“Star Trek: Sem Fronteiras” tem ótima ação, elenco em sintonia e tom esperançoso • B9

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Capa - “Star Trek: Sem Fronteiras” tem ótima ação, elenco em sintonia e tom esperançoso

“Star Trek: Sem Fronteiras” tem ótima ação, elenco em sintonia e tom esperançoso

Concentrado no embate entre indivíduo e coletivo, filme de Justin Lin se afasta das principais marcas de J.J. Abrams para construir uma aventura simples e emocionante

por Virgílio Souza

⚠️ AVISO: Contém spoilers

Sair da rotina pode proporcionar novos desafios. É a partir dessa ideia simples, dita em uma narração em off logo nos primeiros minutos de projeção, que se estrutura o terceiro episódio da nova fornada de filmes da série “Star Trek”. Mais do que apenas trilhar o caminho para uma aventura inédita, porém, a sugestão de que alterar certas dinâmicas e aspectos básicos pode renovar o interesse geral serve de base para todo o trabalho de Justin Lin, sucessor de J.J. Abrams na direção.

Há uma mudança de padrão bastante significativa em jogo. O longa de 2009 e sua continuação lançada quatro anos depois, “Além da Escuridão”, se valiam da combinação de elementos muito próprios da filmografia de Abrams. A aposta consistia, sobretudo, na química entre os integrantes do elenco principal e em truques de roteiro fundados no conceito de caixa de mistérios do criador de “Lost”.

O diretor Justin Lin com Chris Pine no set

O diretor Justin Lin com Chris Pine no set

Star Trek Poster

Em “Sem Fronteiras”, somente o primeiro desses três pontos se mantém fundamental, ainda que o tom das interações entre os personagens tenha, em larga medida, variado. Saído diretamente de outra franquia de sucesso, “Velozes e Furiosos”, Lin possui interesses distintos. Sua proposta parece mais contida em termos de escala, mas as ambições narrativas superam aquelas dos filmes anteriores, em especial as do cínico e redundante último episódio.

Uma questão ocupa o centro das atenções: a relação entre indivíduo e coletividade. Não se trata exatamente de uma novidade, visto que o autor já trabalha esse embate constante há anos. Para além da superfície e das dezenas de carros explodidos, “V&F” narra a trajetória um tanto conflituosa de amigos que se identificam como uma família — uma marca sacramentada pela cena final do sexto filme, em que o grupo, preocupações individuais à parte, se reúne em paz e dá as mãos antes de uma oração.

Lógica semelhante se aplica aqui. Embora estejam separados durante boa parte da trama, Kirk e Spock (Zachary Quinto) lidam com seus problemas pessoais como um verdadeiro núcleo familiar. O capitão, às vésperas de seu aniversário, carrega consigo a figura do pai falecido e lamenta a distância da mãe, ao passo que o comandante sofre pela morte do Embaixador Spock e se vê cada vez mais atraído por Uhura (Zoe Saldana), no que parece uma tentativa de consertar os rumos de um relacionamento subaproveitado por Abrams.

Star Trek Beyond

Saído de outra franquia de sucesso, “Velozes e Furiosos”, o diretor possui interesses distintos dos “Star Trek” anteriores

Lin articula essas relações de formas variadas — uma moto encontrada no meio da jornada pode servir de gatilho para a reconciliação de um personagem com seu passado tanto quanto uma foto antiga. A dupla, cujos planos inicialmente apontam para uma separação definitiva, tem na união da tripulação seu principal fator de convencimento. Por essa razão, não poderia ser mais adequada a maneira como o roteiro de Simon Pegg e Doug Jung se estrutura, tentando fazer a roda girar em vez de reinventá-la.

Isolados em um planeta rochoso após um ataque à Enterprise, os tripulantes são divididos em grupos menores (Kirk e Chekov, Spock e Bones, Uhura e Sulu), que conservam um senso de unidade a despeito de se concentrarem em desafios particulares. Mesmo as adições ao elenco se apresentam desse modo. Jaylah (Sofia Boutella), a alienígena que divide a cena com Scott na maior parte do tempo, também traz consigo o peso de uma grande perda familiar que, ao menos a princípio, a impede de se inserir confortavelmente em uma coletividade.

Star Trek Beyond

O roteiro de Simon Pegg e Doug Jung se estrutura pra fazer a roda girar em vez de reinventá-la

Quando o contraponto é estabelecido, porém, torna-se evidente a necessidade de unir esforços. Krall, o vilão interpretado por um Idris Elba coberto de maquiagem, incorpora essa tentativa individualista de se opor à unidade: “A união não é sua força, mas sua fraqueza”, ele afirma. Suas motivações, que permanecem encobertas durante os dois primeiros atos do filme, vão de encontro aos valores que a Frota Estelar deseja propagar para preservar a harmonia do universo.

A saída para vencê-lo parece única: nas palavras de um dos oficiais, é preciso “fazer o impossível” para reunir a tripulação na U.S.S. Franklin, a nave abandonada que Jaylah, não sem motivo, chama de casa, e que funciona como chave para os mistérios cercando o inimigo. Mais do que nunca, o veículo se mostra imprescindível para o sucesso da missão. Isso só ocorre porque Lin, ciente da importância de reunir a equipe para o clímax, demonstra plena segurança no desenrolar da ação.

Star Trek Beyond

O clímax demonstra a habilidade do diretor em conciliar potência visual com doses de esperança e ternura

A câmera de Stephen F. Windon, parceiro do diretor há mais de uma década, gira e flutua pelos cenários abertos de maneira suave, como se apenas o efeito da microgravidade atuasse sobre ela. Vista de fora e por todos os ângulos, a Enterprise parece mais bonita do que nunca. A estratégia é precisa: mostrar a nave em todo seu esplendor aumenta consideravelmente o impacto de sua destruição posterior. Os danos à estrutura são enquadrados de perto e sempre acompanhados pela trilha sonora de Michael Giacchino e por reações dos tripulantes, que conseguem conferir até aos termos técnicos enorme força dramática.

Ainda que alguns trechos pareçam exageradamente escuros e confusos, criando um contraste estranho com o visual colorido dos demais segmentos, as batalhas espaciais têm aparência e movimento vibrantes. O grande destaque é a sequência em que o grupo enfrenta um enxame de abelhas, novamente trazendo à tona a questão do indivíduo/coletivo, agora com força total. Talvez esse seja o clímax mais intenso de toda a história da série nos cinemas — uma demonstração da habilidade de seu diretor para conciliar sua potência visual e as doses de esperança e ternura que, como demonstram as homenagens a Leonard Nimoy e Anton Yelchin e a cena em que Sulu (John Cho) encontra o marido e a filha, melhor caracterizam “Star Trek”.

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