casa, mas ao mesmo tempo os Estados Unidos são aliados da Arábia Saudita, que financia o movimento dos arrabitas, que é um Estado… que é uma monarquia absolutista, rentista, missionária. É aliado do Bahrein, que na primavera árabe executou 2 mil protestantes, 2 mil manifestantes durante o fim de seman GP de fórmula 1. É aliado atualmente do governo egípcio, da Al-Sisi, sendo que o Egito exemplifica bem a história do que acontece um pouco no Oriente Médio, que é uma disputa entre, aí a gente vai um pouco para o macro, digamos assim, porque o que acontece na Síria é um pouco sintoma disso. O Oriente Médio nos últimos 70 anos desde a descolonização pós 2ª Guerra Mundial ele é marcado por uma disputa de poder entre pan-árabes nacionalistas – que são a favor de estados seculares, de Estados fortes e que a identidade da região é pelo idioma e cultura árabe – e os pan-árabes religiosos – que são representadas principalmente pela irmandade muçulmana fundada em 1922, e a irmandade muçulmana, por exemplo braços da irmandade muçulmana são o Hamas, que não reconhece a existência de Israel, são alguns os grupos da Síria, alguns dos grupos do Iraque e irmandade muçulmana tem refúgio nos estados do Golfo Pérsico também. E no Egito nós tivemos a situação mais peculiar, mais contraditória em relação aos Estados Unidos, foi o seguinte: nós tínhamos um ditador que tinha apoio dos Estados Unidos, o Mubarak, ele é deposto pelos protestos da primavera árabe, nós temos então um presidente, o Mohamed Morsi, eleito pela primeira vez um presidente egípcio eleito por um sufrágio universal aberto, ele é deposto menos de um ano depois do cargo por ser da irmandade muçulmana e teoricamente iria transformar o Egito em um estado islâmico radical. Os Estados Unidos protestam contra essa derrubada, por ele ser um líder democrático – eleito democraticamente -, sendo que depois eles tem que apoiar o Al-Sisi, que é o atual ditador egípcio – general -, que inclusive recentemente o Obama foi ao Cairo retomar essas relações, porque eles veem que essa liderança forte, digamos assim, muitas vezes é necessário no Oriente Médio.
Ju: É melhor um inimigo do que um vácuo de poder que pode dá espaço para um inimigo ainda pior, [sem nome =
Filipe: [Quase isso
Ju: = sem cara e sem freio
Filipe: Só que aí eles usam esse discurso para derrubar o Saddam, para ter problemas com o Irã, para querer derrubar o Assad, e por aí vai. Então é uma questão extremamente contraditória, por isso que com o passar do tempo nós chegamos nessa situação que você mencionou: a gente não sabe mais quem é mocinho e quem é bandido. Início da década de 90.. “O Saddam é o bandidão. Saddam é o bandidão do rolê”, sendo que 5 anos anteriores, quando o Iraque tava em guerra contra o Irã, o Iraque do Saddam Hussein era aliado dos Estados Unidos.
Cris: Eu entendo tudo que vocês falaram sobre os curdos, mas resolver o problema dos curso, não resolve necessariamente o problema da população [síria, dos civis =
Filipe: [Não
Cris: = De tudo o que vocês falaram, o que eu consigo capturar é toda a opressão de estar subjugado ao governo de um [ presidente ditador =
Filipe: [Eles são subjugados a alguém
Cris: = ou então sofrendo as ameaças do estado islâmico.
Matias: Só me corrigindo aqui, a maioria do povo curdo não é cristã. Existem muitos curdos cristãos, mas eles estão divididos entre o iasadanismo, o cristianismo, o judaísmo e também o islamismo.
Cris: O que tô querendo dizer é: resolver o problema dos curdos não resolve – entendo, curdos precisamos resolver o seu problema -, só que isso não resolve o problema dessa grande população que está migrando.
Matias: A gente já pode falar que existe uma geração perdida dentro da [Síria =
Ju: [Exatamente… É isso que a gente vai falar sobre isso, sobre as consequências.
Matias: = Até por conta do êxodo, que a gente tava falando antes da gravação, que quase metade da população Síria abandonou o país e é a maior movimentação humana forçada desde a 2ª Guerra Mundial.
Ju: A gente tá falando de cidades completamente destruídas. A gente tem um áudio do Cauê, que é fotógrafo, que esteve cobrindo o conflito e ele pode falar um pouco sobre o que ele viu na guerra
Cauê: Sempre próximo a uma cidade que foi ocupada pelo Estado Islâmico existe na região um campo de refugiados. É claro que a população tendo que fugir, são obrigados a viver em outro lugar. Muitos desses campos são coordenados por um órgão especial da ONU, que dá algum tipo de estrutura. Mas é, são assim, barracas feitas de lona, lonas de caminhão, não existe calefação, saneamento básico é precário, alimentação, saúde, lazer, tudo isso é bem próximo a talvez uma favela aqui no Brasil. A gente tava lá numa época que tava quente ainda, era verão, então são 30 graus Celsius mais ou menos, só que o inverno é rigoroso lá nessas regiões montanhosas, cheias de pedra, o inverno chega a zero graus lá. Então você imagina quê que é ter que sair fora de sua casa e viver num campo de refugiados em uma barraca, com pouquíssima perspectiva de futuro, ou nenhuma perspectiva de futuro, ter sua vida interrompida, além de ter que lidar com algumas questões do tipo sequestro de familiares na mão do Estado Islâmico. A gente teve uma história aqui de uma família que tiveram cinco mulheres sequestradas pelo Estado Islâmico pra serem escravas sexuais. Histórias que a gente lê na mídia diariamente. Essa família tava recolhendo dinheiro de familiares do campo de refugiado pra tentar comprar essas duas mulheres de volta.
