Essa transcrição é resultado do trabalho coletivo dos Melhores Ouvintes. Se você quiser participar dessa equipe envie e-mail para mamilos @b9.com.br com o título TRANSCRIÇÃO. :)
Locutores: Cris Bartis, Ju Wallauer, Andre Pontes, Daniel Dante e Dora Martins
Vinheta de abertura: “Este podcast é apresentado por: B9.com.br
[Sobe trilha]
[Desce trilha]
Ju:: Mamileiros e mamiletes! Eu sou a Ju Wallauer e estou com a:
Cris:: Cris Bartis
Ju:: Para enfim falarmos sobre o assunto que vocês nos pedem desde o início do Mamilos, especialmente desde o último dia das mães, que é adoção!
Cris:: É isso aí!
Ju:: Promessa dada, promessa cumprida.
Cris:: Antes de começar eu queria mandar um beijo muito grande pra todo mundo que dividiu histórias com a gente, a gente foi inundada com um caminhão de história de pessoas, em especial para: Roberta Bajo
Ju:: pra Mariana Sampaio
Cris:: Jenifer Barbosa
Ju:: Pra Ligia Frias
Cris:: Marcia Helena
Ju:: Maria
Cris:: E várias outras pessoas que contribuíram aqui com a nossa pauta.
Ju:: Vamo chamar o Som do Mamilos? Caio, coisa linda, quê que a gente tem pra alegrar nossa história hoje?
Caio Corraini:: Olá, personas! Corraini aqui novamente para trazer a vocês os responsáveis por dar mais cor ao Mamilos dessa semana. Lembrando sempre que se você quiser colaborar com o conteúdo musical deste programa, pode nos recomendar bandas ou artistas independentes no e-mail [email protected], [email protected] ponto (onomatopeia) brrr. Acho uma graça que muitos de vocês já estão esperando o meu (onomatopeia) brrr, muito obrigado por mandar e-mails lembrando as meninas desse fato.
E facilita e muito minha vida se vocês enviarem os links do site oficial do artista, ou então onde nós podemos buscar o download direto das músicas dele para utilizar no episódio.
Nessa edição nós iremos ouvir a banda Sarravulho, lá de Campo Grande. Então fiquem aí com a Sarravulho no Som do Mamilos.
[Sobe trilha]
“Male malandro sabe dos saques.
Encho o umbigo de risada.
Bate o céu com a palma da mão.
Quebra quilos da cruzilhada
Descendo a ladeira!
Descendo a ladeira!
Descendo a ladeira!
Descendo a ladeira!”
[Desce trilha]
Cris:: Fale com o Mamilos! Mais uma vez pedimos ajuda no Facebook e no Twitter, choveu e-mail, indicação, uma correria da gente e foi uma loucura, mas os seis graus de separação funciona demais! Tanto que essa mesa aqui tá recheada toda. Então, se você ainda não tá na corrente, não perde tempo. Vai lá, segue a gente no @mamilospod no Twitter, ou na nossa pagina de Facebook.
Ju:: A gente não tem o Guga pra compôr canções, mas a gente também quer reforçar que ouvir o Mamilos e não comentar é ter só metade da experiência. Vem falar com a gente: [email protected]
Cris:: Vale lembrar ainda que é o Patreon que banca os talentosíssimos e muito amados colaboradores do Mamilo, Caio e Dantas, a dupla dinâmica. Então contribui lá com o Mamilos, vamo garantir o leitinho das crianças: patreon.com/mamilos.
Caio Corraini:: Oi, gente! Eu voltei aqui novamente pra fazer uma outra tarefa super importante nesse episódio que é agradecer. Agradecer vocês que viabilizam financeiramente esse projeto. Que gostam tanto do que nós fazemos que estão dispostos a tirar a carteira do bolso e nos oferecer um pouco do que vocês ralam tanto pra conseguir. Então o Mamilos agradece aos melhores ouvintes que apoiam o nosso projeto com doações no Patreon, especialmente a:
Alex Vila Verde; André Dorte; Beto Patux; Claudia Matsukuma; Danilo Shindi Yamakishi; Erik Égon; Luyza Pereira; Guilherme Honorato; Jaqueline Costa; Ken Fujioka; Lucas Sales; Mariana Ruggeri; Marina Feltran; Silvia Gurgel; Tiago Rezende; Fernando; Rodrigo Cruz.
[Sobe trilha]
“Eu já…”
“Eeee!
Eeee!
Eeeeaa!”
[Desce trilha]
Cris:: Vamo então pra Teta do Mês? É uma teta redonda, tem muito assunto pra falar, então vamo começar logo que o tempo ruge. Se apresente por favor, quem é você? Do que se alimenta? De onde veio?
Daniel Dantes:: Bom, olá todo mundo, né. Olá não… Todo mundo que tá escutando. Meu nome é Daniel Dantes, eu trabalho com publicidade, na verdade eu sou formado em rádio e televisão, né. Tô… Enfim, já trabalho com comunicação tem seis anos. Sou filho adotado, sou filho adotivo, né… E, bom, hoje tô aqui pra comentar, pra falar sobre o que eu penso e, enfim, como que foi a minha vida de… Enfim, como filho adotivo que muita gente tem muita curiosidade, quê que é de diferente, que problemas eu tenho na vida [risos], falar sobre tudo isso.
Cris:: Pagar suas conta alguém quer?
[risos]
Daniel Dantes:: Várias contas que eu tenho que pagar, são problemas que todo mundo tem. Enfim..
Cris:: Tá certo, por favor (ao próximo convidado)
Dora Martins:: Olá a todos e todas, eu sou Dora Martins, atuo no judiciário, sou juíza de Direito e trabalhei muitos anos na área de infância e juventude, sou uma apaixonada pela matéria da adoção. Graças a Deus que você foi adotado, né, Daniel?
Daniel Dantes:: Não é? Nem fale.
Dora Martins:: Todo mundo tem que ser adotado, inclusive quem vem da barriga. E eu achei muito legal eu vim poder falar no Mamilos sobre esse tema.
Cris:: Pra quem não sabe, a Dora, que é super difícil falar Dora ao invés de Doutora Dora, mas ela é a juíza responsável pelo caso de adoção na minha família, o caso de adoção da Tatá, então ela é a musa inspiradora que ajudou a formar essa família. É um prazer ter você aqui pra dividir tanto conhecimento conosco.
Dora Martins:: Brigada.
Cris:: Fala, querido (a outro convidado)
André Pontes: Eu sou o André Pontes, lá do podcast NBW, voltei mais cedo do que eu esperava e voltei justamente nessa pauta que sim, sou belo, recatado e do lar. Né?
Ju:: Justo!
Cris:: Muito do lar, né.
Ju:: Porque, qual é o seu lugar de fala nessa mesa, André?
André Pontes:Meu lugar é: eu estou na fila de adoção, eu e minha esposa Luciana, estamos na fila há sete meses pra adotar e aguardando uma criancinha.
[risos]
Dora Martins:: Tá gestando.
Cris:: Tá gestando, é isso aí.
Ju:: Bom, vamo começar então? A adoção é o procedimento legal pelo qual alguém assume como filho de modo definitivo e irrevogável uma criança ou adolescente nascido de outra pessoa. Ela é regulamentada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Essa legislação determina claramente que se devem priorizar as necessidades e interesses da criança ou adolescente, pois a adoção é uma medida de proteção que garante o direito à convivência familiar e comunitária quando esgotadas todas as alternativas de permanência na família de origem.
Cris:: Existem hoje no Brasil mais de trinta e seis mil crianças vivendo em instituições de acolhimento à espera de uma família em que possam fazer parte. E trinta e cinco mil quinhentos e setenta e uma pessoas habilitadas no cadastro nacional de adoção, esperando para se tornarem pais. Essa conta deveria estar praticamente fechada, certo? Errado. Dois fatores são determinantes para que pais e filhos ainda não tenham se encontrado.
Ju:: Das trinta e seis mil crianças abrigadas, somente pouco mais de seis mil são aptas a serem adotadas. As demais estão fora da lista porque mantêm vínculo com a família biológica ou porque o processo de destituição do poder familiar, indispensável pra consumação da adoção, ainda tramita na Justiça. Esse processo deveria durar cerca de cento e vinte dias, mas na prática leva até cinco anos, de acordo com a Comissão de Adoção do Instituto Brasileiro de Direito da Família, e enquanto isso as crianças acabam passando tempo demais nos abrigos.
Cris:: O segundo motivo é o perfil da criança idealizado pela maioria dos pretendentes. Enquanto 84% dos pais estão em busca de filhos até cinco anos, 81% das crianças que estão nos abrigos têm entre seis e dezessete anos. Parece ruim, mas já foi pior. Atualmente 30% dos futuros pais já aceitam adotar irmãos. Há cinco anos, 38% só aceitavam filhos brancos; hoje são 22,6%.
Ju:: Dia 25 de maio é celebrado o dia nacional da adoção, uma data pra refletirmos e entendermos como podemos propor mudanças pra que essa conta feche.
Cris:: E aí a gente entra no nosso programa. E esse programa, como qualquer outro programa promovido por nós, ele tem um recorte, e a nossa proposta aqui hoje, a gente vai conversar aqui hoje, não é pra explicar tudo sobre o processo de adoção, não é pra evidenciar exaustivamente as falhas que, por ventura, esse processo apresente. A nossa ideia aqui com esse grupo é desmistificar a adoção. É mostrar que ela é acessível, que ela é possível, e que o amor está acima de laços sanguíneos, e que toda família é uma família. Então, pra começar esse assunto, eu acho que pra dar o tom da pauta, nós fizemos duas entrevistas muito especiais, né, com uma convidada muito especial, garanto que ela não tá aqui gravando ao vivo por causa do horário, né, nesse horário a convidada já está dormindo, mas ela deu o ar da graça aqui pra contar pra vocês como ela enxerga esse universo:
[Início da entrevista com a Tatá]
[00:09:25 – Fim da transcrição por Matheus Teixeira]
[00:09:26 – Início da transcrição por Leticia Dáquer]
Cris:: Qual é o seu nome e quantos anos você tem?
Tatá: Eu tenho cinco anos e o meu nome é Tatá.
Cris:: Qual é o nome dos seus pais?
Tatá: Agê e Cris.
Cris:: Hm… É verdade que você é adotada?
Tatá: Sim!
Cris:: E o que é ser adotada?
Tatá: É quando uma pessoa, ela pega outra pessoa que não tem pai nem mãe.
Cris:: Você também adotou o seu pai e sua mãe?
Tatá: Sim!
Cris:: Eles tinham filhos?
Tatá: Não, mas agora têm!
Cris:: Entendi! Como que é a sua história antes de ter papai e mamãe, o quê que aconteceu na sua vida?
Tatá: Um dia eu tava numa casa, tinha um monte de criança, e eu tava assistindo Galinha Pintadinha. E aí um pai e uma mãe chegou e sentaram em um lugar, e eu fui e sentei no colo do papai.
Cris:: E como que cê falou com eles?
Tatá: Sorrindo!
Cris:: Ah, você era muito pequenininha, você não falava?
Tatá: Sim!
Cris:: Entendi… E aquele dia o quê que aconteceu depois do desenho da Galinha?
Tatá: Aí eu fui crescendo até que eu virei uma criança.
Cris:: Entendi… Você tem uma família?
Tatá: Eu tenho.
Cris:: E você gosta da sua família?
Tatá: Eu gosto.
Cris:: A sua vida é boa, Tatá?
Tatá: É!
Cris:: Mas você acha a sua história triste?
Tatá: Não.
Cris:: O quê que você acha da sua história?
Tatá: Feliz! Porque ela acaba muito feliz quando eu tenho pai e mãe.
Cris:: Entendi… Me explica, comé que cê pensa o seu futuro?
Tatá: Quando eu sou criança, eu gosto de ser um monte de coisa, mas quando eu ser adulta eu vou ter que escolher pra ser uma coisa.
Cris:: E… Você é preta, né, por quê que você é preta?
Tatá: Porque a mulher que eu tava na barriga era preta.
Cris:: Ah, tá. E você acha que você ser preta e os seus pais serem brancos é um problema?
Tatá: Não!
Cris:: O quê que você acha disso?
Tatá: Hmmm, legal!
Cris (rindo): E quando você tá na frente do espelho, assim, todos os dias, o quê que você fala pra você mesma?
Tatá: Eu sou linda, eu sou preta, eu posso fazer tudo o que quiser. Qual é o seu nome?
Cris:: Meu nome é Cris Bartis.
Tatá: Você tem filho, é verdade que sua filha é adotada?
Cris:: Sim, eu tenho uma filha linda, o nome dela é Tamires, ela tem cinco anos e meio e ela nasceu pra gente ela tinha quase 2 anos, ela ainda nem falava, ela quase não tinha cabelo, ela era bem bebezuca.
Tatá: Ela tem família?
Cris:: A Tamires tem uma família que ama ela muito. Ela tem o pai e a mãe dela, ela tem muitos primos…
[Tatá cochicha alguma coisa]
Cris:: …ela tem os avós dela que esmagam ela todas as semanas, mais o quê? Pode falar!
Tatá: E um cachorrinho!
Ju:: Tem um cachorrinho também, e ela tem vários amigos dela na escola. A Tamires tem uma família enorme que ama ela muito.
Tatá: E ela foi adotada?
Cris:: Sim, a Tamires foi adotada. A mamãe e o papai dela, eu e o Agê, a gente queria ter um filho biológico e um filho adotivo, a gente sempre quis isso. Só que aí a gente fez as duas coisas ao mesmo tempo: a mamãe parou de tomar pílula e a gente entrou com um processo de adoção.
Tatá: Pílula?
Cris:: É, a pílula, aquela que a gente, que as mulheres tomam pra não ficar grávida. Aí a mamãe parou de tomar, ficou esperando, nada de bebê, nada de bebê, nada de bebê, de repente quem que aparece? Tatá. Aí a mamãe ganhou uma filha muito muito muito muito linda.
Tatá: Mas deu pra nascer na sua barriga?
Cris:: Não, não nasceu da minha barriga não. A Tamires foi uma filha que eu desejei de todo o meu coração, e o dia que a gente foi lá no abrigo e a gente queria muito muito muito que desse tudo certo, a Tatá olhou pra gente assim e falou, ela não falava, né, ela ficava só sorrindo… Aí parecia que ela gostou da gente… Aí a gente ficou muito emocionado… Esse dia foi um dia muito importante. A partir daquele dia a gente sabia que tinha uma família. E a gente é muito feliz com a nossa escolha.
Tatá: Você gostou da sua filha?
Cris:: Ah, quando eu peguei a minha filha assim a primeira vez no colo eu fiquei com muito medo, porque eu nunca tinha cuidado de um neném, e eu falei e agora, o quê que vai acontecer? Mas eu e o papai, a gente tava muito empolgado, sabe? Aí a gente foi pra casa, começou a comprar as coisas, porque cê não tinha nada! Aí a gente comprou caminha, a gente comprou roupinha, e a mamãe foi aprendendo a fazer as coisas, o papai também…
Tatá: Eu queria ser neném de novo!
Cris (rindo): Cê sempre vai ser a minha nenenzinha! E aí a gente aprendeu a cuidar de você e você aprendeu a cuidar de nós! Então tá, chega? Ou tem mais alguma pergunta?
Tatá: Só mais uma.
Cris:: Pode perguntar.
Tatá: Você ama a sua filha?
Cris:: Eu amo a minha filha mais do que tudo nesse mundo. Tatá, me responde uma pergunta, tanto amor dói?
Tatá: Não!
Cris:: Tá tudo bem ser amada desse jeito?
Tatá: Sim!
Cris (rindo): Então tá!
E aí eu vou começar com a pergunta que eu mais ouço sobre isso. Na verdade quando você passa pelo processo cê ouve muitas perguntas, né, e as pessoas não têm muito filtro, não. Pra quem ouviu o programa sobre deficiência física e ficou muito chocado com as perguntas que os deficientes físicos escutam, não é muito diferente na adoção. Causa uma estranheza e as pessoas perdem o filtro. Te perguntam de tudo. E uma das perguntas que as pessoas mais me fazem é, dá pra amar igual filho da barriga? E assim, na verdade, quando você tem um filho, independente de onde ele veio ou de como ele é, cê não fica pensando o tempo inteiro sobre processos, sabe. Eu não olho pra minha filha e isso é uma pauta, isso não é um assunto. Só é um assunto quando alguém vem e faz alguma pergunta. Aí eu tenho que voltar lá atrás e falar “ah, é mesmo”. Muitas vezes as pessoas tão reparando na gente na rua, olhando, olhando, gente, por quê que as pessoas tão, aaaah, é mesmo. Então, quer dizer, o fato de eu e o Agê sermos brancos e a Tatá ser negra faz com que teja estampado a nossa família o tempo todo. E essa pergunta eu acho que mostra um desconhecimento do processo da paternidade e da maternidade. Porque como a Dora disse logo de início, todas as crianças precisam ser adotadas, independente do vínculo sanguíneo ou afetivo. Então quando nasce uma família, essa família ela constrói o ninho junto, né. Enquanto o filho tá aprendendo a ser filho, os pais estão aprendendo a ser pais, e conversar, por exemplo, com a Juliana sobre isso foi um grande alento pra mim. E com outras mulheres que têm filhos biológicos que também me disseram que, gata, é duro mesmo! Não é fácil não! A hora que chega a gente acha que não vai dar conta, acha que vai ficar louca… Não existe assim um amor logo de cara, cê só sabe que cê tem uma responsabilidade muito grande com uma criança que depende cem por cento de você pra sobreviver, mas é claro que a partir do momento que cê vai cuidando, cê vai criando conexão. Então, em suma, gente, o amor ele não vem da barriga, ele vem de outro lugar, ele vem do cérebro, ele vem da sinapse que você forma, dos sentimentos que o seu cérebro permite que você tenha com as pessoas com quem você convive. Então não é que dá pra amar igual ao da barriga. Dá pra amar.
