Esse é um dos nossos programas mais ouvidos, e um dos temas que nos é mais caros. Essa edição foi transcrita com carinho pelos ouvintes Lu Machado, Samuel Freire e Alan Bastos para que mais mamileiros tenham acesso ao conteúdo.
Minutos 0 – 11
Este podcast é apresentado por B9.com.br
Cris: bem-vindos ao bonde da polêmica. Esse é o Mamilos, um espaço de encontro pra pessoas compartilharem visões de mundo e opiniões diferentes com empatia e respeito. Uma oportunidade pra escutar de cabeça e coração aberto não pra mudar de ideia mas pra entender como que alguém pode chegar a conclusões tão diferentes das suas. Eu sou a Cris Bartis e essa é a minha companheira de microfone
Ju: Ju Wallauer
Cris: e hoje vamos falar sobre cultura do estupro.
Ju: som do Mamilos. Caio, pode pedir o último álbum da Elza Soares? Acho que o tema pede.
Caio: olá personas, Corraini vem aqui novamente pra trazer a vocês os responsáveis por dar mais cor ao Mamilos dessa semana. Lembrando sempre que se você quiser colaborar com o conteúdo musical deste programa pode nos recomendar bandas ou artistas independentes no e-mail [email protected]. E facilita é muito a minha vida se vocês enviarem os links do site oficial do artista vocês andam esquecendo ou então onde nós podemos buscar os downloads direto das musicas dele para utilizar no episódio. Nessa edição como vocês ouviram o pedido da Ju nós iremos ouvir novamente o álbum A mulher do fim do mundo, então fiquem aí com a Elza Soares no som do Mamilos.
Sobe trilha sonora
Meu temporal me transforma em loba
Presa, você vai gemer
Feito cordeiro entregue pra morte
Seu sussurrar a pedir
Pra fuder, pra fuder, pra fuder, pra fuder
Desce trilha sonora.
Cris: é tem beijo. Tem beijo pro Junior, ouvinte que nos escreveu dizendo que ouviu o programa de Adoção ao lado da mãe adotiva e que isso gerou um momento lindo entre os dois.
Ju: Beijo a todos os ouvintes que compartilharam suas histórias de adoção para nós por e-mail e que choraram e se emocionaram. Sintam-se beijados e abraçados!
Cris: inclusive eu queria dar o retorno da Tatá eu li alguns comentários para ela. Ela gostou mas ela falou mamãe eu não entendi por que as pessoas estão chorando mas ela gostou. Aos vários e várias ouvintes que também nos escreveram sobre o programa 69 e se sentiram mais livres e motivados para sentir prazer e até desmistificaram alguns conceitos com o programa.
Ju: Aos Mamileiros de Brasília, Distrito Federal, que nos escrevem tanto!
Cris: Aos nossos ouvintes de Caicó, Rio Grande do Norte
Ju: Especial pra Camilão que mora em Cambridge, EUA e pra amiga Lívia que contou pra Cris o tanto que ela gosta do Mamilos.
Cris: um beijo Pra todo mundo que foi super carinhoso comigo no Teia GNT onde eu tive oportunidade de contar um pouquinho sobre o mamilos. Um beijo especial pra Raíssa Pignoni que me deu um abraço delicioso e ainda levou a mãe dela. Obrigada pelo carinho.
Ju: e Fale com o Mamilos. Toda semana a gente se dedica pra montar pauta, trazer convidados tudo pra fazer um conteúdo pra te enriquecer. Mas isso aqui é uma relação né? Então retribua com muito amor deixando seus comentários no Twitter no @mamilospod, ou na nossa página do Facebook. Fale com a gente.
Cris: vamos então pro Fala que eu te escuto.
Mariana Baeta
Gente, 5 minutos do programa e eu que to o que? Isso mesmo, chorando horrores com a entrevista da Tata. Que coisa mais linda, que família mais linda, uma mãe maravilhosa que sabe empoderar sua pequena, ouvir ela falando sobre ser preta e como ela se acha linda. Só esse inicio do programa ja foi como um sopro de alegria no meio das noticias pesadas que recebemos essa semana. Obrigada Mamilos ♥️
Ju: o Di Parente disse:
Licença meninas. Tenho que dizer que, pela a primeira vez, Mamilos me fez chorar – SIM, VOCÊS DERRETERAM O MEU CORAÇÃO DE PLATINA SOLIDA, me emocionei desde a entrevista com a Tatá, até a ultima pergunta feita a Dra. Dora. E, como sempre, vocês me fizeram refletir sobre os meus pontos de vistas, porque eu, até agora, fazia parte dos adotantes que buscavam filhos até os cinco anos, mas com que a Dr. disse, explicando que a descoberta pode ser a mesma começei a ver e rever os meus conceitos, MUITO OBRIGADO JU, CRIS E TODOS QUE FIZERAM PARTE DESSA TETA TODA ESPECIAL!
Cris: a ana elisa bacon no Twitter falou:
MUITO BOM o @Mamilospod sobre adoção. Eu, que nunca pensei em ser mãe, até fiquei com vontade de adotar.
Ju: a Nayra Schall disse:
Meninas, queria agradecer por esse programa. Chorei umas 10 vezes e a primeira foi ao ouvir a entrevista com a Tata, não sei explicar porquê, talvez pela naturalidade, pela simplicidade, pelo jeitinho dela, me emocionei.
Tenho sorte em viver num contexto social que não me pressiona a casar e ter filhos. Mesmo com quase 27 anos ainda não sei se quero ser mãe. Cheia de preconceitos e ideias erradas, não considerava adoção como uma opção, até ouvir nos Mamilos a Cris falar da Tata, da relação com ela, um pouco do processo de se tornar mãe de uma criança que não saiu de dentro de você no programa sobre maternidade e, devagarinho, fui enxergando a adoção de outra forma, de um jeito mais humano e, mais do que isso, como uma opção.
Esse programa foi uma grande passo para uma decisão no futuro. Agora que sei que não preciso engravidar pra ser mãe, que isso não me tornará menos mãe, nem me privará de experiencias extraordinárias com a criança que vier a se tornar meu filho ou minha filha.
Parabéns pelo excelente trabalho, sempre!
Beijos e abraços apertados em vcs! <3
Cris: vamos então pro Merchand?
A Olga lançou essa semana o MINIMANUAL DO JORNALISMO HUMANIZADO um guia básico, de bolso, para jornalistas, redatores, blogueiros e veículos de comunicação acessarem sempre que precisarem lembrar do que fazer – e do que não fazer – para que a sua matéria/post não colabore com a perpetuação da cultura de violência contra a mulher na nossa sociedade. O MINIMANUAL será dividido em quatro partes e o primeiro, Violência Contra a Mulher aborda crimes de estupro, violência doméstica e feminicídio.
Ju: muito bem, vamos então pra teta? Teta? Já? Mas é o início do mês… É uma teta extraordinária porque gente não dava pra não falar sobre esse assunto é não dá pra falar esse assunto en passant como um Trending Topics só discutir, só dar opinião. Então a gente trouxe duas pessoas muito especiais e eu queria apresentar pra vocês a Jessica, Jéssica fale quem você é
Jéssica: meu nome é Jessica eu sou uma das co-fundadoras do Coletivos Nós Mulheres da Periferia, eu moro no bairro de Perus na periferia da região noroeste de São Paulo.
Ju: muito bem, benvinda Jéssica.
Jéssica: obrigada.
Ju: Temos aqui uma pessoa que já é conhecida dos nossos ouvintes que vocês ouviram aqui no mamilos 41 de violência contra a mulher o Sergio. Sérgio boa noite noite, fale quem você é
Sérgio: boa noite eu sou o Sérgio, sou professor de filosofia, sou educador, um dos fundadores da campanha do laço branco e atualmente gestor do projeto Tempo de despertar, uma proposta de ressocialização de trabalho de educação dos homens autores de violência contra a mulher.
Ju: muito bem. Então vamos lá que a teta é longa e o tempo é curto. Primeiro antes de começar a gente precisa fazer um disclaimer.
*** DISCLAIMER ***
Nesse programa você não vai escutar contrapontos e visões opostas sendo debatidas. Esse é um programa de jornalismo explicativo. Entendemos que o termo cultura do estupro foi muito usado essa semana e que muita gente não sabe o que isso significa, ou conhece em parte e tem suas ressalvas. Nosso objetivo é explicar da melhor maneira que pudermos de onde o termo vem, a que ele se refere e porque foi tão usado. Todo mundo que está na mesa concorda com o fato de que a cultura do estupro não só existe, como é forte no Brasil e um pano de fundo importante para a violência contra as mulheres. Vamos explicar aqui porque acreditamos nisso. Essa é uma teoria consolidada, largamente estudada e defendida por sociólogos e antropólogos, mas não é hegemônica. Se você não concorda, escute com o coração e a mente aberta pra tentar entender, e depois escreva pra gente defendendo sua visão com dados e argumentos pra podermos ler no próximo programa. Esse é o recorte, esse é o viés.
Então borá começar, Cris…
Cris: nos trouxemos essa pauta pra mesa porque na quarta passada foi publicado no Twitter – e muito compartilhado, vale ressaltar – um vídeo em que homens se vangloriavam de ter estuprado uma menor de idade, que aparece nua e desacordada enquanto sua genital sangrando é exposta como troféu.
Diversos coletivos feministas reagiram, denunciando e gerando uma comoção que pautou a mídia tradicional, com repercussão até em veículos internacionais.
Mais do que comentar detalhes desse caso específico, queremos trazer pra discussão um assunto maior que ganhou visibilidade com esse caso.
É óbvio que ficamos chocados com uma notícia de que uma adolescente foi estuprada por 33 homens. Todo mundo concorda que estupro é um dos piores crimes que existem. Ainda assim, 99% dos agressores sexuais estão soltos – e contrariando o senso comum formado a partir desses casos midiáticos, eles não são, em sua esmagadora maioria monstros ou psicopatas. O motivo para essa informação ainda ser chocante é só um: o nosso hábito de abafar a violência sexual a qualquer custo. Então antes de começar a falar sobre cultura de estupro a gente precisa afastar os pré-conceitos que temos sobre estupro construindo um panorama real e estatístico da violência sexual no Brasil.