Cris: Vamos ouvir agora Gunther Wallauer, diretor da ONG ADRA, no Oriente Médio:
Gunther: Semana passada estive em Erbil, capital do Curdistão, no Iraque. A ADRA está atendendo 300 crianças por mês, num acampamento chamado Kawergosk que fica aproximadamente a uma hora da cidade de Erbil. Segundo os administradores das Nações Unidas, desse acampamento, estão abrigando 1.800 famílias ou aproximadamente 11 mil pessoas. Há outras organizações também atendendo diferentes necessidades nesse acampamento. E assim há muitas outras pessoas profissionais que perderam tudo na Síria, e agora vivem nesse acampamento esperando uma oportunidade para migrar, para algum país da Europa, Estados Unidos, Canadá, Austrália. E ali estão vivendo por alguns meses, alguns até anos. Nós visitamos também outro acampamento com nome de Dibaga onde pretendemos também iniciar um projeto. É um acampamento de iraquianos, portanto os deslocados internos, que fugiram das suas cidades, a maioria vindo de Moçul que fica a um pouco mais ao Norte desse acampamento. Já ali nós vimos um pouco de desorganização, num prédio que antigamente era uma escola, que está totalmente vazio, sem mobília, só existe a infraestrutura. Desde a entrada, todas as classes, fora no pátio, muitas mulheres com crianças. Pura mulher e criança ali, nesse… na escola. Sentadas no chão e elas falavam pra nós em árabe dizendo que haviam chegado no dia anterior. Não tinham água, não tinham comida. Realmente percebemos poucas crianças comendo alguma coisa, um pão ou um arroz, e a dificuldade é grande. Os homens todos estavam do lado de fora procurando alguma sombra para se abrigar de um sol de 45º. É triste ver tantas pessoas que tinham sua vida normal, sua casa, no seu país na Síria, ou mesmo Iraque, vivendo, ou sobrevivendo como podem.
(Bloco 7) 1:01’00” – 1:10’59”
Ju: O Cauê falou pra gente também um pouquinho sobre a destruição que ele viu das cidades quando ele teve lá na Síria.
Cauê: Outro fato bastante terrível na retomada dessas cidades nessa região, é que essas cidades eram compostas muitas por várias etnias. Então nessas mesmas cidades conviviam cristãos, conviviam árabes, conviviam curdos, e em certa harmonia. Eles viviam juntos há anos. Quando veio o Estado Islâmico pra essas cidades, eles coagiam, por exemplo, as pessoas a tomar uma posição. Então eles chegavam para um árabe e falavam: “você se alia ao Estado Islâmico?”. Se fosse fosse uma negativa provavelmente a pessoa morreria logo ali. Alguns deles, por essa coerção, eles falavam: “Ok, eu me alio ao Estado Islâmico”. No minuto seguinte, eles davam uma metralhadora na mão dele e falavam assim: “Então se você é do Estado islâmico, você vai matar esses seus vizinhos infiéis”. Então muitos deles cometeram assassinatos em nome disso. Alguns árabes assassinaram seus vizinhos também, seus vizinhos cristãos, seus vizinhos curdos. Então uma região que tinha uma certa tolerância entre os povos tá novamente, sabe, com um grande problema. O exército curdo, por exemplo, tem cidades que tem a maioria árabe, que eles não faziam muita questão de invadir. Porque muitas coisas já tinham acontecido nesse meio tempo entre árabes e curdos, entre árabes matando curdos, e que eram vizinhos anteriormente. Então a tolerância que antes existia passa então agora a não existir, passa agora a ser ódio novamente. E o que vai alimentando esse ciclo de guerra, de luta, de ódio. Então Kobani, ela tinha sido dominada pelo Estado Islâmico, e foi retomada pelo exército curdo. Então Kobani é uma cidade que foi totalmente devastada pela artilharia aérea da coalizão. É muito chocante você entrar num bairro inteiro e ver que todas as paredes, todas as paredes e as lajes de todos os edifícios, de bairros inteiros tão sob ruínas. É como se fosse um cenário de demolição sem que eles tivessem tirado os escombros. Acho que talvez o mais parecido disso seja um… terremoto, de grandes proporções. Mas você anda por uma espécie de monumento à intolerância, um monumento à guerra, sabe, ao ar livre, só que só de ruínas. É bastante aterrorizante andar por lá, e perceber que existem pessoas ainda que moram ali em umas casas que estão de pé. Muitos dos curdos que fugiram dessa cidade e atravessaram a fronteira pra Turquia, tão retornando à suas casas. Eles querem viver na sua terra, mesmo que a casa esteja destruída, mesmo que não exista emprego, mesmo que exista um pó fino de concreto no ar, um cheiro estranho de demolição no ar, porque a terra é basicamente tudo que resta a eles assim, sabe. Eles nunca vão se sentir cidadãos dignos morando em outro lugar que não seja a sua própria casa, sabe.
Cris: E aí, existe uma solução?
Filipe: Então, a solução, ela existe. Óbvio, sou eu falando aqui, né, do…
Cris: [interrompe] vamos resolver o problema do mundo, agora!
Filipe: É, não, do refúgio de um estúdio, acompanhado de pessoas inteligentes, em São Paulo, bem longe de qualquer conflito. Inclusive recentemente eu estive nas Colinas de Golã, ainda que teoricamente território sírio ocupado por israel, eu estive há cinco quilômetros, mais ou menos, da fronteira. E a trilha sonora, 24 horas, é bomba. Sim, duas da manhã você ouve bombe, nove manhã você ouve bomba, quatro da tarde você ouve bomba, tudo ali.
Matias: Isso que é no sul da Síria, onde a situação é mais estável.
Filipe: É menos punk, digamos assim.
Matias: É…
Filipe: Mas hoje a gente tem que lidar com uma realidade, que é o seguinte: não existe mais Síria e não existe mais Iraque. São dois estados falidos. A autoridade desses países não tem autoridade sobre todo o território. A população desses países não se reconhece como irmã, como compatriota…
Ju: = [interrompe] [como um povo, um… =
Filipe: [Não reconhece…
Ju: = Tecido social esgarçado a ponto de não existir mais.