Ju:: Uma das coisas que mãe biológica tem, que é um super medo, é assim, e se na hora do parto me entrega aquela criança e eu não sinto aquele amor todo? Porque cê fica ouvindo todo mundo falar assim, “é o maior amor da sua viiiida”, então tem uma obrigação da coisa instantânea, né. Você como mãe adotiva tinha isso de de repente não bater de cara? Comé que eu vou saber? Assim, porque você tem que… Já pulando um pouco nas etapas, você tem o momento que você vai conhecer a criança, certo? E cê não fica assim “gente, mas tem que bater o santo de cara?” Comé que eu vou saber? Comé que eu sei se essa é a minha filha ou se essa não é, como que faz? Pra saber?
Dora: Mas cês acham que tem que bater o santo de cara?
Ju:: Não, porque não bateu com meus filho, por quê que teria que bater o dela?
André Pontes: Exato.
Ju:: Mas eu entendo que a pressão é essa, porque se eu tenho essa pressão como mãe biológica, eu entendo que você como mãe adotiva, como que você saberia que não deveria ter, entendeu?
Dora: Por isso que tem que ser preparado, tem que passar por um preparo, eu acho.
Cris:: Na verdade cê não sabe. Igual à mãe biológica, cê não tem a mínima ideia. Eu aprendi uma coisa na vida e aplico esse conceito pra tudo: não existe resposta certa. Existe a resposta que cê escolhe e aí cê trabalha pra ela dar certo. E com filho não é diferente. Só que na hora cê tem um monte de medo, desejos, ansiedades, tudo se mistura, é muito difícil. O dia que eu conheci a Tamires eu posso te dizer que eu fiquei num estado letárgico, parecia que eu tinha bebido, uma coisa meio como se os meus pés não tivessem no chão. Cê se prepara tanto praquele momento, mas a hora que ele acontece cê fala, fodeu. Basicamente, sabe. E eu tinha muito mais dúvida se ela ia me amar do que se eu ia amá-la. Porque eu tava tão preparada pra dar amor que bastava o mínimo de conexão pra eu sentir que ia dar certo. Eu acho que esse é o caminho importante. Cê tem que entender se vai ter o mínimo de conexão. É muito difícil saber isso lá na hora. E é por isso que cê tem o mínimo de convivência antes pra entender se vocês vão conseguir formar essa conexão, pra então partir pra criação do ninho, né. Pra criação da família.
Ju:: Cê não tem medo de em algum momento, sei lá, dependendo do que ela fizer, você não gostar mais dela e querer devolver?
Cris:: Essa é uma outra pergunta que muita gente faz. Na verdade a pessoa pergunta assim, “em algum momento cê pensou em desistir?” Então…
Ju:: Porque eu penso em desistir dos meus, mas não tem pra quem entregar, daí…
André Pontes: Eu tô na fila.
(todos riem)
Cris:: As pessoas fazem muito essa pergunta, mas na verdade é muito legal quando cê devolve isso pra elas, que elas entendem o ridículo da pergunta, sabe. Então outro dia me fizeram essa pergunta, em algum momento cê pensou em desistir? Aí eu falei pra ela, em algum momento cê pensou em desistir dos seus? Aí, ooh, veja bem, ooh, entendi… Acontece isso sempre, tipo, você não arrepende de não ter engravidado? Aí eu respondo, você arrepende de ter engravidado? Então eu acho que quando cê devolve pra pessoa ela tem a percepção do quanto aquilo é íntimo, sabe. A outra pergunta que é sempre muito feita é, cê conhece a história dela? Cê sabe de onde ela veio, cê conhece os pais de verdade dela? Aí eu falo bom, os pais de verdade dela sou eu e Agê, cê conhece os pais dela, sou eu!
Ju (rindo): Eu também super conheço eles…
Cris:: Entendeu… Sou eu, não tem mais ninguém, entende… Somos nós. Ah não, mas cê conhece, porque tem gente que insiste, né, amiga…
Ju:: Sim…
Cris:: Mas cê conhece a história deles? Eu falo, cê lembra o dia que cê transou e ficou grávida?
Ju:: Não.
Cris:: Então, não é da sua conta, é isso que eu tô querendo te dizer, entende. É muito íntimo isso. Porque toda vez que a pessoa te pergunta isso, ela te remete a uma história de tristeza. Não existe uma… Por trás de uma história de adoção não existe uma história feliz.
André Pontes: Se eu não me engano trinta por cento das mães hoje têm depressão pós-parto, e ninguém pensa em perguntar pra uma mãe que tá em depressão pós-parto se ela se arrepende de ter tido aquele filho, né.
Dora: Cê tá decepcionada com seu filho? Cê não gostou da cara dele? Cê queria devolver?
Cris:: Então, uma amiga minha, um dia a gente conversando assim muito intimamente, ela falou pra mim assim, o meu filho é muito feio, ele não é nada do que eu pensava. Ele tem uma cabeça enorme, e ele é esquisito, e eu achei que eu ia olhar pra ele e amar ele de cara, mas na verdade eu não amo não. Mas não conta isso pra ninguém? [todos riem] Falei, miga, sua loka, é assim mesmo, daqui a pouco passa. Porque ela tava num processo de aceitação, sabe.
Dora: Do filho biológico, né.
Cris:: Do filho biológico! Ela: ele tem uns pelos nas costas, sabe! É estranho! E ela sofrendo com aquela culpa de não tá apaixonada por aquele momento porque todo mundo fala…
Dora: [Imediatamente apaixonada
Cris:: …que é apaixonante. Ela, cadê a paixão, mano, não veio, veio só o job, tem muito trabalho…
[00:21:07 – Início da transcrição por Diana Martins]
André Pontes: Ah… Troca de fralda…
Cris:: Tem muito trabalho. Então ela tava super… Eu acho que uma das coisas que mais me fizeram bem foi conversar com as minhas amigas que têm filhos biológicos, porque aí cê entende que é tudo igual. Cocô é igual, medos são iguais.
Ju:: As preocupações, esse medo de não ser amada pelo filho toda mãe biológica tem, não vai fazer diferença…
André Pontes: É, até porque toda criança ou a maioria das crianças quando tem cinco, seis anos uma hora vai brigar com a mãe e vai fazer a malinha e falar “Eu tô indo embora”.
Cris:: Eu estou preparada pra ela virar e falar “Você não é a minha mãe”, tipo novela mexicana, “Você não é a minha mãe de verdade”. “Mas sou a única que você tem. Vai ter que se virar. Não vai pra lugar nenhum”. Então assim, porque a gente fala né, quando a gente é adolescente a gente fala bastante coisa [pra ofender] a mãe da gente, né. E aí a gente paga depois, que é com os filhos.
Ju:: Mas já que cê tá falando de história, acho que tem uma coisa que a gente precisa desmistificar que é um dos maiores entraves que eu vejo quando converso com pessoas que não querem adotar, que não consideram essa possibilidade, é muito baseado naquela coisa que você viu no documentário dos mil dias né, que você pensa que o início da vida da criança é super importante em termos de vínculo, em termos de base pra construção de um monte de coisa, em termos de saúde, em termos de estímulos, em termos de um monte de coisa. Então assim, se você perdeu esse início, sei lá, até os dois anos no caso da Tatá, você não sabe o que foi escrito ali, você não sabe o quê que faltou ali… E as pessoas têm medo disso, medo desse gap né, medo do desconhecido, medo de pegar a partir de um ponto, enfim.
Cris:: É, por exemplo, a minha avó, ela falou “Minha filha, mas e se for filho de bandido?”, “Mas, minha filha, cê não sabe que que vem nesse sangue”. Eu “Vó, então, se eu tivesse num abrigo provavelmente eu não seria adotada porque eu vim de onde eu vim né?”. Quando a gente para pra pensar isso, todo mundo tem alguém na família que usa droga, alguém na família que se desviou no caminho da legalidade, toda família tem isso, sabe? Mas você olha pro outro e acha extremamente estranho, e não existe um fator biológico no sangue que vá definir um caráter, né, existe o ecossistema que influencia muito no meio. É óbvio que ela tem as características biológicas dos pais dela, no gênio dela. Hoje de manhã por exemplo, eu tava falando com ela assim “Porque que cê é tão maciinha?” Aí ela falou assim “Porque eu passo creme”. Não é porque ela nasceu maciinha, sabe? Então assim, o cuidado, a influência na forma de pensar, de falar. O filho tem uma coisa muito louca que é você se ver pequeno, então tem horas que ela fala tão parecido comigo que me assusta. Tem horas que eu acho que a gente é fisicamente parecida, mesmo a gente sendo de cores diferentes, de constituição de corpo. Ela tem um corpo lindo, muito bem torneado, ela fala “Mamãe, eu adoro o seu corpo” e eu “Ah, meu Deus” né, porque depois que você tem filho você não pode falar que não gosta do seu corpo, né, você tem que gostar dele mesmo assim. Então, eu não vou te falar que não tem medo não, você fica sempre imaginando assim, e aí tem uma história muito interessante sobre isso que foi quando ela chegou, né, a Tatá viveu num abrigo de sete meses até quase dois anos, que foi quando ela foi morar conosco, e assim, ela passou por maus bocados, mas eu tinha certeza que ela ia morrer. Claro que ela ia morrer agora que ela tá numa casa, numa cama só dela, tudo limpinho, arrumadinho, muito amada, é óbvio que ela ia morrer.
[risos]
Cris:: Então eu num dormia. Ia lá toda hora ver se ela tava respirando. Ia lá, colocava o dedo no nariz pra ver se tinha arzinho, sabe? Então assim, o medo…
Ju:: Igualzinho mãe quando chega do hospital.
Cris:: Exatamente, porque pra mim era isso, entendeu?
Dora Martins:: Eu queria comentar uma coisa desse filme né, eu vi esse filme, esse filme cria uma sensação, de, várias pessoas que assistiram comentaram comigo que se sentiram muito culpadas, porque “Ah eu não fiz assim com meu filho, não fiz assim com a minha filha, eu não fui uma mãe ideal”… Porque ele trabalha também com um nível de idealização, não é. Aquilo não é a realidade, aquilo é o ideal, pra você refletir, que quando você tiver um filho invista tempo pra ele, mas ninguém faz aquilo né, as mulheres trabalhadoras não podem estar com os filhos. Então eu acho que esse é um mito que tem que ser quebrado também, porque na adoção você vai encontrar um outro ser já com uma história, e é importantíssimo que você reconheça que ele tem essa história e respeite essa história, e não ache que você chegou como cavaleiro da esperança e que você vai agora transformar o mundo dele, que agora, daqui pra frente… Não é daqui pra frente, ele tem uma história que você tem que ressignificar essa história, então a adoção tem esse particular, mas eu também penso quando você tá grávida, você não sabe o que virá, não é?
Ju:: Exato.
Dora Martins:: E você tem que estar preparada pra ressignificar a história dessa criança que vai chegar na sua vida também. Então eu acho que, independente da – eu entendi a sua pergunta, às vezes a pessoa pode fantasiar, “Essa criança tem trauma, essa criança tem problemas psíquicos”…
Ju:: Isso.
Dora Martins:: Mas isso qualquer ser humano pode ter, tem filho biológico que nasce e depois de um ano tem uma doença virótica e fica lesado, fica com problema, e daí? Como é que vai fazer, você vai devolver esse filho, você vai colocar a culpa em quem, né? Na herança genética? Não, é a sua, né.
Ju:: A gente… Tem um livro que eu e a Cris a gente gosta bastante e a gente fala muito dele, chama ‘Longe da árvore’.
Dora Martins:: Eu conheço.
Ju:: Sabe né, de pais que, de frutos, de filhos que…
Dora Martins [interrompe]: caem fora da árvore.
Ju:: É, que nascem, que têm características e identidades diferentes dos pais. Então o ponto é, em termos de educação, você vai falhar, então, se falhou antes também tanto faz, porque você vai falhar, então não pode partir do pressuposto que você precisa do ideal. Em termos genéticos, essa percepção, esse medo que as pessoas têm que você tá com uma bomba relógio genética, porque você não sabe o quê que tem, porque você não conhece a família então você, né, não saberia o histórico genético, isso é tão… matematicamente burro. Porque você não conhece a sua genética também, também é uma loteria genética, e com cada filho que você tiver também você vai jogar de novo os dados de seis mil probabilidades cada um deles, e ver a combinação deles que cada vez vai ser diferente, entendeu?
Dora: É, e…
Ju [continuação]: E você não sabe e todo mundo tem uma genética ruim e todo mundo tem uma genética boa. Todo mundo tem, entendeu? Então você vai lutar contra a genética dos seus filhos de temperamento, você vai lutar contra a genética dos seus filhos em termos de saúde, daonde eles vierem, num… tem tanta diferença.
Dora Martins [interrompe]: Ficar grávida ou adotar alguém não é uma ação de defensiva, você não pode ficar na defensiva, entendeu, é risco, a vida é risco, você tá arriscado de ter um filho com problema, você tá arriscado de ter um filho que veio pela adoção ter problema, e daí? A vida é risco, então as pessoas também quando começam a ser, não, o raciocínio é mais o menos assim “Já que eu não tive o meu…” não é, começa por aí, “Já que eu não tive o meu biológico, não foi me dada essa possibilidade, então agora eu quero escolher. E eu quero escolher um ideal além daquele que eu poderia produzir”. Não é? “Porque daí, já que eu não posso, agora eu vou escolher o melhor”. Isso não existe, esse raciocínio tem que ser desmontado entendeu, cê faça seu luto porque você não pôde ter, se é que você não pôde, né porque muita gente pode e faz a opção pela adoção. E aí você parte pra adoção de peito aberto, né, você já pode fazer uma escolha que ninguém faz…
Ju:: Exato.
Dora Martins:: De sexo, de…
Ju [interrompe]: Isso que eu ia te perguntar…
Dora Martins [continuação]: Você já faz essa escolha.
Ju:: Fala um pouco sobre o que que você pode escolher, porque mãe biológica não escolhe nada.
Dora Martins:: Não escolhe, ela torce, né? Torce pra que seja bonitinho e tal. Só torce.
[risos]
Ju:: O quê que você pode escolher? Legalmente?
Dora Martins:: Ah, eu acho uma situação até meio cruel, porque você é colocado de frente aos seus preconceitos…
[Murmúrios de concordância]
Cris:: É a parte mais difícil do processo, não é, André?
Dora Martins:: A idade, você vai fazer uma exclusão, né, se você fala “de zero a seis” tá excluindo quem tem sete meses, oito meses, nove meses. Então no fórum, no preparo, a gente tenta desconstruir esses mitos, né, que até dois anos é um bebê. Então você pode escolher a idade, o sexo, a cor, né, a raça, a origem. E você também vai ter que fazer uma escolha, um pouco cruel eu acho, que é dessas opções assim se você aceita filho de estupro, se você aceita filho de pais drogaditos, se você aceita criança com problema psicológico crônico leve, crônico agudo… É muito até complicado, a gente depois até explica pras pessoas que elas não têm que saber tudo, porque não dá pra saber tudo, não é? Então o processo é totalmente transparente, se eu chamar o André lá e falar “André, tem uma criança do seu perfil aqui, é uma menina, negra, de três anos, a história dela é esta”, mas temos crianças que não sabemos a história, né? Às vezes tem criança abandonada no parque, abandonada dentro de um táxi. Qual é a história? Não sei, não sei nada, só sei que é uma criança saudável, passa por todas as avaliações médicas, uma criança que tá com todas as reações normais, mas e aí, né? Então a gente tem que arriscar, tem um risco nessa história, mas é um risco de vida, tá vivo é arriscar.
Cris:: Ô Dante, conta pra gente, todo filho adotivo é problemático?
Daniel Dantes:: Ah, quem não é problemático, né?
[risos]
Daniel Dantes [continuação]: Todo mundo é problemático, esse é o grande ponto. Até o ponto tipo, de perguntas que, enfim, você acaba recebendo durante a vida, quando você fala que é adotado, a primeira coisa é “Ah, você foi revoltado na sua infância?” né…
[risos]
Daniel Dantes:: “Você, tipo… queria ter outra mãe, queria, enfim, trocar?”… Essas perguntas de imediato acho que é por um certo desconhecimento e por esse assunto não ser debatido. Acho que é muito disso. Então uma pessoa gera uma curiosidade e vai te…
André Pontes [interrompe]: É interessante esse ponto, porque pergunta pro filho se ele queria ter trocado de mãe também. Não é só pra mãe se queria trocar de filho.
[risos]
[00:30:04 – Fim da transcrição por Diana Martins]
[00:30:05 – Início da transcrição por Ju Claudino]
Daniel Dantes:: Umas perguntas que assim que enfim, tem que escutar.
Cris:: Quem não queria trocar de pai, gente?!
[risos]
Daniel Dantes:: Sabe, na sua adolescência né, você tranca no banheiro, e fala “Meu, que família é essa que eu tenho?”
[risos]
André Pontes: “Bill Gates, por favor!”