Ju: Vamos começar pela definição legal de estupro, porque teve muita discussão né Sérgio essa semana sobre o que que era estupro, então vamos lá, independe de concepções pessoais o que a lei define como estupro é “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.” Ou seja outro ato libidinoso não é só penetração. Tá, então não precisa ter penetracao pra ser estupro.
O que mais?
Se a vítima tiver entre 14 e 18 anos, a pena é mais severa – abaixo disso, qualquer conjunção carnal é considerada estupro de vulnerável, independente do consentimento da vítima. Tá? Outra coisa que as pessoas esqueceram
“Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas com alguém que por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência”, ou seja se uma pessoa estiver desacordada ela não tem como dar consentimento então qualquer coisa que você fizer com ela de libidinoso é considerado estupro. Essa é a definição da lei. Então vamos lá, a gente quer derrubar alguns mitos sobre violência sexual e o primeiro é quem são as vítimas e os agressores Sérgio? Quem são os agressores?
Minutos 11:28’’ – 20:59’’
Sérgio: bom os agressores são realmente pessoas conhecidas da vítima, aquele mito da pessoa desconhecida que é pega a ermo na esquina, numa rua escura isso não é verdade, a verdade é bem clara e transparente são pessoas conhecidas do convívio da vítima onde ele atua de forma sutil até enganando até as pessoas externas levando a dúvida. Então geralmente o homem que pratica esse ato esse estupro conhece a rotina da vítima, conhece os gostos da vítima ele vai cercando a vítima de tudo que é jeito até então violentar a mulher.
Ju: a gente tem uma estatística que segundo o ministério da saúde 70% das estupradas são crianças e adolescentes até 17 anos e a maior parte delas foi violentada dentro de casa por pessoas de confiança como você falou como padrastos ou amigos da família.
Cris: eu acho que isso já derruba uma primeira tese né todo mundo quando a gente vê casos de estupro esse midiático acaba colaborando com isso porque não foi dentro de casa mas na maioria das vezes não são monstros não é um monstro porque é um pai, é um tio, é um primo, é um sobrinho, é o melhor amigo então assim não é monstro é uma pessoa que cometeu um crime porque quando a gente fala que é um monstro parece assim ah resolveu esse problema, não tem um monte de monstro…
Ju: o que eu acho é mais interessante falar de não é monstro porque você pensa assim poxa mas um cara que faz uma coisa dessa, que abusa de uma pessoa indefesa ele é sim um monstro. O que a gente tá querendo dizer quando a gente fala que não é um monstro no sentido assim a psicopatia ela não explica a prevalência do estupro na sociedade então assim se fosse por exemplo um assassinato em série é uma coisa super rara isso você poderia explicar na psicopatia se você quisesse agora o estupro a prevalência é tão grande que a sociopatia não explica não é alguém que tá fora do padrão psicológico enfim que tá fora da sociedade, o que a gente tá falando é o seguinte são pessoas funcionais elas vão pro trabalho você conhece elas no trabalho elas são pessoas que andam em todos os níveis você encontra com ela você joga bola com um cara e você nem sabe disso. A gente tá falando que não é uma pessoa que você reconhece olhando entendeu?
Cris: eu queria dar um exemplo de uma matéria que eu li recentemente e eu queria pedir pra todo mundo refletir se conhece alguém assim se não conhece provavelmente foi você, mas o que a matéria diz um pesquisador chamou uma série de alunos numa universidade pra fazer uma pesquisa mas ele não falou que era sobre estupro. Ele virou pro cara e pegou os caras mais garanhões que tinham essa fama já na escola e tal, chamou os caras e falou assim, me conta como é que você faz pra pegar mulher? Que você faz? Como que você chega lá e acaba rolando? O cara fala pô não é tão difícil assim. Ó eu chego nas festas e já fico de olho já é assim primeiro você já tem é fazer umas conversas você olha a menina no dia a dia vice já tenta conversar ela já tem que te conhecer. Quando chegar na festa aí você já se aproxima mais aí você vai dando bebida e aí ó quando é mulher aí você dá alguma coisa muito doce e com muito álcool pra ela não sentir, ela vai ficando bebada bêbada bêbada e a hora que você ver que ela tá muito ruim aí você leva ela pra um canto, dai pô provavelmente ela vai tentar resistir mas aí você vai… Vai indo, vai insistindo, vai insistindo aí ou ela vai ceder ou ela vai apagar e CRAU é só isso.
Sérgio: essa experiência é uma regra muito comum hoje nas baladas, nas raves, você escolhe a vítima a vulnerabilidade da mulher a fragilidade dela então há uma certa cartilha há um certo ritual até certo uma cumplicidade desses homens e da cumplicidade formando uma competição mesmo né e infelizmente é uma coisa real, concreta e que tá bem na moda hoje em dia de ver quantas mulheres quantas garotas você encosta na parede.
Cris: é que esse é o macho né? Esse cara é um pegador, olha lá quantas mulheres ele pegou. A percepção de que isso na verdade é um crime é tão vaga né porque não foi na rua porque ele não puxou uma mulher pelo braço num beco e arrancou a roupa dela e estuprou então ele só né?
Ju: ele forçou um pouco limite né?
Cris: não é mesmo?
Ju: o limite tá um pouco cinza né? Então assim a gente já conseguiu construir aqui que o estuprador não é aquele criminoso antissocial e psicopata que a gente tinha imaginado né? Agora uma coisa que é importante é que o estupro também é super subnotificado é muito difícil que a vítima primeiro pelos mesmos motivos que a gente falou antes perceba que o estupro aconteceu porque se a gente entendia que uma menina que está bêbada demais pra dar consentimento mas ela já estava ficando com o cara antes se o cara forçou e ela não teve forças pra resistir assim como o cara não entende que isso é um estupro a vítima também não entende então muitas vezes é difícil o crime é sub notificado porque a vítima não percebe que o que aconteceu com ela foi estupro ela se sente mal ela se sente violada mas ela não consegue nominar o que aconteceu com ela.
Cris: qual nunca ouviu falar nossa ressaca moral olha aquilo que eu fiz ontem ou foi só uma noite muito ruim eu quero esquecer isso.
Ju: é a vergonha né?
Cris: a vergonha.
Ju: de alguma maneira você sente que você colaborou com isso mesmo que seja dentro de casa então é o caso da menina que foi estuprada pelo avô quando tava saindo do banho enrolada numa toalha e a avó diz mas porque que você precisava provocar ele assim? Então você entende que dentro de casa você já tem isso como é que você vai até a delegacia?
Cris: no Brasil são cerca de 50 mil casposo notificados ao ano, mas de acordo com o IPEA isso não chega a 10% dos casos ocorridos então se essa estimativa está certa a gente tá falando de cerca de meio mi,não de pessoas estupradas no Brasil todos os anos.
Sérgio: exatamente porque a lógica do estupro é muito perversa ela inverte a situação ela inverte transformando a mulher na culpada então o que mais impressiona que está por detrás desta lógica é uma vergonha e o sentimento de impunidade ah ela não vai me denunciar eu sou o avô, eu sou o marido eu sou o namorado eu sou o colega dela de faculdade eu sou colega de trabalho então a lógica do estupro tá construído num sentimento de impunidade ao homem que cometeu esse ato ao homem que comete o estupro a violência sexual porque é uma perpetuação do domínio sobre o corpo da mulher. A mulher não pode sentir prazer, a mulher não pode ter a sua liberdade então quando há um estupro na verdade há um cerceamento dessa autonomia dessa determinação e isso que sirva de exemplo para todas as outras mulheres que queiram se libertar que queiram vencer na vida que queiram ser elas mesmas então esse domínio sobre o corpo da mulher se transforma no estupro pra que toda a sociedade veja o que acontece com a emancipação da mulher.
Ju: é aí as poucas que conseguem nominar o que aconteceu que conseguem vencer a vergonha que conseguem vencer a oposição da família chegam na delegacia e o que que o delegado faz Jéssica?
Jéssica: primeiro que infelizmente as mulheres chegam nas delegacias e não são tratadas com outras mulheres então isso também cria uma dificuldade porque quando uma mulher é atendida por outra tem um processo de empatia ou se espera que tenha esse processo então é muito difícil quando ela chega a dizer então o policial, o guarda diz ah mas você acha que foi mesmo? Tem certeza? Ou no caso de violência doméstica ah foi uma briguinha, entre quatro paredes ninguém coloca a colher. Estes tipos de questões aparecem muito então a mulher se sente primeiramente envergonhada ela sabe que ao chegar ela não tem credibilidade ela vai ser desacreditada ela já muitas vezes quando a gente pega num universo de mulheres infelizmente que ainda não tem tem tanto acesso à informação que não sabem dos processos dos lugares onde elas podem ir é mesmo aquelas que têm acesso à informação ainda tem muito receio também das represálias dos próprios companheiros dos próprios agressores e de como a sociedade de forma geral pode enxergar ela e a justiça também é muito falha nesse sentido porque não informa muitas vezes quais são todos os processos que essa mulher ela tem que seguir e muitas vezes é também existe hoje a delegacia da mulher…
Ju: só 10% dos municípios têm delegacia da mulher, então já começa aí né?
Jéssica: exatamente. São poucas as delegacias da mulher e mesmo dentro das delegacias da mulher existem alguns relatos de maus tratos ou também não se encontra aquele reconhecimento não se encontra aquela empatia que se espera de uma mulher sendo tratada por outra.
Ju: uma coisa interessante que eu vi assim que a gente sempre procura no Mamilos olhar os dois lados né então assim a gente fala que a mulher não é bem recebida na delegacia mas pensa o seguinte esse cara é quem? Ele é um ET? Esse policial que tá recebendo ela? Não ele é um homem como todos os outros, ele claro deveria ter um treinamento especial pra atender o público e tal mas ele faz parte dessa cultura né? Ele é um homem assim como é difícil pra quem faz o crime entender que aquilo foi um crime pra quem sofreu o crime às vezes não entende muitas vezes essa percepção essa banalização essa coisa de que é tudo comum também tá na cabeça do policial tá então é errado? Erradíssimo, mas numa pesquisa com força policial 85% reclama de treinamento dos que tratam de violência contra mulher reclamam que não recebem treinamento necessário e ele não tem também estrutura por exemplo uma das coisas que é super traumática pras vítimas de estupro é não ter uma coisa que tá determinada na lei Maria da Penha que é a separação de recepções pra vítima é pro criminoso então a vítima é obrigada a esperar o momento em que ela vai dar o depoimento do lado da pessoa que ela tá acusando. Assim ela acabou de passar por uma situação super traumática ela tá tendo uma força imensa pra conseguir ir até lá e ela vai ter que ficar face à face com o cara nessas primeiras horas, então assim isso é contra a lei é isso acontece todos os dias.