Filipe: Exatamente, o termo que você usou é perfeito. O tecido social esgarçado. Não reconhece essas autoridades. Não há um mínimo de condições de vida, né, você mencionou os números do início, né. Estamos falando aqui de abastecimento de água, a coisa mais essencial à vida humana, é escassa nessas regiões. E a solução passa por duas coisas que, se elas acontecerem, pra elas acontecerem, infelizmente a situação tem que piorar mais ainda. Um dos especialistas que eu tive aula em Israel falou exatamente isso. Ele falou: “O Oriente Médio tem solução, só que precisa piorar mais”. Especialmente a questão de Arábia Saudita e Irã. Enquanto a Arábia Saudita e Irã tiverem o poder de determinar as regras de seus vizinhos, não vai ter solução. Mas por que … Qual é a solução então? São duas, duas coisas paralelas, e isso mencionei inclusive no ano passado após os atentados em Paris no Anticast Urgente, com o Ivan. Primeiro, as fronteiras do Oriente Médio, que inclusive é uma coisa que o Casarões comentou, elas foram traçadas a base da régua. O nosso ouvinte pode ficar à vontade para ver as fronteiras da Jordânia, do Iraque, da Síria: elas foram traçados à régua no meio do nada. Então são fronteiras que…
Matias: [interrompe] Após a Primeira Guerra Mundial.
Filipe: Após a Primeira Guerra [Mundial…
Ju: [Arbitrárias, né…
Matias: [Com a dissolução do império Turco-Otomano.
Filipe: Com o tratado Sykes-Picot que fez 100 anos esse ano. Então, o que acontece? No Oriente Médio nós temos uma inversão do processo histórico. Lá a nação veio depois do Estado. Olha, isso daqui é a Síria, vocês aí dentro se virem pra determinar que que é ser Sírio, não importa se aí dentro tem alauita, tem sunita, tem gente que não se bica, tem judeu, tem árabe, tem yazidi, tem curdo, não importa. A delimitação do Estado veio antes do sentimento nacional, coisa que não aconteceu, por exemplo, no continente americano em boa parte.
Matias: A gente pode até falar, né, existem muitos teóricos que dizem que o Estado-nação falhou nessas regiões.
Ju: É muito similar ao que acontece na África, né?
Filipe: Em algumas regiões africanas, sim. Especialmente na África Central.
Ju: [interrompe] Pois é.
Matias: [interrompe] É.
Filipe: Então assim, a primeira questão é: é necessária a rediscussão dessas fronteiras, que foram traçadas por razões econômicas. O Iraque existe porque é nas regiões petrolíferas entre o… na região da antiga Mesopotâmia, entre os rios, que ficava sob domínio britânico, para poder exportar pelo Golfo pérsico. E aqui eu não estou fazendo julgamento de valor, né, não tô colocando os britânicos ou os franceses como os malvadões. Eles fizeram seu interesse na época. Tem um livro muito claro sobre isso, não é, que é “O interesse e a regra”, do embaixador Gibson Barbosa, que é exatamente isso: as nações têm interesses. Então o primeiro passo é esse, essa rediscussão de fronteiras. Só que essa rediscussão de fronteiras, ela só vai ocorrer quando nós tivermos um cenário, que é o que ocorre hoje, só mais generalizado ainda, que é…
Ju: [interrompe] Terra arrasada.
Filipe: Não existem mais fronteiras, né. O Daesh controla território dentro do Iraque, dentro da Síria. Os curdos, a mesma coisa, e por aí vai. A próxima peça de dominó é o Líbano, e isso posso afirmar com toda certeza. A próxima peça do dominó é o Líbano.
Matias: Já passou por uma longa guerra civil.
Filipe: Líbano, vai passar por uma guerra civil muito em breve, com participações de Irã e Israel de Turquia, tá? Tô falando isso em 1º de setembro de 2016, podem me cobrar depois. Segundo, pra essas pessoas que foram pra Europa, que vieram pro Brasil, que foram para os Estados Unidos, que foram para a Jordânia, que foram para os países vizinhos, para elas poderem voltar pro lugar que um dia chamaram de casa, na Síria, precisa ter alguma coisa lá pra elas poderem voltar. E quando nós tivermos outra das maiores catástrofes humanitárias que nós já tivemos na nossa história, que foi a Segunda Guerra Mundial, nós tivemos um fator que é muito importante, que é sempre necessário se lembrado que é Alemanha, França, Itália, Bélgica, Reino Unido não reconstruíram os seus países do nada. Eles tiveram muita ajuda exterior dos Estados Unidos, por meio do chamado Plano Marshall, que era oficialmente o plano reconstrução da Europa. Plano Marshall na sua época totalizou cerca de 13 bilhões de dólares. Calculando isso pra hoje você vai achar valores entre 200 bilhões de dólares e meio trilhão de dólares, dependendo do cálculo de inflação que você usa. O que eu tô querendo dizer é: o Oriente Médio hoje ele precisa de um Plano Marshall próprio. Porque você não tem como construir um Estado-nação onde vai ter terra arrasada porque aí vai todo mundo brigar pelo pouco que têm. E aí de novo, vai ter alguém que vai dominar as fontes de petróleo, vai vender esse petróleo, vai ficar rico, vai virar ditador, vai controlar tudo com mão de ferro, daqui a 40 anos volta 5 casas e começa tudo de novo.
Cris: [interrompe] Vira cíclico…
Matias: Pra trazer um pouco para realidade Sul-americana, um país que passou por um processo similar ao que a gente vê na Síria, com muito menos forças envolvidas, é a Colômbia, que em determinado momento da sua história também era dividido por quatro forças: os paramilitares, as guerrilhas, o narcotráfico e o governo… [oficial =
Ju: [oficial.
Matias: = que tinha sua influência nas grandes cidades, mas na, principalmente na floresta amazônica, era terra sem lei. A Colômbia, desde 1948 vive um período que chama A Violência, que se tudo der certo vai chegar ao final com esse Tratado de Paz agora.
Ju: Sim.
Matias: Mas pra imaginar países como a Colômbia com muito menos forças externas envolvidas…
Cris: [interrompe] E menos riqueza pra entregar também, não? Porque no caso da Síria também é o fato de estar perto de porto, de ter outras riquezas, acho que ainda dificulta mais ainda…
Filipe: [interrompe] A cocaína dá dinheiro também, né.
Cris: É..
(risos)
Matias: É, no mercado paralelo a Colômbia tinha muita riqueza, também. Mas um imaginando país com muito menos forças externas atuando levou mais de… quase 70 anos pra tentar chegar a um acordo de paz, imagina a Síria que também é uma passagem importante do Oriente Médio para Europa. São 800 quilômetros de fronteira com a Turquia, que tem parte do seu território na Europa, não o grosso, mas os refugiados de todo Oriente Médio praticamente passam pela Síria, imagina quanto vai levar. Quanto tempo vai levar.