Daniel Dantes:: Por favor! Não entendi! Eu quero outra. Então são umas questões, enfim, sendo um filho enfim, de biológico, enfim, qualquer pessoa… faz! Sabe, acaba enfim, faz pra mim, é só a pessoa parar e refletir um pouco e enfim, a ver que é uma pergunta tão vazia, tão desnecessária. Assim, já esticando, né, no meu caso, minha mãe sempre achou que eu nunca tive conhecimento que eu era adotado, essa foi a grande história. Porque a minha mãe me contou várias vezes, tipo, a primeira vez que ela me contou, eu tinha uns três anos de idade, né, três pra quatro anos de idade, ela chegou pra mim e falou: “Olha filho, vou te contar uma história, né, você não veio da barriga da mãe”… Não lembro direito já faz tempo, falei: “Ah, tá bom, mãe, brigado!” desci pra brincar, né. Depois daí eu comecei a fazer psicólogo, não entendia, eu ia lá pra, enfim, ia brincar com a psicóloga, tudo. Aí até que teve na sétima pra oitava série, minha mãe pegou meu caderno e tinha que levar fotos que ia ter a formatura, sétima série, tinha que levar fotos que tinha da barriga, do bebê da barriga de tal ano…
Dora Martins:: As escolas não ajudam muito.
Daniel Dantes:: As escolas, é um ponto.
Dora Martins:: Agora tão melhor, eu acho.
Daniel Dantes:: Eu acho que sim, né. Tipo, aí chegou nesse, nessa época, minha mãe sentou comigo de novo e falou “Olha, Daniel, você é adotado, não sei o quê, eu não tenho foto da barriga, mas eu vou te dar um monte de foto de criança”
[risos]
Daniel Dantes:: Eu falei “Tá bom mãe, brigado!”, né, saí. Aí teve uma OUTRA vez também, acho que eu tinha uns treze, quatorze anos, que eu tava no shopping e eu queria ter uma festa no, no McDonald’s ali, só que eu faço aniversário dia 21 de dezembro, né, e eu cheguei pra minha mãe e não tinha como reservar o McDonald’s pra fazer festa ali, aí eu cheguei e falei pra minha mãe e falei: Mãe! Não tinha como tu segurar um pouco pra eu nascer depois!? E aí ela falou: Meu! Será que meu filho não sabe?
[risos]
Daniel Dantes:: E aí sentou comigo pra conversar de novo, numseiquê, e eu falei: Tá mãe, eu sei! Tá bom! Sabe, e foi! [risos] Só que ficou esse tempo inteiro e nunca! Até que teve um dia, enfim, que eu sentei com os meus pais,
teve um problema na família de separação do meu pai e minha mãe, meu pai traiu minha mãe então sentou a família inteira pra conversar nesse assunto, e nesse dia, tipo, eu falei, olha, pai, você como homem, pra mim, é, enfim, é uma pessoa que nesse momento eu vou colocar de lado, né, pelo que você fez, mas como pai não posso dizer nada, né, tipo, você, tipo, me adotou, é como se, todo mundo começou a chorar, ele não tinha consciência que eu…
[todos riem]
…nesse momento virou tudo, eu falei, meu… Mas, ele falou “cê já sabia?”, eu falei “nossa, desde a primeira vez que você me contou”. Só que eu nunca senti, enfim…
Dora: …diferença…
Dante: Nenhuma! Nenhuma, na família inteira, eu era privilegiado, sabe, fui mimadinho, sabe, me deram tudo o que eu queria, eu falava gente, pára com isso, não tem… Sabe, porque a família inteira, sabe… Foi um processo, assim, extremamente normal, enfim, como qualquer filho, né, todas as dúvidas que filhos têm…
Ju:: Existe um certo privilégio nessa segunda fase, vai, da vida, depois que cê já foi adotado, que você tem o privilégio de cê ter sido muuuuito desejado. Esperado. E passaram por um processo difícil pra conseguir te ter, então assim, ninguém me testou pra ver se eu podia ser mãe. Talvez eu não tivesse passado nos testes que a tua mãe passou, sacou?
Cris:: Olha, doutora Dora, passar no teste dela não é fácil não…
Ju:: [Mas, testaram a sua mãe, então eu acho que, vivo falando isso, eu… Me irrita muito quando dizem que a natureza é sábia, porque se fosse, a capacidade de ter filho, a fertilidade era proporcional à sua capacidade de ser mãe, e não tem nada a ver. Então tá cheio de gente tendo filho que não quer, não consegue, não tem tempo, não tem paciência, não tem…
Dora: E isso não tá ligado com a pobreza não, viu?
Ju:: Não, não, eu tô falando, né…
Dora: Não, eu tô só acrescentando…
André Pontes:Vai no clube Paineiras que cê vai ver a… Os pais tomando sol e a…
Ju:: Eu tava falando mais disso.
André Pontes:…a babá tomando conta do filho.
[00:34:13] Início da transcrição por Juliana Matsuoka]
Ju:: Então nesse aspecto que você fala: ah, eu até fui mimadinho. Obviamente! Por que você foi extremamente desejado. Então, assim, eu vejo até em coisa não necessariamente de adoção, mas gravidez que é muito desejada, a pessoa tem mais paciência de lidar com as coisas da gravidez, porque ela comemora o enjoo, ela comemora porque… E aí se você engravidou sem querer, tudo te irrita, tudo é ruim. Tudo é um processo. Então, tudo na vida tem um lado bom e um lado ruim, você não consegue ter tudo.
Dora Martins:: Juliana, é aquela história: você pode engravidar sem querer, mas você não pode adotar sem querer.
Ju:: Exato.
Dora Martins:: Tem uma coisa que eu acho legal falar, que quando a gente tá falando de adoção aqui, eu acho que a gente tem que falar da adoção judicial. Por que a adoção judicial? Porque é aquela adoção que é legal. É duas vezes legal, é legal porque é bacana e é legal porque ela é legítima. E ela é a única adoção que garante o direito das crianças. Porque a adoção não é feita para pessoas que precisam ter filhos, é feita pra crianças que precisam ter família, né? E o Brasil ainda é um país, talvez por causa da origem colonial, ele trabalha muito com a ideia da caridade, né, de você ajudar os coitadinhos… A criança que está no abrigo ainda é vista como uma coitadinha, que ela não é, ela é uma criança que está sob a custódia do Estado, portanto ela tá protegida, e ela tem que ficar lá temporariamente, ela deverá ir para uma família. E você não vai fazer nenhum favor para essa criança. Por isso que você vai passar pelo judiciário e vai ser avaliado se você pode ser pai dessa criança. Quer dizer, não basta o seu singelo querer, né. Você tem que querer e se mostrar apto pra isso.
Ju:: Porque o biológico bastaria, você poderia ser inapto e teria filho mesmo assim. Essa criança tá mais protegida, é isso que eu quero dizer.
Dora: Daí o risco no Brasil, que é um dos países que tem o maior número de tráfico de pessoas, inclusive tráfico de crianças, né. Então você tem ainda um conceito de alguns brasileiros que têm mais dinheiro tipo assim, eu não vou ao Judiciário buscar um filho, entendeu? Eu compro, eu pego, eu tenho grana, eu vou buscar. Então ainda tem esse conceito e é altíssimo o risco desse tipo de adoção na adolescência se frustrar. É muito grande, acontece muito.
Ju:: É isso que eu queria te perguntar. Porque existe, por exemplo, se eu conhecer, sabendo dessa estatísticas que a Cris colocou na pauta de que, vai, 80% da crianças têm idade acima de 6 anos, e que 80% dos pais querem crianças de até 2 anos. Então se eu quero, por exemplo, um bebê, e eu conheço uma pessoa que está grávida e que não quer ficar com a criança. Existe a possibilidade de adoção dela pra mim? Judicialmente?
Dora: Judicialmente não.
Ju:: Não existe adoção direta? Tipo eu quero…
Dora: Não. A Lei prevê um tipo de adoção direta: quando a criança tem mais de 3 anos e você já tem vínculo afetivo consumado com a criança. É quase que dentro de uma família extensa, um tio, um padrinho, uma madrinha. O que forjam no Brasil, e fazem isso todos os dias, é pegar uma criança desse tipo, entendeu, daquela mulher que é a irmã da cunhada da manicure que tá grávida e é pobre, ia abortar mas resolveu ter. E você vai lá e você “compra”, porque você faz uma troca com ela.
André Pontes:Pega no próprio hospital, né?
Dora: Pega no hospital. Tem tráfico de criança todos os dias no Brasil. E aí você pega, simula que você está com a criança, fica com ela por um tempo e depois você busca advogados que cobram um preço caro pra legalizar isso. Aí cê já tem um estágio de convivência já, um vínculo formado e dificilmente essa criança não vai ficar com você. Mas daí eu faço a seguinte pergunta: é assim que se começa uma relação com seu filho, entendeu? Pela vida criminosa, pelo lado ilegal, pela mutreta, pela sacanagem, entendeu? Então são escolhas que as pessoas têm que fazer também, né? O André está aqui, esperando 7 meses. É uma escolha. Tem gente que vai no Nordeste do Brasil e pega a criança pobre e elege como filho porque “ah, porque meu filho morreu ou porque meu marido quer largar de mim então vou segurar esse casamento”. Quais são os motivos, o quê que leva a pessoa a adotar?
Eu defendo a criança.
Ju:: Eu ia te fazer essa pergunta. Porque no curso vocês já ajudam a preparar o pai, né?
Dora: Justamente! Você desmistifica, isso que a Cris falou uma série de fantasias, você traz o cara pra a real, você mostra o quê que é paternidade, maternidade e muitas pessoas às vezes refletem e falam assim: olha, eu não tô na hora ainda, eu não tô maduro.
Cris:: O curso é tapa na cara por isso!
Dora: O que não significa que você não vai ser pai um dia. Às vezes você tá equivocado, às vezes você perdeu um filho e você precisa fazer o luto, e o luto não é algo que tem um tempo certo. Cada um tem um timing do luto. Ou então você está à beira de uma separação, por quê que você vai adotar? Não é? Ou você casou de novo e você já é avô, e vou casar porque minha mulher agora quer ter filho. Mas vocês querem mesmo ter filho, entendeu? Esse filho vem pra quê? Que lugar que ele vai ocupar nessa história? Então a criança que tá disponível pra adoção, ela não é tapa buraco de problemas, entendeu. Ela é alguém que vai ter que vir numa família realizar uma felicidade, ser feliz, ser adotada, adotar as pessoas. É uma coisa, assim, maravilhosa, mas tem a sua complexidade. E eu sempre destaco isso: você faz a adoção em prol da criança, né. Então a criança é o objetivo do Estado para proteger. É um dever. A criança tem direito a convivência familiar e convivência comunitária. Se ela perdeu isso por alguma circunstância nós vamos tentar restabelecer, de uma forma muito legítima pra ela, né? Então não é porque você é “legalzão”, tem grana ou porque você é muito bom, caridoso que você vai adotar. Você pode fazer outras ações sociais, não necessariamente a adoção.
Cris:: Filho não pode ser caridade, filho é pra sempre!
André Pontes: E filho não é status, né?
Cris:: Não é status.
André Pontes: Tem gente que tem filho por status.
Cris:: André, cê está na ansiedade, esperando o telefone tocar. Mas o processo como um todo, como que você entende o processo como um todo?
André Pontes: Eu acho assim, tem muita burocracia, e aí eu não sei se essa parte burocrática é em defesa da própria criança, pra te testar, né, ou se é porque nós vivemos num sistema muito burocrático no país. Então eu, eu tô na fila há 7 meses, desde setembro, mas eu comecei com a papelada em dezembro de 2014. Então em dezembro de 2014 já levantei papéis, aí fui no fórum, aí bate papel, aí “Não, a certidão casamento tem que ser nova”, aí eu falei “Mas o quê que é nova? Meu casamento tem 5 anos, a certidão de casamento do meu pai tem 25 anos, então a minha acho que é nova, a dele não”, “Não, tem que ser de 6 meses” Aí vai no cartório, [Ju e Cris:: cartório] pega outra certidão, certidão nova, volta lá, aí do outro documento, então toda essa parte de papel, tudo, que você levanta, já demorou quase… Por que cê também tem o seu dia, tem o seu trabalho e o fórum trabalha com horário comercial, aliás menos do que o comercial, né, [Cris:: menos] porque você, quem não é advogado entra no fórum a partir da uma da tarde, alguma coisa assim, tem até as seis, então tinha que sair do trabalho pra ir entregar papel tudo, enfim. Aí a gente em fevereiro conseguimos finalizar todo processo de papelada. Aí você tem que aguardar a próxima palestra que tem de início com os pretendentes (os pais pretendentes), aí aguardei, foi em maio. Aí em maio tem uma palestra que é com uma psicóloga e também a agente social que explicam todo o trâmite, tudo o que vai acontecer que aí é já tem uns tapas na cara ali, mostram o que você vai ter que escolher, quais são as opções que você vai ter que lidar com isso, aí depois desse treinamento, dessa aula que cê tem ali um curso praticamente de um dia só, é marcado o psicólogo. Aí você tem uma sessão com psicóloga, que é primeiro o casal, fui eu e a Lu, fomos com a psicóloga. Aí depois, uma separada, uma comigo, uma conversa eu e a psicóloga, depois a Lu e a psicóloga. Aí depois nós dois juntos. E aí voltamos de novo lá e aí ela fez, ela aprovou. Aí quando ela aprovou, ela passa pra agente social. Aí fui eu e a Lu de novo lá. Aí temos uma primeira reunião com a agente social. Aí depois a agente social marca de ir na nossa casa, ela vai lá na nossa casa, pra ver como que é o ambiente, tudo, conversa… Foi, aliás foi super legal os dois, tanto com a psicóloga quanto com a agente social, foram pessoas super bacanas, inclusive que ajudaram muito a gente na compreensão do que a gente tava querendo, num entendimento de todo o processo e… Aí quando a agente social foi lá em casa, bate outro papo com a gente lá em casa, aí volta. Aí depois nós fomos de novo lá no fórum, no fórum de Pinheiros que é onde a gente tá, porque isso é uma outra questão porque você não pode, eu moro no Butantã, então eu não posso ir no fórum do… da Sé. Ou no fórum da Barra Funda. Eu tenho que ir no fórum que é condizente ao meu CEP, ao distrito que eu moro, então a minha fila é no fórum de Pinheiros e também tem a fila do nacional, né, que você entra em duas filas. Então aí depois a social deu a aprovação, passa pro juiz a recomendação, então aí vai pro juiz a recomendação da psicóloga e da agente social, aí o juiz assina, autoriza, lê, né, todo o processo, as relações, tive que fazer uma redação até legal, quer dizer, achei bem interessante que você tinha que fazer… foi a psicóloga que pediu pra que eu e a Lu fizéssemos, em separados, uma redação pra nossa filha, ou filho, né. E que a gente pediu… Tava até esquecendo desse detalhe, doutora, que a gente falou antes da gravação. A gente pediu uma criança de 0 a 36 meses, que seja menina, e aceitamos irmão, desde que mais novo do que a [Dora Martins:: três pra menos] três pra menos, e aí o mais novo pode ser menino ou menina, é indiferente, a gente só quer que a mais velha seja menina. Enfim, aí faz uma redação, como se fosse uma redação para a criança, entrega para a psicóloga, e aí isso vai anexado pro juiz, o juiz autorizou. Aí fui chamado lá no fórum pra assinar o conhecimento de que eu estava entrando na fila. Isso foi em setembro do ano passado, então presumo que em outubro eu já tava na lista da fila do nacional e do fórum de Pinheiros.
Ju:: Como é essa fila, tem duas filas? Como que é?
Dora Martins:: Então, deixa eu falar um pouquinho. O André falou no papel de quem tá gestando, então você vê que ele tá emocionado e tal, né.
[risos]
Cris:: Você vê que ele tá com pressa.
Dora Martins:: Mas na verdade é assim. É importante dizer que, eu acho que quem vai ao judiciário, né, quem aí decide num momento de intimidade ter um filho, né, seja sozinho, seja com a mulher, seja com o parceiro. Quem vai ao fórum é um ser muito corajoso. Porque você fica grávida sem querer, na sua intimidade do seu lar, transa com o marido lá que ficou grávida “Ai que horror não queria ficar grávida, não podia!” E está gravida. Quem vai adotar tem que se reunir, conversar e falar “Vamo no fórum!” Então tem muitas pessoas que falam o dia que vão ao fórum levar os documentos foi o dia mais marcante da vida deles, foi o passo realmente que inicia isso. Eu acho isso de uma coragem, [Ju:: Sim] de uma ousadia positiva muito legal. E aí os fóruns trabalham no sentido de receber muito bem essas pessoas porque a gente tem que respeitar esse gesto, não é? Vai lá, abre a vida quanto ganha, quem é, psicólogo vai na sua casa, invade sua intimidade, pergunta do que cê que gosta, banana, maçã.
André Pontes: Você tem que…
Dora Martins:: Não é? É uma invasão!
André Pontes: Salário, né. Então tem o imposto. Eu tive um problema nesse caso também porque eu sou autônomo, eu tenho uma empresa, então eu não tenho holerite. E eu tinha recém aberto a empresa e meu imposto de renda tava complicado porque o meu imposto era um jeito e a minha vida financeira mudou completamente depois. E aí eu cheguei lá e eu tava com medo, eu falei assim “Puxa, a minha condição financeira hoje é muito melhor do que o que tá no meu imposto do ano passado”.
