- Cultura 1.jul.2016
Ainda que abuse da mesma fórmula, “Procurando Dory” oferece emoções intensas
Novo filme da Pixar repete a estrutura de “Procurando Nemo”, mas acerta em cheio na transformação de Dory em protagonista
Desde que lançou seu segundo longa-metragem, “Vida de Inseto”, a Pixar sempre apresenta um curta original no início de suas sessões de cinema. Ao longo de sua trajetória, a empresa parece ter se especializado em construir historietas capazes de divertir, emocionar e, ainda, servir de laboratório para uma série de possibilidades técnicas e narrativas.
Lançado em 2003, “Procurando Nemo” foi acompanhado de “Knick Knack”, a simpática crônica sobre um boneco de neve que busca viver em um lugar ensolarado. Treze anos depois, “Procurando Dory” estreia ao lado de “Piper”, união perfeita de uma simplicidade que remete às primeiras obras da companhia (como “Luxo Jr”, das famosas luminárias, que completa seu trigésimo aniversário esse ano) e de uma sofisticação tecnológica que só parece possível nos dias de hoje.
Ao menos como ponto de partida, é relevante tratar esse lançamento mais recente como uma sessão dupla. Os dois filmes possuem características comuns muito evidentes, mas guardam diferenças fundamentais de concepção. Embora compartilhem a temática principal e uma estrutura rígida e bastante atrelada à trama (basicamente, animais-superando-desafios), suas propostas visuais divergem radicalmente. Se “Dory” é eficiente, mas apenas segue os moldes de seu antecessor, “Piper” busca um grau de realismo inédito na Pixar. Os bichos em cena podem até transmitir sensações humanas, mas seus corpos, movimentos e instintos passam longe da antropomorfização típica de produtos anteriores.
Não se trata de cobrar do longa os méritos do curta, mas de apontar que seus aspectos mais especiais não são igualados pelo que vem a seguir — a safra de curtas dos últimos cinco anos, aliás, parece bem superior ao conjunto de longas do mesmo período, sendo “Lava” e “Divertida Mente” as exceções negativa e positiva, respectivamente. Parte disso diz respeito à opção, no formato mais longo, por sequências irregulares e originais pouco inspirados.
Nesse sentido, “Procurando Dory” fica no meio do caminho. Trata-se de um filme com uma estrutura similar a de “Nemo”, com situações que se repetem mais até que os cenários e personagens. Suas novidades despertam interesse genuíno, mas acabam perdidas em meio à repetição da fórmula. O resultado, ao menos no que diz respeito à armação do roteiro, é um dos filmes mais quadrados e esquemáticos do estúdio, em que as cenas se encadeiam como fases de um arcade.
É preciso reconhecer, por outro lado, o trabalho de reconstrução da personagem principal. A coadjuvante Dory foi um fenômeno instantâneo graças a características e piadas muito específicas que dificilmente sustentariam um filme inteiro, o que exige mudanças significativas na sua transformação em protagonista.
Como Andrew Stanton (co-diretor, ao lado de Angus MacLane, e co-roteirista) afirmou em entrevista:
Por causa da perda de memória recente, ela não conseguia fazer auto-reflexão”.
Assim, para que Dory ganhe consciência, são empregados recursos como a companhia constante de um novo companheiro, o surgimento de eventos e frases que servem como gatilhos para lembranças e a descoberta de personagens de seu passado.
Em termos de emoção, “Procurando Dory” é tão intenso quanto os melhores exemplares da Pixar
A ideia de memória, antes fonte de humor, agora é central para a noção de identidade assumida pelo filme. A limitação de Dory passa a ser encarada como obstáculo a ser superado, o que faz com que cada flashback pareça merecido, fruto de uma procura consciente pela própria família e pela própria história. A reabilitação da protagonista é tão emblemática quanto a fuga do peixe-palhaço no primeiro filme. Não por acaso, vários personagens com deficiência habitam esse universo, tornando visível a mensagem de inclusão que se repete em discursos durante o longa.
Em termos de emoção, “Procurando Dory” é tão intenso quanto os melhores exemplares da Pixar. Desde o prólogo, quando vemos o peixe-bebê de olhos gigantes se esforçando para lembrar o caminho de casa, o filme parece interessado em reunir alguns dos elementos mais tradicionais da companhia: o vínculo indissociável entre pais e filhos, a necessidade de trabalhar em equipe e a força de amizades improváveis.
Como em outros filmes do estúdio, a jornada de autodescoberta é tão importante quanto a parte prática da missão
Por mais que a repetição dessas questões seja um pouco excessiva, é interessante notar como Stanton e MacLane sabem explorar mesmo os momentos mais formulaicos para gerar emoção e fazer rir. A transposição de boa porção da história para um instituto marinho (em vez do fundo do mar) é uma saída vantajosa. Nesses espaços reduzidos, a comédia se concentra nos diálogos e no humor físico, o que ganha força pela presença de Hank, um polvo rabugento e especialista em camuflagem, que dá tiradas de toda sorte e ajuda nos deslocamentos fora d’água.
Como em outros filmes do estúdio, porém, a jornada de autodescoberta é tão importante quanto a parte prática da missão. Dory é frequentemente vista sozinha e à distância no oceano escuro, que parece muito mais amedrontador do que em “Procurando Nemo” justamente porque a protagonista é imprevisível e sua busca, ainda mais urgente. Passado e presente se confundem, mas o fato de serem conceitos que ela não compreende tão bem não a impede de agir.
No fim das contas, o sucesso de Dory (e de “Procurando Dory”) depende imensamente de seu carisma e sua disposição para ação. A equação é parecida em “Piper”, mas o curta-metragem leva vantagem por dar um passo além em termos estéticos. É verdade que a fórmula da Pixar ainda encanta, mas sua reputação foi construída também com base em inovação — algo que seus roteiristas e diretores, especialmente Stanton, conhecem bem, mas que têm oferecido em abundância apenas nas menores embalagens.
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