(Bloco 8) 1:11’00” – 1:26’59”
Ju: Então, mas aí tem um ponto importante que está tocando quando você traz o exemplo da Colômbia foi mais ou menos o que eu tentei perguntar pro meu tio que já teve no conflito de Angola, já teve conflito em Moçambique, já trabalhou no conflito de Ruanda pra mostrar algumas diferenças. Porque, por exemplo, você não teve na Colômbia metade da população saindo do país e porque não teve?
Filipe: Mas a Colômbia tem o maior número de refugiados internos
Ju: sim, que é o mesmo caso de Moçambique e Angola, como a gente tava falando, mas assim, o que acontece, às violações de direitos humanos que estão acontecendo na Síria são um pouco peculiares em relação, por exemplo, ao que aconteceu na Colômbia então assim em 5 anos o nível de horror que você atingiu a gente tá falando de uma coisa diferente eu queria que a gente falasse um pouco sobre isso. Porque isso mostra, tudo bem, os números que a gente deu no início do programa eles mostram a dimensão do problema, mas acho que esse relatório da ONU, que inclusive foi um brasileiro que presidiu essa comissão, eu acho que eles dão um retrato mais vivo do que tá acontecendo lá e de Porque que as pessoas topam o barco onde elas vão morrer e as condições absurdas de campo de refugiado porque que ela saem de qualquer jeito que com a roupa do corpo, sem documentos. Porque que as pessoas estão saindo de lá pagando qualquer preço pra sair de lá e do quê que ela está fugindo e o quê que a gente faz quando está fechando a porta pra essas pessoas. Queria que você falasse um pouquinho desse relatório do quê que tá acontecendo, o que de diferente… Você fala em guerra na nossa cabeça aqui tem algumas regras para a guerra, não é? A guerra não atinge civis… Tem uma série de tratados que a gente convencionou aqui que a gente chama de guerra, esses tratados tão sendo seguidos na Síria?
Filipe: Não, nenhum pouco, até porque quando a gente fala de guerra a gente muitas vezes fala de guerra de um país contra o outro, né? Mas quando a gente fala primeiro Oriente Médio, o patamar vira outro, e só pra deixar claro né, aquela duas soluções que eu mencionei elas são completamente utópicas, elas só vão existir se alguém virar pra mim e falar “Filipe, você Deus, o que cê quer fazer estalando o dedo”
Ju: sim
Filipe: Mas primeiro, o Oriente Médio ele acaba tendo… O Oriente Médio sempre teve conflitos extremamente sangrentos, extremamente violentos e segundo, guerras civis costumam ser extremamente brutais, porque não é mais um objetivo geopolítico, né? Vira é uma questão de ódio, uma questão de meu país seria muito melhor se não fosse por você então a culpa é sua, né, eu tô apontando pra você mas não precisa fazer essa cara, foi só um exemplo. [É…=
Ju: [Então, é pq é muito bom no nosso contexto, dói um pouco mais
Filipe: =Então assim, o único paralelo que a gente pode fazer do barbarismo da guerra na Síria é a guerra na Bósnia, na década de 1990 [90], que, por exemplo, que gerou um tribunal de crimes internacionais próprios e que, por exemplo, é uma das coisas mais bárbaras que a gente teve pós Segunda Guerra Mundial foi a política de genocídio por estupro, né você vai carregar um bebê Sérvio ou um bebê Croata pra limpar, entre aspas, o seu sangue do seu povo, e você vai carregar esse bebê nem que seja à força, não precisamos entrar nos detalhes, isso acontece hoje na Síria esse total barbarismo, esse total desrespeito pelos direitos humanos, essa total coisificação do ser humano, né, o ser humano deixa eu sou um ser humano ele vira uma commodity
Cris: [interrompe] Ele vira quase alvo né
Ju: [interrompe] Ótimo que você ta falando isso, que eu vou falar um depoimento de uma enfermeira, de uma psicóloga de uma ONG que ela ta acostumada a trabalhar em conflito “Eu sou experiente em trauma, eu já trabalhei com paciente de Ruanda, da Bósnia, mas isso é muito diferente, se você tem uma menina de 8 anos na sua frente e ela tá dizendo que ela foi vendida 8 vezes pelo ISIS e estuprada 100 vezes em 10 meses, como a humanidade pode ser tão ruim?”
Filipe: Então
Ju: Assim, o que eu quero dizer é, a guerra nunca foi boa. Nenhum país, por mais civilizado que ele seja, você vai conhecer a face do ser humano na guerra. Então você sabe o ódio que existe entre chinês, japonês e Coreano porque essas guerras também não foram boas. Então quando você fala assim: Ah, porque lá no Oriente Médio quando o pega pra capar é um pega pra capar mesmo
Filipe: sim
Ju: Ah na África não é bonito, no oriental não é bonito, aqui não é bonito, em lugar nenhum. A face humana na guerra, o que a gente mostra na guerra nunca é legal, não tem bonzinho em guerra, porém tem algumas coisas e é por isso que esse relatório foi feito pra mostrar assim, poxa tão fazendo cercos, e aí você deixa uma população inteira sem água, sem comida assim, sistematicamente está sendo feito isso lá, o bombardeio não é feito em alvos militares, que é o que você tava falando, bombardeio nas pessoas, em crianças, mulheres
Filipe: [interrompe] Não existe mais alvo militar
Cris: [interrompe] Não, e também porque não existe sentimento de nação
Filipe: Sim.
Cris: Essa falta de identidade e de razão pra existir em sociedade, eu acho que ela ajuda a construir essa monstruosidade, porque você não reconhece o outro como semelhante.