Dora Martins:: Mas você sabe por que esse rigor? Porque essa criança que vai ser seu filho, ela já passou por um problema muito sério, [André Pontes: murmúrios de concordância] então eu não posso correr o risco de entregar ela pra um malandro, mesmo, entendeu?, não que eu ache que todo mundo é malandro, mas a gente tem que esclarecer bem os fatos antes de apresentar, não é? E você sabe, essa coisa do documento aqui em São Paulo demora um pouquinho mais porque antes você podia buscar as certidões negativas e apresentar pro juiz. Hoje é o juiz que pede, então isso demora um pouco mais. E por que aconteceu isso aqui em São Paulo? Porque algumas pessoas forjavam as certidões, entendeu? Então você tem que partir do pressuposto não que todo mundo tá errado, mas eu tenho que tomar os maiores cuidados. E eu acho que geralmente aqui, na cidade de São Paulo, o processo não demora mais do que 7, 8 meses pra essa burocracia que ele reclamou, na verdade ela é necessária e ela é intransponível, não tem como superá-la. Mas não chega a demorar mais do que um ano esses passos antes, não é, esses passos são antes. Ele não tá apto ainda até que o juiz dê a sentença e assim que o juiz dá a sentença ele coloca, e inscreve a pessoa no próprio fórum e no Cadastro Nacional. Quando você fez a lista você optou os estados que você queria ou você colocou Brasil inteiro [André Pontes:Brasil], tanto faz. Isso é uma coisa também que tem que ser esclarecida porque o Brasil é muito grande, se você tiver uma criança do seu perfil em Manaus, você tem que ter grana e tempo pra ficar um mês no mínimo em Manaus. Então não é assim pega lá dá cá, não é?
Ju:: Ah, entendi.
Cris:: Não é “manda por Sedex”.
Dora Martins:: Veja, você tem que sempre ver o ponto de vista da criança.
André Pontes: Inclusive é perguntado isso, é, “Você sepre vai ter tempo de se acontecer de ser do Acre, você vai ter tempo de ir pro Acre e ficar lá?”
Dora Martins:: Conhecer a criança, namorar a criança. Você não chega lá e tira o bebê. Um bebê até que pode ser, mas uma criança de dois, três anos, ela tem que conhecer, tem que te querer, tem que te aproximar e o timing é da criança, não é o seu.
Cris:: Quando eu fui no fórum a primeira vez, eu nunca tinha ido no fórum, eu nunca tinha feito nada que envolvesse trâmite judicial. Eu tinha CERTEZA que ia dar errado, porque aquele lugar enorme, aquela quantidade de papel, funcionário público, “não vai dar certo esse negócio, não vai ser bom” e, cara, como a gente tem preconceito, não é? Porque eu encontrei um corpo técnico INCRÍVEL, sabe, as assistentes, as psicólogas, as pessoas que foram na minha casa, as pessoas que me receberam no abrigo, a própria juíza que tá aqui hoje na mesa falando com a gente. Então assim, todo mundo te acolhe, eu sei que isso não é a realidade do país inteiro mas é muito bom saber que isso existe, saber que isso tá ao alcance de qualquer cidadão.
Dora Martins:: Existe, Cris, o preconceito. O cidadão que se sabe honesto, cumpridor dos seus deveres, ele relaciona fórum com crime. Então tem cidadão que fala “Não, eu nunca passei nem perto do fórum porque tipo assim eu sou uma pessoa honesta!”. Então você ter que ir pro fórum buscar seu filho também é algo que ser construído na cabeça. Você vai num lugar do fórum muito especializado, e muito sensibilizado pra esse tema, então não tem que temer ir no fórum, ninguém vai te prender lá porque cê por acaso tá lá. [risos]
Cris:: Não, e o dia que a psicóloga falou “Não, a gente tá pra visitar sua casa, tá só esperando liberar viatura”. [risos] Oi?! Oi!? [risos] Como assim?
[risos]
Dora Martins:: Não é viatura de polícia!
[risos]
Cris:: Pra mim é viatura de polícia!
[risos]
Cris:: Então assim, abriu um mundo novo, abrem pessoas novas na sua vida. Os processos são todos organizados. Eu acho interessante fazer esse parênteses sobre o fórum da infância e da juventude que ele não cuida só disso, ele não cuida só de adoção, ele cuida de qualquer menor vulnerável e eu não sei se aqui em São Paulo [Dora: guarda] acontece dessa forma mas também cuida de idosos. Porque eu sei que em alguns…
Dora Martins:: É de idosos mas aqui não tem muito ainda. Mas é. Algumas cidades do interior também cuida de idosos.
Cris:: Então assim é…
Dora Martins:: Mas isso não, as coisas não são misturadas.
Cris:: Não, o que eu quero dizer é que tem muito trabalho.
Dora Martins:: Sim.
Cris:: Tem muita coisa pra fazer e a gente tá falando de São Paulo.
Dora Martins:: Mas a Vara da Infância de São Paulo, elas são especializadas, elas cuidam só da infância que se chama protetiva, e tem uma outra vara que cuida só dos menores infratores, que são coisas diferentes, são processos diferentes. O interior é uma coisa só, mas os setores técnicos são todos sensibilizados. Hoje pelo menos no Estado de São Paulo há muitos cursos, muitas workshops com as, com o setor técnico que é esse pessoal, né, que trata direto com vocês, os psicólogo, os assistentes sociais, então há cada vez mais há um apoderamento desse pessoal, sensibilização pra tratar isso com bastante cuidado porque o interesse do Estado é encontrar pessoas legais, é de fazer, o que ela disse, acontecer dos pais encontrarem esses filhos. Mas eu queria falar da fila, porque é um mito, [Ju:: em concordância] é um mito muito cruel, é um mito usado contra, né, muita gente que… Não sei você se você já aconteceu, André, mas poderá acontecer. Você poderá ser assediado por um grande amigo, ou por um desconhecido, ou pelo amigo da amiga que vai dizer “Bobagem, André, porque que ficar nessa Fila? O Judiciário demora anos. Conheço uma moça que mora lá em Taboão da Serra, que tem prima que ficou grávida e quer dar um neném. É muito mais fácil!”. Você vai ser assim, convocado pra essa sedução porque isso é a voz corrente, que o Judiciário é complicado, que a fila é injusta, e aí às vezes você conversa com a pessoa “Há quanto tempo você tá esperando?” “Ah, tô esperando, ih, minha filha, aquela lista lá, aquela fila é horrorosa, faz 5 anos que estou na fila!” Aí se você vai ver, o que ele quer? Ele quer bebê branco, de 0 a 6 [meses]…
André Pontes: Olho verde…
Dora Martins:: Olho verde, perfeito, não aceita filho de pai drogadito, não aceita isso não aceita aquilo, como se o mundo fosse o mundo ideal.
André Pontes: Como se morasse na Alemanha.
Dora Martins:: É, onde não tem criança pra adotar, aliás, né. Na Suíça, por exemplo. Então a fila ela não existe por quê? Porque cada pessoa que se inscreve, tem um desejo apresentado, né. Então ele falou que ele quer menina de zero a três [anos], qualquer cor. Vamos supor que você se inscreva e diga assim “Eu só quero bebê de zero a seis meses”, não é? E ele chega lá e fala assim “Eu quero grupo de irmãos, até sete anos, de qualquer cor, pode até ter problema psicológico, pode ter HIV, ser contaminado não tem problema”. Oras, são várias filas, né! Nesta fila do André vai estar todo mundo que concorre com ele, com esse padrão. No dele vai tá com esse, não é uma fila única.
Ju:: Tá, não, eu entendi. Mas existe uma fila, mesmo que não seja única, existe?
Dora Martins:: Sim, pela ordem da sentença.
Ju:: Pela ordem da sentença.
Ju:: Não é por ordem de critério. Então, por exemplo, eu tenho, uh, uma amiga minha que também tá na fila de adoção desde julho do ano passado. Ela já tem um filho de dois anos, o único critério que ela deu foi que a criança tivesse menos… idade menor que o filho dela, pra ele ser o filho mais velho, pra ele entender…
Dora Martins:: Sim, ela vai concorrer com as pessoas que querem crianças até um ano, vamos supor, num é?
Ju:: Tudo bem, mas aí é todo mundo que tiver nesse mesmo critério, menos de dois anos…
André Pontes: Entra.
Ju:: … que é o caso dela, entra na fila dela por ordem de chegada, é assim?
Dora: De chegada, é. E a chegada não é o dia que você leva documento, é o dia que o juiz dá a sentença.
Ju:: Sim. Sim, mas é isso.
Dora Martins:: Mas é isso.
[Murmúrios de concordância]
Ju:: O critério é esse. Não existe outro critério. Por exemplo, uma coisa que eu acho importante, porque você mencionou, é bom a gente falar, que ele falou que ah, pede o imposto de renda. A renda…
Dora Martins:: Não, não, pobreza não é, pobreza não é, pobreza não é.
Ju:: É, então é isso.
Dora Martins:: Lógico que eu não vou deixar uma pessoa que tá desempregada, que não tem onde morar, embaixo da ponte.
Ju:: Não tem condições de criar…
Dora Martins:: Você não vai fazer isso.
Ju:: Não, claro.
Dora Martins:: Mas não é a riqueza, ou a pobreza, o ganho, o holerite…
Ju:: Isso não conta na fila.
Dora Martins:: Não conta, não conta…
Ju:: Não olha, eu tenho…
Dora Martins:: Solteiro pode, casal homo afetivo pode, mulher sozinha pode, homem sozinho pode. Existe vários…
Ju:: Casal que não é casado no papel pode?
Dora Martins:: Casal que não é casado no papel pode, que seja só uma convivência pode.
André Pontes: Que é interessante que seja falado isso, porque quando eu fui lá levar os documentos eu não tinha esse conhecimento, e acredito que não é todo mundo que tem esse conhecimento. Então é importante deixar claro isso, que não é levado em consideração…
[Interrompe] Dora Martins:: E olhe…
André Pontes: Porque eu tive medo ali na hora…
[Interrompe] Dora Martins:: E veja, e a vida…
André Pontes: Eu levei o meu extrato, eu falei…
[Interrompe] Cris:: Pois é, é uma sucessão de medos.
André Pontes: O meu imposto de renda tá ferrado, eu vou levar o meu extrato da minha conta.
[Interrompe] Dora Martins:: Sim, a vida não é estática, a vida não é estática. Já teve caso, por exemplo, a pessoa tá escrita, tem a sentença, okay. Passam 7 meses, ele liga pro André, ninguém vai ligar pra ele e vai falar “Vem aqui, seu filho tá aqui”. “Tudo bem, André? Tá tudo bem? Como é que é? Aqui é do fórum, queremos autorizar o cadastro. Tá tudo legal? Tá tudo bem?” Aí o André fala “Pô cara, perdi meu emprego ontem, minha mulher também, nós tamo aqui passando por uma fase difícil.” “Tá, então a gente liga daqui 6 meses”. Perfeito, ele não vai sair da lista porque tá passando por um revés, entendeu? Nós não julgamos as pessoas, não existe julgamento moral, nem ético, nem se faz esse recorte. Mas há momentos e momentos. Nós tínhamos uma adoção que estava em andamento e a mãe faleceu, no meio do processo, e o pai adotou sozinho, entendeu? Então, assim, ninguém é carrasco, né?
Cris:: Essa história é a família que eles já tinham outros filhos?
Dora Martins:: Eles tinham vários filhos, adotaram uma menina, um garoto, eu acho…
Cris:: E ele fez… a parte mais bonita dessa história, que é óbvio que ele não podia tomar essa decisão sozinho, já que ele tinha perdido a companheira…
[Interrompe] Dora Pontes: Chamou os filhos…
Cris:: E aí ele fez uma reunião com todos os filhos, contou a situação, e falou “Eu quero que cada um fale sim ou não, mas fale comigo em particular, cês não precisam falar um na frente do outro”. E aí todos falaram com ele que sim, que queriam. E aí a família adotou essa criança, mesmo sem a mãe. Então, assim, tem muitas histórias incríveis. Eu lembro muito de uma história que a Dora contou no curso que me tocou muito, que diz respeito a status sociais mesmo, de uma criança que era muito bonita, então ela tava sempre ali né, então todo mundo queria adotar aquela criança, mas ela já tinha sido… ela já tinha voltado de algumas convivências, algumas vezes. E acabava que aquela criança não conseguia ficar em nenhuma família. E aí vocês descobriram que, a criança quando era contrariada, ela fazia cocô e passava na parede.
Dora Martins:: Não, essa história é assim. Ela era uma menina negra, muito bonita, mas muito espevitada. E ela chegava numa família, ela conseguia bagunçar de tal ordem o coreto, que ela era devolvida. Então, cada criança, conforme a idade ela testa né? Porque ela sabe… ela já perdeu. Nós nunca fomos abrigados aqui, né? Ninguém aqui morou em abrigo. Então nós não sabemos o que é morar num abrigo. Então essas crianças têm mais vivência com a dor e com a perda do que nós. Então elas não vão ser bobeadas, elas querem saber se vocês realmente a querem. E essa menina testava os casais, talvez casais mal preparados. E casais que tinham o padrão meio elevado, né, então ela não combinava, sabe? Não combinava, eu acho. Era essa a questão. Aí também a questão de você preparar o casal, tipo assim, porque é fácil falar “Ah, eu quero ter um filho negro”. Você tá apto pra se tornar negro junto com esse filho? Ser impedido de entrar no clube, ser olhado de viés num ambiente mais requintado, como é que você vai se enfrentar? Mas daí a gente não conseguia, e uma psicóloga foi, essa história chegou pra mim, falou assim “A menina…”, faz de conta que se chamasse Gabriela, “Gabriela não pode ter pai”. Como assim não pode ter pai? “Ah, ela tem aversão pela figura masculina”. Quer dizer, não existe isso, né, uma criança ela é uma criança inteira, nós adultos que ficamos fraccionando a criança, porque ela tem isso, porque ela tem aquilo. E aí a gente trabalhou um casal, de origem mais simples, que o marido era negro, a mulher não era. Mas a mulher tinha uma história muito bonita, ela perdeu a mãe aos 11 anos e criou todos os irmãos. E ela, inclusive, era enfermeira padrão, ela tinha até um trato, né, com a convivência da dor, de pessoas doentes, e tal. E foi, assim, um sucesso a adoção. O homem entendeu a história, falou “Eu vou ficar meio de stand by, se for o caso. Já que ela tem problema com homem, né”, que não era verdade, mas havia esse mito em torno dela, então você veja, há pessoas certas também, a fila tem que funcionar mas a criança também tem o comando, né, se você tá na fila e a criança não aceita você, se é maior né, ou se você também tá num momento que não é adequado pra a adoção, você pode esperar novamente, isso vai acontecer. O problema é quem tá esperando, né, existe uma… queira, não queira, tem toda uma ansiedade e uma incerteza, né? Uma gestação dura 9 meses, pode até acontecer no meio do caminho alguma desgraçam mas dura 9 meses. E uma adoção não tem esse prazo, porque a adoção não é feita, é cruel falar isso, né, não é feita pra quem tá adotando, entendeu? É feita para a criança. Então a criança tá lá ansiosa por querer uma família e nós ansiosos para que pessoas legais venham e se coloquem, né, prontas pra isso.
André Pontes: E é uma ansiedade completamente no escuro, né? Porque você… a gente tem um quarto lá que tá, tá vazio o quarto esperando a gente saber qual vai ser a idade, se vai ser um ou dois, se a gente vai montar berço ou cama. Então…
[Interrompe] Dora Martins:: Então, daí eu queria falar uma coisa pro André que eu acho importante. Essa fase, dessa gestação psíquica, a gente chama de gestação psíquica e eu acho muito legal que os homens também podem ficar grávidos, podem ter piti, podem ter desejo, porque se tem um lugar que o homem pode ficar grávido é no processo de adoção. É legal você participar de grupos de apoio à adoção, onde tem pessoas igual, na mesma situação, com a mesma ansiedade, dando depoimentos ou pessoas que já vivenciaram isso. Você ler coisas adequadas pra isso, assistir filme. Você ir gestando mesmo isso com uma certa paz espiritual, porque não tem outro jeito, entendeu? O outro jeito é ficar numa ansiedade nociva, que não vai auxiliar em nada, né, e vai aumentar a expectativa. Então acho que é um processo psíquico muito complicado.
[Interrompe] Ju:: Os fóruns dão alguma ideia de… porque assim, quando você fala em fila, mesmo sendo filas diferentes, uma fila você sabe, por exemplo, mais ou menos se tá perto, se tá, né… você é o primeiro da fila, você é o segundo da fila, você é o terceiro…
[Interrompe] André Pontes: Não fica sabendo não.
Ju:: Só pra você saber, mais ou menos, se procurar.
Dora Martins:: Esse time é só se você quiser filho acima de 7 anos. Se você quiser adotar filho acima de 7, 8 anos você não demora um mês pra adotar no Brasil, entendeu? Abaixo disso, você concorre com muita gente, então, quer dizer, é incerto. Mesmo no cadastro nacional, eu não sei qual o perfil exatamente dele e quantas pessoas concorrem fora.
[Interrompe] Cris:: E assim…
Dora Martins:: E hoje sofisticou o cadastro, ele tá automático, você joga lá e aparece os nomes. Então, pro André aparece o nome de um monte de gente, um monte de crianças, e ah, já adotou aqui, já adotou aqui. Porque, eu não sei se vocês entendem, mas tem o cadastro local, né, que é o de Pinheiros, no seu caso. Então, o primeiro local que vão checar, é se ele atende o perfil de alguma criança de Pinheiros, né, se isso não acontece daí parte pra pesquisa do estadual e do nacional, né? E essa busca, às vezes, é que pode ser demorada porque concorre com muita gente, né, cê concorre com o Brasil inteiro né, com 36.000, quanto que cê falou aí, cê trouxe o dado exato.