Minutos 21:47’’ – 31:08’’
Cris: eu tava lendo uma menina contando relato dela de ir na delegacia de contar tudo, ela teve que contar o que aconteceu 16 vezes.
Ju: isso também
Cris: cê imagina ter que contar uma história que tá em carne viva ainda tantas vezes para tantas pessoas diferentes tantas vezes para mesma pessoa e aí não se leva em consideração que a pessoa pode não ter todos os dados, que a pessoa pode ter bloqueado algumas coisas pelos traumas sofridos então assim tem uma série de fatores que já desmotivam e quando a mulher efetivamente chega aí tem uma série de outras barreiras pra acontecer o próprio exame, ele é muito invasivo então assim não é fácil não é realmente fácil
Ju: e assim essas que nominaram, que passaram pela resistência delas, da residência da família que foram até uma delegacia que conseguiram passar pela resistência do policial que atendeu ou enfim conseguiram passar pelo processo conseguiram entrar na justiça, desses casos a gente só tem 1% de Condenação então assim, isso nem é um dado brasileiro no Brasil a gente não tem nesses dados mas nos Estados Unidos só 0,2 a 2.8 por cento dos casos de estupro terminam com condenação então assim mais do que uma pena dura a questão é que não tem consequências pessoas sabem…
Jéssica: é um sistema judiciário também que ele também tá muito baseado numa sociedade machista então assim como a gente não espera dos policiais que tenham uma postura de pensar se colocar no lugar da mulher o sistema judiciário replica isso replica também o machismo que existe na sociedade
Ju: por exemplo uma coisa que é acho que você pode falar bastante também seja assim até hoje pra provar pra mulher provar você tem que ter indício de resistência e marca de violência porque você tem que provar que não foi consensual tá quando você vai pra corte e aí você tem um monte de estudo que prova que uma das reações mais comuns a violência sexual é a vítima congelar, ela simplesmente esperar que tudo acabe, e aí então ela não tem como provar que ela lutou então não foi estupro.
Sérgio: é há um histórico muito grande sobre isso né? A partir do momento em que ela decide na delegacia ela vai enfrentar vários desafios. Uma se ela encontra esse policial que antes de ser policial ele é um homem e ele vai realmente contestar essa situação, já fizemos vários treinamentos, capacitações, formações com policiais militares com guardas e a resistência é muito grande porque antes dele ser policial antes dele ser guarda ele é um homem então ele não quer se livrar do próprio preconceito porque aquela situação ele tá passando na própria casa dele ele tá dominando a mulher, ele tá maltratando a sua companheira, ele tá tendo relações sexuais mesmo que casado forçado então quando agente da capacitação pra esses guardas é uma coisa muito difícil pra eles mesmos né? é uma situação complicada porque significa questionar atitudes pensamentos…então quando chega uma mulher numa delegacia encontra um homem policial, só se ele tiver um bom treinamento uma boa capacitação se não vai se repetir isso vai virar uma Via Sacra essa mulher vai voltar duas três quatro cinco vezes e sempre acusada de o que que você fez pra merecer isso então na nossa sociedade infelizmente nós temos falta de políticas públicas para dar apoio essa mulher pra apoiar a ela a denúncia sempre perguntando pra ela você quer fazer isso mesmo? Olha ele é pai dos seus filhos, ele é a avô, ele é da sua família vai pegar mal na comunidade…
Ju: cê vai acabar com esse cara!
Sérgio: vai acabar…
Ju: isso ela sempre escuta você tem certeza que vai fazer essa denúncia cê vai acabar com a vida dele.
Sérgio: sempre coloca mais medo então por isso a mulher se paralisa por isso arruma um gelo nessa situação, o que vou fazer, qual é a minha saída, quem vai me dar a mão nessa hora?
Cris: tem um ponto muito importante aí que é ‘ah então basta mulher chegar e falar que foi estuprada e automaticamente cara tá preso’. Não é disso que a gente tá falando aqui o que a gente tá falando é como qualquer outro crime que é reportado quando você chega na delegacia e fala por exemplo “fui assaltado” o cara não vai ficar perguntando pra você “mas foi mesmo? Você tem certeza que foi assalto? mas onde cê tava? você tava na rua essa hora?” Então na verdade que a gente tá falando é levar a sério a denúncia e investigar…
Ju: olha só
Cris porque quando se começa inquérito investigação por exemplo essa mulher minimamente “vai falar foi tal dia, tal hora, em tal lugar” aí dá pra fazer uma acareação dá pra fazer uma série de investigações dá pra buscar pistas dá pra pressionar o cara pra saber se tem falha na história dele então o que a gente tá falando aqui não é que basta palavra da mulher, não basta. O que a gente tá falando que ela precisa chegar lá e a palavra dela precisa ser ouvida, precisa ser respeitada, precisa ser o suficiente para abrir uma investigação.
Ju: ó eu vou dar um exemplo vai imagina que você tá voltando da balada vai pegar o carro é abordado com uma arma e roubado, aí você chega na delegacia tem seguinte diálogo “Oi eu quero reportar o roubo de um carro que acabou de acontecer . Agora? sim sim eu vim direto do local do crime pra cá. Ué mas são 4:00 da manhã , cara isso é hora de trabalhador tá na rua? como assim? se fosse no meio dia no meio da multidão esse malandro não tinha de abordado né? Com quem que você tava? Tava sozinho. Essa hora andando sozinho na rua? Tava pedindo né? Deixou o carro no estacionamento pelo menos? não deixei na rua? você queria né, estava pedindo! como é que é? Moleque você sabe que tá cheio de bandido aí você queria manter seu carro, tinha que cuidar dele né? Qual é o carro? Um Golf. E ainda fala que não quer ser roubado todo mundo sabe que Golf é visado pra bandido porque é rápido em fuga, primeiro cê escolhe um Golf, depois estaciona na rua essa hora sozinho, cara está pedindo! Eu não tô pedindo, eu gosto de carro compro que eu quiser ninguém tem direito de me roubar. Tá, gosta de carro vamos ver. Se eu entrar aqui no teu Facebook e não vou descobri que voce emprestava o carro pros amigos né? porque assim, deixava qualquer um dirigir seu carro agora vai me dizer que se importa com ele? Que? Se eu investigar, se eu conversar com seus amigos, com quem trabalhou com você não vou descobrir que você já esqueceu a chave no carro né? E se eu tiver esquecido? Nesse dia eu tranquei, o que uma coisa tem a ver com a outra? Não sei, tá mal contada essa história, tem um carro rápido, deixa na rua, tem histórico de emprestar pros amigos, de não cuidar bem. Quem prova que foi roubo? Quem prova que não foi abandono de veículo? Você tem prova de que alguém pegou à força? você consegue provar que não esqueceu a chave no carro, que não foi um amigo seu que pegou, que você não queria que levassem esse carro?” É assim quando a gente vai reportar um roubo?
Jéssica: não. Mas é exatamente assim que a gente pode ser tratada caso for reportar um estupro e a comparação é muito triste quando os homens comparam inclusive um… Ah mas você pode andar na rua escura e se assaltado e eu também Alguém pode te violentar e eu posso ser roubado alguém também eu também posso sofrer violência, mas o ser roubado não é a mesma coisa de alguém invadir seu corpo sem que você queira, então a invasão do corpo porque que o estupro ou essa cultura toda ela não é enxergada muitas vezes nos pequenos detalhes? porque sempre, desde quando a gente nasce a partir das lentes do homem, a mulher enxergada como aquela que nasceu pra servir, ela nasceu pra servir em todas as esferas inclusive sexualmente então pro homem tocar a mulher já está no papel dele, ele está fazendo aquilo que lhe foi ensinado a fazer, então esse processo é muito doloroso porque a gente tem que começar a discutir e a pensar todas as vezes que as mulheres são colocadas enquanto objeto sexual seja dentro da casa dela, seja o próprio companheiro quando ele quer transar e ela não, quer seja quando ela pode começar a querer transar e depois parar isso também e o cara forçar a querer continuar.
Ju: então assim alguns mitos que a gente já derrubou. Agente derrubou quem é a pessoa, quem é a vítima né, não precisa ser uma mulher virginal e andando no escuro à noite a situação do abuso não é esta, a gente vai entender o que ele é um crime super sub notificado então a gente nem vai pra delegacia. Além disso quem vai é um crime que não é punido né? E aí a gente fica pensando é natural que na nossa indignação a gente queira penas mais duras né, mas as leis pra punir violência contra mulher já estão endurecendo nos últimos anos como é o caso por exemplo da criação da Lei do feminicídio né, então e isso não tá ajudando os números por que?Por que que esse ponteiro a gente não tá conseguindo mexer e é por isso que a gente queria discutir um pouco a cultura de estupro é isso que nos leva pra isso
Cris: a cultura do estupro ela é uma construção que ela envolve crenças e normas de comportamentos que acabam banalizando legitimando e tolerando a violência sexual contra mulher. Esse termo surgiu justamente pra tentar compreender por que que o estupro é um crime tão comum ao contrário do que se imaginava nos anos 70 porque e aí não tinha reporte nenhum mesmo achava que não acontecia. O estupro não é sobre desejo ele é sobre poder uma convenção social que mantém determinados papéis de gêneros e ali é estrutura social
Minutos 31 – 40
Jéssica: É e eu acredito também que assim como a Ju disse você não reconhece muitas vezes um estuprador, um agressor. A gente não reconhece porque na verdade a cultura do estupro ela tá tão enraizada que parece muito comum a todos os caras que eles façam isso. É muito comum Por que? A gente tem uma educação calcada já é uma cultura machista. Então desde criança esses meninos eles aprendem que eles tem que pegar as meninas a força, eles aprendem que as mulheres devem fazer para eles a comida, lavar roupa, eles aprendem na escola que eles são melhores do que as meninas, que eles podem jogar bola. Então quando a gente fala do estupro propriamente dito, o ato físico, ele só é o final de um processo que vem desde quando o menino é uma criança. Então a gente tem uma responsabilidade muito grande sobre pensar essa criação, de pensar desde infância, desde a primeira infância, de pensar educação no nosso país ou em qualquer lugar do mundo levando em consideração a questão de gênero.