Filipe: Tem uma frase de um teólogo arrabita que além de não me lembrar o nome, ele não mereceria ter o nome citado, que todo mundo sabe do ódio de vários setores árabes em relação a Israel, em relação aos judeus, não é generalizado, óbvio, mas existe muito muito e tem um teólogo arrabita que disse “Os xiitas são piores que os judeus”, assim, no universo deles isso é uma ofensa gigantesca, é você colocar: olha ele é pior do que aquele animal ali
Matias: [interrompe] são infiéis tbm
Filipe: não, eles são mais do que infiéis, eles são hereges. Então essa coisa que você falou de, ah, eles atacam mulheres e crianças, mas ah, eles são xiitas ou então eles são… Dane-se então eles não são nada, eles são piores ainda, então…E essa coisa da guerra civil, quando a gente fala, por exemplo, das mulheres curdas lutando na guerra, a mulher também pode ser uma combatente então mata também, a criança de hoje é o combatente do futuro então mata também, ou vende, ou tenta aproveitar alguma coisa desse animal.
Ju: É, não, tem alguns documentários muito bons, inclusive eu vou indicar no farol aceso, que mostram ou estado islâmico recrutando jovens de 7 anos, e uma das formas de recrutar é depois de ensinar práticas de guerra não sei o quê o menino pra provar que ele é leal tem que matar o colega de aula que fez aula o tempo inteiro com ele na frente dos outros colegas, então assim, a gente tá falando da barbárie mesmo, sem nenhum limite, né, a gente tá falando que as poucas ONGs internacionais que tentam ajudar não tem acesso a população, elas não podem chegar, então assim, você tem uma uma população famélica, que não tem acesso à água, como você falou, não tem acesso a medicamentos e a ajuda internacional não consegue ter acesso para levar ajuda
Filipe: Os médicos sem fronteiras, toda sexta feira a gente dá notícia de algum hospital do médicos sem fronteiras foi alvo de ataque na Síria ou no Iêmen ou na Somália. E por exemplo, essa coisa do Estado Islâmico, só pra lembrar também hoje ele extrapola a Síria e o Iraque, né, também nós temos o retorno de vários movimentos que aí ou são ligados ao Estado Islâmico ou a Al Qaeda, que são grupos antagônicos entre si.
Ju: Sim
Filipe: Olha só, o nível chegou em que o ódio titulado pelo Estado Islâmico foi considerados radical demais pela Al Qaeda
(risos)
Filipe: Quando a Al Qaeda diz que você é radical [demais=
Matias: [Alguma coisa tá errada (risos)
Filipe: = é porque, cara, o poço tinha um alçapão, entendeu? Então, hoje nós temos questões da Nigéria, Camarões, Somália, [Iêmen=
Matias: [Egito
Filipe: =todos ligados a esse conflito… O Afeganistão, o Talibã voltou a ter muita força no Afeganistão, e essa violência é sectária, por exemplo,
Matias: [interrompe] No Paquistão também
Filipe: Semana retrasada nós tivemos 250 mortos no Afeganistão porque era uma passeata Xiita por uma, e aqui eu não tô falando uma passeata Xiita no sentido de Xiitas são sempre às vítimas, né, não custa lembrar, o regime Iraniano é o regime de maioria Xiita também, por exemplo, as pessoas que mais morrem hoje em relação aos conflitos são árabes muçulmanos. Pra gente chama muita atenção, por exemplo, quando o padre foi, usando um termo que a gente já usou muitas vezes aqui, barbaramente degolado dentro de uma igreja na França as pessoas que mais morrem com esses conflitos são Árabes Muçulmanos.
Ju: Sim
Matias: Esses números já não chamam atenção
Ju: Sim
Matias: Porque virou algo muito corriqueiro, então, fala de um atentado desses na própria Síria, tipo, semana vai semana vem tem um ataque aéreo de forças da coalizão ocidental que mata centenas de civis, isso já passa batido
Filipe: [interrompe] Ou forças da Assad também
Ju: Vou chamar aqui o áudio do Bruno, ele vai falar um pouco do posicionamento do Brasil nesse conflito:
Bruno:“Boa noite! Meu nome é Bruno Rizzi Rezende, sou o terceiro secretário da Embaixada do Brasil em Damasco e chefe do setor consular da mesma embaixada. Ao contrário do que muita gente acredita, a Embaixada do Brasil em Damasco segue aberta, até tanto diplomatas e pessoal do serviço exterior foi evacuado pra Beirute em 2012, devido ao conflito que se aproximava muito da embaixada na época, mas a gente seguiu indo pra Damasco e hoje em dia a gente está sempre lá. Recentemente reabrimos nosso setor consular em Damasco, estamos operando lá. Os nossos funcionários locais sempre tavam dando expediente lá e a bandeira do Brasil seguiu hasteada na embaixada do Brasil em Damasco. Contudo nós rebaixamos as nossas relações com o governo sírio. Hoje em dia temos apenas o encarregado de negócios lá em vez de um embaixador pleno, a Síria também fez o mesmo com o Brasil, mas seguimos reconhecendo o governo sírio e dialogando com ele. A posição brasileira, no conflito sírio diria aqui, o Brasil não é um dos atores de maior influência no conflito, já tem algum tempo o Brasil seguindo talvez uma espécie de retração, da sua ação internacional, devido às crises, momento turbulento pelo que passa o Brasil. O Brasil não tomou a iniciativa de se tentar mediar ou influenciar muito o conflito sírio. Atores internacionais que são muito mais relevantes, começando pelas grandes potências como Estados Unidos e Rússia, e também os atores regionais Turquia, Irã, Arábia Saudita e talvez nos bastidores Israel e a própria Síria, é claro, o governo sírio. Então o Brasil passa a ser um ator de menor influência, mas que ainda assim, por ser um país emergente, tem uma voz que é ouvida. Nós seguimos em posições de princípios, sobretudo. Devida essa retração de ação internacional, o Brasil não tomou nenhum dos dois lados como grande força. Segue tomando posições de princípios, como a condenação da violação dos Direitos Humanos, a promoção do diálogo entre as partes, segue afirmando que a solução do conflito deve ser feita pelo próprio povo sírio, segue apoiando os esforços dos mediadores da ONU, apoiando qualquer tipo de esforço de diálogo, de plano de paz multilateral que preserve as Instituições dos Estado Sírio, condenando as violações dos Direitos Humanos, como eu disse, e condenando as intervenções externas, que são as diretrizes da ação externa do governo brasileiro de acordo como definidas na Constituição.”