[Murmúrios de concordância]
Cris:: É isso, 36.000.
Dora Martins:: Agora, criança maior, às vezes criança que tem alguma coisa, é mais fácil.
Cris:: Eu acho que muitas vezes, é óbvio que, como pais e como criança, cê tá pensando só nesse processo. Mas tem um terceiro elemento dentro desse processo de adoção que é a equipe técnica, porque o job dela é garantir que você tá preparado. Aquela criança já passou por um abandono, aí vai lá o corpo técnico e fala “Okay, você está preparado”. E aí você recebe uma criança e um mês depois cê devolve. Cê imagina dormir com esse barulho. Você foi lá e falou “Não, tá preparado sim. Pode entregar a filha”. E aí a pessoa, na verdade, não tava. Então assim, eu acho que o corpo técnico, ele tem que ter bastante segurança. Então eu acho que esse processo que, na visão nós de adotantes, é burocrático, é demorado, é isso, é aquilo. Mas, minimamente pra garantir isso. Mas, eu queria que a senhora falasse um pouquinho sobre isso, sobre devolução, o quê que acontece na cabeça das pessoas?
Dora Martins:: Não tem devolução, não tem, não existe devolução. Existe o novo abandono. Isso é hipocrisia, “ah, vou devolver”, não, cê vai abandonar de novo, vamo dar nome pras coisas, num é. Olha, é assim, eu acho que adoção é pra poucos, é pros corajosos. Por quê? Tem que saber que não tá fazendo caridade, que tá cumprindo um desejo muito particular, íntimo, né, pessoal, de construir uma família, e que tá tendo uma atividade política e social sim. Porque você tá num país de desigualdades, porque num país rico não tem criança pra adotar e você ia ter que resolver de outro jeito o seu problema de não ter filho. Então, essa é a verdade. Então não vamo ser cínico de enfeitar também a coisa. Agora, quando você tem a coragem de vir, o sistema vai te acolher. Agora, o Brasil é muito grande, as diferenças são, né, não posso imaginar fora de São Paulo, como é que é um fórum no sul da Amazônia, na Bahia, as condições são diferentes. A grande sacada do Conselho Nacional de Justiça fazendo esse cadastro foi tentar cada vez mais diminuir essas diferenças, igualar o máximo possível, e tudo no intuito de evitar tráfico, num é, porque você não consegue tirar a criança via judicial se não for via judicial mesmo, você não consegue mascarar o processo. Agora, essa demora que você, né, sofre até com a demora, como o André falou, vai lá, leva documento, é todo o rigor necessário pra você filtrar as pessoas. Uma pessoa mal intencionada, uma pessoa equivocada, uma pessoa que não é ali a vibe dela, ela não entendeu, entendeu? Ela vai trabalhar melhor com uma outra coisa, e não adotando crianças, não é?
Dora Martins [continuação]: Então, tudo isso é um rigor muito grande, e como a Cris disse, é uma responsabilidade de quem tá trabalhando, então isso daí você tem que ser rigoroso. Agora, a gente também tem na prática e na vivência sim: quando que acontece a adoção? Na hora que você olha pra criança e ela olha pra você; ainda mais quando é uma criança maior. A adoção é uma via de duas mãos. A criança maior também te adota, então tem um período de adaptação que vocês tavam falando no começo, não existe, não toca sininho, não acontece milagre. É uma construção. O afeto é uma construção. Como uma mãe biológica também na hora que nasce, tudo bem que é lindo, maravilhoso, sangue do meu sangue, mas cê vai ter que construir uma relação, né. Não existe esse amor imediato. Mesmo porque é dor, desconforto, e a criança chora e a criança dá trabalho… Então a adoção só se realiza no encontro, e nós, o que fazemos nós, nós do Judiciário? Tentamos viabilizar ao máximo e facilitar este encontro, né, primeiro qualificando as pessoas e indicando as crianças. Dá furo às vezes, mas a gente trabalha o máximo pra não dar furo. O máximo. Agora, existe uma porcentagem de gente psicótica que passa no teste, e a hora que você vai ver… A devolução é uma tragédia pra criança e pra todo mundo que trabalhou, e evita-se ao máximo, né, acontecer isso, mas às vezes acontece; mas a proporção onde eu trabalhei não era alta assim, era muitíssimo pequena.
Ju:: Importante assim, já que a gente está falando de devolução…
Dora Martins [interrompe]: De novo abandono?
Ju:: …de novo abandono, exato, quais seriam os motivos errados pra você buscar uma adoção?
Dora Martins:: Olha, eu acho que tem que ser uma decisão íntima, né, de um casal ou de uma pessoa sozinha, e ela tem que limpar todas as arestas dela. Então, como eu disse, um luto não pode ser lugar de uma criança entrar. Que lugar que essa criança vai ocupar nessa família, não é? “Ah, eu quero uma família, sou feliz e a gente é infértil”, ah uma mulher infértil, fez duzentas tentativas de fertilização e não deu certo, essa mulher tem que primeiro trabalhar essa questão pessoal dela de infertilidade que eu não sei como é que bate lá na alma dela, se ela se sente diminuída, se ela se sente incapaz, como é que ela se sentindo diminuída e incapaz vai adotar uma filha? Como é que ela vai olhar esse [lado] feminino da filha? Então ela tem que trabalhar isso primeiro, e pra isso tem terapia, tem grupo de apoio, tem uma série de coisas. “O casamento está bambeando, não estou feliz, vamos colocar uma criança aqui, vamo dar uma oxigenada no nosso casamento”…
Cris:: Óooo, fez certinho, viu?
Ju:: Meu casamento melhorou tanto com a criança, meninas. Depois que tive dois filhos pequenos vocês não sabem como meu casamento melhorou! Jantar à luz de velas todo o dia, não falha um! Bilhetinho todo dia de manhã… A gente não para de se agarrar. Uma loucura! Filho ajuda muito gente, realmente, tenham um filho pra melhorar o casamento, viu?!
Dora Martins:: Mas às vezes tem gente que tem interesse, sei lá, em herança, alimentos [pensão]… Tem gente pra tudo, não é? O que interessa é que pra adoção tem que ser gente que quer amar, entendeu? Amar incondicionalmente e ficar junto. Não que um dia o casal não possa se separar como os seus pais se separaram…
Daniel Dantes:: Mas voltaram.
Dora Martins:: Voltaram? Eles te amavam, não é? Isso acontece.
Daniel Dantes:: Tem até uma história boa nisso, até pra, enfim, comigo, porque meu pai, enfim, única exigência que foi feita é que meu pai queria um menino, porque pela genética, enfim ele só doa o cromossomo “x”, então ele só faz menina, aí veio eu, tudo, e quando eu contei pra ele…
Dora Martins:: Você é o “y” dele.
Daniel Dantes:: Isso, exatamente. Aí quando, enfim, eu cresci, enfim, e fui contar pra ele que eu era gay e tudo, o meu maior medo é que eu ia decepcioná-lo porque eu já sabia que ele queria ter um homem.
[risos]
Daniel Dantes:: Aí quando eu contei isso, ele falou: “meu filho, o que eu te amo, sabe… O que que a gente estabeleceu… É uma besteira tu pensar numa coisa dessas”. Sabe? Então, essa questão, tipo…
Dora Martins:: Da expectativa que coloca sobre você.
Daniel Dantes:: Só que você cria o relacionamento com o tempo, né? Esse que é o ponto.
Ju:: Tudo o que a gente quer antes de ter filho morre quando você tem filho. Você quer o filho que você tem. Fim. Acabou. Entendeu?
Daniel Dantes:: Exato.
Ju:: Por isso que é tão difícil esse processo de você ter que escolher antes, porque na verdade, a gente como pai não sabe escolher, você não tem como escolher, entendeu? “Você quer menino ou menina”? Como é que eu vou saber, gente, só quero que venha e deu. Tanto quanto…
Dora Martins:: Mas na adoção cê não é obrigado a escolher, você pode falar assim: “quero qualquer filho”. [Judiciário]: “Quer um cara de dez anos?”, “Quero”. Você não precisa escolher. Escolhe porque você quer, mas a gente tem que ter um parâmetro, se você falar qualquer filho, então tudo bem, eu tenho de quinze, quatorze, o quê que o senhor quer?
Ju:: Mas, por exemplo, até essa coisa desse teste pra saber se você está pronto ou não, eu estava perguntando pros amigos que trabalham comigo sobre isso e sobre quais as dúvidas que eles tinham de adoção pra trazer, e a menina que está nesse processo de adoção, ela tava falando sobre essas perguntas, sobre passar pelo psicólogo… e a gente estava questionando: “quem aqui passava pelo teste do psicólogo?”. Ninguém, ninguém. Tem um menino que está grávido pra ganhar, e a gente falou: “esse menino não está pronto, mas de jeito nenhum”. A gente fica pronto no caminho, a gente vai ficando cada dia…
Dora Martins:: Então, Juliana, mas a gente tem que exigir isso de quem vai adotar porque a gente trabalha pra criança…
Ju:: É óbvio, mas a gente fica pensando que esse cara é um super pai, porque ele está pronto como nenhum de nós tava. Entendeu? Você já passou, então você é bem melhor pai do que o Merigo [marido da Ju] era quando ele teve filho, porque ele não passou e nem passaria. A gente era irresponsável quando a gente teve filho.
Dora Martins:: Mas a exigência não é muito alta não, basta ser uma pessoa amorosa e que compreenda o desafio que ela vai ter. O que não dá pra aceitar é um cara que tá no segundo casamento e tá negando alimentos pro primeiro filho, porque casou de novo e não tem dinheiro pro primeiro filho. Peraí, cara, cê está negando pro outro filho e vem adotar outro? Percebe? Então, isso aparece lá, e tem que ser filtrado. Você não conta dos que você fez e está querendo outro?
André Pontes: Eu senti até que na nossa conversa com a psicóloga que todo o trabalho da psicóloga foi mais pra sentir a nossa relação, o casamento, como que tava, se era uma relação saudável. Eu tenho uma diferença de idade com a Lu de doze anos, ela é doze anos mais velha do que eu. Nós fizemos tentativas e não conseguimos. E aí na hora que separou, que eu fui conversar sozinho com a psicóloga, ela perguntou pra mim isso, ela falou assim: “você sabe que você tem condições de ser pai biológico, ainda assim, tendo essa noção, você quer continuar com esse processo, tudo?”; eu falei que pra mim era indiferente se eu era pai biológico ou adotivo, eu quero ser pai junto com a Luciana, e com a Luciana eu preciso adotar. Essa é a minha questão, é simples. Mas enfim, isso dentro de um trabalho conversado com a psicóloga, mas eu senti muito legal o trato com eles. E até só voltando um pouquinho, na lista que é dada pra você depois fazer a escolha de saúde, procedência, cor etc. que você se depara com seus próprios preconceitos, a Assistente Social que dá toda essa ajuda com você nesse processo, ela é fundamental…
Cris: [interrompe]: Ela é fundamental, não dá pra preencher aquilo sem ela. Miga, dá a mão.
André Pontes: Como essa mulher (Elizabeth o nome dela)… O que ela foi fantástica com a gente, de explicar ponto por ponto, de deixar claro que isso não é um preconceito, você tem que escolher o que você quer, porque se você achar que, tiver vergonha de assumir ou encarar isso, você pode pegar uma criança que não é o que você quer, ou que você aceite.
Cris:: Teve uma coisa que ela falou que era muito forte quando a gente tava fazendo é: “Pega o que você dá conta. Não é hora de ser herói, não tenta ser herói na hora de preencher essa ficha. Se você colocar aí que você aceita um criança com uma paralisia cerebral, cê vai ter condição financeira e emocional? Cê vai poder parar de trabalhar pra poder cuidar dessa criança? Pega o que você consegue fazer com amor, com dedicação, com disciplina…” Então, isso ficou muito pra mim, sabe? Não é hora de ser herói. É família. Cê tem que parametrizar o que cê vai conseguir fazer, então eu acho que isso te dá uma segurança pra estabelecer alguns critérios mínimos de conseguir já começar uma família bem. Tem pessoas… Eu falo assim, “humanos estão aqui” (eu estou fazendo com a mão assim uma média), aí a pessoa que vai lá e marca: “Ah, eu quero uma criança com paralisia cerebral ou com uma doença muito grave”, essas pessoas estão em outro nível, essas pessoas vão poder oferecer uma entrega infinitamente maior do que eu posso oferecer.
Ju:: E você pode escolher não querer bebê?
Dora Martins:: Claro que pode.
Ju:: Pega mal? Você dizer que não tem jeito com bebê, eu quero criança, eu não quero bebê.
Dora Martins:: Claro que não. Tem muitos que falam isso. Tem gente que fala o seguinte: “eu quero conversar com o meu filho, não quero a fase de trocar fralda, quero conversar com meu filho”. E é muito legal porque é uma adoção de mão dupla, pois a criança também te adota. Nós temos um caso lá que eu sempre conto também, né, Cris? Eu acho que contei no seu curso. Que a menina foi adotada… Foi adotada, não. Porque vamos falar uma coisa, a devolução… A palavra devolução é possível de você admitir naquela fase que está no estágio de convivência, porque quando eu apresento a criança pra você, e você tem uma interação com a criança, e você diz ah, ok, quero ele, vamo começar essa adoção, você passa por um estágio de convivência de seis meses. Esses seis meses são o estágio realmente pra testar a potência da relação de vocês. Poderá haver problemas, tanto da parte do casal, do homem ou da mulher, como da criança, então nesse momento é possível, e deve-se regredir se a coisa não vai bem. É pra proteger a criança. Vai sofrer? Vai. É super chato, vai, mas a gente prefere que não evolua e que devolva; e é uma devolução, pode-se chamar assim. Depois que você adota, daí não tem mais devolução, daí é novo abandono. Então essa menina estava no estágio de convivência, que normalmente dura seis meses e as pessoas querem que dure menos porque tá tudo tão bem, “pelo amor de Deus, acaba logo este estágio, me dá a sentença e tal…”
Cris:: Com certeza. É desesperador.
Dora: Esse casal não ansiava por este final, e esse foi já um sinal, pois eles não estavam ansiosos pra que acabasse logo (porque é seis meses no mínimo, pode ser mais), e esticamos mais um pouquinho, e passou sete meses e meio… oito meses… e o pessoal [do Judiciário] falou assim, deve ter alguma coisa errada e que iriam ligar pra ela [possível mãe]. Aí ligamos pra ela: “Vem pra cá, é pra você vir pra cá dia tal…” e ela respondeu: “Que bom, eu preciso ir aí mesmo.” A hora que ela falou isso nós falamos, deu problema. Aí o casal devolveu a criança, e dizia assim: “Ah, é que ela fala muito da mãe”. Ela tinha cinco anos já. “Ela fala muito da mãe biológica.” Gente. A gente tá careca de treinar as pessoas e falar pras pessoas o seguinte: uma criança de cinco anos… o bebê tem uma história. O bebê às vezes dorme com a bundinha pra cima, ou gosta de cheirar o paninho, ou gosta de luz mais apagada… O bebê tem o seu jeitinho, que você a hora que adotar um bebê de oito meses você tem que respeitar. Não vem com essa de que o bebê agora é meu e que eu vou fazer que nem uma placa branca e vou colocar a minha marca; isso não existe. Uma criança de cinco anos tem uma historinha dela. Uma historinha que é mais importante do que a sua. Ela aprendeu coisas que você nunca vai aprender, porque você nunca morou em um abrigo e ela já morou. Então essa criança é obvio que ela tem uma história, e você vai fazer o quê com essa história? Cê vai esconder dela, negar? Não, você vai ressignificar. Então você tem que ouvir o seu filho, aceitar, compreender o que ele te fala, se apoderar da historinha dele. Não é pra ficar todo o dia falando: “ó, você é um infeliz porque sua mãe te abandonou”… Não é isso, né! Mas é recepcionar. Esse casal não admitia que ela falasse da mãe dela. Ela depois passou por um luto, e foi muito complicado, e depois ela foi adotada. Um ano depois… e agora já se passaram três anos, ela é super feliz, ela é linda, está muito bem na família dela. Depois de um ano que ela tava com a mãe agora, ela tomava banho com a mãe, e ela é negra de cabelos bem cacheados, a mãe limpava e lavava com shampoo a cabecinha dela, e ela falava assim: “Mãe, sabe aquela ‘outra’? Ela detestava o meu cabelo.” Então, ela tinha que contar essa história pra mãe; ela contou essa história pra mãe e a mãe falou assim: “Nossa, mas eu amo tanto o seu cabelo, eu adoro esse cabelo!” E vira a página… e conversa… Você tem que aceitar a dor da criança, ela tem uma história pra te contar. E ela não vai chegar e contar a história e falar assim, olha, você é maravilhosa, porque também rola isso. Quem adota se acha meio especial: “Eu sou o the best, eu e a minha mulher pegamos aqui uma criança negra de cinco anos com problema, olha como somos maravilhosos? Aplaudam a gente!” As pessoas dão essa devolutiva: “Puxa vida, você adotou um negro, olha… é pra pouca gente, hein? Você é especial.” Então às vezes o ego da gente também é contaminado por essa sensação que fizemos uma coisa especial. Na hora que a criança tem uma reação negativa, que qualquer criança tem, ou que um adolescente começa a aprontar e você fala: “Como assim? Eu adotei você, fui bom pra você, te tirei daquele abrigo e você agora está me reagindo?” Então, essas questões é que têm que ser desmistificadas. O filho vai ser um filho como qualquer outro. Vai ter a história dele, você vai recepcionar essa história, você vai ressignificar essa história, e bola pra frente! O que não dá é pra apagar como se fosse uma tábula rasa, né? Então, eu acho que é muito legal a adoção da criança maior, porque é uma adoção desafiante que você se completa, e tá cheio de gente que fala assim: “Eu não quero nem pôr fralda, eu vim adotar porque eu quero falar com meu filho, acho bárbaro imaginar que meu filho já chega falando ‘oi, pai’ ‘oi, mãe’”.
