Transcrição - Mamilos 78 - Lei Maria da Penha e Derrotas • B9

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Transcrição – Mamilos 78 – Lei Maria da Penha e Derrotas

Jornalismo de peito aberto

por Mamilos

Esse programa foi transcrito por? Lu Machado, Andrey A, Debora Martins, Luyza Pereira, Fernanda Cappellesso e Samuel Freire

Esse podcast é apresentado por B9.com.br
Ju: Mamileiros e Mamiletes bem vindos ao seu espaço de encontro, pra ouvir opiniões contrárias, pra entender outras visões de mundo, pra expandir os horizontes, esse é o Mamilos. Eu sou a Ju Wallauer é comigo está a mineirinha mais inteligente da podosfera.
Cris: [risos] Isso é piada né? Cris Bartis.
Ju: Vamos polemizar!
Cris: Som do Mamilos. Caio, seu artesão do som, o que que cê escolheu pra gente essa semana, conta aí.
Caio: Olá personas, Corraini aqui novamente pra trazer a vocês os responsáveis por dar mais cor ao Mamilos dessa semana. Lembrando sempre que se você quiser colaborar com o conteúdo musical deste programa pode nos recomendar bandas ou artistas independentes no e-mail [email protected] e facilita é muito a minha vida se vocês enviarem os links do site oficial do artista ou então onde nós podemos buscar o download direto das músicas dele para utilizar no episódio. Falando ainda sobre esses belíssimos artistas cujo nosso objetivo aqui aqui é apresentar muitos deles pra vocês, a nossa equipe de xoxomídia (social media) do Mamilos fez uma coisa que eu sempre tive vontade mas era preguiçoso demais pra tirar do papel, uma playlist do Som do Mamilos no Spotify. O link tá no post, cês lembram né, que tem um post que o podcast ele não sai direto do seu celular, que a gente posta ele num site… É então, é lá. E eu também queria mandar um salve para a MC e pro Guilherme pelo corre. Nessa edição, nós iremos ouvir o Vitrola Sintética uma banda paulista de rock alternativo que foi indicada ao Grammy Latino, mas ainda ninguém conhece direito, então fiquem aí com Vitrola Sintética no Som do Mamilos.

[sobe trilha]

Que só quis te conhecer
Sorriso desse é igual ao que eu já li
Mas é que eu nunca vi
Nunca vi

[desce trilha]

Ju: Beijo pra Primavera do Leste no Mato Grosso.

Cris: Gaspar em Santa Catarina.

Ju: Pra Trindade em Goiânia.

Cris: Para a galera que ama a Gang do Eletro no Pará.

Ju: Para brasileiros na Inglaterra que sentiram o coração ficar um pouco mais verde e amarelo mesmo com a distância.

Cris: Pra incubadora tecnológica de Cooperativas Popular da UFPR.

Ju: E um beijo especial pro Guilherme da Neogama que me encontrou na agência hoje, se revelou Mamileiro, me deu um abraço bem gostoso pra motivar a tia can-sa-dís-si-ma a gravar esse programa.

Cris: E ó, fale com o Mamilos. Nesse momento Fale com o Mamilos que a gente sempre fala com vocês assim “fala com a gente , vem cá, encosta aqui no ombrinho, conta o que cê achou do programa, traz o seu contraponto, conta pra gente que ouviu com a tia, com a vó, com a mãe, com o cachorro, com a namorada, lavando a louça. O que que você achou do programa?” E a gente quer aproveitar esse momento para contar pra vocês que nem só de Ju Wallauer e Cris Bartis vive o Mamilos. O Mamilos tem uma equipe cheirosa e tão organizadinha, menino, é de matar de orgulho.

Ju: Tá funcionando muito lindo.

Cris: Então um beijo pra nossa equipe cheirosa. A edição e o Som do Mamilos com aquele já famoso, aquele que vocês já amam, Caio Corraine.

Ju: As redes sociais com a MC e com o novo integrante Guilherme Yano.

Cris: O apoio à pauta, sempre aquela garotinha que vem e fala “meninas, que nós vamos falar essas semanas?”, Taty Araujo.

Ju: E a transcrição dos programas com a super Lu Machado. E aí falando um pouco sobre transcrição, tá no ar, gente, programa 72 sobre Muhammad Ali e trabalho escravo, o programa 77 sobre o Rio em Calamidade, sobre o massacre indígena e o Tite na seleção, o programa que vocês mais ouviram e mais amaram e mais responderam que é o programa sobre Depressão tá todo transcrito na íntegra pra vocês encontrarem aquele trecho que vocês amaram e mandarem para o tio, para o amigo, para o vizinho, para o cachorro, o programa 76 do banimento do WhatsApp e preconceito linguístico. Tá tudo no ar, um trabalho lindo, dinâmico e que tá transformando a vida de quem tá participando. Primeiro nosso muito muito muito obrigada a todo mundo que tá fazendo a transcrição e aos ouvintes um apelo – façam uso desse trabalho lindo que eles estão fazendo.

Cris: E também nas nossas rede sociais né, a MC chegou bombando, MC Bombando é ótimo né? E já postou aí o programa Nova Paternidade no dia dos pais que aconteceu agora no domingo, já relembrando o que a gente tem feito aí de conteúdo de datas comemorativas e tem agora o reforço aí do Guilherme que vem pra ajudar a dar cara e cor nas redes sociais. Vai lá, dá seu like, valoriza o trabalho do coleguinha tá bom?

Ju: Se você ainda não nos segue no Facebook ou no Twitter ou no Instagram, pára de leseira, tem quem reclame de textão no Facebook, tem quem não sabe usar o Twitter, tem quem nem tem a conta do Instagram, mas tem Mamilos pra todos os gostos. Por favor vai lá, interage com a gente. E além das redes sociais você pode falar conosco no e-mail [email protected]

Cris: Vamos então pro fala que eu te escuto?

Ju: Vamos.

Cris: Vamos começar com Artur Pedro. “Por causa da minha formação em bioquímica mestrado e doutorado na área…”

Ju: Ram… Ram… dá licença.

Cris: troquei de roupa!! “Me atrevi a mandar esse email pra vocês para dar um pitaco… (Aí que gentil)… Rápido sobre a minha discussão do doping, a abordagem do último programa. Como bioquímico tenho a opinião de que alguns tipos de doping deveriam ser banidos pelo simples fato de que estes podem conferir ao indivíduo uma capacidade sobre-humana, por exemplo algumas formas de doping que envolvem a transfusão de hematócitos por exemplo pode permitir os esportistas a ter uma oxigenação anormal de maneira que ele jamais teria a fadiga muscular que um outro que não faz uso teria, e essa não é uma capacidade que ele atingiu; é uma capacidade que ele só tem quando faz uso do doping. Acho que se a porteira do doping for aberta, a competição vai deixar de ser sobre a superação humana e sim uma corrida meramente tecnológica da qual os humanos seriam meros suportes secundários e ganharíamos ciborgues. Acho salutar que os jogos olímpicos dê protagonismo à superação do ser humano que esteja ao alcance de todos que desejam superar os limites através do treino e da dedicação e não através de investimento tecnológico. Não importa o quanto a genética dele for favorável ainda é um humano como ele podem ter outros muitos. Caso contrário a tecnologia iria selecionar em um nicho muito pequeno de pessoas que seriam cobaias de uma indústria farmacêutica tecnológica, a corrida pela medalha não seria mais do atleta e sim daqueles que o patrocinam. Beijo pra vocês.”

Ju: tipo fórmula 1 né, que tem o campeonato [Cris: Ele cita isso.] da escuderia e do piloto né? Bom, próximo email é da Tatiana. “Passei as semanas antecedentes aos jogos tentando explicar pros meus colegas porque eu não iria voltar pra casa pra ver tudo do meu quintal e o mix de emoções pré-olímpicas que me levaram à decisão. Felicidade de ter os jogos no meu país e cidade, tristeza por considerar um dinheiro, principalmente considerando os desvios, que poderia ser melhor empregado em saúde e educação dos brasileiros, a ansiedade e mal estar político brasileiro e por fim o medo do caos, aliás caos pra gringo parece sinônimo de terrorismo né? Vai explicar pro norueguês que o país onde se trola grupos terroristas por WhatsApp o caos pode tomar vááááárias formas. No dia da abertura, botei para gravar achando que não aguentaria as 5 horas de diferença e foi bem longe do que aconteceu. Eu e minha mulher varamos a madrugada vibrando e participando virtualmente dos momentos comentaristas de sofá de familiares e amigos. Ver aquela mistura linda tão diferente entre si mas tão particular do Brasil e saber que tudo aqui faz parte da minha identidade deu saudade de tudo de biscoito Globo, de Anita, de pão de queijo, de Paulinho da Viola, de Tacacá, de Acarajé é só quem teve a capacidade de juntar isso englobando as diferentes partes da nossa cultura foi o tal povo de humanas. Essa ideia das planilhas de excel que foi comentada de só o que pode ser contabilizado com números e cifras é considerado “legado das olimpíadas no Brasil” resume a importância de não diluir o que foi essa abertura no meio dos problemas porque o legado cultural é tão importante quanto sim. O desvio de dinheiro da organização, as frases vergonhosas do Paes e os coliformes fecais na Baía de Guanabara e da Lagoa não podem tirar nem diminuir o mérito do que eles conseguiram fazer com essa abertura. Nossa história é complexa, nosso presente é múltiplo e a gente vai precisar rever muitos conceitos pra garantir um futuro, nem um futuro melhor, é um futuro e ponto. Enfim, foi um festão. Os gringos foram convidados pra participar eles tiveram o seu dia de lidar com a tradução simultânea e piadas internas mas e daí? A festa foi dos e para os donos da casa afinal in Brazilian Portuguese we don’t say “it was amazing” we say “Miga sambou de salto 15”, and I think that’s beautiful.

[risos]

Ju: Sensa né cara. Melhores ouvintes sempre #melhoresouvintes

Cris: O Valdir Fumeni disse “Com relação ao doping, a lista é mutante no sentido de sempre ser atualizada. Um fato curioso é que a maior parte das substâncias listadas não são proibidas por mexerem no desempenho do atleta, mas sim por mascarar outras substâncias. Em suma usar X pode fazer com que Y não seja identificado nos exames e Y faz com que sua musculatura se desenvolva mais rápido. Foi esse o caso da Maggi e do Giba. A maconha, por incrível que pareça, tem esse efeito, então a questão não é o preconceito ou conceitos datados e sim o controle sobre a intenção de burlar. Em Pequim 2008, as nadadoras chinesas foram acusadas de serem dopadas na infância, para quando adultas quebrarem marca. Recomendo a série documentário Darknet ep 6, onde mostra o negócio do doping como ferramenta para as pessoas comuns terem melhor desempenho por exemplo, faculdade e mercado financeiro. Beijos suas lindas e até o próximo programa.” Vamos então para o Trending Topics!