Cris: Tem uma coisa super importante nisso quando a gente fala que as penas não estão necessariamente resolvendo e aí a gente ouve falar de castração química. E é muito importante deixar claro que o homem não precisa do pênis pra estuprar uma mulher, a gente não tá falando sobre isso. E se esse cara quiser fazer ele não conseguir ele paga alguém pra fazer por ele. O que a gente tá falando aqui sobre o poder, é sobre opressão, é sobre provar pra todo mundo quem tá no controle, quem pode, quem manda. Então não é sobre sexo.
Ju: É muito fácil de ver isso porque você vê por exemplo como que estupro é usado na cadeia, não é o cara mais gostoso que é estuprado, não é o cara que se veste melhor, ou com um shorts mais curto, não é o cara que anda com roupa colada, é o cara que você quer humilhar, é o cara que você quer subjugar. O estupro é um crime de subjugação.
Sergio: Exatamente, o estupro vem dentro de uma lógica de você usar o poder para dominar a outra pessoa, nesse caso aqui a mulher. Então estupro ele tá dentro, acho que de uma cultura patriarcal. Na verdade quando eu entendo a lógica do estupro é pra reafirmar esse poder se falar olha eu domino. Olha estou impune. Olha estou na sociedade determinando aquilo que é o que eu quero. Na formação da identidade masculina e na formação dos homens geralmente isso já se faz desde criança, já se faz desde mesmo até do berço, lá na maternidade quando o pai fala “Esse vai ser pegador”, “Amarrem suas cabras que meu bode está solto”, Olha o tamanho do saco” “Saco roxo” Ninguém fala pra menina “Olha essa aí vai dar pra todo mundo”, “Essa vai ser uma mulher bem feliz”, “olha o tamanho da vagina dela” porque há de certa forma já um preceito social que afirma que o homem é o lugar do poder e a mulher é o lugar da submissão. Então o estupro vem sempre pra lembrar pra sociedade quem está no poder, quem está no mando do corpo daquela mulher. porque assuntos tão polêmicos como aborto ainda não são discutidos de forma clara e objetiva na nossa sociedade? porque o aborto indiretamente tem muita relação com essa situação do estupro e com essa relação de dominação do corpo da mulher.
Ju: Olha a gente não precisa ir longe, eu fique chocada de descobrir que até 2002 a legislação permitia que um homem não fosse punido por um estupro caso ele casasse coma vítima. Gente não é medieval, 2002. 2002! Se você estuprasse uma menina de 13 anos e depois casasse com ela não existia punição.
Cris: E isso mostra como que a gente vem ao longo dos anos trazendo uma série de entendimentos, a gente vem juntando peças pra chegar hoje e discutir isso. A gente tá falando que nos anos 70 no havia notificação e hoje a gente tá com um número elevadíssimo. Não dá pra saber necessariamente esse número aumentou o se foram as denúncias. O que acontece é que quanto mais você toma consciência do que é um abuso mais as mulheres começam a se mobilizar. Então eu tava lendo uma matéria da menina ela falou que tava transando com um cara, tava mó legal, só que ai o cara simplesmente apertou pescoço dela ,virou um penetrou ela de forma anal e ela não queria, e cara forçou ela a fazer sexo anal. Então cada vez que você vai dando um passo e descobrindo o que é abuso e pra isso você tem que ser dona do seu corpo , porque quando você entende que o corpo é seu e só tem que acontecer o que você deseja, você começa a perceber os abusos né? Seja, tem aquela expressão assim Ahh o homem assim mesmo né? Ele não consegue resistir aos instintos não, não, não é sobre isso.
Ju: Que a gente tá falando, quando a gente tá falando de Cultura, a gente tá falando dos mecanismos que normatizam o que é válido e o que não é pra cada gênero. Então a gente tá falando muito de papéis de gênero, a gente tá falando que o homem toma e a mulher dá, a gente tá falando que o homem invade e a mulher tem que se proteger, que a mulher tem que se preservar, porque o homem é uma besta, porque o homem é incontrolável, porque o homem tá lá fora, o homem é pra ser temido. Então assim, não só a mulher mas os outros homens que se importam com ela tem que protegê-la, tem que cuidá-la, tem que cercá-la, Porque se ela ficar de qualquer maneira exposta ela vai ser destruída …]
Cris: Devorada…]
Ju:devorada.
Cris: Então se hoje você ouvir falar isso o tempo todo e parece um assunto que tá em todo lugar está te massacrando é porque ele é um assunto jovem na cabeça de todo mundo que hoje tá entendendo não só a mulher, como o próprio homem. Eu tenho certeza que vão ter pessoas que estão ouvindo o programa que Vai falar Puxa vida Acabei de perceber que numa certa vez eu agir de uma maneira agressiva eu acabei abusando Ah porque? Por que eu dei um tapa na bunda de uma mulher, porque eu puxei o braço dela a hora que ela tava passando na balada porque eu só queria conhecer. Então assim essa série de fatores que foram acontecendo ao longo dos anos pra gente entender…]
Ju: Tavam naturalizados ao longo dos anos né? A gente nem percebia…]
Cris: Pra gente entender que esses pequenos Passos eles formam uma escada. Então assim a cada coisinha que vai acontecer, a cada pequena violência, cada pequeno desrespeito, foi construído uma escada e o topo dessa escada o estupro.
Ju: É o que a gente tá falando o seguinte: A cultura é a água no aquário. É o que você não vê mas que conforma as coisas. Então você não enxergava antes que você pegar o braço de uma menina força era um problema, porque assim que todo mundo faz e Sérgio Quantos homens chegam no Tempo de Despertar não é essa indignação que eles têm? Eles não conseguem entender porque que ele estão criminalizadas sendo que “assim eu taquei uma panela na cara dela porque o jantar não pronto. Gente é assim que a vida, é assim que o mundo. Não tô entendendo porque eu tô sendo preso.”
Sérgio: “Porque que agora é crime? Porque agora eu tô preso? O que o que eu fiz o que meu pai o que o meu avô fazia né? Porque que agora que inventaram a Lei Maria da Penha tudo isso é crime?” Por que tá na história dele. Então ele só vai perceber que isso é crime a partir do momento em que ele toma responsabilidade né? A punição apenas, uma castração, ela em si não resolve. É lógico que ele cometeu um crime ele deve ser punido, condenado, mas que forma ele se conscientiza disso? E muitos homens, o estupro por exemplo pra muitos homens ainda se perguntam Ah mas ela teve no finalzinho ela teve um prazerzinho isso é …[Ju: Ela gostou, até que ela gostou]… Até que ela gostou, e isso é a coisa mais perversa porque o estupro é a morte do prazer. Na verdade ele tá sentindo o prazer dele em causar um mal a uma mulher, é o prazer dele em dominar o corpo da mulher. A mulher não tá sentindo prazer naquilo que é mentira. O estupro sempre vai causar dor, sempre vou causar traumas, sempre vai causar um prejuízo à Vida daquela mulher que vai se perdurar por muito e muito tempo se ela não tiver uma condição de restabelecer a sua identidade a sua dignidade.
Cris: Eu entendo Sérgio que muitas vezes até pra tentar despertar uma empatia meio à fórceps em alguns homens as mulheres falam assim “Mas você tem mãe”, “Você tem irmã”, “Você tem filha”, e na verdade o que a gente tá falando ali não é necessariamente você precise ter um laço sanguíneo com alguém ou um laço de carinho com alguém, Você tem que respeitar qualquer mulher porque se não o cara fala “Na minha filha ninguém põe a mão!” mas ele tá lá loucão pondo a mão em todas os mulheres. Então assim não basta isso, não basta você respeitar as mulheres com quem você tem algum tipo de relação. A gente tá falando aqui do ser humano, a gente não tá falando da pessoa que você ama.
Minutos 41 – 50
Jéssica: Sim.
Cris: A gente está falando do todo.
Jéssica: E do outro lado também é muito importante que cada vez mais nós tenhamos espaços que ampliem a voz da mulher. Não só a voz, mas a formação no sentido de entender ‘Eu sou dono do meu corpo’ e de entender o que é um abuso e que tudo é um abuso a partir do momento que ele faz alguma coisa que eu não quero com o meu corpo. Então é muito importante que a gente tenha espaços principalmente em lugares no qual esse debate ainda não chega, que eu acho que, principalmente quando a gente fala do lugar na periferia, partindo desse lugar de fala da periferia, nós ainda temos poucos lugares, poucos espaços que as mulheres se sintam a vontade pra falar desses problemas. E isso também inclui a gente resignificar a mídia, porque a maior parte das famílias ainda hoje no Brasil, e aí vamos pensar na família de uma forma geral, não só uma pessoa ou outra dentro da casa, assistem juntas à televisão e a televisão ainda multiplica muito do olhar machista. É muito sexista, a televisão. As propagandas são muito sexistas. As novelas ainda passam uma imagem de como o homem tem que ser e de como o corpo da mulher, ele serve para o prazer do homem, como o Sérgio estava falando. (Manifestação da Cris) Então a gente precisa resignificar nossas mídias tradicionais pra que cada vez mais essa informação chegue nas pontas, porque, infelizmente, nem todo mundo no Brasil, por mais que esse acesso tenha aumentado, tem acesso à internet.
Cris: Você falou um negócio superlegal sobre novela e eu queria só ressaltar isso com um exemplo muito recente. Passou uma novela que chamava ‘Verdade Secretas’. Eu não assisti, mas eu acompanhei um pouco da discussão que houve sobre isso, e quando a gente fala de da banalização da violência… Quem eram os personagens principais? Tinha um cara que tinha muito dinheiro e ele… Um cara de, sei lá, uns 40 anos e ele ficou a fim de uma menina de 15 anos. E pra chegar nessa menina, ele casou com a mãe dela, e ele começou a ter um caso com ela dentro da casa. E essa mãe descobriu e tentou matá-los, e ela não conseguiu e ela se matou. Mas aí a menina queria ficar com o cara. E aí no final, a menina fez uma cara meio diabólica. E um monte de gente que eu conheço, e que é superinterligente e superquestionador, assistia e ainda ficava torcendo pelo casal na novela.