Cris:: É, isso é uma das coisas que as pessoas perguntam, né, lá em casa a Tatá com quase 2 aninhos, ela falava muito pouco, tava começando a equilibrar pra andar direitinho,e as pessoas falavam, mas ela já te chama de mãe? Assim, gente, ela não sabe o que é essa figura. Ela não tem conhecimento do que é isso. Então quando a Tatá chegou ela me chamava de tia, porque ela chamava de tia todo mundo que cuidava dela. Eu era mais uma pessoa que estava cuidando dela. Então ela me chamava de tia e chamava o Agê de tia. Né. Porque tia é quem cuida de mim, então vocês são tias. E aí eu sempre falava, eu não sou sua tia, eu sou sua mãe. E aí ele falava, eu não sou sua tia, eu sou seu pai. E todo dia a gente falava isso, eu não sua tia, eu sou sua mãe, é claro que cê fica na ansiedade, né, mas aí toda vez falava isso, né. E aí o que acontece é que ela tá construindo o significado do quê que é ser mãe. Quem é essa figura? Quem é essa figura pai? Então ela não conhece esses personagens. Ela começa a entender os símbolos, as simbologias da família. Então eu não esqueço isso, uma, assim, das primeiras vezes que a gente saiu de carro, tinha mais ou menos, como a Tatá era muito pequenininha, a gente teve uma conexão muito forte ali, o início é muito intenso, né, eu não esqueço do meu sentimento de, de claustrofobia, porque cê fica preso dentro de casa. Agora cê tem uma criança, te vira aí, entendeu! Um dia cê sai de casa filha e volta mãe! Então assim, isso eu acho que é a principal diferença da gravidez biológica pra gravidez adotiva. A gravidez biológica a mulher vai ficando pesada, cansada, ela sabe quando vai acontecer, então ela já quer que aconteça logo, ela já tá desconfortável. No caso da mãe adotiva, e do pai, junto, que é uma relação muito forte, une muito o casal quando é feito com a motivação correta, parece que cê tá num carro e bateu de frente no muro, sabe. A sua vida vira de perna pro ar, um dia cê tá trabalhando, no outro dia cê tá em casa com uma criança.
Dora: E por mais que você esteja esperando, André, o dia em que ligarem, você fala MAS JÁAAAA?!
Cris:: O dia que liga é um estado de torpor, sabe, eu senti mais medo que felicidade. Tudo era medo. Tudo era medo. Medo, medo, medo… E eu sei que depois de uns 15 dias que a Tatá tava com a gente, a gente tava dentro do carro, indo pra um lugar xpto, e aí a hora que entrou no carro ela virou e falou assim, aquele silêncio dentro do carro e ela falou, “papai…” Noooossa, o pai para o carro senão o Agê bate esse carro! Porque Agê chorava por todos os poros que tinha no rosto dele… Então assim, é uma construção que cê vai fazendo, né, você é o adulto, cê não pode perder isso de vista, o adulto é você, então quem tem que organizar aquela situação é você. Eu lembro… E cê dá muitas mancadas, cê tá muito na tentativa e erro…
Ju (sarcástica): Aaaah, mas com pai biológico não é assim, o bom é isso, sabe, a gente já acerta de cara…
Cris (rindo): Já sabe tudo, né… Mas então, cê vai construindo aquela família, cê vai construindo aqueles laços, quando sua filha te irrita cê quer matar ela, quando ela…
Ju:: Ah, mas mãe adotiva pode brigar? Pode, doutora?
Dora: Ô! Tem que! Vai brigar muito, né!
Ju:: Mas pode brigar mesmo?
Dora: Pode brigar mesmo. Pode brigar sem medo de errar.
Ju:: Não é bom mimar, assim, que nem a mãe do Dante mimou…
Dante: Não, eu tomava cada uma, pelamor…
Dora: Eu acho que é muito legal o que a Cris falou agora, que tem horas que as pessoas lembram que ela é a mãe adotiva, ela esquece, entendeu…
Cris:: Isso não é uma pauta…
Dora: Na hora da porrada, na hora da briga, da bronca, inclusive cê não tem que mimar, seu filho é seu filho, tem que ser educado, né, tem que colocar regras…
Cris:: Então assim, não é uma questão. Isso nunca é uma questão. Às vezes isso, vem alguém, fala, né, e existe os excessos que incomodam um pouco, porque tem uma exotificação da situação…
Dora: Como se fosse um mundo ideal…
Cris:: E isso irrita muito, sabe, tipo, nossa, cês são incríveis, né, eu falei, você também, cê tem dois, olha que incrível! Então assim, para de me colocar num lugar que não eu não quero…
Dora: Num pedestal…
Cris:: Tudo o que eu quero é ser uma mãe que, uma mãe de merda. Tudo o que eu quero é a liberdade de ter um filho tranquila, da minha filha reclamar de mim tranquila, da gente ser uma família que quebra um pau e dorme todo mundo junto, então é essa, essa a naturalidade como qualquer família. Então os processos de construção quando cê tá passando pelo medo, é muito incrível, é uma jornada de descoberta, é uma jornada de muito amor, pouquíssimas certezas, pouquíssimas, cê praticamente não tem certezas, cê só tem medo e amor. E isso te guia, é impressionante, né. Isso te guia, porque acima de tudo tá a responsabilidade, o desejo de formar uma família, e assim, ressignifica a sua vida, né. Eu costumo falar assim, as pessoas falam que depois que cê tem filhos a sua vida muda. Eu não acho que a sua vida muda, eu acho que cê morre, cê morre e nasce outra pessoa. Essa pessoa tem um propósito muito grande. O que não quer dizer que às vezes não te dá saudade da que morreu. Da que podia sair e voltar a hora que queria, e, né…
Dora: Sabadão acordar meio-dia…
Cris:: Não quero mais esse homem, vou separar… Não quero mais esse cabelo, vou alisar… Então assim, na verdade às vezes cê tem saudade dessa outra pessoa, mas essa pessoa que nasce, ela é melhor. Ela é uma pessoa melhor, ela é uma pessoa mais preparada pro mundo, ela é uma pessoa que ressignifica a existência dela, isso é muito poderoso.
Dora: É, eu queria falar um pouquinho da importância de, pras pessoas que tão ouvindo, que talvez temos potenciais adotantes ouvindo a gente…
Ju:: Com certeza!
Dora: …que é muito legal você pensar, não precisa adotar, mas pensa na possibilidade de adotar uma criança maior. Porque a adoção passa por esse processo de conquista do amor em qualquer idade, e a gente tem assim, a adoção com bebê, que, é, cúti-cúti, e bonitinho, mas as adoções com crianças maiores são tão lindas, são desafios tão plenos de humanidade, então eu tenho um caso pra contar de um cara sozinho, que foi adotar, ele era gay mas adotava sozinho, não tinha companheiro, e ele se interessou por dois irmãos grandes, já, de nove, oito, sete anos, né, pra nós isso é grande, pra escala que não tem quem queira. E ele se aproximou dos meninos e se afastou, e se aproximou e se afastou, e tava aquele lero-lero, daí ele falou assim, ah, eu tô em dúvida, eu tô inseguro, que eu não vou dar conta sozinho, não era uma questão financeira, nada, era uma questão psicológica mesmo. Aí ele deu um tempo, ele viajou, voltou, daí ele falou assim: ah, eu decidi, eu não aguento ficar sem eles, me apaixonei por eles, já sou pai deles, eu tenho que adotar eles. Aí ele chegou lá no abrigo, foi lá falar com os meninos, e os meninos já sabendo também, mas esperando que ele, adulto, viesse anunciar a novidade. Aí ele chegou pros meninos e falou assim, “ó, eu vim aqui, eu quero dizer pra vocês que eu vou ser pai de vocês, mas eu preciso dizer uma coisa: eu não sei ser pai de vocês ainda”. E os moleque falaram assim: “não tem problema, pai, quando a gente tiver com fome cê dá comida e quando a gente tiver doente cê dá remédio, é só isso!”
(todos riem)
Cris:: É bem isso…
Dora: Esses desafios a criança maior são apaixonantes, né, como o Felipe, também, que foi pra Itália, foi uma coisa assim, foi uma adoção que no dia do encontro dele com o pai todo mundo chorou, porque ele tinha dez anos, estava no abrigo desde um ano de idade, e queria muito uma família. Tinha uma irmã complicada, adolescente, aí a gente fez uma separação dos irmãos, tipo assim, então vai um e o outro fica…
Ju:: Ah, pode isso?
Dora: Pode. Normalmente se há um núcleo muito coeso tem que ser junto, mas há casos que, né, não é assim tão forte, às vezes é por circunstâncias que tá no mesmo abrigo, mas não se reconhece, ou não tem tanta importância assim o elo.
Dora Martins:: …E a gente separou. Felipe era um caso que a gente tinha que ajudar o Felipe, porque a irmã dele já tinha estragado três adoções. Ela era muito complicada, ela era rebelde demais, então havia uma necessidade ali de fazer uma escolha. E ele foi pra Itália. Mas foi um processo tão bonito do apoderamento dele pela adoção. Por isso que eu digo, criança maior é um desafio porque ela também adota. Ele adotou a ideia, né. Com o Skype – ele conheceu o casal pelo Skype e tal – pois antes do casal chegar ele foi comprar presente, ele dizia “eu quero comprar presente pros meus pais”. Comprou presente, e tal, uma camisa da seleção brasileira pro pai, um livro de culinária pra mãe, quer dizer, aquela coisa bem família, né, “meu pai joga futebol e minha mãe faz comida pra mim”. E foi muito legal que a hora que o casal chegou, né – porque no caso do estrangeiro ele chega no dia, conhece ali na lata né – esse menino tava num grau de felicidade, sabe? Os olhos dele brilhavam, ele ficou… ele parecia… ele quem recebia. Ele recebeu os pais. Ele colocou na sala, ele entregou presente pra um, entregou presente pra outro. Dominando a cena! Aí eu falei “Nossa Felipe, mas que legal. Cê tá super feliz. Cê gostou. Você tá bem?”. E ele falou “Nossa, eu estava esperando por isso há 9 anos”. Um cara de 10 anos falar isso, com essa perspectiva de passado, né. E ele depois de um mês ele era outra pessoa – porque os estrangeiros ficam um mês aqui antes de ir embora – e nossa, ele se apoderou. O brilho dos olhos muda, sabe? Então são pessoas resilientes, né… são crianças resilientes. Toda a criança quer ser adotada. Toda a criança que tá no abrigo. Ainda que ela não possa saber se tá no meio de tramitação, tudo isso que nós estamos falando, elas querem uma família. Isso é taxativo. Daí o grande drama dos adolescentes, né, que ficam, ficam, ficam… Não serão adotados, uma parte deles não tem perspectiva de voltar pro lar. Pra lar nenhum, não tem lar nenhum. E muitos piram com 14/15 anos porque sabem que ninguém mais os quer, né, existe já um conhecimento deles que ninguém quer e que eles com 18 anos eles vão ter que ir pra vida. E agora, quem com 18 anos nesse mundo de meu Deus tem capacidade e autonomia pra viver sozinho, né? Então é um drama muito grande. Nós fizemos uma adoção de um menino de 14 anos que já estava… ele já se dava por tipo assim “eu não quero ser adotado”… o discurso dele já era esse “já estou preparado pra autonomia”. E aí aconteceu de um casal querer esse rapaz – ele e o irmãozinho dele – eles têm HIV, o casal quis assim mesmo. Aí nós tivemos que fazer uma aproximação para convencer ele que ele era querido pra ser adotado. Porque ele já acreditava que isso era impossível na vida dele. Imagina um cara de 14 anos já ter uma trajetória de solidão já determinada. E foi muito interessante a adoção dele porque a hora que ele foi adotado ele virou um moleque de 12 anos que aprontava todas e pegava a bicicleta e saía por São Paulo, pra cima e pra baixo. Como ele tinha HIV os pais ficavam preocupados. Daí ele ligava: “pô, caí aqui, vem me buscar” “meu, cê caiu? E aí, o sangue? Avisou aí o pessoal?”. Né, porque tem todo um trabalho, porque ele tem HIV. Daí ele fala “brincadeira, pai, não caí nada…”
[risos]
André Pontes: Um trollador…
Dora Martins:: Como qualquer filho, sabe? E a criança de 7/8 anos que é adotada ela tem uma regressão geralmente. Tem uns que começam a fazer xixi na cama. Ou o pequenininho que quer mamar na mãe. Porque eles falam… cheguei, cheguei… Cheguei no meu lar. Agora eu posso ser o bebê que eu não fui. Sabe? Pedir as coisas que eu não podia pedir…
Cris:: É, eu acho que tem esse… a criança chega e foi aí que eu comemorei. A primeira vez que eu realmente comemorei foi o dia em que a Tatá dormiu em casa a primeira vez. Então a primeira vez que ela dormiu, e a gente super respeitando a história, né. Pessoa nerd, né, quer seguir o negócio tudo direitinho, quer estudar, quer nananá… Então assim, olha… “respeite, essa criança já tem uma história”… claro, claro, claro…
[risos]
Cris:: Então, assim. A hora que chegou lá… “não, não vamo colocar ela pra dormir com a gente, lembra. A gente tem que respeitar a autonomia dela”… “mas num tem cama, onde que ela vai dormir?”… “dorme a gente na sala e ela na nossa cama”…
[risos]
Cris:: É ridículo, sabe? Aí coloca ela na cama… “será que ela tá viva?”… “não, tá viva”… “mas ela vai acordar chorando, óbvio”… né? Não vai se reconhecer, não vai reconhecer o lugar, aí a gente não dormiu pra esperar ela acordar chorando. Aí a gente tava assistindo um filme – porque quem dorme, né? Cê não dorme. Você fica ali numa adrenalina, uma coisa louca. E aí a primeira vez que eu fui no quarto ver se tava tudo bem e ela tava dormindo aninhada, e ela tava no meio da cama, e ela tava enrolada no edredom, aquela confusão. E eu olhei pra ela e falei: aqui é o seu lar. Você nunca mais vai sair daqui. Foi ela que mostrou isso pra mim, não fui eu que mostrei isso pra ela. Aquela cama era a cama dela. Entendeu? Ela chegou ali e falou assim, “é meu”. E aí daquele dia eu sabia que era ela. E aí enfim eu pude chorar. Enfim eu pude comemorar. Enfim eu pude ligar pra minha mãe. Porque até então eu tava muito “será que vai dar certo?”. Mas o dia que ela entrou em casa, e dormiu em casa, e acordou de manhã como se sempre tivesse morado ali, eu falei ENTENDI. E aí começa uma família. E aí é tiro, porrada e bomba, né… Eu lembro, que a primeira coisa que a gente… a gente foi comprar uma cama. Ah, vamo pra Tok&Stok, né? Pessoa… pega uma criança de 2 anos e vamos pra Tok&Stok. De repente, eu ponho a mão assim e eu toda molhada de xixi. Eu falei “caramba, eu tenho que trocar fralda”. Sabe? Eu não tinha muito essa… Tem que trocar a fralda! Gente, eu sou muito ruim nisso. Aí você chora, né? “Eu sou muito ruim nisso! Pra ter vazado desse jeito, imagina o quanto xixi essa menina já num fez… Eu num vou dar conta…”. Aí o Agê: “Calma!”… “Não, num pode entrar no fraldário homem, fica aí”… “Mas você tá quase tendo uma síncope”… “Mas a gente chegou agora”. E ele: “tem quatro horas e meia que a gente tá na loja”… “Meu Deus! Tem quatro horas e meia que a gente tá na loja com uma criança”… “Você não presta pra ser pai, vambora”… E tipo, a Tamires com a cara dela de “Ok, é xixi. Parem com isso”.
[risos]
Dora Martins:: É só xixi.
André Pontes: Dá pra comprar a cama logo?
[risos]
Cris:: Então, assim… parece um seriado americano enlatado. Uma série de descobertas, assim.
Dora Martins:: Não foi você que contou uma história? Ou alguém que contou uma história, que a menina acordou antes do casal e ficou esperando eles acordarem pra tomar café e a hora que a mãe levantou e falou “mas por que é que você não abriu a geladeira?” e ela falou assim “mas eu não sei abrir a geladeira”.
[risos]
Dora Martins:: Você tem que, a criança maior você tem que falar “essa daqui é a sua casa, aqui abre a geladeira”. Tem criança que não vai fazer isso. São educados pra não abrir a geladeira. Então até que ele se sinta em casa, até que ele seja… é tudo um processo de aproximação, né…
Cris:: Então… A gente foi o cocô. Não fazia cocô. “Não conheço esse vaso, não conheço esse banheiro… Eu não vou fazer cocô.” Aí, ai… “Mãe, pelo amor de Deus a menina não faz côco”. “Google, como que faz um bebê fazer cocô.” Aí, dá ameixa…
Dora Martins:: Mamão…
Cris:: Dá mamão, dá não sei o quê… dá, tipo… Sei lá, cara. Quatro dias sem cocô. Aí, assim, desespero mundial do cocô. Vai no médico, e o médico “calma, ela tá se adaptando”… Calma o quê, essa menina vai explodir! E nananá… bababá…
Um dia, cinco dias sem cocô. Senta e faz cocô. Palmas pro cocô… Chora todo mundo porque tem cocô… Então tem esse monte de coisa que cê vai descobrindo e vai acontecendo que eu sei que tem a ver com o biológico. E quanto mais a gente conversa com as mães biológicas mais a gente sabe que esses problemas existem. Mas naquele momento que cê tá ali descobrindo o seu mundo… Gente, palmas para o cocô. Sabe, eu nunca fiquei tão feliz de ver um cocô.
