- Cultura 2.set.2016
“Star Trek: Sem Fronteiras” tem ótima ação, elenco em sintonia e tom esperançoso
Concentrado no embate entre indivíduo e coletivo, filme de Justin Lin se afasta das principais marcas de J.J. Abrams para construir uma aventura simples e emocionante
⚠️ AVISO: Contém spoilers
Sair da rotina pode proporcionar novos desafios. É a partir dessa ideia simples, dita em uma narração em off logo nos primeiros minutos de projeção, que se estrutura o terceiro episódio da nova fornada de filmes da série “Star Trek”. Mais do que apenas trilhar o caminho para uma aventura inédita, porém, a sugestão de que alterar certas dinâmicas e aspectos básicos pode renovar o interesse geral serve de base para todo o trabalho de Justin Lin, sucessor de J.J. Abrams na direção.
Há uma mudança de padrão bastante significativa em jogo. O longa de 2009 e sua continuação lançada quatro anos depois, “Além da Escuridão”, se valiam da combinação de elementos muito próprios da filmografia de Abrams. A aposta consistia, sobretudo, na química entre os integrantes do elenco principal e em truques de roteiro fundados no conceito de caixa de mistérios do criador de “Lost”.
Em “Sem Fronteiras”, somente o primeiro desses três pontos se mantém fundamental, ainda que o tom das interações entre os personagens tenha, em larga medida, variado. Saído diretamente de outra franquia de sucesso, “Velozes e Furiosos”, Lin possui interesses distintos. Sua proposta parece mais contida em termos de escala, mas as ambições narrativas superam aquelas dos filmes anteriores, em especial as do cínico e redundante último episódio.
Uma questão ocupa o centro das atenções: a relação entre indivíduo e coletividade. Não se trata exatamente de uma novidade, visto que o autor já trabalha esse embate constante há anos. Para além da superfície e das dezenas de carros explodidos, “V&F” narra a trajetória um tanto conflituosa de amigos que se identificam como uma família — uma marca sacramentada pela cena final do sexto filme, em que o grupo, preocupações individuais à parte, se reúne em paz e dá as mãos antes de uma oração.
Lógica semelhante se aplica aqui. Embora estejam separados durante boa parte da trama, Kirk e Spock (Zachary Quinto) lidam com seus problemas pessoais como um verdadeiro núcleo familiar. O capitão, às vésperas de seu aniversário, carrega consigo a figura do pai falecido e lamenta a distância da mãe, ao passo que o comandante sofre pela morte do Embaixador Spock e se vê cada vez mais atraído por Uhura (Zoe Saldana), no que parece uma tentativa de consertar os rumos de um relacionamento subaproveitado por Abrams.
Saído de outra franquia de sucesso, “Velozes e Furiosos”, o diretor possui interesses distintos dos “Star Trek” anteriores
Lin articula essas relações de formas variadas — uma moto encontrada no meio da jornada pode servir de gatilho para a reconciliação de um personagem com seu passado tanto quanto uma foto antiga. A dupla, cujos planos inicialmente apontam para uma separação definitiva, tem na união da tripulação seu principal fator de convencimento. Por essa razão, não poderia ser mais adequada a maneira como o roteiro de Simon Pegg e Doug Jung se estrutura, tentando fazer a roda girar em vez de reinventá-la.
Isolados em um planeta rochoso após um ataque à Enterprise, os tripulantes são divididos em grupos menores (Kirk e Chekov, Spock e Bones, Uhura e Sulu), que conservam um senso de unidade a despeito de se concentrarem em desafios particulares. Mesmo as adições ao elenco se apresentam desse modo. Jaylah (Sofia Boutella), a alienígena que divide a cena com Scott na maior parte do tempo, também traz consigo o peso de uma grande perda familiar que, ao menos a princípio, a impede de se inserir confortavelmente em uma coletividade.
O roteiro de Simon Pegg e Doug Jung se estrutura pra fazer a roda girar em vez de reinventá-la
Quando o contraponto é estabelecido, porém, torna-se evidente a necessidade de unir esforços. Krall, o vilão interpretado por um Idris Elba coberto de maquiagem, incorpora essa tentativa individualista de se opor à unidade: “A união não é sua força, mas sua fraqueza”, ele afirma. Suas motivações, que permanecem encobertas durante os dois primeiros atos do filme, vão de encontro aos valores que a Frota Estelar deseja propagar para preservar a harmonia do universo.
A saída para vencê-lo parece única: nas palavras de um dos oficiais, é preciso “fazer o impossível” para reunir a tripulação na U.S.S. Franklin, a nave abandonada que Jaylah, não sem motivo, chama de casa, e que funciona como chave para os mistérios cercando o inimigo. Mais do que nunca, o veículo se mostra imprescindível para o sucesso da missão. Isso só ocorre porque Lin, ciente da importância de reunir a equipe para o clímax, demonstra plena segurança no desenrolar da ação.
O clímax demonstra a habilidade do diretor em conciliar potência visual com doses de esperança e ternura
A câmera de Stephen F. Windon, parceiro do diretor há mais de uma década, gira e flutua pelos cenários abertos de maneira suave, como se apenas o efeito da microgravidade atuasse sobre ela. Vista de fora e por todos os ângulos, a Enterprise parece mais bonita do que nunca. A estratégia é precisa: mostrar a nave em todo seu esplendor aumenta consideravelmente o impacto de sua destruição posterior. Os danos à estrutura são enquadrados de perto e sempre acompanhados pela trilha sonora de Michael Giacchino e por reações dos tripulantes, que conseguem conferir até aos termos técnicos enorme força dramática.
Ainda que alguns trechos pareçam exageradamente escuros e confusos, criando um contraste estranho com o visual colorido dos demais segmentos, as batalhas espaciais têm aparência e movimento vibrantes. O grande destaque é a sequência em que o grupo enfrenta um enxame de abelhas, novamente trazendo à tona a questão do indivíduo/coletivo, agora com força total. Talvez esse seja o clímax mais intenso de toda a história da série nos cinemas — uma demonstração da habilidade de seu diretor para conciliar sua potência visual e as doses de esperança e ternura que, como demonstram as homenagens a Leonard Nimoy e Anton Yelchin e a cena em que Sulu (John Cho) encontra o marido e a filha, melhor caracterizam “Star Trek”.
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