Jéssica: Cris, é muito triste isso porque…
Cris: É o cúmulo de glamourizar. Tá vendo? É uma glamourização. A galera tá glamourizando um cara… É ficção? É. Mas o que a gente está falando é que isso acontece em um monte de lugar.
Sérgio: Exatamente, não acontece na periferia, no morro, na favela. Acontece… Infelizmente é democrático: acontece em todas as classes sociais, pois há uma forma de esconder, né, colocando a mulher… Presentes, viagens, SPAs, encobrindo a situação. O estupro, ele atinge a todas as mulheres, em todas as camadas sociais, cor raça, etnia. Por que? Está presente na identidade do homem ‘Ah, eu posso’ e muitos homens não lutam contra esta identidade. Acham que isso é instinto, está no meu DNA, sempre foi assim. Não vê, no reino animal, os leões tendo várias leoas. Então é preciso dar um basta nisso, né?
Ju: É!
Sérgio: É preciso entender que ser um homem não é ser um pegador, não é ser aquela pessoa que vai, dentro de um rito junto com os amigos, ver quantas pegou, quantas saiu. Mas a gente fala que isso, realmente, precisa acabar. Os homens precisam acordar para essas situações. Nós homens fomos criados desse jeito mas a gente não precisa repetir essa velha história. É preciso romper com esse ciclo para que na próxima geração haja uma diminuição desses casos de violência.
Ju: Além dessa glamourização que a Cris está falando, porque assim, quando você conta essa história, você tá…
Cris: Chancelando…
Ju: Chancelando a história que a maior parte desses abusadores conta pra ele mesmo. Então quando o tio, o melhor amigo do pai ou não sei o que abusa de uma menor de idade, uma menina de 14 anos dentro da casa dela, alicia e tal, e abusa, na cabeça dele ela quer. Na cabeça dele… Na história que ele inventou pra ele, muitas vezes, ela quer. Então, assim, essa é a história perfeita para o abusador. Essa novela é a história perfeita. Então assim, a gente tem na mídia a glamourização e a gente também tem, do mesmo lado, a proteção dos agressores. Então, como o Sérgio falou, em todas as camadas você tem porque, mesmo uma mulher de classe alta, ela vai ficar humilhada, ‘Você vai me expor?’, ‘Você vai colocar o lixo da nossa casa na rua?’, ‘Você vai ficar sem renda?’, ‘Você vai…’. Mesmo quando você tem as denúncias, por exemplo, você vai ver, que a gente estava conversando né Sérgio, nenhuma das instituições até hoje expôs e declarou publicamente que isso era inaceitável, pelo contrário, as instituições apoiam os estupradores. Então, a gente fala muito da igreja, mas as universidades acolhem, encobrem, não querem falar, silenciam sobre o crime. Você tem associações de classe, por exemplo, a gente sabe…
Jéssica: Sindicatos.
Ju: Sindicatos. Você sabe, por exemplo, dos casos de médicos que abusam de pacientes. O livro do Abdelmassih é aterrorizador de saber que ele já praticava cárcere privado de paciente no início da carreira. Um monte de gente sabia e ninguém fez nada sobre isso. Então assim, quantas instituições (Concordância da Jéssica). O exército faz isso.
Cris: E só retornando disso que você estava falando também sobre ainda… Sobre a cultura e sobre a glamourização, quantos filmes a gente já não viu que aí a mulher é estuprada e ela tem uma reviravolta, aí ela vira uma mulher forte, é uma mulher que está buscando vingança ou é uma mulher que sai para a vida. Então assim, muitas… Em muitas obras, o estupro é usado como um ponto de virada do personagem, como se aquilo de alguma forma tivesse dado força para aquela mulher. É disso que a gente está falando quando a gente fala dessa glamourização. Banaliza a violência, sabe? Vira uma coisa qualquer. E aí, tá… ‘Não é tão grave assim…’.
Ju: É.
Sérgio: Eu queria falar só um pouco sobre a mulher preta, ainda ,que… A mulher preta ela trabalha na senzala, mas ela dorme na casa grande. Dentro do Brasil colonial, da escravidão, então há o abuso, o estupro era recorrente porque era uma força produtiva bem viável para o senhor de engenho. Então, a questão do estupro já fazia parte da própria história da colônia, mas essa colônia… Ela cessou, porém esse costume ainda se perpetua. As empregadas domésticas assediadas pelos patrões, pelos filhos dos patrões. Existe ainda uma continuidade dessa casa grande, existe uma continuidade dessa senzala.
Cris: Eu estava lendo uma matéria sobre o Brasil colonial. Nós somos uma mistura de raças, né, e a gente sabe que nessa época da escravidão e tudo mais, o volume de mulheres que foram estupradas e que tiveram filhos. Então, na verdade, o que a matéria estava falando é que a nossa civilização, os brasileiros são filhos de estupro, né, que isso veio aí desde essa época. Então assim, se você for voltar muito nas suas origens, provavelmente você vai descobrir que você vem de uma linhagem que parte de uma violação.
Ju: Bom, então a gente está construindo aqui o que que é essa cultura do estupro. Então a gente já falou da glamourização, com ao Cris falou, do estupro. A gente já falou sobre a culpabilização da vítima, mas tem um outro fator que é imprescindível, sem o qual você não consegue construir, é outro tijolinho que é importante, que é essa desigualdade de gênero, que de alguma maneira a gente já falou um pouco sobre isso, mas é importante a gente pontuar muito bem. Você não ensina o seu filho a ser um estuprador, você ensina que ele é superior. É essa a diferença. E acho que você queria falar um pouco sobre a cultura do patriarcado, né? O que que é esse patriarcado, o que é essa cultura de dominação do homem sobre a mulher e que diferencia tanto e que separa muito o que é masculino do que é feminino. Do que que é coisa de homem e do que que é coisa de mulherzinha.
Sérgio: A cultura do patriarcado, infelizmente, ela está arraigada na nossa sociedade. Ela que vai definir os papéis sociais. Ela que vai legitimar, justificar, reproduzir. Porém, você não vê esse patriarcado porque ele está na base, ele é alicerce. A gente sempre vê o efeito, né, desse alicerce. E o efeito mais perverso é essa dominação sobre a mulher. Porém ela acontece de forma, nas instituições, sendo reproduzida nas instituições religiosas, nas instituições de ensino… O patriarcado, até mesmo, determinou a ordem na lista de chamada e eu estudei nesse período. Eu estudei, eu fazia o primeiro grau onde primeiro vinham os homens depois as mulheres. Quando eu comecei meu trabalho na universidade, primeiro vinha a lista de homens depois vinha a lista de mulheres. Era assim que determinava. Há bem pouco tempo… Agora que nós temos a ordem alfabética. Esse patriarcado, ele vai colocando dentro da sociedade as justificativas ‘Ah, então a mulher é o corpo mais frágil’, ‘a mulher tem que ser mais feminina’, ‘a mulher tem que ser bonita e recatada’ porque, senão, não é uma mulher boa pra se casar. A mulher, você divide: a mulher para a balada e a mulher para casar, para ter filhos. Essa perversidade é que legitima, então, o estupro lá em cima, né? Então, se o homem acha uma mulher n abalada e ela é boa de cama, beleza, separa essa para as baladas, mas eu não vou casar com essa. Vou estabelecer um relacionamento que me dê uma mulher que me dê filhos, que perpetue. Então o patriarcado está na base dessa sociedade desigual onde o cuidar é feminino e o prover é masculino. Mas isso, de certa forma, desestabiliza a harmonia, o equilíbrio, tornando mais valorizado então, o homem porque está no espaço público e desvalorizada a mulher porque está no espaço privado. E é aonde acontece o estupro, é no espaço privado. É dentro de casa, nos ambientes de trabalho. Então, é nesse lugar, do privado, que há um exercício desse poder. Há essa lógica… ‘Tá, então aqui, entre 4 paredes, estamos só nós dois, então você vai calar a boca porque sempre a sociedade vai acreditar em mim que eu sou o dono da verdade’.
Ju: Eu sou superior. Eu sou superior, né?
Cris: Isso que o Sérgio estava falando do patriarcado como um todo e de estabelecer esses pequenos convívios, até hoje, na casa da minha avó, na verdade, todos os homens servem os pratos… Aliás, eles não servem. primeiro são servidos os pratos dos homens pra depois as mulheres se servir. É muito interessante porque ela fala aquilo tudo com um carinho que parece tão normal. E às vezes eu estou almoçando, assim, e aí o AG terminou e ela fala ‘Minha filha, serve mais para o AG’, eu falo ‘Mas vó, eu estou almoçando’, aí ela ‘Para só um minutinho e serve mais para ele’. É essa perpetuação no jeito de colocar, na importância que é dada, né? Aquela cena do pai chegando e sentando e a mãe vem e tira o sapato. Não tem nada de errado em gestos de carinho, o que a gente está falando é que isso deveria ser pra todo mundo.
Minutos 51 – 88’
Ju: recíproco.
Cris: deveria ser recíproco.
Sérgio: eu tava assistindo um filme sessão da tarde, bobinho, ingênuo onde uma casal ali depois das suas relações do seu affair toca o telefone dela e ela é médica ela tem que correr falam pra ela ir pro hospital porque ela é uma médica ela tem um paciente e o cara do lado fala não benzinho vai não fica comigo tá tão gostosinho aqui comigo e convence né ela tal aí ela acaba ficando, logo um minuto depois ligam os amigos dele dizendo vai ter um jogo aqui você precisa vir e ele fala bem vou ter que ir no jogo e aí ela fala ah querido vai tal mas não se machuque não. Olha aí numa sessão da tarde uma coisa ingênua, meiga e se a gente não perceber ó a perpetuação do machismo a perpetuação do patriarcado desvalorizando o trabalho dela e ele podendo sair pro jogo com amigos.