Ju:: Como cê tá falando dessa fase de adaptação, mãe quando adota também tem licença maternidade?
Cris:: Ah, sim claro… boa! Assim que tem esse período de convivência, né, então, mas assim que vocês efetivam o desejo de passar por esse desejo de passar por esse estágio de convivência – o nosso foi muito rápido, mas isso é atípico. Quando você vai… Porque tipo, eu não ia devolver ela nem a pau. Já tava com passagem comprada pra fugir. (não, mentira)
[risos]
Cris:: Mas, quando você pega o termo de guarda, então você já pode entrar com a licença maternidade. É tudo normal, tudo igual pra todo mundo.
Dora Martins:: Incluir no plano de saúde…
Cris:: Pode incluir no plano de saúde. Pode levar na empresa. É tudo normal, é o mesmo jeito. Aquela fila horrorosa lá no SUS, né, pra dar entrada… É tudo igual. E aí cê vai toda orgulhosa, né… Cê vai toda orgulhosa dar entrada naquilo que é uma confusão, um monte de papel também… Cê acha que num vai dar certo nem a pau. O cara te trata como uma qualquer também… Tá cagano se cê adotou, se não adotou… só assina aqui e tchau. É tudo muito tranquilo.
André Pontes: O termo de guarda, ele vem nesse período de 6 meses?
Dora Martins:: Isso, nesse período de estágio de convivência você não adotou ainda civilmente falando, né. Então você fica com ela com o termo de guarda, que dá a você todas as responsabilidades e todos os direitos, né. E ao final, quando você encerra o estágio de convivência – nesse estágio de convivência você continua indo ao fórum, uma vez por mês, pra ver se tá tudo bem. Recebe visita da assistente social na casa. Tudo bem, aí o juiz, elas dão um laudo dizendo olha, tá tudo ok, o juiz dá a sentença final da adoção. Aí essa sentença é que emite dessa sentença mandados pro cartório de registro civil cancelar o registro dela (da criança, original) e fazer o seu. Daí ela passa a ser o seu… ter o seu sobrenome.
Cris:: E isso é muito importante porque o registro vem com uma certidão de nascimento qualquer…
Dora Martins:: Zerada.
Cris:: Não tem nenhuma observação. Não tem nada escrito ali.
Dora Martins:: Nenhuma. É proibido inclusive.
Cris:: O que tá ali é “filho de…” / “filho de…” / “nasceu em tal hora, tal lugar” quando tem os dados. Vem os nomes dos avós, não tem nenhuma diferença.
Ju:: O pai poderia, por exemplo, no caso de você receber uma criança que nem o Dante, de 1 mês, o pai pode escolher o nome?
Dora Martins:: Geralmente não. Porque a criança com um mês ela já sabe que ela chama Daniel. “Daniel”… Você chama o bebê, ele já olha pra você. Então, você não vai mudar esse nome pra João, pra sei lá, Otávio… E muita gente vem com essa expectativa, sofre… Se a criança é maior, então… Quanto maior a criança, você tem menos chances. Então, quando é um bebê muito recém nascido é até possível você negociar isso. Mas a criança maior, fora de questionamento. É um direito personalíssimo da criança o nome que ela já tem.
Ju:: É uma questão legal. O pai não pode, ele não tem esse direito.
Dora Martins:: É uma questão legal e uma questão psíquica. Ele não tem esse direito da questão do nome. A não ser quando é um bebê muito recém-nascido, que é raro ter esse bebê recém-nascido assim.
Cris:: Eu falo com a Tatá assim: “Ai filha, eu arrependo tanto de não ter trocado seu nome”. E ela: “é mesmo mamãe, por quê?”. E eu falo: “ai, é porque eu queria que você chamasse Mel”. Aí ela: “É um bom nome, né?”… Ela é muito cretina.
[risos]
Cris:: É difícil essa aceitação, sabe… Eu acho essa parte difícil.
Ju:: É que é uma coisa básica você querer dar o nome do seu filho. Você teve muita sorte que Tamires é um nome lindo.
Cris:: Tamires é um nome bonito, mas eu acho que se fosse um nome muito feio, eu ia pedir pra trocar, sabe… Um nome, sei lá… Um nome horroroso.
Ju:: Astrogíldela… Sei lá.
Cris:: Mariscláivias, sabe, umas coisas assim…
Dora Martins:: Mas não tem esses nomes assim.
Cris:: Eu ia falar, “Filha, vou te fazer um favorzão, tá?”
Dora Martins:: Você vai deixar os ouvintes preocupados com isso, não tem nome muito feio.
Cris:: [risos] Não, é mentira. [risos]
Cris:: Em última instancia, a gente pode fazer que nem o Tim Maia, né, que decidiu que o nome do filho dele ia ser Carmelo. Aí ele foi registrar o filho dele, registrou como Carmelo, na hora que ele estava voltando pra casa ele falou.. meu, eu quero que ele chame Telmo. Aí ele criou o menino a vida inteira chamando ele de Telmo, mas o nome do menino era Carmelo! [risos]
Dora Martins:: Não resolveu muito.
Cris:: Não resolveu nada [risos]
André Pontes: Porque na chamada da escola…
Cris:: O que eu posso garantir é que o nome vai ser a última das suas preocupações… Tem um monte! [risos]
Dora Martins:: Agora que você falou do registro eu lembrei de uma coisa legal de falar. Veja, essa coisa do registro, ninguém sabe, não aparece no registro da criança, nada disso, né? Mas existe, o processo dela fica no cartório, e pelo ECA, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, esse jovem quando fizer 18 anos, pode ir no cartório, só ele, e saber da sua própria história, então isso mostra que não tem lógica nenhuma você adotar escondido e não contar pra ela. Um dia ela vai saber e aí vai ser traumático, aquela coisa de novela que a gente vê, né? “Meu filho senta aqui” (com 30 anos), “vou te contar, você não é meu filho”. Uma coisa bem assim, grotesca, que não é assim, não é pra ser assim. E esse também é um risco de quem adota “à brasileira”, escondido, porque não se conta. Eu conheço um caso, existe um jovem que está em um abrigo daqui da cidade, que a mulher fez a adoção dele “à brasileira”, escondida, pegou a criança, foi lá e registrou no nome dela… E na adolescência ela entregou o menino de volta, não aguentou a adolescência. O menino não tem nenhuma referência, ele não sabe quem ele é, porque essa mulher sumiu, ela não tinha família, esse moleque não tem a família dessa mulher que adotou, esse moleque não sabe daonde veio, quem ele é… ele tá na maior crise, com problemas psíquicos por causa disso. Então, é muito grave a questão também da adoção por fora porque geralmente as pessoas querem esconder a adoção, por isso que eu digo… Elas não estão adotando, elas estão negociando para algum problema delas, e isso é muito grave. Já a adoção judicial não, você sabe que a criança vai saber, você tem que contar, você conta e você tem conhecimento de que a criança com 18 anos a criança vai poder saber a sua história. É legal falar disso, daí rola também um pavor na mulherada e nos homens, tipo assim… Ai meu Deus, será que com 18 anos ele vai querer ir lá…
Daniel Dantes:: A grande pergunta…
Dora Martins:: Você teve vontade?
Daniel Dantes:: Nenhuma, nunca tive.
Dora Martins:: Se tivesse, teria problema também?
Daniel Dantes:: Nenhum, se algum dia desse na minha cabeça de querer descobrir, qual é o problema? Vou lá e olho, sabe? Eu acho que é de cada um. No meu caso, não vejo vantagem.
Dora Martins:: E mesmo que você queira ver, você não quer ver porque quer trocar, não é verdade?
Daniel Dantes:: Exato, eu não quero mudar.
Cris:: Não existe essa lógica, né, gente?
Daniel Dantes:: pode ser que em algum momento da vida eu tenha vontade de saber o que foi escrito ali, né, naquele período. Mas até o momento nunca chegou isso, e se chegar, nada vai mudar pra frente. Não tem que ter esse medo.
Dora Martins:: Isso é legal falar, porque as pessoas têm esse mito de falar… “Mas eu vou contar, e se um dia ele quiser”…
André Pontes: “Eu vou perder meu filho”
Dora Martins:: Ele vai dizer “eu não amo mais você”, vai querer ver a outra mãe… Isso é coisa de novela, isso não existe na vida. Se você construiu uma relação verdadeira com seu filho, ele é seu filho e ponto. Ele vai poder falar, “olha, eu vou querer acrescentar na minha história um conhecimento”, não é isso, Daniel?
Daniel Dantes:: Exato.
Ju:: Você fala bastante de respeitar a história da criança, quando a criança vai para a nova família, vocês entregam pra essa criança o que tiver… Por exemplo, como o Daniel estava falando, na escola pediram fotos da gravidez… Se você tiver fotos da criança menorzinha…
Dora Martins:: Do processo, sim
Ju:: Mesmo que seja com a família anterior.
Dora Martins:: Não… Da família anterior eu sinceramente nunca vi, nunca vi. Ninguém me deu fotos da família anterior.
Ju:: Não, não… Porque faz parte pra contar a história da criança, né?
Dora Martins:: Então, mas do abrigo sim.
Ju:: Tá… entendi.
Dora Martins:: Inclusive ela mencionou aqui uma hora, existe um instituto aqui em são Paulo, uma ONG muito legal que ela se chama “Instituto Fazendo História”, ela trabalha com os abrigos e o que ela faz, ela ajuda a criança dentro do abrigo a construir sua história, sua história no abrigo. Eu cheguei aqui no dia tal, as fotos do aniversário, as fotos dos passeios… E quando o pai adota, ele leva esse álbum com ele, com folhas em branco, pra que ele vá continuando essa história. Então tem pai que pega, faz um livro desses de plástico pro bebê ficar pegando pra se apoderar da sua própria história. E é tão legal que teve um casal que estava com um bebê novinho (por isso que eu falo que bebê também tem historia) e o bebê na primeira noite começou a berrar, chorava e ninguém conseguia fazer nada… ele falou assim “pô, vamo olhar no livro dele pra ver se tem alguma coisa”… aí tinha lá: “quando o Alexandre chorar muito põe ele de lado, levanta a bundinha e põe um travesseiro debaixo da barriga que ele dorme bem”, fizeram e deu certo, quer dizer eu ele já tinha uma historinha que já estava registrada. Então a gente faz isso, você conta essa história. Mas olha, a sociedade é muito cruel. Eu encontrei um pai adotante esses dias (ele é um pai sozinho, ele adotou solteiro os dois filhos) e ele me contava o seguinte, ele já tinha construído na cabeça dos filhos a história da mãe, porque eles perguntam da mãe, eles vão pra escola, todo mundo tem mãe, tem o dia das mães, tem tudo essa coisa da mãe, então ele já construiu a história que a mãe da minha barriga ficou doente e morreu. E os meninos falam isso, “minha mãe morreu”.
[Risos]
Dora Martins:: Os amiguinhos vão lá na casa e vê várias fotografias da família, das irmãs, das tias e perguntam “Essa que é a sua mãe? Essa é sua mãe”, “Não, minha mãe morreu”, e aí as mães das crianças: “Ai, sua mãe morreu? Nossa… Mas do que ela morreu?”. Aí disse meu amigo, o pessoal não dá trégua!
Cris:: Ninguém ajuda!
Dora Martins:: O cara quer saber de quem é a mãe e alguém diz que a mãe morreu? Quer saber do que que a mãe morreu? Então, as pessoas são meio mórbidas.
Cris:: São!
Dora Martins:: Então, para de perguntar! Então, as crianças também têm que ser preparadas pra isso.
[risos]
Cris:: É.. e assim… As pessoas as vezes ignoram a criança, elas falam as coisas perto da criança. E a atendente da C&A que vira pra você e fala: “é de criação, né?”
[risos]
Cris:: Aí você fala: “É minha filha”, “Mas do coração, né?”, “É minha filha. A senhora quer ver a certidão de nascimento?”, “Preciso mostrar pra comprar essa fralda?” Aí a outra vira e fala: “ai, por que que você não pegou uma mais clarinha, né? Porque aí cê não precisava contar que era adotada”, então você vai ouvir esse tipo de coisa, você vai ver no rosto de algumas pessoas uma mistura de surpresa e decepção quando veem que você tem um filho negro. As pessoas olham e fica aquele sem graça, aquela torta de climão, né? Por que a pessoa não estava esperando aquilo, mas cê percebe que ela não reagiu bem e acontece uma série de coisa, acontece das pessoas virarem pra você e dizer “ai, mas… você não vai se arrepender de não ter amamentado? De não ter sentido seu filho sair da sua barriga? ”, aí eu falo: “nossa, agora eu tô me sentindo bem melhor agora que você contou essa história, me sinto até mais completa, era essa a sua intenção? Porque você tem que devolver o ridículo, porque aí a pessoa se dá conta, mas aí que a pessoa se dá conta, mas a gente ouve muita coisa ruim, sabe? E no início… é que treino é treino e jogo é jogo, sabe? Eu não tava preparada, eu não pensei que as pessoas iriam chegar do lado e falar assim, ah, cê adotou? Eu falei: “gente, tem uma criança aqui, ela tá ouvindo o que você tá falando, seu sem noção!”, sabe?, você se vê batendo na pessoa, sabe… a mente assim já… sabe? Então, é sempre essas perguntas assim: “mas e a mãe de verdade? ”, “cê já contou pra ela?”, aí eu: “não, ela é preta, eu sou branca, mas ela nem desconfia”. Tem algumas coisas que você fala: gente, como e por quê? O quê que isso vai acrescentar na sua vida, essa informação que você tá me pedindo da minha vida, da minha família, da minha filha? Então… o primeiro sentimento que eu tive foi de bastante revolta, eu fiquei muito decepcionada com as pessoas, e depois eu comecei a entender como o fato da gente não falar muito nisso cria esse monte de místico, então, tem um negócio que a Juliana fala, que assim, sempre que eu posso falar alguma coisa sobre isso, eu falo, porque, apesar de ter uma super preocupação de não expor demais a Tamires, cada vez que eu falo sobre isso eu tô pelo menos mostrando pras pessoas que é uma coisa natural, normal… Entendeu? E aí a gente vai desconstruindo esses padrões, essas perguntas cruéis, sabe.
Ju:: É uma coisa que a gente até falou no programa de pessoas com deficiência foi que os outros não têm obrigação de saber, você fazia as mesmas perguntas, até que você foi imerso num universo e você entendeu o que tava do outro lado da cortina e você entendeu a bobagem disso. Mas as pessoas não são más, não são ruins, entendeu? Então também requer um amor seu de explicar.
Dora Martins:: Disponibilizar-se.
Ju:: Olha que coisa engraçada que você falou, eu entendo perfeitamente da ótica daquele pai, a angústia daquele pai, da angústia de não pararem de perguntar e trazer a pergunta à tona. Por outro lado, numa situação oposta, em que as crianças perderam a mãe, de fato a mãe morreu, seria até talvez insensível talvez você não se solidarizar e talvez perguntar: “ai, me desculpa, sinto muito, sua mãe morreu? Como ela morreu?” É uma questão social, de cuidado, de estabelecer um laço, uma ponte. Porque daí você me conta como ela morreu, e aí eu presto solidariedade e a relação se constrói a partir daí. Então, não são as pessoas que estão perguntando da mãe que estão fazendo errado, você tem que ajudar elas a conhecer a sua situação, ninguém tem obrigação de saber. E foi bonito quando eles colocaram isso, né? Falaram: “você não tem que saber como lidar com o cego; eu vou ter que te explicar porque eu vivo isso”.
Dora Martins:: Eu que sou o cego, sou eu que sei.
Ju:: Então eu acho que da mesma maneira, a gente tá cada vez mais expandindo o nosso universo, né, do normativo, do meu umbiguinho, então eu acho que porque minha vida é assim, então eu acho que pra todo mundo é assim, a gente tá aprendendo a conviver com várias outras trajetórias, né? E eu acho que quando a gente traz essa vivencia de adoção, é superimportante falar isso: como lidar numa classe em que tem um aluno que não vai ter a foto da barriga da mamãe pra mostrar.
Dora Martins:: Como a professora vai trabalhar isso no Dia das Mães, né. Ou uma criança que não tem mãe.
Ju [interrompe]: E, não por ele. De verdade, não por ele.
Dora Martins [interrompe]: Por outros.
Ju:: Por causa de todos os outros alunos que talvez vão ser adotantes no futuro, né, que tão se formando como seres humanos e que vão ter uma visão muito mais rica graças a você tá naquela turma.