[sobe trilha]

Confirme o traço

[desce trilha]

(Bloco 2) 11’10’’ – 20’42”
Cris: Sim, vamos! E vamos começar apresentando, que tem gente querida e nova nessa mesa. Porque pessoas gentis se deslocaram até aqui na quarta-feira para contribuir e trocar ideia com a gente. Vamos começar, com gente que têm página na internet bombando.

Ju: E a gente curte muito, compartilha muito e eu tô me sentindo falando com a Marília Gabriela, sou muito fã. Quem é você pessoa?!

Carol: Eu sou a Carol Patrocínio, tudo bem gente?

Ju: Eu super adoro, se você não seguem ela, shame on you [vergonha de vocês], vai lá segue, agora!

Cris: Carol, obrigada querida e conta pra gente um pouquinho da sua vida. Quem é você, do que se alimenta?

Carol: Eu sou jornalista e blogueira, tô tentando ser “snapteixeira”. Ah mil coisas e militante virtual principalmente, porque quando a gente tem filho não tá tempo de ir para a rua. [Risos] E feminista, feministona chata para caramba…

Ju: …feminazi?

Carol: Feminazi total!

Cris: Obrigada querida. E no outro canto do ringue nós temos uma pessoa pequenininha, achei que era enorme, porque o currículo meu amigo… Sê lê o currículo e fala: teve ter lá seus um metro e setenta mais ou menos… chega aqui, “pitica” que nem a gente. Rosângela por favor se apresente.

Rosângela: Boa noite, eu sou Rosângela Martins e é um prazer estar aqui, e agradeço o convite de vocês. E eu sou advogada feminista também.

Cris: Ai que importante…

Ju: Aquela que a gente adora.

Rosângela: Isso, militante do movimento de mulheres, militantes do movimento negro, preocupada com o alto índice de feminicídio de mulheres negras.

Cris: Vamos lá então e vamos explicar um pouquinho porque a gente vai fazer aqui hoje. Antes a gente vai passar rapidamente pelo Giro de Notícias pra vocês verem o que que passou pela nossa timeline nessa semana.
Ju: A mãe Drag, Elke Maravilha se despede. Elke Maravilha morreu na madrugada de terça-feira, aos 71 anos no Rio de Janeiro. Pioneira na cultura da montação, Elke era uma drag queen mulher, com maquiagem carregada, penteados e chapéus enormes e exuberantes. Dona de um visual e de uma atitude forte, ela chegou a apanhar na rua, pela forma como se vestia e foi presa por 6 dias, durante a ditadura militar. Nascida na Rússia, com ascendência Mongol, além de modelo, Elke também trabalhou como professora, bancária, tradutor e intérprete. Ela se orgulhava de falar 9 idiomas: português, alemão, italiano, espanhol, russo, francês, inglês, grego e latim. Definitivamente, uma mulher à frente do seu tempo.

Cris: Ela tinha uma frase muito boa e assim, “Ah, eu vou brincar em outro lugar!” e ela foi brincar em outro lugar. Ela até hoje ela era a frente do seu tempo, com 71 anos, vai fazer falta. Número 2: Temer omite reajuste cancelado do Bolsa Família. O presidente interino Michel Temer, afirmou em entrevista ao Jornal Valor Econômico, publicada nesta sexta-feira dia 12, que o governo federal ficou dois anos e meio sem reajustar o Bolsa Família. Segundo ele, o aumento de 12,5% concedido em junho, reforça o seu compromisso com programas sociais herdados pela administração petista. O nosso querido Aos Fatos, da Tai foi lá, fazer o quê? Checar a informação!
E junto às bases do Ministério do Desenvolvimento Social e Agrárias, do Diário Oficial da União, constatou que ele omitiu, ter ele mesmo cancelado um reajuste concedido pela presidente afastada, Dilma Rousseff, dias antes dela sair do cargo. Além disso, o reajuste oficial foi dado em julho de 2014, e não na data que ele havia dito que havia sido último reajuste.

Ju: Ou seja, politicagem das mais brava né?!
1. Manifesto de Dilma. Dilma Roussef, publicou nessa terça a sua carta ao Senado Federal e ao povo brasileiro, sobre processo parlamentar que a mantém afastada do cargo de presidente da república desde o dia 12 de maio e que levou ao comando do país, interinamente, pelo seu vice Michel Temer. O documento sinaliza uma disposição de antecipar as eleições presidenciais, em troca de sua volta ao Palácio do Planalto. Além de reforçar a sua voz para o discurso no qual o impeachment é um golpe. Todos sabiam que Dilma publicaria uma carta com esse teor, mas o momento não pareceu oportuno. Ela leu a carta enquanto time feminino de futebol jogava pelas Olimpíadas, além disso, já temos um quadro de votação bem evoluído e desfavorável a ela. E para piorar, horas depois da divulgação, veio a público a informação de que o Supremo havia autorizado a abertura de uma investigação formal contra ela, no âmbito da Lava-Jato. Ou seja, já falamos várias vezes, ela não uma política né gente?! …não é política, aff.

Cris: Não tinha momento para lançar essa carta, e foi meio assim: é o que dá! E assim miga, é muito difícil… não está fácil a situação, vamos em frente, segue o enterro.

Ju: De fato. Vamos para o Trending Topics um, então vamos conversar sobre a Lei Maria da Penha que completa 10 anos. No dia 7 de agosto, a Lei Maria da Penha completa 10 anos, ela é reconhecida pela ONU como uma das três melhores legislações do mundo, no enfrentamento à violência contra as mulheres. A lei transformou a maneira como a violência e o feminicídio são tratados. Se antes um agressor era visto como alguém que cometeu uma pequena contravenção, e sua punição era o pagamento de multa ou cestas básicas, o que se tornou proibido. Hoje a pena é de detenção de três meses a 3 anos, com aumento de um terço da pena, caso o crime for cometido contra uma pessoa portadora de deficiência. Outro ponto importante, foi a implementação da ordem de restrição, em que o juiz pode fixar o limite de distância entre agressor e a mulher em situação de violência, e até proíbe qualquer tipo de contato. E o que a gente vai fazer agora, é conversar um pouco com essas convidadas ilustres, sobre o poder dessa lei ser aplicada.

Cris: Eu acho que a primeira coisa, quando a gente fala de Maria da Penha a pergunta é: essa lei faz diferença? Que que você acha Rosângela?

Rosângela: Essa lei faz diferença, ela é um instrumento que a gente usa para coibir a violência doméstica, né? Anteriormente, era aplicado uma lei que era a lei 9.099 que cuida de crimes de menor potencial ofensivo. Então, a violência contra a mulher era tratada como se fosse uma batida de carro leve na rua, uma briga de vizinho. Ela não tinha um respaldo, o reconhecimento da importância que é essa questão da violência de gênero, e principalmente, no âmbito doméstico. Então faz diferença sim! Embora ela seja muito nova, 10 anos, que é pouco tempo pra quem tem um código penal de 1940. A gente está falando de uma lei que está engatinhando.

Cris: Eu fiquei muito impressionada, que li eu um dado do IPEA que é o Instituto de Pesquisa Aplicada, que pesquisou sobre a Lei. O IPEA afirma que 98% da população conhece a lei, e 86% dos entrevistados, acreditam que as mulheres passaram a denunciar depois que acontece a lei foi criada. Então assim, é 10 anos mas 98% de share [“fatia de mercado”] é uma coisa bastante impressionante. Ao que você acha que deve o fato das pessoas terem conhecido tanto a lei, pois tem lei que até hoje no Brasil, que tem sei lá, tem o triplo desse tempo mas não é conhecida. Por que você acha que essa lei, a gente pode dizer que ela pegou, porque aqui no Brasil tem muito disso né?! A lei pegou ou não pegou? Esse reconhecimento da Lei quer dizer que ela pegou?

Rosângela: Não deveria, a gente não deveria pensar dessa maneira né?! Porque lei é lei e ela não tem que pegar ou não pegar, isso é cultural, infelizmente. Agora, uma lei que tomou publicidade, ela é uma das terceiras melhores leis do mundo, é uma lei completa, embora a forma como ela é aplicada a gente ainda… entende, que deixa a desejar. Mas interfere no âmbito muito pessoal né?! No âmbito doméstico, então em todos os lares brasileiros, ou conhecem alguém ou tem um questão com a violência doméstica. Então isso mexe com a pessoa, e aí a publicidade, a mídia, também tem o seu papel, não vamos negar. Às vezes de forma errônea, no começo se falava muito que era lei para prender o homem, depois foi desmistificando isso. Isso ajudou a ganhar popularidade sim.

Cris: Entendi. Carol eu queria que você contasse pra gente, um pouquinho, porque que essa lei se chama Maria da Penha. Todo mundo sabe que isso é um caso de uma mulher que sofreu violência, mas o quê que é essa história?

Carol: A história da Maria da Penha, ela é mega triste e comum. A Maria da Penha era uma mulher em um relacionamento abusivo, em situação de violência e ela já tinha prestado queixa contra o marido mais de uma vez. E aí no dia em que aconteceu o caso mais tenso de toda a história dela, ele tentou matá-la eletrocutada e não conseguiu. Então assim, é muito grande né?! E é a história de uma mulher que resolveu que não ia ficar quieta. Ela resolveu que não ia deixar aquilo passar de novo, porque é isso né?! Todas as mulheres que são vítimas de violência e vão até a delegacia, eu acho que sentem a mesma coisa, você chega lá você fala: “Olha tem um cara que tá me agredindo.” E o policial falar: “Ah volta pra casa, faz um feijão gostoso. Ah o que você fez para ele ficar bravo?! Sê não podia ser mais legal?” E aí ninguém te oferece proteção, ninguém te oferece um lugar pra ficar com os teus filhos e tem de voltar pra casa e apanha de novo. É agredida de mil maneiras, e tudo mais. Então a Maria da Penha foi essa mulher que falou não! Acabou, daqui não passa, eu podia ter morrido, não morri, então minha vida vai ser usada para que nenhuma outra mulher passa por isso. E aí junto com diversas instituições e grupos de mulheres, ela conseguiu essa lei que é incrível, e que mostra pra gente que a violência, ela vai muito além da agressão física. Que é uma lei, que fala de tantos tipos de agressões, que é bonito de ver.