Jéssica: ou até a mulher mesmo ela trabalha dentro de casa, ela trabalha fora, ela cuida da criança, Ela tem dupla jornada, ela tem tripla jornada enquanto se o cara cuida do filho nossa ele te ajuda! Como ele é bom para você! Ele não é bom, ele tá fazendo o mínimo que ele deveria fazer enquanto pai que é a divisão desse trabalho com mulher. Então essa divisão do trabalho doméstico eu acho que é muito importante quando a gente discute traz essas outras questões que também perpassam porque se a gente não discute isso que é a divisão do trabalho doméstico que é pensar a questão de que ela mulher ainda ganha menos que o homem na nossa sociedade, a gente também combate à cultura do estupro, o machismo de forma geral quando a gente discute todas essas questões na sociedade, isso tudo passa pela criação das crianças tudo isso dos meninos vem vez da vó de criar um menino desse jeito e a menina não a menina tem que ajudar a mãe dentro de casa a menina não pode brincar na rua eu nunca brinquei na rua eu não tenho relação que os meus vizinhos porque eu nunca pude brincar na rua Eu sempre tive que brincar dentro do quintal e o meu irmão sim podia brincar na rua porque menina na minha casa não brincava na rua então todas pequenas coisas que passam despercebidas aos nossos olhos como a Cris falou quando elas vão aparecendo elas vão fazendo parte de um quebra-cabeça que a gente vai percebendo Olha só eu faço parte disso e eu posso mudar a partir desse entendimento.
Ju: queria fazer um recorte agora, feita essa introdução acho que a gente esmiuçou bastante o que que é essa cultura do estupro essas pequenas coisas que vão construindo uma tolerância, um silenciamento dessa violência não é uma naturalização da violência o fato da mulher ser transformada numa coisa menor numa coisa subalterna e num objeto que pode ser possuído e se pode ser possuído pode ser roubado, pode ser violado, pode ser descartado. Eu queria agora entrar no recorte né porque esse caso específico que trouxe toda discussão aconteceu na periferia e por conta das especificidades disso trouxe algumas noções muito equivocadas pro debate então queria que a gente conversasse um pouco sobre isso queria que você falasse um pouco como que chegou esse debate na periferia.
Jéssica: primeiramente o debate chega na periferia por meio de programas sensacionalistas Então esse é o primeiro recorte que a maioria né É claro a periferia também tem internet a periferia também tem acesso as pessoas da Periferia tem acesso a vários meios de comunicação mas ainda o debate que prevalece é o esse debate sensacionalista então não existe uma conversa uma contextualização do machismo que a gente tá fazendo aqui da cultura do estupro só existe o fato e esse fato explorado de uma forma né sempre mais dramática…
Ju: sensacionalista
Jéssica: sensacionalista exatamente então eu acho que esse é o primeiro ponto. Depois esse fato chega muitas vezes da maneira “Mas essa menina ela tava no morro, essa menina tava no lugar ela já fazia isso muitas vezes mas essa menina ela é do funk, essa menina ela foi mãe cedo, ela não foi mãe cedo mesmo eu não ia no funk ela tava pedindo” você escuta muito isso e multiplica-se muitas vezes esses discurso de que ela tá pedindo e de que ela merecia aquilo por conta do lugar ou da roupa que ela veste da música que ela escuta. Então o debate…
Ju: é a culpabilização da vítima.
Jéssica: é a culpabilização mais uma vez da vítima então infelizmente isso aconteceu num espaço no Rio de Janeiro mas poderia ter acontecido em qualquer Periferia daqui de São Paulo ou de qualquer lugar do Brasil infelizmente e esses…
Ju: porque é culpa do funk né?
Jéssica: nunca! (RISOS) essa culpa não é de um ritmo porque se a gente fosse parar pra pensar nas várias letras musicais que existem só pra gente citar nós poderíamos ver letras machistas ou compositores machistas ao longo de toda história da música popular brasileira mas pra além disso como a gente discutiu bem aqui é o Sergio trouxe que em espaços como universidades, cursos super conceituados como medicina você vai encontrar nas festas de calouros estupros também e primeiramente também que o funk ele também não tá só nas periferias nós temos baile de funk tanto no Centro quanto na periferia a diferença é geográfica muitas vezes e a diferença geográfica do país porquê nas bordas também estão as pessoas mais pobres E mais uma vez as pessoas pretas então a gente faz esse recorte de novo porque é importante a gente sempre mostrar que se o funk ele acontece no território periférico no fluxo como o pessoal chama ele é visto como uma bagunça baderna mas se ele acontecesse num bairro nobre como a Vila Madalena ele é visto como ocupação do território apropriação do território e que importante fazer isso não é mesmo?
Cris: eu queria aproveitar só pra ler um trecho de uma música pra mostrar que realmente é pesado e tem coisas muito pesadas dentro dessa cultura né da música da música que chega até esses lugares a letra fala o seguinte: “Bem eu preferia te ver morta garotinha do que com outro homem é melhor você proteger sua cabeça garotinha ou não saberá onde eu estou é melhor você correr para sua vida se puder garotinha esconder sua cabeça na areia te pegar com outro homem é o fim garotinha. Bem você sabe que eu sou um cara mal é que eu nasci com uma mente ciumenta eu não posso desperdiçar minha vida tentando fazer você entrar na linha é melhor você correr para sua vida se puder garotinha” E aí vai a música continua então assim essas músicas são muito pesadas né tipo essa música aqui que é dos Beatles que se chama Run for your life.
Ju: que ótimo né?
Sérgio: eu ia falar justamente isso. Em todas as épocas, em todos as culturas sempre houve o uso, algumas letras também de reggae colocam a mulher nessa situação deplorável, o reggae aqui também reproduz algumas coisas o samba pagode. Quem não se lembra do Chacrinha e suas chacretes? Então porque que acusar o funk? Peraí como que é?
Cris: é porque parece que a culpa é sempre do outro né?
Ju: não mas sabe porque acusar o funk porque dai tá distante porque não é meu, é na periferia entendeu então assim esse problema tá ali e aí tudo bem entendeu?
Sérgio: mas se você pegar o iPod do seu filho, o MP3 MP5 sei lá você vai ver que ele também curte aquele funk aquela aquela música né outro dia tava escutando mas como que é isso parei no carro o outro tava escutando uma música sem a baixa mas se você lembrar algumas músicas mesmo não musicadas como de Mozart também fala de uma tensão sexual entre as mulheres da corte e as mulheres da boemia porque há também dentro da música clássica uma situação onde a mulher também era utilizada para prazer dos nobres então há de certa forma uma culpabilização né joga pare preferia tá acontecendo o problema lá e lá no morro então se você fala assim, será que isso vai acontecer um dia com a minha filha que estuda no colégio XY e frequenta o curso… Vai! Vai acontecer infelizmente vai se a gente não abrir os olhos isso pode acontecer em qualquer lugar.
Jéssica: eu acho Ju só complementando eu concordo que o machismo e a cultura do estupro ele perpassa por todas as classes sociais por todas as raças mas a mulher preta no Brasil também porque a gente tem um histórico da escravidão a gente teve um tempo muito longo de escravidão no Brasil e um tempo muito curto que a gente saiu dela quando a gente pensa na história brasileira então a gente tem ainda a ideia de que a mulher preta ela é aquela mulher escrava que é do senhor aquela mulher que pertencem ao Senhor então quando a gente fala eu acho que é importante a gente sempre ter cuidado que sim o machismo ele passa todas as classes mas ele chega ferrenho na mulher preta é importante que a gente coloque que existe sim algumas diferenças históricas e que é importante a gente….
Cris: inclusive quando a gente fala de feminismo negro é disso que a gente tá falando né, enquanto as mulheres brancas estão lutando por igualdade salarial a mulher negra ainda tá lutando pra se reconhecer como pessoa e ser respeitadoa como pessoa então é isso que faz com que todas lutemos pra que as mulheres sejam reconhecidas mas ainda existe desigualdade dentro dessa própria busca.
Jéssica: é quando a gente fala do corpo a gente tem uma luta no feminismo da mulher poder usar o corpo Como quiser então meu corpo é meu mas ao mesmo tempo as mulheres pretas nós precisamos ter uma luta de não se sexualize meu corpo eu não posso só lutar eu posso sair com seios de fora não porque o meu corpo ele sempre foi visto de uma forma sexualizada então tão assim a questão é tão complexa que ao mesmo tempo que eu desconstruo essa questão do corpo sexualizado da mulher preta eu também quero lutar pelo meu empoderamento do meu próprio corpo enquanto mulher preta.
Ju: o que eu ia te perguntar Jéssica é que assim a violência contra mulher na periferia contra mulheres negras na verdadeira aumentou apesar das leis terem endurecido então você vê que entre 2003 e 2013 nesse período de dez anos aí as taxas de homicídio de brancas caíram enquanto o de meninas negras cresceu quase 20% e aí eu queria que você falasse um pouco sobre com a gente já viu pela estatística que as violências contra mulher elas acontecem no âmbito de casa né 80% das denúncias no disque denúncia da mulher são de violências dentro de casa então a gente namora falando de uma violência que acontece no contexto da violência urbana né da guerra do tráfico da guerra contra a polícia a gente tá falando de um outro tipo de violência por que que a mulher preta mesmo dentro de casa na periferia por que ela tá morrendo mais ?
Jéssica: infelizmente nós encontramos o inimigo dentro de casa mesmo né isso aparece na questão da mulher preta eu acho que mais uma vez é interessante a gente trazer esse contexto de como a mulher preta ela é vista como Aquela que tá baixo do homem então se numa sociedade racista a gente já vê o homem negro abaixo do homem branco e da mulher branca então a mulher preta nos olhos do homem branco do homem preto ela aparece então na base dessa pirâmide.
Cris: muitas vezes eu acredito também numa maior, num maior número de denúncia sabe.
Ju: se a gente percebe que o estupro é um crime doméstico que a gente não consegue estancar esse sangramento porque você tem uma certeza da impunidade impunidade porque você não vai nem se denunciado se você for denunciado o sistema dificilmente vai te condenar porque você vai ter o acobertamento da sociedade não é o silenciamento da sociedade todo mundo vai virar pro outro lado para te proteger então essas coisas no geral mais amplo dificultam você diminuir esses casos de estupro na periferia o que a gente teria pra aumentar essa dificuldade pra ser pior ainda essa dificuldade de você ter acesso ao sistema e você ter acesso aumentar essa noção de impunidade por que que o homem esse companheiro da mulher preta porque que ele tem mais ainda noção de impunidade e ele pode fazer o que acontecer que nada vai acontecer com ele entendeu-me?