Ju: Vou chamar, então, o João Fellet, ele vai falar um pouco sobre como o Brasil tá acolhendo os refugiados, como mudou a política de acolhimento dos refugiados pelo Brasil:
João:“Olá meu nome é João Fellet, eu sou repórter da BBC Brasil em Washington nos Estados Unidos e eu tomei conhecimento da questão dos refugiados sírios no Brasil a partir de 2013 quando eu fiz uma reportagem sobre a dificuldade que alguns deles enfrentavam pra chegar ao país. Eu visitei algumas lojas ali na região do Brás em São Paulo onde há muitos comerciantes de origem árabe e ouvi de alguns sírios que tentavam trazer parentes e amigos que tavam presos na guerra na Síria pro Brasil e não conseguiam, diziam que havia muitas dificuldades pra conseguir vistos que o governo brasileiro, o consulado brasileiro fazia muitas exigências e que num país em guerra é muito difícil cumprir todas essas exigências e por isso muitos acabavam não vindo.
Depois que essa reportagem saiu, alguns dias depois o governo brasileiro mudou suas normas pra recepção de sírios e passou a conceder os vistos com mais agilidade e com menos exigências e essa foi uma postura bastante elogiada por organizações que monitoram a situação de refugiados mundo afora, inclusive a ACNUR que é a agência da ONU que lida especificamente com esse tema. Desde então me parece que cerca de 2 mil sírios conseguiram chegar ao Brasil e obtiveram status de refugiado.
No início me parece que essa vinda de sírios era mais forte, logo a partir da mudança dessa regra porque o Brasil também vivia um momento econômico melhor, a gente pensa na questão dos refugiados, né, eles tão fugindo duma situação horrível, qualquer coisa talvez seja melhor do que ficar na guerra mas pra que eles optem por vir pro Brasil precisa existir uma justificativa, o Brasil é um país muito longe da Síria, né, a grande maioria dos sírios tá ali nos países vizinhos e com a economia brasileira numa situação complicada muitos acabam desistindo de vir, né, então acabaram vindo, eu imagino, os que já tinham laços com o país, os que tinham família aqui, parte da grande diáspora sírio-libanesa no Brasil. Mais recentemente no fim do governo Dilma Rousseff o Brasil começou uma negociação com a União Europeia em que o então Ministro da Justiça Eugênio Aragão, brasileiro, disse que o Brasil estaria disposto receber até 100 mil refugiados sírios e a União Europeia ficou muito interessada porque eles tão tentando reduzir a chegada de sírios e refugiados de outros países na União Europeia.
Bom, a notícia que depois eu tive, inclusive escrevi sobre isso, fiz uma reportagem, foi de que quando houve a troca no governo brasileiro e o Michel Temer assumiu, o novo secretário de justiça Alexandre Moraes ordenou que fosse suspensa essa negociação com a União Europeia e que o Brasil passaria a encarar esse assunto de uma outra maneira e as pessoas que me comunicaram isso que trabalham no governo e tiveram acesso a essa ordem, disseram que essa postura refletia um novo posicionamento do Brasil em relação à imigração e à questão de refugiados, uma postura mais rígida.
Bom, depois que a reportagem saiu, o governo brasileiro disse que não era nada disso e que eles manteriam a negociação. O fato é que desde então, e isso já faz alguns meses, não houve nenhuma novidade nessa negociação e então não temos detalhes. O que se dizia, alguns críticos a essa negociação iniciada pelo governo Dilma disseram, é que o Brasil não teria condições de receber 100 mil refugiados, que ainda que o país tenha uma posição mais aberta que muitos países e que o país seja muito grande e tenha condições de absorver imigrantes, uma situação muito mais confortável que outros países menores, uma coisa sempre apontada por observadores desse tema é que os refugiados, imigrantes quando chegam no Brasil ele têm muito pouco apoio público, não existem políticas pra integração, pro ensino de línguas, e se esboça uma política agora de um apoio maior, ajuda pra inserção no mercado de trabalho, mas mesmo a questão dos alojamentos, dos abrigos, em que esses refugiados dormem quando chegam ao país, isso é um problema grande, a gente lembra do que acontecia com os haitianos quando houve aquela onda de vinda de haitianos e eles ficavam em abrigos que eu visitei lá no Acre em situação insalubre e o governo federal empurrava o problema pro governo municipal que empurrava pro governo estadual e ninguém queria resolver, então essas pessoas dizem que talvez o, esse ministro da justiça Aragão, que foi o último ministro do governo Dilma, tenha feito essa proposta pra União Europeia meio que já sabendo que sairia dali em pouco tempo e que o governo trocaria, e talvez querendo deixar uma bomba no colo do sucessor. O fato é que não houve novidades até então nessa negociação.”
(Bloco 9) 1:26’43” – 1:30’59”
Ju: E aí meninos, o que vocês acham, porque faz sentido para o brasileiro se preocupar com o que acontece na Síria, parar para escutar sobre isso, parar pra pensar sobre isso, parar pra entender o que tá acontecendo.
Matias: Se uma pessoa não se sensibiliza com o que tá acontecendo na Síria, é uma falta de tato, de humanidade, né. Então, eu acho que o Brasil por ser um país que historicamente recebe imigrantes, não vou dizer que é sempre da melhor forma, mas é um país formado majoritariamente por imigrantes, inclusive Sírios e Libaneses que vieram justamente nesse contexto da primeira guerra mundial que a gente falou há pouco.