(Bloco 3) 20:43’ – 30’59”

Cris: É, eu fiquei muito impressionada, de entender o gancho entre o que ela sofreu e a criação da Lei. Porque ela tinha 38 anos quando ela ficou paraplégica, ele não tentou matar uma vez só, mas duas. A gente sempre tende a levar esses casos muito para a periferia, Rosângela me corrija se eu estiver errada, mas nesse caso ela era uma farmacêutica e o marido era professor universitário. A primeira vez que ele a atacou, que ele deu o tiro que ela ficou paraplégica, ela estava dormindo e ele gritou falando que a casa tinha sido invadida, né? E ela demorou simplesmente 19 anos para conseguir fazer com que ele fosse julgado e culpado. Ele foi condenado a muitos anos de prisão, mas por diversas, diversos recursos, ele acabou cumprindo somente 2 anos de prisão, hoje inclusive ele tá solto. A Maria da Penha entrou nessa pira geral, de falar eu vou usar isso como uma história, procurou ONG, procurou outras mulheres que gostariam também de ajudá-la e representar isso como força e ela levou essa denúncia à Comissão Interamericana dos Direitos Humanos dos Estados Americanos, que é a OEA. E a OEA nunca tinha acatado um caso de violência doméstica como um caso internacional e foi a primeira vez. Então uma das penas, a hora que vai lá 19 anos, amigo, como assim Bial? Então a OEA aplicou uma pena no Brasil, que foi a pena é que vocês façam uma legislação que permitam que isso não aconteça dessa forma mais, foi ai a sementinha para começar a estudar uma lei que demorou, e né? Desculpa gente, mas assim lei feita por mulher e para mulher, a lei ficou muito completa. Muitas pessoas se uniram para fazer isso, inclusive homens ajudaram, muitos advogados e tudo mais e conseguiram fazer uma lei que o que tem de completo e surpreendente é que realmente extrapola violência doméstica e ela vai pra umas outras áreas que ficam ali, até então, um pouco nebulosas até esse momento, que vai pra violência patrimonial, pra violência moral que é um pouquinho mais do que a gente vai falar ali, que é esse entendimento. Eu queria que a Rosângela falasse um pouquinho pra gente assim, muitas vezes a gente fala: Ah, mais era brincadeira, a gente brinca assim, eu brinco assim, eu falo: Oh! Nega, cê não fez a comida, mas cê é burra, cê esqueceu de panhar a roupa no varal por que? Não sabia que ia chover?Ai você fala puxa isso é tão ofensivo, magina a gente tá brincando. Rosângela, o que que é violência doméstica?
Rosangela: Muito complexo, né? Quando você passa durante uma vida inteira achando que esse é o tipo de brincadeira que deve ser aceitável. Então hoje a gente…

Cris: Nosso conceito de brincadeira é esquisito né?

Rosangela: Isso. Isso, a gente acha que brincar com a questão racial não é racismo, a gente acha que brincar com a questão de gênero não é machismo, só que isso causa um efeito moral, psicológico tão perverso quanto uma surra. Então a mulher já tem essa questão de papel de gênero que é imposto desde quando nasce, os papéis já são pré-determinados, né? Coisinha de mulherzinha, coisinha de menininho. A nossa cultura vem pregando isso, essa coisa machista, a cultura do estupro tá ai. Então a lei quando ela abrange essa questão do psicológico, do moral, do patrimonial também, engloba muito mais do que um tapa, um murro, porque as pessoas acham que violência doméstica é você chegar na delegacia com o rosto roxo, sangrando ou vai parar no hospital. Mas o índice de depressão das mulheres que procuram por um centro de referência da mulher, né? Pra dar entrada, pra buscar ajuda em como sair da violência doméstica é muito alto.

Ju: Rô, mas isso também é muito comum prum marido manter a mulher numa situação de abuso é ele falar que vai roubar os filhos dela, né? Isso é bem comum, falar assim: Se você sair daqui, você tem emprego? Eu que tenho renda, eu sou o dono dessa casa, sou dono do carro, você vai sair como? As crianças vão ficar aqui. E a mulher fica nessa posição de abuso, ela não consegue quebrar o ciclo. Isso é considerado violência?

Rosangela: Sim, sem dúvida. A grande dificuldade de acabar com a violência doméstica é romper com esse ciclo da violência. Durante um tempo, eu trabalhei e acompanhei mulheres num centro de defesa da mulher e elas chegavam lá e eram acolhidas pela assistente social, passavam em alguns casos pela orientação jurídica ou eram encaminhadas para a defensoria pública, mas na maioria das vezes elas precisavam do que? Do acompanhamento psicológico porque elas precisavam ser fortalecidas, empoderadas se a gente for dizer na nossa linguagem feminista, empoderadas porque o homem, ele sabe exatamente onde atacar na mulher, se ela tem filho é em cima do filho que ele vai, se é a questão econômica é em cima da questão econômica, falta de moradia, falta de trabalho. Então, eram essas as questões que a equipe precisava ali trabalhar com essa mulher para que ela pudesse romper o ciclo, não é simplesmente ir numa delegacia e lavrar um boletim de ocorrência. Quem tá de fora normalmente acha isso, fala assim, por que que você não foi ainda? 20 anos sofrendo na mão desse cara. Ah, ela gosta. Ah, ela não tá nem ai. Mas a questão não é essa, é o que tem por trás disso tudo.

Cris: Tem um negócio muito interessante, que pra mim foi o maior aprendizado estudando essa pauta é que a Lei Maria da Penha, ela visa proteger mulheres em situação de violência doméstica. E isso quer dizer que não importa quem é o agressor, o agressor inclusive pode ser outra mulher. Então não é uma lei criada para ameaçar e julgar homens. É para julgar agressores e agressoras, então quer dizer, a lei Maria da Penha pode funcionar com mãe, com irmã, com roomate, com amiga, uma pessoa que te oprime, faz esse abuso psicológico, patrimonial, controla o seu dinheiro, controla sua saída e sua entrada, a gente tá falando aqui de irmã, de sogra, então é muito importante deixar isso claro, bom, como eu não conhecia, né? Aquelas né? “Se eu não conheço, vai que”, mas importante é deixar isso muito claro não é uma lei contra homens, é uma lei para proteger mulheres que sofrem violência doméstica, não importa quem esteja aferindo essa violência. Isso pra mim foi uma descoberta, porque eu acho que isso tira o estigma que é uma lei contra homens. Que a maioria das pessoas tendem a achar. Não é. É porque existe uma característica de violência doméstica contra a mulher que ela incita uma jurisdição especial, to certa? É isso, jurisdição? Ou uma lei que faça dessa forma, o que, que eu queria entender, Carol, você andou super estudando essa lei, né? Cê mergulhou de cabeça nisso, cê produziu um material super legal que a gente vai falar depois aqui no farol acesso até pra você indicar, qual que foi a sua grande descoberta fazendo esse aprofundamento, esse estudo, porque a percepção que eu tenho, e ainda mais esse share vem pra comprovar 98% conhecem, ok! Ouviu falar, mas conhecer, o que, que cê conheceu nesse universo?

Carol: É muito louco saber que todo mundo conhece o nome da lei, sabe que é uma lei que protege mulheres da violência e ponto. As pessoas não sabem o que é violência doméstica, eu acho que isso é o ponto mais problemático de tudo, as pessoas não sabem o que é violência e a partir do momento que você, enquanto mulher, não sabe o que é violência, você também não pode esperar que outras pessoas saibam o que é violência. E ai você tá numa situação que você acha que é normal porque você viu os seus pais vivendo aquilo, você viu amigas vivendo aquilo, você viu o mundo inteiro aquilo de uma maneira normal e ai é até estranho você encarar aquilo como violência. Então, eu acho que não basta as pessoas conhecerem a lei, elas precisam entender o que é violência, então assim, você brigou com o namorado, ele foi lá e pegou o seu disco preferido e riscou, isso é violência e é violência doméstica porque ele pegou uma coisa muito importante para você quebrou, é uma violência patrimonial e é uma coisa muito que parece pequena. A gente fala: Ai! É uma bobeira, é uma briguinha, não! É o começo um ciclo.

Cris: Mas Carol, a gente sabe que mulher fica nervosa e também quebra coisa do namorado, né? [Carol: sim!] A gente ficou brava porque viu uma mensagem no celular, pegou e quebrou o celular dele.

Ju: Mas errado igual, violência igual.

Carol: Erradíssima.

Cris: O que, que isso significa, existe um tratamento diferente. A gente pode falar que a menina ficou nervosa e quebrou o celular, tudo bem? E o cara quebrou algo que era importante pra ela num momento de nervosismo, ai é crime? Como que é isso?

Carol: Não, na verdade os dois, seriam um crime. Só que porque que precisa ter uma legislação que seja focada na mulher. Por que é muito maior o número de mulheres que sofrem esse tipo de violência do que de homens. Talvez, os homens não denunciem, talvez os homens não falem sobre isso. Existe isso também, porque é uma faceta do machismo.

Ju: Posso falar Carol? Eu acho que o homem não corre risco de vida. [Carol: Ah, sim!] Quanto ao resto é tudo igual.

Carol: Isso, exatamente.

Ju: Então na hora que a gente tá puto tá todo muito igual e todo mundo perdeu a razão e tá todo mundo cometendo violência. Então mulher não é boazinha, mulher não é perfeita, mulher não é compreensiva, mulher não é mais inteligente, não é mais nada.

Cris:Ela não é a vítima o tempo todo.

Carol: Não, e ela inclusive pode ser o algoz.

Ju: Muito.

Carol: Só que a diferença é diferença de poder e de poder não só o poder físico que o homem tem sobre a mulher, mas o poder de que se um cara vai pro mundo e fala estou sendo agredido é como se fosse uma coisa muito maior. Tem uma história de que, por exemplo de que o Bill Clinton era agredido pela Hilary e é uma história muito louca, que contam que assim em festas, todo mundo na casa, ela tacava pratos nele. [Ju: Ave!] Era uma coisa muito louca, só que se esse cara fala assim, gente tô sendo agredido pela minha mulher, vira uma coisa imensa, porque é um homem que assumiu que tá em um papel de submissão num relacionamento. Se é uma mulher que fala eu apanhei do meu marido, a coisa é totalmente diferente, que é: Ah! O que, que ela fez? Existe até essa piadinha, ai! fulana apanhou.

Ju e Cris: Eu não sei por que

Cris: tá batendo, [Carol e Cris:] mas ela sabe porque tá apanhando.

(Bloco 4) 31’ – 40’59”
Carol: Então existe uma questão cultural, por isso é diferente a relação da mulher sendo agredida e do homem sendo agredido. Uma questão de número, também, uma questão de poder e tudo mais, mas voltando a essa coisa de entender o que é a violência. Enquanto a gente não entende que é a violência, gente não entende que a gente tá num relacionamento violento. Então a gente não tem muitos parâmetros. Porque o que a gente vê na novela? Porque é isso, a gente aprende de acordo com a novela, de acordo com a literatura, cinema…

Cris: publicidade…

Carol: …publicidade, gente, é contos de fadas! A gente aprende que tudo bem a Ariel abrir mão da fala para ter pernas. A gente aprende que tudo bem a Bela ficar presa no castelo pra Fera virar uma pessoa legal. Então assim, a gente aprende umas coisas muito tortas, o tempo inteiro, assim, desde criança. Aí a gente cresce achando que, pô, mas…

Ju: A minha missão é salvar esse cara, né? No fundo ele é legal. Porque ele é, de fato. Ele é um cara legal, ele só é um pouco violento.