Jéssica: é o que acontece na periferia é que de maneira geral da a impressão que se você vai até a polícia nada vai acontecer porque nada nunca acontece você é assaltado você faz um B.O. mas nada vai acontecer você tem uma triste realidade de que existe sim um tráfico que atua dentro dessa periferia e muitas vezes a comunidade elas acessa muitos mais o tráfico do que a própria polícia isso é uma realidade muito grande de qualquer assalto qualquer coisas as pessoas estão próximas das bocas das gerências e inclusive dentro desses espaços né dessas organizações eles não querem a presença dessa polícia dentro dos espaços onde eles estão atuando porque pra eles isso não é importante então há sempre essa visão de que nada vai acontecer porque de fato nada nunca acontece quando vc faz uma denúncia agora imagina pra essa mulher que ela já vem já enxerga isso que às vezes o menino filho dela morreu e nada acontece a gente tem as Mães de Maio Para comprovar que esse sistema judiciário ele não funciona para as pessoas da Periferia a gente teve muito mais de 600 jovens mortos naquele maio de 2006 então como que eu posso denunciar ou acreditar numa polícia acreditar num sistema que ele mata os meus como que eu posso fazer isso então assim me dá a impressão de que nada vai acontecer eu nem quero ir até aquela polícia porque aquela Polícia já vai me criminalizar porque aquela polícia criminaliza o meu filho todos os dias por ele ser preto, essa é uma dura realidade então a mulher preta também aí recai sobre ela poxa se o meu companheiro que é homem na visão homem, bravo, forte não é punido porque ele roubou alguém então ele também não imagina eu chegando lá e falando que eu fui estuprada por ele o que eu sofri uma violência doméstica ninguém vai acreditar em mim quantas mulheres eu já vi mulheres que deixaram de fazer denúncia porque são desencorajadas na hora que chegam até esta delegacia ou que são desacreditadas e elas não criam forças então não tem muitas vezes uma rede de acolhimento então mais uma vez importante que a gente invista em redes de acolhimento nesses espaços periféricos mais uma vez que a gente faça espaço de formação e que a gente una políticas públicas porque a gente deixa tudo em caixas enjaulados então se a gente se une a educação as políticas públicas voltadas pra mulher a gente tem crianças e mulheres no mesmo espaço e as mães precisam disso elas precisam entender dessas culturas elas precisam entender como criar os seus filhos longe também dessa cultura patriarcal do machismo.
Ju: agora eu queria falar um pouco sobre solução Sérgio sobre a diferença de punitivismo e ressocialização a gente tem bastante depoimento e dados de que punir apenas não resolve você tava falando de uma estatística de reincidência como que é?
Sérgio: sim, dentro da Lei Maria da Penha é possível trabalhar com esses homens autores de violência no caso de estupro não, no caso de estupro essa violência ainda não estamos preparados adequadamente pra fazer essa abordagem pra fazer essa metodologia, há muitos estudos pra que a gente possa criar uma metodologia de trabalhar mas com os autores de violência que é então o esbofeteamento que também é crime é que também deve ser considerado e que também é importante para que todas as mulheres denunciem quando ele passa por um processo de reflexão e é um caso lá em Taboão da Serra esse índice despenca pra cerca de 3% há dois anos a gente já tem dois anos de projeto quando ele passa e não significa que a gente vai passar a mão na cabeça dele não pelo contrário muitos homens é uma dificuldade de entender esse processo porque participar junto não é despenalizar mas sim trabalhar com a coisa mais inteligente de uma forma racional saber que o nosso sistema carcerário nosso sistema judiciário está apodrecido desde cima pra baixo Desde os nossos juízos Desde os nossos promotores desde os nossos advogados então é necessário uma construção que permita a sociedade chamar este homem a responsabilidade é ele enxergar o que ele faz à outra mulher, porque se ele se separa simplesmente e como era antigamente antes da Lei Maria da Penha pagava uma cesta básica fazia um trabalho comunitário uma multa ele no ano seguinte ou no mesmo ano cometia outra violência contra mulher. Então o que que a gente tá propondo a gente tá propondo um trabalho de desconstrução dessa violência isso significa formar uma rede trabalhar junto com os grupos de apoio a mulher não é uma forma isolada não é diminuir a pena não é atenuar pena não é entender que ele cometeu um crime leve, não o crime dele foi pesado ele tirou a dignidade da vida de uma pessoa ele causou o rompimento de um contrato de civilidade então quando a gente propõe que este homem que cometeu algum tipo de violência contra mulher passe por um grupo reflexivo a gente tá propondo que haja uma revisão do processo judiciário haja uma revisão de como é necessário uma ressocialização baseado Nas questões de gênero baseado Nas questões do feminismo pra que esse homem entenda o lugar da mulher não é porque ela tá criando autonomia e liberdade é porque os homens eles criam um repertório muito pobre e resolvem seus conflitos utilizando a violência e a mulher o tempo todo construída com repertório muito mais rico sabe sabe lidar com essas questões sabe enfrentar um conflito sem usar a violência e o homem resta força física resta a diminuição pra ele se manter nomeio então ele tem que diminuir a mulher se ele não diminuir a mulher ele não consegue ficar no topo então o trabalho é essa desconstrução tijolo por tijolo dia a dia porque uma vida toda montada em cima de castelos de Sonhos Não é de uma hora pra outra que isso vai ruir Então eu preciso formação de mais equipes mais projetos atualmente em Taboão da Serra agora a gente tá tentando trazer para São Paulo há experiências de Santo André experiências em Presidente Prudente em outros lugares que é preciso sim mas não jogar esse homem no calabouço agora vai lá morra porque alguns desses homens são pais, são trabalhadores sim porque eles cometeram um ato de violência contra mulher então é Preciso identificar é preciso estudar é preciso investigar pra que novos casos não aconteçam. Então vocês tem que chamar esse homem que cometeu um ato de violência contra a mulher tem que chamar essas ver essas ações, estudar, desconstruir essas coisas e ao mesmo tempo empoderar as mulheres pra que elas saibam o que está acontecendo com seus algozes com seus ex-maridos ou até mesmo com seus maridos porque muitas mulheres não romperam o relacionamento. O projeto Tempo de Despertar foi criado pela Doutora Maria Gabriela Mansur promotora na cidade de Taboão da Serra e que na verdade era um grande desejo pra que esse homem não ficasse só na punição então quando a mulher faz um boletim de ocorrência e não é verdade que ele vai sempre preso isso vai passar por um processo então ele é chamado a participar de um grupo onde durante 12 encontros ele vai com outros homens sentar e passar por diversos temas durante 3 horas vai discutir sobre a Lei Maria da Penha a questão de gênero a violência o feminismo masculinidade ele vai passar por temas como o alcoolismo drogadição e ele vai nesse processo refletir passar por um processo de reflexão mas não uma reflexão externa é uma reflexão do seu comportamento das suas atitudes e Junto com outros homens elaborar um caminho, uma alternativa para que ele saia desse círculo de violência porque muitas vezes eles nem sabem sair de círculo de violência . O projeto Tempo de Despertar ele provoca um processo de redefinição o que eu sou homem na sociedade, o que é a mulher na sociedade. Então coordenando esse projeto junto com a Gabriel amansar a promotora a gente vem aprendendo também que muitos homens viveram uma vida como num deserto muito seca de sentimentos muito secas de afetividade e a única forma de mostrar afetividade e um carinho é justamente o seu contrário quando uma mulher começa a ter autonomia e ele se sente inseguro ele começa a violentar Então essa mulher faz um boletim de ocorrência o ministério público apresenta esse homem ao juizado o juizado faz o indiciamento e ele começa a participar em Taboão da Serra todos os nomes tem um boletim de ocorrência mas aqui em São Paulo onde eu já combinei trabalho Há uma possibilidade desse homem que se sente também nessa situação que agrediu, gritou, ameaçou quebrou celular desse homem que tá num conflito e tá se sentindo mal ele também pode buscar ajuda ele também pode buscar apoio não precisa esperar isso tudo virar um boletim de ocorrência se ele tem consciência que ele que é uma sociedade melhor se ele tem consciência que ele quer um relacionamento com essa ou com a próxima melhor ele pode buscar ajuda…
Cris: é até com ele mesmo…
Sérgio: até com ele mesmo…principalmente porque nós homens essa construção de dominar essa construção do poder também causa efeitos muito devastadores na gente então o que é preciso é espalhar mais essa proposta a punição isolada a punição pela punição não provoca uma transformação é só provoca mais raiva então alguns homens que passaram 8 meses um ano dentro do sistema carcerário nem mais lembravam da violência que eles tinham cometido contra a mulher, foi necessário fazer um duplo trabalho primeiro ressignificar aquela violência que ele sofreu dentro do cárcere para depois chegar até a violência contra mulher porque o que é falado no cárcere ah você tá aqui por isso se eu fosse você eu matar se eu fosse você eu fazia isso, então É importante também esse trabalho de prevenção pra evitar o feminicídio muitos homens estão cometendo o feminicídio pela lógica do ‘ruim tá pior será’ então é necessário discutir né ampliar propor novas medidas não despenalizando mas a pena de uma outra forma de um outro viés.
Ju qual a diferença de culpa e responsabilização?
Sérgio:: a culpa engessa a culpa coloca distância a culpa neutraliza e sempre vai falar a culpa foi dela ela que não fez o arroz ela que não fez o feijão ela que usou a saia ela que saía com as amigas e quando a gente traz a responsabilização esse homem começa a falar eu sou responsável pela própria situação e se eu sou responsável pela própria situação eu também sou responsável pela própria mudança, a mudança não começa com o outro de fora mas começa com o eu de dentro de mim.
Ju: essa é uma discussão que muito perguntaram pra gente por isso eu acho riquíssimo ter um homem na mesa porque foi muito questionado se homem tinha que falar alguma coisa quando se debate o estupro e cultura do estupro. Qual o papel do homem nessa discussão?