Filipe: E é assim, eu e Matias desde os tempos da faculdade a gente se complementa, porque enquanto ele é bem mais idealista eu sou um pouco mais pragmático. E o fato vai soar jabá forçado, mas a gente acerta depois. Assim, o fato da gente ter um programa de política internacional toda semana, em parte por uma “bronca minha” que eu tenho que é a imprensa brasileira não costuma dar o devido valor ao noticiário internacional, a separação entre William Bonner e Fátima Bernardes é mais importante. Sendo que o Brasil não é uma ilha, nós não somos uma ilha, e assim, usando aquele termo chavão lá dos anos 90 que aparecia sempre no “Casseta e Planeta”, em tempos de globalização o camarada que entender que ele tá lá dirigindo o carro dele no interior do Paraná indo pra faculdade, mas o fato é que nós temos há três anos, agora, por exemplo, domingo agora nós teremos o encontro do G20 na China, as vinte maiores economias do mundo que deveriam discutir sobre a economia mundial, mas faz três anos que o encontro do G20, por exemplo, tem sempre um encontro paralelo entre Obama e Putin discutindo Criméia e Síria, faz três anos que o diálogo entre as potências é “sequestrado” por conflito, por questões de refugiados, que também são questões econômicas e aí no fim das contas, o preço do feijão tá lá em cima, se a gente esticar bem a corda, é que a gente ganha em real, mas a gente come em dólar, eu sempre costumo dizer isso. É importante a gente saber o que acontece no mundo, se a economia Americana espirrar a gente pega uma pneumonia, se a economia Chinesa espirrar a gente pega mais que uma pneumonia, a queda do preço do petróleo, a queda do preço de commodities, tudo isso afetou a economia do Brasil nos últimos anos, e pra gente descobrir a origem disso a gente tem que ir lá na Rússia, no Oriente Médio, na China, então o noticiário internacional faz parte da vida cotidiana das pessoas, só que elas não sabem, essa é a grande diferença. E no caso Sírio, então, por exemplo, pra quem mora em São Paulo, aqui onde estamos gravando, aqui perto inclusive tem um restaurante novo fundado por refugiados Sírios que vendem comidas típicas e tudo mais, então uma coisa que muda inclusive seu cotidiano. O exemplo que o Matias citou “poxa, vou ter que fazer uma cirurgia” – “ah, onde você vai fazer?” – “ah, eu vou operar lá no Sírio.” “ah, mas porque existe um hospital no Brasil chamado Sírio Libanês?” aí você vai ver porque você operou no hospital chamado Sírio Libanês é porque o sultão do império Turco otomano fez alguma coisa, algo que na sua cabeça não está na sua realidade, mas está. Então, eu acho muito importante vocês tocarem nesse ponto, porque o Mamilos é um podcast bastante abrangente, vocês falam de temas muitas vezes cotidianos que são muito importantes para as pessoas mas as pessoas também precisam perceber que o que acontece lá, no que à primeira vista parece cafundó do mundo também afeta a vida dela cotidiana.
Ju: Cris, porque você achou importante pensar sobre isso essa semana?
(Bloco 10) 1:31’00” – 1:40’59”
Cris: Acho que entender um pouco do que acontece no mundo, eu acho que eu já falei isso em outros programas, o brasileiro viaja pouco pra fora do Brasil por questões muitas vezes econômicas, mas no planejamento, na criação nas agências a gente costuma fazer uma técnica investigativa que é denominada benchmark. A gente entende o que tá acontecendo em outros mercados pra aplicar nos projetos que a gente tá fazendo. A gente faz pouco isso no Brasil. E a intenção de entender um pouco sobre a Síria é entender um pouco como se formam conflitos complexos. Quando a gente para pra falar curdos, otomano, lalala, império, lalala, você fala: nossa, que complexo, né. A nossa situação é tão complexa quanto. Lá eles se identificam de maneiras, esses grupos separados, eles conseguem se identificar na rua, mas aqui a gente tá bem próximo dessas identificações. Lá eles estão divididos em facções religiosas ou governistas, aqui nós temos diversas bancadas: a rural, a da bala, a da minoria. E o conflito, quando eu falei da Primavera Árabe, né, acho que muitos ouvintes devem se recordar, quando aconteceu [aconteceram] aqui aquelas manifestações de julho de 2013, que foi um grande levante, ela foi apelidada de Primavera, né. Em relação a um paralelo com o que aconteceu lá. Então, na verdade, se você parar pra prestar atenção nesse programa, você vai encontrar diversos paralelos com situações parecidas com coisas que nós passamos e, quando isso aconteceu lá, eu tenho certeza de que eles não tinham consciência de como as coisas iam evoluir. Da mesma forma que a gente tem passado uma série de percalços e a gente não sabe aonde vai chegar. Então, acho que, na verdade, essa pauta é pra mostrar aonde o horror, a intolerância e falta de discussão pode nos levar.
Ju: É, a sensação que eu tive enquanto eu estudava pra essa pauta é que o verniz de civilização que nos protege da barbárie é muito, muito fino. A sensação que eu tenho é que a gente tá a um passo disso é que a gente não tem tanto essa consciência e que a gente flerta com isso o tempo inteiro porque a violência é uma resposta muito natural. Então, você tenta falar, se você não é ouvido, próximo passo é a violência. E eu perguntei isso pro Talal e foi, obviamente, uma pergunta sem resposta, vocês estavam numa situação insustentável, um governo corrupto, despótico, que metia bala no povo. Não dava pra tolerar uma situação assim, vocês pegaram em armas. Hoje, a situação que vocês estão é muito pior, não existe mais o estado de vocês, não existe mais uma casa pra onde voltar, o que aconteceu com as pessoas é inominável, uma geração inteira que foi perdida, tá muito pior do que tava antes. A pergunta é: valeu a pena? E a segunda pergunta é: havia alternativa? Eu não sei responder essas perguntas e ele não sabe responder essas perguntas e, principalmente, uma angústia que eu tenho, é que a gente analisa várias guerras, todos os filmes de guerra, todos livros sobre guerra mostram que na guerra não tem vencedores. Que, no final, é gente matando gente e que você não sabe mais porque você tá matando e você não sabe mais porque você tá morrendo. A sensação que eu tenho é: se não tem vencedor, existe alternativa? Que outra maneira a gente tem pra resolver conflitos graves e sérios?