Carol: Ele tá meio sapo ainda. Eu preciso beijar direitinho pra ele virar príncipe. E aí quando você cresce, meu, isso tá internalizado na gente numas camadas assim, muito assim, lá atrás da cabeça. E aí gente não consegue trazer isso pra frente.

Cris: E eu acho até que isso até numa mulher na situação de opressora, né. Muitas vezes a gente vê uma sogra que oprime muito a nora porque ela entende que se ela criou o filho dela assim, como vem uma outra mulher agora e não oferece pro filho dela mesma coisa que ela ofereceu? Então, eu acho que, em famílias mais tradicionais, essa discussão tá sempre posta. Eu lembro muito, um tempo atrás, eu trabalhei com uma menina e ela falou que um dia chegou na casa dela e pegou a sogra olhando os armários e ela falou assim: “Puxa, mas o que que você tá fazendo?” Ela falou: “Estou vendo se você passa as roupas dele direito.” Então assim, a gente vê uma perpetuação disso e mulheres que poderiam apoiar umas as outras, na verdade ela acaba se tornando a algoz. E a lei também prevê uma punição pra essa mulher. Então o que a gente tá falando aqui é de acolher a vítima. Eu queria perguntar pra Rosângela na prática qual que é essa aplicação. Uma mulher que se sente violada, exposta essa violência, seja ela desse caráter psicológico, na verdade, assim, a gente coloca isso como uma escalada. A violência psicológica, ela prende a gente muito num lugar porque a partir do momento que a pessoa consegue fazer com que você acredite que você não é capaz, ela te prende com uma facilidade enorme, né. Então, seja porque ela tá te prendendo pra te convenceu o que você realmente não merece algo melhor, ou seja, porque ela, você não consegue gerar uma renda para se sustentar sozinha ou que a pessoa toma posse da sua renda, ou seja porque ela realmente chega às vias de fato de te agredir fisicamente, ou tudo junto, mas essa mulher tá passando por uma situação dessa ou que está ouvindo conhece alguém que tá passando por uma situação dessa. Quando a gente fala de Maria da Penha, o que a gente quer dizer em termos de processo, de passos? Ok, entendi, estou numa super situação ruim, o que que eu tenho que fazer?

Rosangela: Até queria voltar um pouquinho na questão do ciclo, né. Eu citei anteriormente. O que que seria esse ciclo da violência? Porque a gente está aqui entre pessoas que de repente tiveram um contato, mas o ciclo da violência, ele passa por um período de tensão, quando a coisa começa a ficar panela de pressão, depois ele vem pra vias de fato como você mencionou, né, o ápice da agressão ou ao ápice da situação que a mulher tem depressão, mas depois vem aquela fase da lua de mel. “Desculpa, não era isso, me perdoa, não vou fazer…

Cris: …Perdi a cabeça…

Rosangela:… isso, eu bebi…” Tem desculpa pra tudo. Só que, aí, a mulher vai lá pesar os prós, os contras, fala: “Puxa, mas quando eu me apaixonei, eu não me apaixonei por um agressor, eu me apaixonei por uma pessoa”. Vem muito de encontro ao que a Carol colocou que é a forma como nós fomos criadas, né, o amor romântico, final feliz, aí você fala: “Poxa, mas eu me separar significa que o meu casamento foi frustrado… “

Ju: … fracassei, né, eu abandonei, né…

Rosangela: Exato. E isso vai prendendo a mulher na situação. Quando vê, o tempo tá passando, cada vez mais. Agora se a gente tem lá, uma amiga, uma colega, uma irmã ou uma cunhada, poxa, tá passando por essa situação, primeiro você tem que ter empatia, não dá pra você forçar a pessoa a procurar ajuda. Fala assim: “Olha, se você precisar, eu tô aqui.” E aí muitas vezes ela não quer ir direto na delegacia, muitas vezes não é o caso de ir a uma delegacia, ela pode contratar um advogado, se ela não tem recursos ela pode procurar pela Defensoria Pública. A Defensoria Pública de São Paulo tem o núcleo que cuida das questões de mulheres mesmo. Chama NUDEM, a gente pode acessar depois na internet. Alguns fóruns têm os núcleos da Defensoria que atende a vítima, mas também tem o apoio desses centros de referência a mulher, centros de defesa e Convivência da mulher. Ali ela vai conversar com assistente social, ela vai conversar com uma psicóloga, ela vai participar de algumas oficinas de empoderamento, terapia em grupo, até pra ela sentir que outras pessoas, outras mulheres também passam pela situação, como conseguiram superar, existem caminhos. A gente chama de rota crítica. Não é tão simples assim, porque às vezes você pode ir numa delegacia e ser muito maltratada. E voltar rapidinho pra casa e falar: “Bom, deixa como tá. É natural…”

Carol: Esse sofrimento eu já conheço.

Rosangela: – Exato – Não é a receita mais perfeita, mas é o que a gente tem pra hoje.

Cris: Eu entendo que não estamos completo, que não é perfeito, que para ser atendida de acordo com a Lei Maria da Penha, a mulher precisa se dirigir a uma delegacia da mulher, que não existem Delegacias da Mulher em todos os lugares, que não abre no final de semana. Eu entendo que a gente tá muito longe do ideal. Então, a violência doméstica, aquilo que acontece dentro de casa, a máxima da expressão “De briga de marido e mulher, ninguém mete a colher” não é verdadeira. Ajudem as mulheres que sofrem violência dentro de casa. Essas mulheres, além de sofrer violência, tem os filhos expostos a essa violência. Crianças que crescem preocupadas, desnorteadas, se sentindo responsáveis por uma situação que elas não tem o menor controle. Então quando eu vejo Lei Maria da Penha e vejo as pessoas falarem assim: “Mas, pra que isso? Porque se somos todos iguais, e a constituição nos garante isso, porque efetivamente eu preciso ter uma lei…

Ju: Espefícifca para um público.

Cris: … específica. E a própria legislação é tão inteligente a ponto de dizer que, se existe uma situação de desigualdade, se não reconhecemos todos como iguais, eu, estado, posso prover medidas punitivas para forçar este reconhecimento. Então é pra isso que a gente tem, A gente tem essa lei, que por mais ainda que muitas mulheres se sintam intimidadas por essa situação, ainda assim elas tem um respaldo jurídico pra não apanharem na frente dos filhos, pra não ficarem paraplégicas, pra não morrerem. Seja essa violência cometida por um homem ou por uma mulher, muito importantes frizar isso. E eu queria que você falasse um pouquinho, Rosangela, do que que, efetivamente, a lei pode oferecer pra essa mulher, ela fez essa via-sacra, apanhou no sábado, mas resolveu ir na segunda, que é o dia que a delegacia está aberta, o que que a lei pode efetivamente fazer por ela?

Rosangela: Eu vou dar um exemplo de algumas medidas de proteção que cabem à mulher. Se ela ainda mora com esse agressor, ele pode ser afastado, pode não, deve ser afastado do lar e o juiz determina um distanciamento: 200, 300 metros, 500 metros, se ele tem porte de arma, o juiz suspende esse porte de arma. Porque, às vezes, ele é um PM, às vezes, ele é um segurança ou, às vezes, ele tem um porte de arma simplesmente porque tem, né. Então precisa salvaguardar a integridade física dessa mulher e das crianças, sem dúvida. Se é pai, vai suspender ali a visita, temporariamente, né, se ele causa ali uma ameaça às crianças, ele pode suspender. A pensão, não. A pensão é obrigação. Mas a visita, ele fica temporariamente afastado dessas crianças. Ela pode pedir remoção do serviço, está previsto em lei, né, ela pode pedir a transferência, se ela é uma funcionária pública, ou dependendo da empresa de iniciativa privada na qual ela trabalha, ela pode ser removida para outro lugar. Pode ficar afastada…

Cris: Ir pra um abrigo, pra um local seguro pra ela e pros filhos, certo?

Rosangela: A questão do abrigo, muito importante. A questão do abrigo, em caso emergencial, pode-se dizer assim.

Cris: Onde existe um risco de morte.

Rosangela: Isso. Um risco iminente de morte, por que? Ela que vai ser recolhida, né? Ela vai sair da rotina dela, as crianças vão sair da rotina delas, ela vai tá escondida. Mas existem casos – e não são poucos – que a mulher tem que sair de cena, sim. Porque aí o agressor, ele tem hora. O problema é esse, a questão da aplicabilidade da lei é a mudança de mentalidade. Eu até fiquei pensando “nossa, que barbaridade que eu falei: o que temos pra hoje.” Não é. Não é menosprezando ou diminuindo a lei. Pelo contrário. Mas a questão de quem aplica essa lei, da forma como ela é trabalhada…

Cris: Em reconhecer violência que a Carol tava falando, né?

Rosangela: Sim, tem que ter uma mudança.

Cris: Não basta eu falar. Alguém tem que falar: “É verdade!”

Carol: Porque mulher, ela chega destruída pra polícia e ela escuta umas coisas tão absurdas. Então se você não educa quem vai receber essa mulher pra entender o que é violência, em que momento essa mulher tá, qual é a fragilidade dela, não tem um atendimento decente. A mulher chega lá e ela tá em frangalhos por dentro. Só de sair de casa, se trocar, tomar um banho e ir até a delegacia é um processo, então…

Cris: O problema não é ir. O problema é voltar.

(Bloco 5) 41’ – 50’59”

Carol: Exatamente. Porque você vai, você sabe né, que você volta e você sabe que quando você voltar, não apenas o seu marido sabe, mas a rua inteira sabe, a vizinhança inteira sabe, a tua mãe sabe, a mãe dele sabe. E aí a coisa toma proporções imensa. Só que aí você chega na delegacia e o cara fala: Tsc [onomatopéia de discordância], volta pra casa, passa um batonzinho.

Rosangela: O processo judicial também é desgastante, porque a gente tem um imaginário de que acesso à justiça é uma coisa pra poucos, e aí você vai enfrentar um poder judiciário, normalmente hétero cis, machista…

Carol: Que usa palavras difíceis.

Rosangela: Um palavreado juridiquês né.

Carol: Você não sabe nem que o cara tá falando.