Sérgio: claro! não ser omisso, não se calar não fingir que não vê não fingir que escuta principalmente são as três atitudes não se calar não fingir que não vê e não fingir que escutar nós conhecemos infelizmente na nossa formação que é necessário isso então os espaços de socialização, o exército, o trabalho, os jogos, o futebol. É importante não se calar, é importante falar com outro homem Ó esse negócio aí de buzinadinha fifi fom-fom o que que é isso, o que você tá fazend, o que você acha que tá encoxando outra mulher no metrô por que você tá passando a mão na mulher na balada o que é que significa isso então nós homens devemos sim discutir o estupro nós homens devemos sim abrir os olhos pra nós mesmos não tenhamos a reprodução infelizmente inconsciente desse ato.
Jéssica: eu queria falar em termos de soluções complementando o que o Sérgio bem disse pra além dos homens mais uma vez pensar a desconstrução também de imagens feitas sobre a mulher pra que ela alcance ela atinja esse emponderamento sobre o seu corpo sobre sua própria vida, então o Nós mulheres da Periferia desde 2014 nós realizamos um projeto chamado desconstruindo estereótipos eu mulher da periferia no qual nós fomos pra seis bairros periféricos da cidade de São Paulo falamos com mulheres de 17 a 93 anos o exercício, nossos exercícios em oficinas eram de primeiramente vamos pensar como a mídia retrata as mulheres das periferias vamos depois fazer uma reflexão a partir de personas, de criação de personas como a gente pode fazer essa desconstrução e de construir de uma maneira que a gente gostaria que fosse depois nós fizemos o exercício de fotografia no qual mulheres que nunca haviam pegado numa câmera profissional pegaram e ela se fotografaram auto fotografaram, fotografaram umas às outras e depois também fizeram desenhos de como elas gostariam de estar nas capas das revistas isso levantou um debate entre elas então cada turma tinham cerca de 20 mulheres a 50 mulheres e esse público muito misto de jovens a senhoras bem idosas então a gente percebe que quanto mais a gente discute e desconstrói essa forma como a grande mídia passa o que é o corpo da mulher essa mulher pode criar um emponderamento depois disso nós criamos uma exposição ficou em cartaz por um mês no centro cultural da juventude na periferia de São Paulo também e outras mulheres puderam ir outras mulheres e a gente recriou as vielas e quebradas das periferias com esse material que as mulheres produziram nas oficinas e esse ano a gente vai fazer um documentário com tudo isso e vamos rodar por muitas periferias e que falar disso aqui o nosso documentário possa chegar outras periferias se mostrar que qualquer mulher inclusive ela pode mudar pra outra forma de desconstruir aquilo que fizeram do corpo dela e quanto mais a gente consegue desconstruir essas ideias aí a gente nosso foco no Nós mulheres da Periferia essa de construção midiática porque a gente acredita que essa é uma construção simbólica que existe uma mão invisível que colabora inclusive com o machismo com essa cultura do estupro então a gente acha que a gente precisa combater também essa mão simbólica…
Cris: sem dúvida isso tem uma efetividade em cima do próprio patriarcado né porque você tá mostrando pra essa mulher uma cinco que possivelmente ela vai refletir na criação dos filhos, do filho homem e da filha mulher assim os dois trabalhos tanto o que o Sérgio falou quanto o que você faz eles refletem numa conscientização masculina é muito importante deixar claro que esse problema não vai ser resolvido se os homens não se levantarem e se mobilizarem e vierem junto e discutirem o assunto juntos e quanto mais a gente leva a conversa pras pontas mais a gente está capacitando essa mãe também pra influenciar na criação dos filhos positivamente.
Jéssica: exatamente.
Ju: se a cultura que promove e incentiva e silencia a violência contra mulher e se a cultura é uma coisa que todo mundo ajuda produzir reproduzir então todo mundo é culpado por esses crimes?
Sérgio: quando você se cala quando você não vê quando você não quer escutar você passa a ser cúmplice sim desse crime.
Jéssica: nós somos sim cúmplices desses crimes e infelizmente algumas são cúmplices sem mesmo saberem que são criminosas, que é o caso de nem ter essa noção como as mulheres nem têm noção de que isso é um crime é um estupro.
Ju: falar isso colocar isso dessa maneira dar esse peso pra cultura não isenta a responsabilização individual então ‘ah então não foi ele que fez né ele é filho da nossa cultura’!
Jéssica: é importante que a gente integre e que a gente veja que cada indivíduo faz parte da sociedade que faz parte da construção da cultura então eu não posso quando eu digo que um indivíduo faz parte de tudo isso ele não é elemento separado ele é um elemento constituinte e que forma toda sociedade eu não consigo separar uma coisa da outra na minha opinião.
Ju: não mas você acha que os meninos os 33 que estupraram ela, ah eles estão dentro da cultura, a cultura é de estupro no então a culpa não é deles isso isenta a responsabilidade individual ou é uma escolha individual?
Jéssica: eu acho que é o que o Sérgio acabou explicar, é importante que exista a responsabilização porque eu me enxergo enquanto parte de uma sociedade e existe também as partes elas tem papéis a se cumprir.
Ju: eu acho que a cultura ela normatiza ela forma sua visão de ver o mundo mas você faz as suas escolhas e as responsabilidades são individuais então a cultura é um frame mas as escolhas são suas, o que que você acha Sérgio?
Sérgio: sim eu acho que o estupro é uma escolha individual com uma consequência social e cada homem sabe muito bem onde atingir a mulher cada homem tem essa construção é no seu corpo ele atinge aquilo ali conscientemente.
Ju: quando eu digo que estuprador não é um monstro mas é um membro funcional da sociedade que é um profissional respeitado é um homem de família respeitado que é um homem que nos espaços sociais que ele ocupa ele é respeitado enfim que ele é um homem respeitado eu não estou ofendendo os outros homens diminuindo a visão de uma masculinidade, eu não colocou todo mundo no mesmo saco todo mundo no mesmo Balaio de Gato?
Sérgio: existem vários tipos de masculinidade porém existe uma masculinidade hegemônica que usa domador pra dominar a mulher. Existem masculinidade saúde podem ser nutritivas, cuidadosas, cuidadoras e com certa forma é esse o exemplo que a gente quer desenvolver masculinidade saque possam proteger masculinidades que podem que cuidar quando esta masculinidade infelizmente que aconteceu o estupro é o reflexo de uma sociedade porém ele está sabendo da sua condição de ser homem na sociedade pois ele está fazendo um ato por sua vontade.
Ju: Vamos então para o farol aceso. Sérgio o que que você tem pra indicar?
Sérgio: eu tenho para indicar um filme, um pouquinho antigo mas de forte conteúdo sobre essa temática da mudança chamado Tempo de despertar o filme que mostra uma realidade onde a pessoa passa por um processo interno mudando o tempo todo o dia todo. Eu queria indicar uma música da Flávia Wenceslau Pé de alegria, é uma música bastante linda simples mas que toca bastante no coração Flavia Wenceslau Pé de alegria.
Ju: muito bem. E você Jéssica?
Jéssica: eu gostaria de indicar o site do nós mulheres da Periferia www.nosmulheresdaperiferia.com.br também no Facebook no Instagram. Nos sigam, há vários textos, crônicas e convidar todas as mulheres das periferias de qualquer lugar do Brasil do mundo para escrever pro nosso site, para nossa sessão pra enviar as nossas vozes. Também gostaria de indicar o livro Mulheres que Correm com Lobos da Clarissa Pinkola Estés que é um livro que colaborar muito no empoderamento feminino.
Cris:: Ju e você?
Ju: bom, primeiro eu queria indicar que eu sair de um relacionamento abusivo com a Apple de anos então eu migrei pro Android então eu tenho liberdade de escolher vários aparelhos e tal Eu tava com raiva que meu celular não aguenta a bateria que era muito caro que quebrava fácil e uma série de outras coisas mas eu não podia mudar porque eu já tava há tanto tempo naquele sistema operacional e o computador também era e eu não ia saber mexer e que os outros eram muito difíceis e tal e quando eu finalmente me libertei disso então existe vida além do IOS e eu assisti essa semana um filme muito antigo que provavelmente todos vocês já assistiram acho que só eu não tinha assistido que é o Tudo sobre minha mãe do Almodóvar e é genial, é simplesmente genial então se você ainda não assistiu faça esse favor assim aos pouco eu tô entendendo as pessoas são tão alucinadas por ele porque o olhar que ele tem sobre o feminino sobre a mulher é muito incrível é sensacional então indico muito se você por acaso é que nem eu e ainda não tinha visto esse filme vale muito a pena.
Ju: e você Cris?
Cris: então eu assisti uma série pequenininha já tem alguns dias e o nome dela Doctor Foster é sobre uma mulher que é médica numa cidadezinha no interior é britânicas a série e é uma série que ela não é boa não mas ela ela é muito interessante eu acho que ela não é boa porque ela é tão real e aí não é ficção é verdade sabe uma série só de cinco capítulos tem no Netflix sobre uma mulher que é médica tem uma vida estável é mais ou menos a nossa idade e tem um filho e de repente ela começou a desconfiar que o marido tá traindo e aí ela entra numa espiral de degradação da autoestima do que ela tem controle ou não da vida profissional da relação dela com filho diante daquela dificuldade sobre até que ponto aquilo é uma traição mesmo se ela quer acreditar ou não naquilo como que ela vai reagir diante daquilo e aí você começa a falar não é possível que é isso é aí a hora que você vê é tão real que machuca é muito verdadeiro é o clichê que mais acontece sabe do tipo de reação que ela tem do tipo de reação que ele tem então assim pra quem tiver um pouco de paciência por ser curtinho acho que vale a pena porque no final dela fica a reflexão sabe, fica o questionamento até que ponto você tem controle sobre a sua vida e até que ponto você está disposto a ir pra manter esse aparente controle então minha recomendação é Doctor Foster.
Ju: muito bem. Então gente muito obrigada por vocês terem vindo pela generosidade de compartilhar o conhecimento de vocês com a gente e temos um programa né Cris?
Cris:
temos uma teta redonda, muito obrigada todo mundo fica a gostosa tentação de ter aprendido um pouco mais expandido aí os horizontes um tema tão pesado mas tão necessário nos dias de hoje faça sua reflexão colabore pra interromper ciclo, beijo!
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