A gente começou o Mamilos há dois anos, num momento em que as pessoas não se escutavam, o ódio crescia dividindo amigos, famílias, colegas, vizinhos. A gente criou o programa porque tava sufocado do debate como ele acontecia, porque a gente queria um espaço de encontro pra compreender outras visões, pra valorizar o que a gente tem em comum e, assim, reconstruir os laços que nos aproximam. E a sensação que eu tenho nas últimas semanas é de dia da marmota. De que a gente nunca saiu daquele outubro em que a gente criou o Mamilos. Uma sensação de exaustão e de desesperança. E falar do conflito na Síria e ver o extremo ao que o ódio e a coisificação do outro, como o Filipe tava falando, né, você não enxergar no outro um irmão, você não enxergar a humanidade no outro. Onde que o extremo disse leva, o final dessa linha? Ok que a gente muito no começo ainda, acho que tem muitas coisas diferentes aí, mas eu tô falando de uma coisa mais ampla, não tô comparando Brasil com Síria, de maneira nenhuma, eu tô só falando sobre uma coisa de comportamento humano, né, do primeiro passo que é você negar a humanidade do outro, o primeiro passo que é os ódios serem alimentados e você se fechar cada vez mais em grupos que são câmaras de eco, cada um na sua câmara de eco, e aumentando o ódio ao outro grupo, aonde que isso no extremo nos leva? Se a gente sabe, se a gente tem exemplos tão claros no mundo do quanto isso é ruim, porque a gente é tão tolerante com esse erro primitivo?
Cris: O Bruno Rizzi conversando lá na embaixada, no Oriente Médio, me falou: Inshalá o Brasil não vire a Síria, mas, pelo que eu vi ontem na Paulista, não me parece tão longe assim.
Ju: Não, a gente nunca tá longe, a gente sempre tá a um passo. Mas porque que isso não é uma preocupação mais presente na nossa vida, né?
Cris: E, principalmente, com a perda da identidade enquanto nação, com a separação que a gente tem diante dessa discussão, esse levante de ódio, a gente começa a ver cada vez mais similaridade em um caminho que, em cinco anos, né?, cinco anos é muito pouco pra se dizimar um lugar completo. Hoje não tem mais país, não tem mais nação. Então acho que vale a reflexão e um entendimento de buscar alternativas.
Ju: Principalmente, enxergar sempre a humanidade no outro, não importa quais sejam as suas opiniões.
Cris: Vamos então para o Farol Aceso?
Ju: Bora!
[Sobe trilha]
Ju: E aí, Matias? O que que você vai indicar?
Matias: Eu vou indicar o livro ‘A Origem do Estado Islâmico’, do jornalista britânico Patrick Cockburn, que é uma das maiores autoridades no assunto, já teve na Síria e no Iraque dezenas de vezes. Tem uma leitura muito fácil, ele é bem didático. Então vale a pena aí pra quem quiser se aprofundar no tema.
Ju: E você, Filipe?
Filipe: A minha dica é um livro também chamado ‘O Grande Oriente Médio’, do historiador brasileiro Paulo Visentini, que cobre os eventos no oriente médio da descolonização até a primavera árabe, contando a origem dessa balbúrdia, digamos assim, mas que é uma balbúrdia encantadora de certo modo.
Ju: E você, Cris?
Cris: Então, esse final de semana, eu assisti um filme que chama ‘O Mensageiro’. Eu achei bem interessante o filme. É um jornalista que faz uma pesquisa e descobre um grande furo e esse furo envolve governo, envolve uma questão internacional. Ele publica isso, ele sofre uma represália gigantesca e a luta dele por provar a ética dele no escrever aquilo traz uma série de questionamentos. O filme mexeu especialmente comigo porque a gente aqui todo dia fazendo conteúdo, a gente sabe a importância de ser reconhecido pelo que você está trazendo enquanto informação e como você lida quando é desacreditado aquilo que você está colocando e principalmente essa discussão que a gente traz semana após semana sobre compare dados, busque informação, cheque fontes, não acredite na primeira coisa que você lê. Muitas informações saem e depois são rebatidas. Tente procurar saber o porquê essa informação está sendo rebatida. Eu acho que o filme e dá esse gosto amargo na boca de muitas vezes só passar pela manchete, tomar aquilo como verdade e seguir em frente e julgar também. Então, é um filme que eu acho que vale a pena aí, dar uma pausinha e assistir. Ju, o que que você fez de bom?
Ju: Primeiro, da pauta, só pra destacar, em dois documentários do Frontline.Um que fala sobre aquilo que eu falei no programa da escola do ISIS ensinando Jihad para crianças, vale a pena, e o outro chama ‘A História Secreta do ISIS’. Todos são documentários super premiados. Outro é um podcast exclusivamente pra falar sobre refugiados, é o UltraGeek, vale muito a pena escutar, tá muito bem feito. Enquanto eu fazia a pauta, u lembrei de um filme que eu vi a pouco tempo, eu vi nas férias do Mamilos e acabei não falando aqui, que chama ‘I in the Sky’, que é sobre esses conflitos com drone, né, com a Helen Mirren e ele vai mostrar um pouco sobre isso, né, sobre como tem um monte de conflitos de ética acontecendo nesse novo jeito de fazer guerra, né. E por último também, tudo a ver com o que a gente tá falando, eu estou… Voltei a assistir a série Homeland, que eu tinha abandonado depois da terceira ou quarta temporada e eu estou voltando a assistir. E assim, como ela realmente fala desses conflitos, tem vários episódios que, coisas que acontecem na vida real e eles colocam no episódio e é um jeito ficcional de você entender o que que está acontecendo, de dar uma textura diferente da notícia, né, porque a notícia acaba, acredito, tirando um pouco a textura das coisas, fica tudo muito igual, fica tudo muito número, não tem muita emoção. E quando você vê na ficção as pessoas tem um nome, tem um jeito, você se relaciona diferente com a informação na ficção. Então vale a pena assistir Homeland, continua muito bom.
Cris: É isso?
Ju e Cris: Temos um programa?
Ju: Não necessariamente um programa leve, mas a semana não foi nada leve pra ninguém, não é mesmo?
Cris: Não é mesmo? Então temos aí esse programa pra desmembrar esse tema cascudo. Muito obrigada, rapazes. Fica a gostosa sensação de aprender com esses dois rapazes que conhecem muito de história. Espero que voltem outras vezes. Muito obrigada.
Matias: Eu que agradeço e só convidar.
Filipe: E a gente convida também.
Ju: (Risos) Esperamos lá, falar tudo que a gente não sabe de história lá pra vocês.
Cris: Isso.
[Risadas da Ju]
Cris:
É isso então, beijo gente.
[Sobe Trilha]
Eu prefiro outra coisa / Nem espero que me espere / Baby você pode ir / Baby você pode rir sem mim
[Desce Trilha]
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