Rosangela: Exato. Só de tá ali essa mulher, fragilizada, da qual nós estamos falando, em situação de vulnerabilidade ela já chega ali, um pouco balançada, e fala assim: Nossa…que que eu tô fazendo aqui?! Então isso também tá dentro desta questão aí essa rota crítica. Mas o processo ele é importante. Há uma discussão dos movimentos de mulheres também, principalmente das profissionais que trabalham com essa questão, de que… pra algumas situações que a mulher não precise ir à delegacia pra lavrar um B.O. Por exemplo ela quer se separar, a situação é de cunho psicológico, moral, patrimonial, se ela vai na delegacia, eles fazem de tudo pra que ela se desanime e não faça o B.O., não dê entrada. Se ela vai direto com advogado ‘Estamos entrando com uma ação de divórcio, né, com base na Lei Maria da Penha porque, por a mais b tem a questão da violência doméstica’, ela não precisou passar pelo constrangimento da delegacia. Esse é um posicionamento atual da defensoria pública que atende [Cris: A delegacia…A delegacia é um lugar muito estéril. Pra qualquer pessoa] Horrível.

Cris: Pra uma pessoa violentada na sua dignidade, no seu estado físico, ela é pior ainda, ela é um lugar frio e assustador mesmo se ela for bem atendida, então mesmo se a pessoa que tiver lá, estiver preparada ainda sim é um ambiente estéril.

Ju: Mas Ro, a dificuldade das estratégias que você tava falando, é que muitas vezes a pessoa que sofreu a violência ainda não entendeu que o relacionamento acabou, então ela tá procurando proteção e não o fim do relacionamento. E aí se você fala pra ela que o caminho é ‘Não, é tranquilo, você não precisa nem ir na delegacia, é só você colocar o seu divórcio aqui’ Eu fico pensando se isso não é uma barreira psicológica também muito grande. Porque ok, tem pessoas que já entenderam elas só querem um meio de conseguir viabilizar esse divórcio, ou seja já estão ali coagidas, só não saem porque tem medo do que vai acontecer se elas saírem. Então ok, se você der um…um caminho de fuga pra ela, ela vai abraçar e beleza. Mas quando a gente tá falando desse ciclo de violência, dessa coisa repetitiva, que essa coisa que escalona e tal, você vai pegar uma série de pessoas que passa por um ciclo muito longo de tempo pra entender justamente porque relacionamentos humanos não são simples, e você não tem um só agressor e você tem agressões de tipos diferentes e de riscos diferentes. Mas daí ela vai falar: Não, mas eu também erro aqui, e aqui, e aqui, eu só quero que a gente pare de se machucar e que tudo fique bem. Eu não quero deixar dele [Carol: E tem mulheres…], eu só quero que ele pare de me bater. [Carol: E tem mulheres que querem que o policial] E aí é difícil quebrar o ciclo de violência.

Carol: Tem mulheres que querem que o policial vá lá e dê um susto no cara. Pra ele entender que ele não pode agredi-la, porque ela espera que aquilo vá realmente mudar. E aí eu acho que entra na coisa da cultura assim , de…da gente mostrar que aquilo é violência, que aquilo não vai mudar. Ele não é príncipe, ele não tá vestidinho de sapo e vai mudar, é.., ele não é o cara que…

Ju: Mas Carol, mulher também não acha que ela é princesa [Carol: = Ah é…], então ela fala assim: Olha, eu não sou a princesa do conto de fadas, eu não tô numa torre, eu também tenho os meus erros, ele tem os deles, eu só quero que ele pare de me bater.

Carol: É então…

Ju: “A gente se entende muito bem, em x, x, x coisas a gente tem um filho bonito, quando ele não tá bêbado ele é bom, quando ele não tá violento ele é bom, ele me ama demais é por isso que ele me bate, porque ele tem muito ciúmes, então eu só preciso que ele pare de me bater”. Sabe, essas histórias eu já ouvi tanto, tanto, tanto na vida, não são pessoas que querem se separar, são pessoas que querem que a violência acabe. E aí?

Rosangela: É a questão da desconstrução, né, desconstruir esse processo social, isso é muito difícil eu diria que é um dos casos mais complexos, assim, do poder judiciário, da jurisdição. Porque justamente isso, a gente tá lidando ali com questões subjetivas. Eu sou promotora legal popular, eu participo, acompanho os trabalhos da União de Mulheres de São Paulo, com Amelinha Teles, é a nossa master no feminismo aqui em São Paulo, uma guerreira, e ela sempre fala isso pra gente, sempre falava e sempre fala, não dá pra ajudar essa mulher que quer voltar pra esse relacionamento. Você se descabela, você se acaba, faz encaminhamento, faz.. leva a mulher na delegacia, daqui a pouco ela escapa do abrigo e ela : Não, eu tô com saudades…Ah porque ele me ligou.. Ah porque a vizinha trouxe o recado. E o profissional, a profissional tende a se frustrar, mas não dá. Não dá pra você ajudar, justamente por conta desse limite subjetivo.

Cris: Eu acho que a gente é mulheres que se prendem a este tipo de relacionamento de chegar a ir prum abrigo e voltar, ou sair duma U.T.I. ficar um pouquinho melhor e voltar pra casa, elas têm muito pouco parâmetro do que que é uma relação saudável. E aí pra elas, aquilo é a felicidade, é só tirar a violência, o resto tá ótimo. Então como ela não tem a percepção do quanto a violência, na verdade, ela envenena o relacionamento como um todo, e que esse relacionamento tá podre. Pra ela, se tirar aquele pedacinho ali da maçã, ainda dá pra aproveitar a maçã inteira. Então na verdade a gente tá falando sim sobre uma mudança cultural muito grande, que é ‘O que que é um relacionamento saudável?’; ‘Amiga, achei que era o meu!’; ‘Então, não é’ Então eu acho inclusive que…

Ju: Que é amor, né. O que é amor né? Porque o amor romântico, ele se pressupõe sacrifícios [Cris: Sofrimento…] Não, sacrifícios, entrega. Então assim, não importa o que é, na saúde e na doença, é até que a morte os separe. Então assim, na saúde e na doença também é na doença mental, também é na doença, no sofrimento da alma, entendeu. Então assim, ‘Ele é um homem bom, ele só é atormentado pela bebida’; “Ele é um homem bom, ele só é atormentado, quando o espírito do mal vem, sabe? Quando o ciúme vem e bate, mas é só nessa hora, porque ele é um homem bom.” Mas ele é, gente,ele é de fato, porque as pessoas não são boas ou ruins as pessoas são tudo junto e misturado. A única questão que tem aí, não é julgamento de valor. Não é! A única questão é risco. Então assim, risco de vida, risco de violência, não vale correr, todo o resto, é discutível aqui. O que é bom pra Cris, não é pra mim, o que é bom pra você, não é pra mim, e ninguém nunca vai concordar do que é um relacionamento bom e o que não é um relacionamento bom, do que é abusivo do que não é abusivo, lógico. O que a gente tá falando aqui é de risco de vida, é risco de violência física. O que a gente tá falando é: o jogo pode ser jogado com as suas regras e cada um vai colocar as regras do relacionamento que quiser, porém quando a gente entra no campo de violência física, você extrapola o que é aceitável. Miga, não dá [Cris: = Não só a física, né?] Não dá.

Cris: Eu acho que os três valores, não só a física,a gente costuma falar que a física é o final de escala de violência, mas é uma violência emocional onde tira tudo aquilo que você tem que é o reconhecimento do eu, causa um vazio tão grande quanto, e uma humilhação tão grande quanto à violência física.

Ju: Mas deixa eu fazer um parêntese só pra dar a voz dissonante que eu acho importante: relacionamentos humanos não são simples. E a gente tem todos os relacionamentos, graus de violências diferentes, e que a gente tolera por motivos diferentes e se a gente não tiver empatia e tolerância, nenhum relacionamento de longo prazo vai. Qual é o limite pra você é diferente de pra mim. O que você viver no seu relacionamento é abusivo pra mim. O que eu vivo no meu relacionamento é abusivo pra você. E eu acho que aí existe uma área cinza que a gente pode debater noites e dias e tal. Agora violência física é um limite que a gente pode estabelecer, é um risco que a gente pode colocar.

Carol: Eu acho que é importante a gente sempre lembrar que relacionamentos são sobre poder, independente de que tipo de relacionamento, o importante é que tenha uma alternância desse poder, então tem horas que a mulher tem mais poder que o homem, tem horas que o homem tem mais poder do que a mulher, ou um casal gay cada um rola ter poder de vez em quando. Quando só uma das partes do relacionamento tem poder aí a gente tá numa situação que é abusiva e que acho que não é nem essa coisa de discussão assim. Se uma pessoa tem todo poder e a outra pessoa não tem nenhum poder, num tá rolando uma…um relacionamento, não rola uma equidade.

Ju: É que não é uma coisa óbvia, né, Carol?

Carol: Sim…

Ju: É que acho que às vezes o homem tem todo o poder financeiro e ele grita de macho na rua, que ele faz, que ele acontece, ele berra com a mulher na frente de todo mundo e nanana e a mulher tem os seus meios dentro de casa de dominar na sua maneira, dentro do seu território e das regras do relacionamento que ela domina e que ela também oprime.

Carol: Siiim, mas isso…

Ju: Então assim, eu acho que isso, por isso que é muito difícil quem tá de fora. Eu não acho que necessariamente seja uma coisa muito fácil ou muito possível de se resolver, pela legislação, porque foram muito íntimos…

Carol: Sim…

Ju: e começa a ficar muito complicado, porque você…

Carol: É. Não, mas…

Ju: não consegue ter acesso ao que de fato acontece. É um relato de um, é o relato de outro e aí você não tem como saber e as coisas são muito complexas, então isso, assim, eu acho um área muito cinzenta, eu acho valoroso a tentativa de se nominar violências, não apenas do físico, porque eu entendo que às vezes você não encostou na pessoa e você tá realizando uma violência MUITO maior do que a violência física, entendo isso, mas acho perigoso você ir pro outro lado e falar: gente tudo é violência, porque nesse formato qualquer relacionamento se enquadra.
Carol: Eu acho que tudo pode ser violência…

Ju: Então é complicado…

Carol:, sabe. Tem essa diferença assim.

Cris: E ela pode ser feita por ambos os lados.

Carol: É. Tudo pode ser, nem tudo é.

