- Cultura 4.ago.2016
Esforço do elenco não salva “Esquadrão Suicida” do desastre
O diretor David Ayer destrói, com facilidade, todos os elementos de bom potencial que a campanha de marketing prometeu
O principal motivo pelo qual “Esquadrão Suicida” parece um desastre de proporções enormes não é a relação entre expectativa e realidade, ainda que ela seja também parte da equação, mas a facilidade com que o filme destrói todos os seus elementos de bom potencial. Ao longo de duas horas, desmoronam os fatores que permitiam acreditar em uma espécie de redenção para a DC Entertainment após “Batman vs Superman”. O que talvez fosse a hora mais sombria — e que, como tal, deveria dar lugar ao amanhecer — é seguido por ainda mais escuridão.
O material, ao menos de partida, não é ruim. A premissa abre espaço para possibilidades muito diversas: a fronteira entre vilania e heroísmo, as motivações por trás de cada indivíduo dentro de uma coletividade, a busca por redenção e liberdade, a segurança em um universo povoado por meta-humanos e as implicações do estabelecimento de uma força-tarefa secreta são algumas das questões com as quais o roteirista e diretor David Ayer flerta. As investidas, porém, nunca passam da superfície.
Incomoda ainda mais perceber que a postura anárquica do filme não ultrapassa esse primeiro nível. “Esquadrão Suicida” ensaia uma transgressão que nunca se confirma plenamente na tela, onde se vê um filme muito mais comportado do que o sugerido pela pose e pelo discurso. Vale notar, o problema vai além de um descompasso entre o que havia sido anunciado e o que agora é entregue. Diante de um mundo de ideias distorcidas, ser tão conformado com o formato convencional, tão ajustado aos padrões, é uma das falhas indesculpáveis de Ayer.
Mesmo quando busca repetir as batidas do gênero, sobretudo em termos de estrutura, o longa se mostra pouco inspirado. Não é possível ver uma proposta clara, apenas esboços de caminhos a seguir e a indecisão sobre qual deles tomar. Existe fundamento, por exemplo, na construção do longo ato inicial: apresentar os personagens e suas histórias de origem, ofertar aparições de heróis aos fãs, injetar uma primeira dose de adrenalina e estabelecer o tom para o humor e a ação. Os primeiros trinta minutos de projeção, porém, são tão tediosos quanto uma reunião de briefing pode ser, enfraquecendo o relato em curso, sobre o vínculo dos vilões com marcas do passado. Para piorar, o que vem a seguir — após esse comprido previously — parece saído de um universo de tom e ritmo completamente diferentes.
“Esquadrão Suicida” ensaia uma transgressão que nunca se confirma plenamente na tela
Aparentemente satisfeito com seu pequeno arsenal de truques, afetações pop das mais triviais, Ayer salta de situação em situação e cenário em cenário sem a menor cerimônia. Quando tenta inovar, empilhando flashbacks e desorientando a narrativa, fracassa. Seus retornos no tempo não são informativos sobre os personagens ou a trama nem interessantes sob qualquer ponto de vista, e o recurso se esgota rapidamente. Confusa e incapaz de produzir coesão, a montagem faz o filme parecer uma colagem de ideias não concretizadas, sendo a participação do Coringa (Jared Leto) o símbolo maior disso — suas visitas inconvenientes geram caos apenas momentâneo, e tudo volta à normalidade em seguida.
O emprego da trilha sonora soa como obra de alguém que nunca organizou uma mixtape, tanto pela desordem quanto pelo péssimo encaixe entre cenas
Não há senso de consequência nem um encadeamento lógico dos fatos, e até cenas imediatamente enfileiradas falham em dialogar. Entre a formação do grupo e a chegada ao destino final, especialmente, pouca coisa no roteiro faz sentido ou parece seguir uma linha coerente. Idas e vindas acontecem de forma novelesca, piadas se repetem incessantemente, personagens são trazidos à cena e logo deixados de lado e diferenças inconciliáveis e grandes demonstrações de união se misturam sem razão, mas pouco disso tem impacto cômico ou narrativo. O lado mais banal da missão, no fim das contas, é o que importa — e, como tragédia pouca é bobagem, o lado mais banal é também abordado da forma mais banal.
Algo semelhante pode ser dito do recurso a grandes canções. O emprego da música soa como obra de alguém que nunca organizou uma mixtape, tanto pela desordem da compilação quanto pelo péssimo encaixe entre faixas e cenas. É inevitável pensar em “Guardiões da Galáxia”, exemplo de serviço bem feito nesse sentido.
Visualmente, não há nada particularmente marcante. Os espaços não têm personalidade, e nem mesmo o fato de que boa parte da ação se concentra em apenas algumas quadras de Midway City é suficiente para que os entornos tenham alguma unidade ou destaque. A arma da vilã é genérica, assim como as explosões que ela causa, sequências de flashes de luz, e seus capangas, criaturas literalmente sem rosto. Enquadrada sempre de perto e com coreografia burocrática, a ação é vista em detalhes que pouco contribuem para estabelecer um ritmo mais fluido, uma dinâmica própria. Nos raros momentos em que a câmera se afasta e observa os movimentos completos, outras opções estilísticas prejudicam o resultado. É o caso da batalha final, que, por ser fotografada em meio à fumaça intensa, não tira proveito do slow motion nem da atuação conjunta dos personagens.
A Arlequina de Margot Robbie é uma figura que se destaca, com o benefício de seu carisma e do protagonismo que assume
Com certo otimismo, é possível notar o esforço dos atores para oferecer algo a seus vilões. O que está no papel varia entre a exposição desnecessária e a repetição constante, e as tentativas de oferecer histórias de fundo relevantes ou com potencial dramático são sufocadas pelo inchaço do roteiro. Will Smith consegue dar certa familiaridade ao Pistoleiro, principalmente quando divide a cena com sua filha, Zoe (Shailyn Pierre-Dixon), mas o texto não permite que ele vá além do básico.
A Arlequina de Margot Robbie, outra figura que se destaca, conta com o benefício de seu carisma e do protagonismo que assume na trama. Quando as bases são fracas, porém, ser a voz de grande parte das piadas não é necessariamente um sinal de sorte. Em alguns trechos, a proporção parece ser de uma dúzia de tiradas problemáticas para cada entrega certeira — não por culpa da atriz, mas da maneira como ela é filmada.
A exaustiva campanha de marketing se sustenta apenas no discurso. “Esquadrão Suicida” morde a própria língua.
No geral, os membros da força-tarefa oscilam entre aqueles cujas representações são extremamente questionáveis (Katana, El Diablo e a própria namorada do Coringa) e aqueles que, a despeito de algumas características interessantes, sequer justificam tamanha importância (Capitão Bumerangue, Crocodilo, Magia). Viola Davis, no papel de Amanda Waller, desperta atenção pela postura firme, mas acaba limitada pela inconsistência das decisões da personagem e o tratamento dado a ela pelo roteiro.
Somados, os aspectos negativos indicam um caminho bastante turbulento, marcado por alegações de mudança urgente de tom e, nos últimos dias, pela controvérsia relativa ao corte final apresentado. Alongando-se por mais de um ano entre o exibicionismo de Jared Leto e as dezenas de trailers e exibições-teste, a exaustiva campanha de marketing se sustenta apenas no discurso. Como se não bastasse tropeçar nas próprias pernas, “Esquadrão Suicida” acabou também mordendo a própria língua.
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