A Dama na Água
Virou mania achincalhar todos os filmes de M. Night Shyamalan, ainda que o diretor tenha realizado verdadeiras obras-primas como “Sinais” e “A Vila” (não, e não vou falar de “O Sexto Sentido” mais uma vez). Filmes que, com uma fachada de suspense (muito eficiente por sinal) e terror (que o marketing insiste em vender), aborda temas profundos e que nos fazem sair da sala de cinema pensando e discutindo sobre o que acabamos de ver, o que por si só é uma imensa qualidade.
Shyamalan é um diretor que, antes de mais nada, mereceria respeito por ser uma das cabeças mais criativas e originais de Hollywood, fugindo do convencional em um momento em que a indústria carece de diretores autorais e precisa investir em adaptações, refilmagens e sequências.
Mesmo assim, a crítica especializada insiste que Shyamalan faz um filme pior que o outro e está enterrando sua carreira. Com “A Dama na Água”
não foi diferente, tornando-se o filme mais criticado do diretor hindu-americano.
Vamos considerar então que “A Dama na Água” fosse mesmo um filme terrível, primário e inassistível, como alardearam os críticos estrangeiros. Teríamos então a primeira obra realmente ruim de uma carreira brilhante, ou como disse o próprio Shyamalan: “Ainda terei acertado 80% das vezes.”
Acontece que “A Dama na Água” passa longe de ser um filme ruim, pelo contrário. É um belo e imaginativo conto de fadas, comovente e criativo como há muito tempo o cinema não via. É sim sua obra mais pessoal, o que exige uma profunda entrega do espectador para se deixar levar pela história (como diz o próprio nome da narf, a ninfa da água).
Mais presente do que em qualquer outro filme seu, o humor de “A Dama na Água” arranca risos de todos os tipos: sinceros, inocentes e ácidos. Pois a produção também é uma espécie de auto-defesa de Shyamalan, que incluiu até um personagem que é um arrogante crítico de cinema e colocou a si próprio para desempenhar um papel de alguém que vai transformar o mundo.
Quem é fã do diretor, vai se deliciar com os inúmeros elementos sempre presentes em suas obras: a água catalisadora de mudanças, a criança com papel fundamental, o questionamento da fé, sua participação especial, a cor vermelha indicativa de perigo e, claro, seus maneirismos visuais e ousadas tomadas de camera. Destaque também para mais uma bela trilha sonora de James Newton Howard, que concorreu ao Oscar pela sua composição para “A Vila”, e foi a quinta parceria do compositor com Shyamalan.
E é claro que quem não gosta dos filmes de Shyamalan, utiliza como outro argumento para espinafrar os filmes do diretor, de que quem gosta é só porque fica enxergando mensagens ocultas e o sub-texto implícito nos roteiros. Porém, não é preciso ter mais do que um dos olhos funcionando para perceber que questionamentos que permearam várias de suas histórias anteriormente, também estão presentes aqui. Cenas, diálogos e acontecimentos não são gratuitos, e servem tanto para transformar o condomínio The Cove em um universo particular que é espelho do nosso mundo, como para criticar o cinismo humano.
E talvez seja esse realmente o único problema dessa fantasia verdadeira e revigorante como “A Dama na Água”: a perda da capacidade do homem de acreditar.
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