(Bloco 6) 51’ – 1:00’59”

Cris: quando eu falo dessa violência emocional que se enquadra dentro da Lei, ela pratica um esvaziamento do eu tão grande que leva a uma depressão que leva a um suicídio, a gente tá falando de morte da mesma forma, de alto risco da mesma maneira. Quando a gente tá falando de uma violência patrimonial efetiva a gente tá falando de uma privação de remédio, de comida que também vai levar à morte, a gente tá falando, violência é extremo porque a briga pelo poder entre um casal independente do gênero ela acontece no dia a dia quando entra uma lei a gente cita extremos. Só voltando um pouquinho no que você tá falando sobre mulheres voltarem ou não voltarem pra um relacionamento abusivo independente de ser como um homem ou não o que a gente tá falando aqui é que quando você tira tudo o que a pessoa tem alguma coisa tem que entrar no lugar se tudo que uma pessoa que vive uma situação de violência extrema é este relacionamento não adianta tirá-lo é preciso substituí-lo e quando a gente fala de substituição a gente tá falando de auto estima e é um trabalho longo né, porque uma pessoa que viveu a humilhação desses três tipos de violência extrema que a gente tá falando, ela vai demorar muito a se reconhecer como ‘eu’ como pessoa e como detentora do direito de ser feliz independente daquele relacionamento…

Ju: [interrompe] Como digna né

Cris: E é por isso que eu acho que tanta gente acaba voltando e eu acho que até em relações saindo de lei mas indo pra relacionamento abusivo como um todo, ele te prende né, porque cê entende a sua necessidade ali, ela tá muito clara…

Carol: É um vício né?

Cris: Exato! eu acho que pra gente arredondar um pouquinho e levar essa aplicabilidade da Lei Maria da Penha para uma prática a gente tá falando aqui de uma série de iniciativas, existem sim as delegacias preparadas ou teoricamente preparadas para receber uma mulher e dar a ela o acolhimento necessário pra que impeça que chegue ao risco de morte e recentemente né, esse ano foi lançado um aplicativo muito legal que é idealizado como instrumento de combate à violência, o nome do aplicativo é PLP 2.0 e a ideia dele é que uma mulher possa cadastrar até 5 pessoas de confiança e gere uma notificação caso ela esteja sofrendo violência pra que ela possa ser socorrida esse aplicativo também grava áudio e vídeo que servem como provas depois, então assim eu acho interessante divulgar tem isso aí como mais um instrumento eu espero que a conversa que a gente tenha tido aqui deixe um pouco mais claro a amplitude da Lei e mais uma vez que ela se aplica a qualquer tipo de agressor dentro da casa né dessa violência doméstica que a gente tá falando, nem o serviço doméstica reconhecido né todo dia você tem, então qualquer coisa dentro do âmbito doméstico, quatro paredes, momento de pessoas ali com portas fechadas eu acho que a conversa, encerrando essa conversa final nossa é mantenha o seu radar aberto pro que que é o relacionamento positivo saudável e o que não é, e mantenha o seu radar aberto pras pessoas que vivem à sua volta porque talvez você seja o instrumento de salvação, de orientação dessas pessoas e mais do que isso eu acho que a gente precisa sempre pressionar por centros de acolhimento melhor preparado e por centro de acolhimento de homens violentos, é uma conversa que a gente sempre traz aqui, a gente precisa voltar e tratar a causa porque aqui a gente está tratando a consequência precisamos conversar sobre a causa e entender esses homens e o que leva a esse ponto a gente não tá falando de monstro a gente tá falando de um cara que pode ser um ótimo pai, carinhoso, um cara super trabalhador e chega em casa e expõe a esposa a uma situação de extrema violência, então…

Ju: [interrompe] que não faz ele feliz também, entendeu? Não tem, não tem ganhadores.

Cris: não tem, só perdedores nesse caso.

Carol: Posso incluir duas coisas?

Cris: Por favor!

Carol: Uma delas é sobre este tratamento do homem que já existem grupos estão fazendo essa reinserção do homem e o fórum do Butantã agora vai começar com um projeto bem grande disso que é muito legal e que quando você conversa com as pessoas que participam desses grupos elas falam que o homem chega ali falando que bateu porque ela blá blá blá blá no meio tempo ele entende que, putz não importa que ela blá blá blá blá, eu bati, no fim ele sai de lá entendendo que ele não deveria bater de forma nenhuma independente do que acontecesse, então assim é muito rico…

Cris: [interrompe] Não é sobre culpabilização é sobre responsabilização.

Carol: Não… e a transformação de entendimento das coisas e do papel do homem e de quem é esse cara no relacionamento, porque esses caras também foram ensinados que pra tá num relacionamento eles têm que mandar eles tem que ter poder, eles tem que mandar mulher cala a boca, mil coisas… e a outra coisa é sobre como ajudar uma pessoa que é vítima de violência. No seu prédio, por exemplo você escuta a sua vizinha apanhando e aí muita gente me pergunta “que eu faço?” A primeira coisa é nunca encontre essa mulher no elevador e fale “cê apanhou né?” Nunca nunca nunca fale pra esse cara “eu sei que está batendo nela” Nunca toque a campainha durante uma porradaria porque ela vai apanhar mais, só isso, nada vai melhorar ali, então tem duas coisas que eu sempre falo pras pessoas. A primeira é: pega uma folha sulfite escreve “nesse prédio não se aceita a violência contra mulher” e cola no elevador. Teu recado tá dado, o cara entendeu que ele não tem de fazer merda e a mulher entendeu que ali ela vai encontrar alguém pra ajudá-la. E a segunda coisa é: se aproxima dessa mulher mas com um laço de amizade normal chama essa mulher pra tomar um café, mostra que as portas da sua casa estão abertas e conforme você vai criando esse laço deixa claro pra ela que meu se um dia as coisas estiverem ruins ela pode vir para a tua casa, ela pode tocar a campainha no meio da noite, ela pode te ligar, te mandar uma mensagem, chorar as mágoas ou então ela pode simplesmente passar uma tarde vendo TV com você esquecendo de todos os problemas. E aí quando você vai criando esses laços você vai deixando essa mulher sair desse ciclo, você puxa ela pro outro lado ela começa a ver que existe um mundo lá fora, que tem gente legal, que ela é uma pessoa interessante, que ela é linda, que ela é incrível, que ela é inteligente e aí você faz com que essa mulher volte olhar pra ela como uma pessoa e aí ela ganhe força pra sair de um relacionamento abusivo e aí sim você tá ajudando…

Cris: Cê tá atacando as causas.

Carol: Exatamente você tá fortalecendo essa mulher tratando ali todas as questões e aí ela consegue sair, mas tocar a campainha tentar bater boca com o cara, ou falar pra mulher “a gente sabe que você tá apanhando” é muito agressivo, muito, e é a primeira coisa que a gente pensa em fazer.

Cris: Boa!

[sobe trilha]
[desce trilha]

Cris: Vamos então ao Trending Topics número 2, como lidamos com as derrotas? Em tempo de Jogos Olímpicos é possível ver a plena felicidade e a decepção acontecendo ao mesmo tempo pra ver um ganhador há sempre um perdedor e o número de perdedores é sempre muito maior, cada atleta lida de uma forma com esse sentimento e ver essas sucessivas perdas nos leva a refletir como nós, no dia a dia, também lidamos com fracassos. Antônio Prata fez um texto brilhante essa semana na Folha de São Paulo questionando “E se nossos fracassos fossem assim como dos atletas televisionados real-time?” Um dos exemplos que ele cita no texto é “uma palavrinha Gláucia, a Gláucia tá saindo aqui da Fuvest, gente ela fez um cursinho, há 3 anos ela tá fazendo cursinho para medicina tava gabaritando nos simulados, mas na hora do vamos ela errou até a raiz quadrada de 4. E aí Gláucia a família tá decepcionada, 3 anos jogados fora como é que cê tá se sentindo?” Ou ainda ele cita “Alberto que tava aqui encarando uma dieta Atkins, categoria acima de 150 quilos e aí Alberto cê vinha num ritmo bom, quatro semanas tinha perdido quase 10 kilos, a Neide tava aqui confiante, mas as duas da manhã e você acaba de traçar um pote de Nutella que que foi, foi que o estresse, foi a pressão da Neide, fala um pouco aí”. Então o nosso papo aqui é um pouco sobre como que a gente lida com as nossas derrotas do dia-a-dia. Conta aí pra gente, Carol, como é que é isso?

Carol: A gente é muito ruim com a gente né? Muito ruim até falei sobre isso esses dias assim eu tenho lido bastante sobre autocompaixão e aí quando você começa a ler sobre isso você começa pirar porque se tua amiga faz umas merdas cê fala “ Ai, mas né, tá difícil a vida, pô acontece, não se culpa, é… não tá tudo… amiga, você é ótima olha pra tanta coisa boa que você tem”, se você faz uma merda, cê se culpa e se crítica de um jeito… Meu, altas chibatadas nas costas assim meu, culpa Cristã elevado a milésima potência porque a gente acha que a gente tem que ser perfeita e aí quando a gente tá nessa era da comunicação Facebook, Instagram e Snapchat todas essa coisa louca e você não tem uma vida incrível você não tem nada de bom para mostrar, ah sei lá eu fico vendo o Snapchat, gente as pessoas têm vidas chatas tanto quanto a minha. É isso que eu tenho pra falar. Meu lavei roupa hoje, estendi e o lenço caiu no chão e tinha uns mato que os cachorros levaram, putz que merda, é isso! Só que a gente quer esse espetáculo da vida né, a gente não sabe lidar com essa frustração e nem, sei lá, cê faz um post no Facebook e ganha pouco like. [risos] É coisa sei lá, vejo o meu filho adolescente fala “Meu, quando eu te marco nas fotos eu tenho muito mais like.”

(Bloco 7) 1:01’00” – 1:10’59”

Cris:risos. Estratégias de conteúdo

Carol: Por que já é isso né? Porque a gente já tá nessa assim de meu, a gente precisa ser o melhor sempre, em todos os momentos, todos os assuntos, a gente tem que ter opinião sobre tudo, falar sobre tudo, ser bom em tudo e cara, a gente não é. E como cansa tentar ser, né?