[Murmúrios de concordância]
Dora Martins:: Tem muitas escolas que foram transformadas, assim, pela presença das crianças, é… que foram adotadas e que têm outra raça, isso provoca, né, e a escola tem um ganho com isso, porque todas as crianças vão, né, viver esse novo mundo e essas novas informações. E eu acho também que a questão da adoção no Brasil, o Brasil sempre teve adoção, né. Antes do ECA tinha duas formas de adoção. Veja como era cruel: era uma herança da colônia, do escravismo, tinha aquele filho de criação que você falou agora, quem era o filho de criação? Era o filho do quintal, o filho da cozinha, o filho da empregada. Ele era filho só pra ter o nome nobre da família, mas ele não era filho de verdade. Tanto que havia uma adoção chamada simples que o pai ou pater, né, ele dava o nome pro cara mas o cara não era herdeiro. Sabe, era uma adoção só pro forma pra enobrecer você porque cê tem meu nome. Isso é uma herança muito… Isso ficou muito no inconsciente, então pessoas mais velhas, mais adultas, às vezes têm preconceito da adoção por conta dessa imagem que só se adotava o coitado do filho da escrava ou da empregada. Então, às vezes assim você vê famílias que tem aquela tia velha ou avó que fala “Meu filho, você vai adotar uma pessoa de outro sangue”, quer dizer, são valores ainda que estão sendo soterrados, mas que ainda às vezes reverbera, e você que vai adotar tem que estar apoderado de toda essa informação que a gente trabalhou aqui e defender seu filho às vezes desse olhar que ainda persiste em alguns lugares, né.
Ju:: Tem uma informação que a Cris já deu e que foi super importante quando ela deu num outro programa, mas deve ter muita gente que vai chegar nesse programa e é importante repetir. Como é pra você, uma mãe pode abrir mão do seu filho perante o… eu posso entregar pro Estado?
Dora Martins:: Pode, e deve. O ECA fala, inclusive, que os hospitais têm que ter, as pessoas que trabalham nos hospitais, o setor técnico, tem que tá preparado pra receber uma gestante, ainda gestante, que diga “Eu estou grávida, decidi que vou ter meu filho mas não ficarei com ele”. Essa mãe já tem que ser assistida pela rede social em todas as demandas dela, pra se certificar se é isso mesmo que ela quer, se ela tá querendo isso porque ela quer isso ou porque ela não tem condição, e se ela não tiver condição vai-se dar ajuda pra ela; se ela falar “Não, eu quero, eu quero, eu quero”, ela vai ser levada pro fórum, vai passar pela psicóloga, pela assistente social, e assim que nascer ela vai entregar o bebê lá no juízo, é uma coisa muito mais prática porque daí a adoção é mais rápida, não tem todo o processo de destituição, que o que demora, muitas vezes a criança fica no abrigo muito tempo é porque ele está na espera que a mãe seja destituída do poder familiar, né, que é uma necessidade pra criança ficar apta civilmente, documentalmente. Então quando essa mãe entrega, é um gesto assim, a ser respeitado, né? A gente não deve julgar nenhuma mãe, né. Nem a mãe que “abandonou”, o que a gente sempre recrimina, como pode?, a gente tem uma máxima né, “Como pode uma mãe abandonar um filho?”. Primeiro, como se a maternidade fosse algo mágico que faz com que a gente ame, logo, quem abandona é porque não ama. Pura mentira, tá cheio de gente que mãe que nasce, cria e não ama. Então a mãe que entrega, ou a mãe que deixa por alguma circunstância não deve ser julgada, até por respeito à criança. Se você vai adotar um cara, você vai adotar o seu filho, você não vai adotar o filho de uma desgraçada, de uma craqueira, de uma puta, você vai adotar um filho. Não é? Então você também tem que respeitar essa mãe que deu à luz essa criança, ponto. Você não vai fazer julgamento moral sobre ela. E a mãe que vai entregar, muito menos. Inclusive, a mãe quando vai entregar a gente colhe a fala da mãe. E aí, geralmente a maioria fala o seguinte, “Olha, eu não tenho condição. Foi uma aventura, eu nunca posso ter filho, ou eu não posso ter por isso, mas eu quero o melhor pro meu filho”. Então ela tá cheia de energia positiva pra esse filho. A gente escreve isso no papel, porque o dia que ele vier por acaso ler, ele vai ler a história dele. Né, e se tem essa história boa pra contar pra ele, “Olha sua mãe foi uma pessoa que gestou você na boa, fez até exames, pré-natal, e gostava de você como ser humano. Ela não queria ser sua mãe, mas como pessoa ela te amou e te entregou pro melhor”. Então ela pode, sim, e deve ser incentivada. O que existe às vezes é pessoas que, quando pega uma grávida dessas, que também às vezes também tem uma combinação de crise social, a pessoa tá angustiada, tá numa situação limítrofe, daí você seduzi-la pra entregar pra alguém, “Não, dá aqui, dá pro meu amigo lá…”
Cris [interrompe]: Mas acho que também é difícil entender que isso vá ser feito de bom grado, acho que uma mulher que chega num lugar e fala “Olha, eu não quero”, e eu sei que existem lugares de corpo técnico bem preparado mas que…
Dora Martins [interrompe]: A maioria não é. Nos hospitais tem muita gente que vão pelo caráter da religião, fala “Isso é pecado, você tem que ficar com seu filho”. Sabe? Então é difícil mesmo, é muito difícil pra essa mulher ter essa decisão.
Ju:: Nesse programa, a gente até falou que antigamente, pra evitar esse julgamento, porque a gente sabia que pra mulher era difícil…
Dora Martins [interrompe]: Tinha ‘a roda’.
Ju:: Tinha ‘a roda’. E aí a próxima pergunta, é possível doar o filho anonimamente?
Dora Martins:: Há uma discussão de se criar essa possibilidade, pra tentar evitar, né, quando aparece, geralmente essa notícia renasce quando acontece essas coisas de ‘criança largada no saco de lixo’, não sei o quê. né, então a imprensa explora um pouco isso. Há essa tentativa, mas veja, a política pública hoje que foi criada, desde depois do ECA, se a gente fosse colocá-la em prática, mesmo, os hospitais estariam preparados, os [CREA’s], os CAPS, hospitais-dia que fazem a recepção das grávidas, que fazem o pré-natal, então… É que eu acho que tem um pouco de preconceito com isso, sabe? A mulher sofre mais esse viés, né, é mais um ônus que recai no feminino aí porque ela que tá com a barriga crescendo e impossibilitada, ou não desejosa daquilo, e ela se sente muito culpada, né, ela tem um meio que não a recepciona e que não a respeita. Mas se funcionasse as políticas públicas como são desenhadas, né, como está escrito, ela tinha que ter total liberdade de chegar no primeiro mês de pré-natal e falar “Olha eu quero fazer o pré-natal, quero cuidar do meu filho e eu não quero ter meu filho” e isso alguém falar “Tudo bem, eu respeito você, vou te encaminhar pra um psicólogo pra você conversar, e tudo bem, se for assim, assim será”. Ela te encaminha pro fórum, você já conversa… Aí você tem o recorte social também, né, que as pessoas mais simples, humildes, às vezes não têm nem acesso a uma conversa com um médico, quanto mais a expor esse desejo, né. Então daí houve, assim, esse momento de quererem renascer ‘a roda’. Mas eu acho ‘a roda’ tão indignante. Eu acho, indignante de uma certa forma. Única coisa é que seria uma saída pra essas mulheres desesperadas. Sabe? Mas eu acho que quanto mais você puder anunciar que ela pode, trabalhar com essa ideia de divulgar essa convocação, os hospitais fazerem preparo dos seus funcionários, isso não é necessário, né. Mas não existe legalmente essa possibilidade. Mas falou-se disso recentemente.
Cris:: É isso, temos um programa, né. Temos uma… uma teta que tá amamentando nesse programa.
[risos]
Cris:: Uma teta adotiva com leite.
Ju:: Aliás, até tem isso, né?
Dora Martins:: Tem mulher que adota e começa a ter leite.
Cris:: Então, o que aconteceu comigo foi uma situação atípica, assim, mas eu comecei a me sentir mal. Eu não tava me sentindo bem, fisicamente. E quando eu fui ao médico, aí a médica falou assim “Olha, você tá com umas quedas de hormônio muito semelhantes a uma mulher que acabou de ter filho”. E aí eu fiquei mais surtada ainda, né? Uau, daqui a pouco eu tenho leite! E Tatá, tipo: “Para com isso”.
[risos]
Ju:: “Te viaja, mãe”.
Cris:: Tatá tipo “Menos, senta lá, mãe”.
Ju:: “E traz meu café”.
Cris:: É. “Com leite, por favor”. Vamo então pro Farol Aceso.
[Sobe trilha]
[Desce trilha]
Cris:: Vamos então para o Farol Aceso, vamos começar pela Dora. Quê que tem aí pra indicar pra gente de legal?
Dora Martins:: Bom, pra quem curtiu aí a conversa sobre adoção, acho que tem que ler bons livros, ouvir bons filmes… Indico muito um filme chamado ‘O contador de histórias’, um filme brasileiro, baseado numa história verdadeira, que eu acho que é excelente. E eu queria falar uma coisa um pouquinho diferente, eu acho que assim, de repente tem gente que fala assim “Pô, eu não tenho… eu não quero adotar. Mas eu gostaria tanto de, né, conhecer crianças e tal”. Existem muitos projetos, aqui em São Paulo, inclusive, tem um andando, de apadrinhamento. É pra quem não quer adotar mas quem tá disponível a se relacionar afetivamente com alguém por toda a vida. Você tem disponibilidade de amar alguém pro resto da vida? Como padrinho, sabe padrinho antigo? Que seu pai escolhia, que falava assim “O dia que eu morrer, meu filho tem um padrinho”. Nós temos muitos adolescentes nos abrigos, gente maravilhosa, gente super legal, que sofrem muito porque não vão nem ser adotados, e nem vão voltar pra casa. E quando tiverem dezoito anos… Pensa você com dezoito anos, domingo à tarde, vendo televisão… Se a gente não vai na casa da vó, a gente vai na casa da irmã, a gente faz uma macarronada na casa da mãe… Pra gente afastar aquele tédio do domingo, né? Pois é, imagina um adolescente que sai do abrigo e não tem ninguém, não tem pra onde ir, não tem relação afetiva, eles geralmente vão visitar o abrigo mas eles sabem que aquele lugar não é mais o lugar deles. A cama deles já tem outra pessoa… Então a gente achou que era importante arranjar padrinhos pra essas pessoas, porque assim, padrinho pra ser amigo. Sabe, pra ser uma referência afetiva. Do tipo assim “Pô, aquele cara legal”, liga pra ele “Tô na dúvida aqui, não sei se eu mudo de emprego, não mudo, que que cê acha?”. É padrinho pra isso, não é pra dar dinheiro, não vai ser seu herdeiro, vai ser seu amigo. Então eu acho muito legal as pessoas que não querem adotar mas se interessam pelo outro, procurarem conhecer esses projetos que existem de apadrinhamento.
Cris:: Boa.
Dora: Tem que saber amar, tá, só isso.
[Risos]
Dora: Não custa nada.
Cris:: Bom. Dante?
Daniel Dantes:Eu estou lendo bastante sobre adoção ultimamente, que eu estou pensando, enfim, em adotar e eu tenho o portal que é o Portal da Adoção.
Cris:: Dez anos de casado e você enrolando.
Daniel Dantes:Dez anos de casado… É… Tipo, tá!
Cris:: É. Que bom!
Daniel Dantes:Não é o momento. Não é o momento.
Cris:: Faz as conta aí que está na hora.
Daniel Dantes:É, tem que… Enfim, infinidades de… A gente vai colocando muitas coisas na cabeça, acha que não está preparado, aí vai se questionando, a questão, enfim, de ‘ah, eu quero mais jovem’, ‘eu quero mais…’. São várias opções e a gente tem que conciliar, enfim, tudo isso. Mas o portal, eu acho, que o portal da adoção ele te dá esse mundo completo, sugestões de livros, matérias, depoimentos. Eu acho que quem, enfim, quer saber mais sobre isso, acho que é um bom espaço ali na internet para, enfim, destinar um tempo aí de leitura.
Cris:: Boa. Vem André?
André Pontes:O meu é um livro, ‘Homens, Mulheres e Filhos’ do Chad Kultgen. É um livro que não tem relação com adoção, mas ele mostra a relação entre pais, mães, filhos, adolescentes, homens mulheres e crianças e é muito interessante… A história se passa dentro de uma… Tem uma escola, um bairro, então são quatro famílias, então os quatro adolescentes têm relações dentro da…
Ju:: É o filme!
André Pontes:Tem o filme que eu não recomendo. É o livro.
[Risos]
Ju:: Eu vi o filme.
André Pontes:É… O filme retrata muito raso o livro. Enfim, ele mostra a relação entre os adolescentes, a relação entre o adolescente e o pai, que tem um pai que é separado, tem um outro pai que é viciado em pornografia, tem a mãe que trai o pai e tem um outro que conhece um pai que é separado e conhece a mãe de uma amiga de um menino e aí tem uma mãe que prende muito a menina e controla ela absurdamente, fissurada, controla tudo e a menina, ela tem as coisas escondidas dela que ela consegue arrumar um jeito de fugir por conta dessa …
Ju:: [não entendi], né? (1:52:45)
André Pontes:…dessa pressão que tem com ela. O livro ele conta toda essa… A relação que tem em todas as famílias e com a internet no meio, que é um mundo completamente louco que a gente tem, principalmente com os adolescentes, tudo, então é bem legal esse livro e mostra bem essa relação conturbada.
Cris:: Bom, eu vou indicar, e não me venham xingar, logo que a Tatá chegou eu comecei a escrever um blog sobre a nossa história, sobre todo o processo, sobre toda a caminhada. É obvio que é o MEU olhar sobre isso, né? Não é a história de todo mundo, cada um tem uma história diferente, e aí eu conto um pouco sobre o processo, sobre a espera, sobre as etapas, sobre como eu percebi cada uma delas, os meus sentimentos, e conto até a chegada da Tatá, como ela conheceu os avós. Conto tudo. Eu parei de atualizar o blog já tem mais de um ano. Não me venham pedir pra atualizar porque eu não vou fazer isso, tá, gente? É o seguinte: trabalho, tem Tatá, tem AG, tem Mamilos… Não dá mais, não cabe da pauta. Mas tem uma história bem bacana ali pra quem quer esmiuçar um pouco mais do processo, entender um pouco mais sobre como as coisas funcionam. Fiquem à vontade, entrem lá. Leiam de trás pra frente, né, a história mais antiga é a primeira e tá divertido, é legal. Eu gostei muito de fazer isso. Ju, manda ver.
Ju:: Eu terminei, essa semana, de assistir ‘Vikings’, estou quase escrevendo uma fanfic, gente. Não me conformei com o final.
[Risos]
Cris:: Jura?
Ju:: Fazer um final alternativo.
[Risos]
Ju:: Todo mundo falou muito mal dessa temporada, né? Enfim, pra mim é bom até quando é ruim, então, eu assisti isso, eu recomendo, eu acho legal. E pra deixar tudo mais leve, porque várias pessoas entraram em contato com a gente falando que como está pesado, a questão política, essas angústias, os conflitos, muita briga, nã nã nã… Eu sei que, a gente… Eu estava trabalhando todos os dias até uma da manhã e no outro dia acordando às seis e mais pra levar as crianças na escola, não almoçando pra trabalhar, enfim, e o Mamilos acaba sempre tratando de temas pesados… Então assim, o meu tempo era sempre muito sério, muito pesado, nã nã nã… Eu sei que quando a gente teve enfim uma noite, eu trabalhei todos os fins de semana… Quando a gente teve uma noite a gente viu um besteirol, um besteirol, que assim, eu só preciso falar duas palavras pra te convencer a ver esse besteirol: Bill Murray, que já devia ser suficiente (Todos riem), eu não deveria ter que falar a segunda; e a Melissa McCarthy, que ela é ótima, ótima, ótima, ótima. Então é uma comédia, é um besteirol, você desliga o cérebro, e você ri, e é super família, e criança, e essa figura do padrinho. Enfim, é adorável, é muito gostoso. Então assim: está angustiado? Está meio triste? Tá no ‘Letflix’ [Netflix], se não me engano, tá? Então pode ir lá, relaxar…
André Pontes:Qual que é o nome?
Ju:: Que o mundo sério vai estar lá para… Vai continuar existindo, você vai voltar pra ele.
Cris:: Está liberado relaxar?
Ju:: Chama ‘St. Vincent’, o título original.
André Pontes:St. Vincent.
Ju:: St. Vincent.
Cris:: É isso então, temos um Mamilos?
Ju:: Temos um Mamilos.
Cris:: Tem uma informação que a gente esqueceu de colocar. Nós não fizemos um ‘Fala que Eu Discuto’ e nem o ‘Giro de Notícias’ porque a gente está antecipando esse programa. Ele está sendo gravado um dia depois do programa da semana do Mamilos. Então não deu para a gente encaixar aí comentários e ‘Giro de Notícias’ porque ia caducar, né? Estamos falando do futuro, esse programa vai sair no futuro. Temos uma Teta. Eu queria agradecer de coração vocês terem vindo aqui, conversado com a gente, contado suas histórias, coisas tão pessoais, né? Com essa generosidade de dividir a história e o conhecimento de vocês com as pessoas. Muito, muito, muito obrigada.
Dora: Um prazer.
André Pontes:Foi legal.
Dora: Queremos voltar, né, rapazes.
André Pontes:Sempre.
[Risos]
André Pontes:Eu disse que queria voltar faz um mês e voltei.
[Risos]
Cris:: Cuidado com o que você deseja.
Dora: Então você vai voltar, Daniel.
Cris:: Beijo, obrigada gente.
Ju:
: Obrigada, gente, beijo.
[Sobe trilha: solo de violão]
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