Ju: Eu acho que além da questão da sociedade super competitiva, você tem uma sociedade que não sabe muito bem lidar com sofrimento e com derrota em si mesmo, derrota, assim a gente vai sofrer derrotas inúmeras ao longo da vida, independente do quanto você se preparar porque assim, a fábula do empreendedor, do cara bem sucedido, é que se você tiver foco, e se você tiver vontade, que se você tiver, você vai conseguir. E vida real é não, não, [Cris: não deu!] simplesmente não entendeu? mas em todas as coisas. E aí Carol a gente tá falando assim onde você tentou pra caramba engravidar e não conseguiu. É uma derrota plena e completa e absoluta e não há mitigação pra isso, não há explicação. É uma coisa que você queria muito, e que você deu tudo, que todo mundo consegue, que é banal e você não conseguiu. E não tenta minimizar, sabe aquela coisa “Não mas amiga dá pra resolver.” Não. Me deixa sofrer esse momento aqui e agora porque é uma derrota particular minha. E aí aquele negócio que pra você tinha tudo pra dar certo, você pensou antes que todo mundo, que você batalhou, e você trabalhou pra caramba e nã nã nã e você fez tudo, e você tinha talento pra aquilo e vem um cara com mais grana e sabe? às vezes até sorte. tava momento certo, na hora certa e você foi dois dias antes, que não era o certo, e não deu entendeu? E às vezes o seu fracasso é bizarro do tipo Olimpíadas. Eu acho ótimo pra falar histórias de fracasso. Tipo uma nadadora falou assim: “Eu tava com cólica no dia.” E aí miga? Você sabe? Você treinou 4 anos. Como é que uma cólica te tirou? É porque vida é tipo isso aí mesmo entendeu? Porque tu vai fazer o melhor que tu puder mas na hora do vamos ver tem milhares de outras coisas que não estão na sua mão diz que vão definir teu sucesso e o teu fracasso. E aí não é sobre “Ah Carol mas então não é fracasso porque tudeu o melhor de si.” Não, é sim. É de fato fracasso e vou sofrer de fato e vamos aprender lidar com isso, vamos saber respeitar o tempo de luto, o tempo de elaboração. Passado o sofrimento o que que a gente aprendeu daquilo, o que que aquilo vai nos modificar, O que que aquilo contribuiu e conta nossa história, nossa identidade, faz parte da gente. E que tudo bem sabe? tudo bem.

Carol: É exatamente isso. [Cris: Quando a gente fala] Dói e é ruim e tudo bem. Você não precisa tomar um AAS porque você bateu a unha.

Cris: É que geralmente eu fico só lembrando as palestras que a gente vai assistir sobre como todo mundo sempre conta como seus projetos são maravilhosos e deram certo. Rosângela, pra onde vai a nossa cultura de conversar sobre as derrotas? A gente consegue falar sobre isso? O que que você acha ?

Rosângela:Olha eu sou uma fanzinha assim de terapia. [risos de todas] E uma vez um terapeuta falou assim “Imagine uma linha de eletrocardiograma. Se ela ficar reta é porque você [Ju: Morreu [Risos de todas] tá morto. Porque você morreu. E você tá no pico e você tá lá embaixo, tá lá no pico e você tá lá embaixo, senão não tem graça, senão a vida não acontece. Só que é como a Ju falou a gente tá no momento que é proibido você ser triste, infeliz e frustrado.

Ju: Ai, miga não fica triste tá tudo bem. Tá tudo bem.

Rosângela: O tempo todo ali sorrindo né? E aí a gente medicaliza a existência porque pra ficar bem você tem que tomar ali um fluoxetina. Me corrijam as psicólogas. Tem que tomar alguma coisinha ali, que o psiquiatra já te, né? Fala “Não você tá trabalhando muito, você está muito estressada.”

Carol: Ou então você bebe todo dia né?

Rosângela: Também.

Carol: E aí você já tá linda. Você tá linda. Todo dia com um drink na mão, e aquilo tá escondendo tanta coisa.

Cris: O que eu fico percebendo é que na verdade a gente acaba terceirizando aquilo que não deu certo né? Não deu certo porque puxa eu não devia ter comido feijão ontem. Então assim a culpa sempre de alguma coisa externa como se o seu não conseguir atingir o objetivo pudesse ser eternamente terceirizado e a gente sabe que isso não existe. “Ah é porque ventou.” “Ah é porque olha [Ju: A grama tava ruim né jogadores de futebol? Tamo de olho] Então aswim …[Carol: Saturno né gente? Saturno.] Tem hora mesmo que tem interferências externas, mas quando a gente erra eu acho que a responsabilização pelo que aconteceu de errado até ajuda a entender como melhorar pra uma próxima vez.

Ju: Não e o sofrimento tem o seu papel na vida do ser humano então por exemplo hoje eu vi o post de uma amiga, Pérola beijo, que ela falou assim “Ah eu não consigo ficar, acho que o meu espírito Olímpico tá abalado porque eu não consigo comemorar um francês chorando copiosamente no pódio.” E aí isso me fez pensar muito e eu ia fazer um textão no Facebook sobre isso, porque assim. não é que você tenha que comemorar a derrota do outro, mas a derrota do outro também é uma história. Então assim como o último programa agente celebrou a Vitória da Rafaela Silva e ela uma história inspiradora e ela serve pra ser pensada, pra ser falada, para ser contada, contada, contada milhares de vezes a história do francês que perdeu e que chorou também é uma história para ser contada e ela também nos representa e ela também fala com a gente nos nossos momentos de perda de dor entendeu? Então assim você tem ao mesmo tempo e no mesmo evento e com a mesma intensidade um cara que chega no segundo lugar e tá chorando de felicidade, de contentamento, dizendo “Caramba! Eu sou o segundo ser humano do planeta nisso. De todas as pessoas, bilhões de pessoas que tem no mundo eu sou o segundo melhor nisso. Eu sou demais. Eu tô feliz!” e você tem um cara que está muito infeliz e decepcionado e com uma dor profunda e com um luto. E aí não tem certo e errado porque aquele cara que tá chorando porque ele foi o segundo ele sabe pra que que ele se planejou, ele sabe aonde eu queria chegar [Cris: A expectativa né?]. Ele não chegou ali. E aí eu acho que não cabe o julgamento externo, isso é muito interno seu. e eu acho que a gente tem que aprender sobre esse processo dele de dizer que OK quando você se preparou para uma coisa e você deu tudo e você botou tudo por aquela coisa. As vezes não vai dar certo. [Cris: Não, eu acho que…] Ju: E é OK assim é bom que você saiba que acha que a teoria do Sucesso Ela tem um quêzinho de pirâmide sabe? Daquela psicologia maldosa da pirâmide que é não te mostrar o lado feio, que fala assim “Gente é só se esforçar que automaticamente vai dar certo.” Que é não te dizer que às vezes não vai. Então assim quando você dá All In, quando você põe tudo que você tem uma coisa sempre têm dois cenários pode dar e pode não dar. E se não der você vai ficar quebrado, você vai ficar no chão porque você deu tudo e tudo bem. Vale a pena mesmo amo assim. Você não vai nunca sair menos da experiência de dar tudo que você tem pra uma coisa mesmo que você falhe. Vai ser doído e a gente tem que deixar a doer e viver a dor e aprender com a dor e significar a dor. E acho que é isso que tá difícil.

Cri: Isso tem a ver com a sua expectativa na entrada também porque quando você entra sabendo que você vai ganhar algo perdendo ou ganhando, você já entra com outra expectativa né? No caso por exemplo de vir pra uma olimpíada ou de tentar uma meta de dieta mesmo que você não bata, você tá ganhando. Por que você está vivendo uma experiência, por que você tá fazendo um esforço, por que você tá entrando uma outra jogada, por que você está se movendo. Então eu acho que a disponibilidade para o aprendizado, Ela te dá um estado de ânimo mesmo quando você perde né? Quando você entra e fala assim “Eu tô dando All In mas eu tô aprendendo mesmo assim.” O cara que ficou em segundo ele aprendeu 200 mil coisas e aí eu não tô falando aqui daquele sabe quando você bate o dedo? Sabe dor momentânea? Aquela assim que você bate o dedo e dá aquela dor tão forte que você fala assim [risos] Você aprende a xingar palavrão em outra língua? É muito intenso mas é muito pontual porque passa muito rápido também. É um mergulho muito profundo mais uma volta muito ágil pra cima. Porque você entrou naquilo sabendo que independente do resultado final você está percorrendo um caminho de aprendizado.

Ju: Mas tudo bem que às vezes não vai ser isso. As vezes isso não é possível. Se você perder seu filho não é possível entendeu? Isso?

Cris: Não, mas ai a gente tá falando de outra coisa [Ju: Não não a gente tá falando de sofrimento e de perdas, de derrotas. Entendeu?] Não não a gente tá falando que a derrota [Ju: Eu posso dar outro exemplo. Se você foi injustamente sofreu uma perda, uma ação civil por exemplo.] Cris: Ou foi demitido injustamente

Ju: …de uma demissão.Assim, a vida tem derrotas, derrotas pessoais. Você não fez pra isso ou você se preparou para uma coisa e não conseguiu. A derrota faz parte da existência, da vida. As vezes ela é muito injusta, as vezes ela é uma consequência que não é justa nem injusta, é a vida como ela é. Mas enfim lidar com a derrota, com o sofrimento, com a dor, saber enfrentar isso e não dourar, e não minimizar e não fala assim “Não mas ele não entendeu que aquilo é um processo” Não, não. É só ruim mesmo, é só o ruim é ruim e ele vai sofrer e ele vai significar e ele vai bola pra frente sabe? Tudo bem sofrimento, também faz parte.

Rosângela: Eu acho que pauta pra um programa inteiro [Cris ri] também porque né? A gente está falando também de um país que, eu tô lembrando de um programa que vocês fizeram e falaram sobre a Rafaela Silva, que também não dá oportunidade, que tudo é baseado na meritocracia então a gente fala de perda pra nós aqui sentadas nessa mesa, tivemos acesso à educação tal. E falar de perda pra uma pessoa lá da periferia que não teve nenhum tipo de oportunidade, o choro vai ser diferente no pódio.

Ju: Por que não vai ter uma segunda chance né?

Rosangela: Não vai ter uma segunda chance. É a história que você falou a caminhada foi diferente então é um peso bem assim, olha eu tive oportunidades, eu consegui,perdi. Agora quem não teve oportunidades, teve que criar, cavar da terra as oportunidades e chega lá e consegue né? Ou não consegue chega na beira sim é um peso bem diferente também.

(Bloco 8) 1:11’00” – 1:24’59”

Carol: Acho que é isso tem muito a ver com você recebe tanto não na vida não não não não não não não aí cê chega num momento meu agora vai vir sim mas vai vir um sim tão bonito [Cris: tão gigante] e vem ou não. E aí é uma frustração que eu acho que ele ultrapassa o luto, luto não é suficiente pra lidar aquela frustração porque é um negócio que você vai dormir e acordar todos os dias da sua vida pensando nisso. Pra mim que sou uma mulher branca de classe média o que me faz de vez em quando ir dormir e lembrar é sei lá um vexame com um porre “Ai meu eu fui em tal lugar encontrei as pessoas tava bêbada falei umas merdas”, isso me pega de vez em quando. Pra uma pessoa que teve uma vida mega difícil que precisou criar oportunidades que não existiam é que o mundo inteiro falava não, ela perder esse grande sim que era tipo “O” único sim que ela conseguia enxergar, é tipo a luz no fim do túnel eu acho que é a lenha assim…

Cris: É um All In né? Ela apostou tudo ali né?

Ju: Então é por isso que eu acho cruel é um outro layer de crueldade você diminuir a dor e sofrimento porque a gente como um todo, como sociedade não consegue lidar, então cê doura a pílula mais ou menos “amigo não fica assim segundo também é bom”, não cara não minimiza a dor do outro, saca? Não acha que você sabe, que você entende, que… não, não apenas não. Por que que tá chorando gente, numa Olimpíada tá no pódio tanta gente que perdeu não é mesmo? Não, não é mesmo você não tá você tá falando. Shhhhh.

Carol: O copo não tá sempre meio cheio não, tá vazio pra caralho tem metade aqui que não tem nada.

Ju: Não é assim, e eu achei lindíssimo o Diego Hypólito na primeira participação dele ele falando assim “cara ganhar aqui foi ganhar de mim” só que essa fala só é possível depois de muitas perdas e perdas consecutivas sem dourar pílula sem ”Ah mas aí ele…” não não não foi ruim foi horrível e foi o fundo do poço sabe, duas olimpíadas em que ele passou vergonha, passou carão e não é “não mas foi uma coisa construtiva pra ele” não, não foi, foi ruim, foi ruim a ponto de “cara eu não acredito em mim, eu sou péssimo, tipo o que que eu acho que… sabe, eu vou fazer alguma coisa e…” ok isso é fato e isso é dado e aí a partir disso você constrói uma outra história sabe, então eu acho super importante você não tirar o peso das derrotas e das histórias de fracasso porque quando você tiver lá você vai saber que você não foi primeiro, que isso não é singular, que isso acontece e que isso não é o fim da história e que isso é o mais bonito.

Cris: É que tem um provérbio chinês que ele fala que “saber e não fazer ainda não é saber”. Então assim, não basta saber você tem que fazer. E a retomada do fazer pós-derrota, pós uma perda um vestibular, na entrevista de emprego, numa prova de TOEFL né, cê tá tentando uma outra língua, na conquista de alguém que você achou que tava no papo. São tantas pequenas tentativas diárias de conquista que a maturidade ela tá indiretamente relacionada a novas tentativas então a dor eu acho que a gente às vezes falta o respeito com a dor né, procurem saber tem um compêndio científico extremamente complexo mas que vale muito a pena ler que chama Divertidamente – o filme da Pixar [risos], que ele frisa a importância da tristeza, a alegria existe porque você passou por um momento de tristeza, de aprendizado, de superação, e aí vem a alegria. Então assim esse compêndio científico altamente elaborado é uma grande lição de vida mesmo.

Rosangela: Que os nossos filhos ensinam né?

[risos]

Cris: Super!

Carol: Eu sou mega hippie assim né, levo a vida muito acreditando no amor e achando que né tudo se resolve e essa relação pra mim como a dor é muito importante, muito. Pr’eu entender diversas coisas então assim cada vez que eu vou tatuar por exemplo, pra mim é um momentinho de Nirvana ali d’eu respeitar aquela dor e entender que ela faz parte do processo assim como o parto. Meu segundo filho tive um parto natural e cara doeu muito muito e chegou um dado momento que eu falei “me dá qualquer coisa, se alguém tivesse uma maconha vocês me dão aqui porque é isso eu não tenho mais condições”. E aí eu entendi que não, ok tá acabando, falta pouquinho, tá quase. E aí quando você respeita essa dor e seja a dor física, seja a dor emocional, seja a dor de uma derrota você consegue entender que tem algo além ali e é uma merda mas tem algo além tem tem você sabe, restou alguma coisa então é muito incrível a gente falar dessa coisa de perder.

Ju: Pra variar a gente não vê outras coisas, a gente não lê outras coisas, o Andrew Solomon fez um TED falando sobre como os nossos momentos mais difíceis formam quem a gente é. Ele, como só ele consegue fazer, é extremamente inspirador por falar sobre isso assim e ele é muito feliz em falar isso assim “eu não tô dizendo que o bullying é legal eu não tô dizendo que eu acho que puta, que bacana que os caras fizeram bullying comigo e tudo bem [Cris: Ou que você busque o sofrimento né?], não, mas agradeço tudo o que eu passei na vida porque me trouxe até aqui” então assim, enfim eu acho que pra que a gente chegue nesse momento edificante de auto ajuda [risos] de que tudo faz sentido a gente precisa antes passar pelo momento de: número 1 não negar a dor, não negar a derrota…

Cris: Saber perder não é negar a dor né?

Ju: Não se envergonhar da dor e da derrota, não minimizar a dor e a derrota e passar por todos processos porque tudo faz parte da vida.

Carol: E acho que entender que a derrota pra você é uma e pro outro é outra.

Ju: Total.

Carol: Tem uma história, eu fui entrevistar um empreendedor gringo uma vez, e gringo curte falar de dividir fracasso né tem essa…

Cris: Não é o nosso caso.

Carol: Não é o nosso caso não, brasileiro não fala…

Cris: É que a gente não fracassa!

Carol: Claro! E aí esse cara contou que um dos primeiros empreendimentos dele ele foi para um país africano pequenininho trabalhar com educação e aí ele chegou lá e teve uma ideia brilhante de mudar tudo numa escola, mudou tudo, tudo. Em um mês ele tinha falido a escola. E aí pra ele aquilo foi um aprendizado e aí agora eu tava aqui pensando né que quando entrevistei esse cara falei “putz que legal que aprendizado” e agora só consigo pensar “Filho da puta! Um banda de criança não teve a chance de falar “ai, aprendi muito com isso” não! Eles não aprenderam nada durante 1 ano porque o brother resolveu mudar tudo. Então é isso, assim às vezes pra você é um puto aprendizado, mas cara segura sua onda com seus aprendizados e olha pro resto da galera porque pode ter muita gente impactada com a sua onda de “vou curtir o sofrimento”.

Cris: É, é isso aí, é um caminho tortuoso e eu acho que a gente tem que aprender a contar as nossas histórias de fracasso porque elas podem inspirar outras pessoas tanto quanto as histórias de sucesso então sigamos em frente, né, tem mais Olimpíadas.

Ju: Vamos respeitar as nossas histórias quer sejam elas de derrota, quer sejam de fracasso.

Cris: OK vamos então para o farol aceso.

[sobe trilha]

[desce trilha]

Cris: Vamos então para o farol aceso, e vamos começar com essas visita bonita. Rosângela, conta pra gente que que cê vai indicar?

Rosangela: então tava pensando aqui e tem um texto muito bacana da Audre Lorde ela já é falecida, norte-americana, uma mulher negra, lésbica e que o texto é sobre O Uso do Erótico Como Poder, então como a gente falou muito da questão da violência doméstica da construção social do machismo é legal dar uma lida nesse texto que ele chacoalha um pouquinho a gente o quanto tempo todo tempo tentam cortar o nosso poder né? E tudo que é relacionado a mulher é diminuído e o erótico não hipersexualizado, banalizados mas o poder visceral da mulher o quanto que ele é o tempo todo abafado, então esse texto dá uma chacoalhada boa.

Cris: Ótimo! Carol, conta pra gente.

Carol: Eu vou indicar duas coisas a primeira é um especial que a gente fez na comum sobre a Lei Maria da Penha que tem um mini documentário e uma série de textos explicando desde como entender a violência até onde procurar ajuda como uma lista de diversos grupos de ajuda no Brasil inteiro. E a segunda indicação é assistam Gilmore Girls. Parece muito besta, mas gente, é uma série incrível pra gente entender as relações entre a gente, entre as pessoas, entre mães e filhas e a gente precisa muito entender isso entender que as mães não são perfeitas e as filhas não são perfeitas e somos pessoas e falhamos e somos insuportáveis de vez em quando, da construção acho que é muito legal pra quem não é mãe e pra quem é mãe é muuuuito mais legal e assistam Netflix gente.

Cris: Eu tava contando pra Carol meu choque, né que foi parecido com o dela de ter assistido a primeira vez super novinha no SBT, e aí eu era a Rory e eu queria hoje que minha mãe fosse a Lorelai né. E agora assistindo como mãe muda tudo eu tive um choque gigantesco quando eu assisti, agora com vontade de chorar mesmo de perceber que… quanta coisa mudou, a série é muito gostosa, né.

Carol: É, a gente chora, a gente…

Cris: Chamava “Tal mãe tal filha” no SBT, é horrível…

[risos]

Carol: Obrigada, SBT sempre com nomes maravilhosos.

Cris: Bom, eu vou indicar, e perdoe-me porque eu vou indicar algo que já foi dito aqui pela Mari Delabarba mas eu fiquei extremamente encantada e eu li O Sol é Para Todos. É um livro delicioso é obrigatório! Sério! Agora, vai lá compra esse livro e lê. Esse livro, ele te leva e ele te remete prum… Ele é tão bem escrito, foi uma escritora né, é de uma escritora Harper Lee, é um livro muito antigo e é um dos livros mais saborosos que eu já li eu acho que ele tem um pouco de gosto de pêra, sabe aquela pêra Argentina que tem um pouquinho… que parece uma areinha doce… ela tem gosto de pêra porque é um livro que te leva pra um lugar de infância, uma infância extremamente inocente construída num lugar muito complexo e você vai ler todo o livro pelo olhar da personagem principal, que é a filha de um advogado. O livro começa ela tá com uns 10 anos e vai até os 12 anos, e o olhar inocente dela sobre a complexidade dos temas tratados é fascinante. E tem o filme, o filme a super bacana e tudo mais mas assim, lê o livro? Tô te pedindo, nunca te pedi nada. Você vai simplesmente querer comer o livro tomando um chá, porque ele tem uma pureza em uma dor muito singular e entender aquilo pelo olhar de uma criança te mostra como que a construção da referência é importante pro ser humano e o entendimento da complexidade social no final o livro aborda o tema do racismo de uma maneira bastante direta e romantizada para uma criança e não tem como ser diferente ela tá entendendo a construção do mundo e referência é muito importante e o livro retrata isso de uma maneira com sabor de pêra então leiam, leiam O Sol é Para Todos. Ju e aí?

Ju: Essa semana eu vou indicar mais uma trilha musical, vale a pena vocês ouvirem procurarem, tem no Spotify, Madeleine Peyroux, então né… Pra aquecer o seu coração, pra dar uma doçura né pra dar aquele calorzinho no coração, aquele bom humor, aquela vontade de viver né?

Carol: Aquela dorzinha gostosa…

Ju: É.

Cris: Eu acho que Madeleine Peyroux é bom até quando você vai fazer uma reunião que você não queria fazer num lugar onde você não queria estar e ela toca e te inspira.

Ju: Eu acho, então vocês vão me agradecer ainda, escutem e depois me contem no Twitter, no Facebook, por e-mail, se vocês gostaram. É isso Cris? Temos um programa?

Cris: menina fica a gostosa sensação de receber gente nova e querida e que parece que já vem há um tempão né?

Ju: E que esperamos que voltem, voltem muito.

Cris: Obrigada, gente, beijos.

Carol: Voltaremos

Cris:

Beijos!

[sobe trilha]

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