- Cultura 21.maio.2016
Embora repita erros do passado, “X-Men: Apocalipse” trilha um caminho promissor para o futuro
Em um novo capítulo irregular da franquia, Bryan Singer desperdiça parte do potencial de seu elenco estelar
⚠ AVISO: Contém spoilers
“X-Men: Apocalipse” é como uma história em quadrinhos dona de várias qualidades, mas que já foi publicada e lida centenas de vezes. Sem dúvidas, os momentos de maior êxito (e aqui eles existem em porções generosas) valem a experiência de revisitar as dinâmicas conhecidas previamente, mesmo as mais convencionais. Por outro lado, aqueles construídos com menor inspiração e que geram menor envolvimento, embora impressionem pela força de suas imagens, levam o espectador a sonhar com uma maneira de, no cinema, saltar os trechos mais aborrecidos e chegar depressa ao que realmente importa.
A comparação entre dois meios tão distintos é frágil, devemos reconhecer, mas serve para compreender que se trata de um filme um tanto irregular. Nesse sentido, o terceiro capítulo dessa nova trilogia difere do ótimo par de episódios dirigido por Bryan Singer em 2000 e 2003, assemelhando-se mais, em termos de qualidade, ao também errático “Dias de um Futuro Esquecido”, lançado há pouco menos de dois anos.
Desde sua sequência de abertura, “Apocalipse” propõe uma interpretação particular sobre o passado. Valendo-se de uma extensa iconografia, o longa parte da construção das pirâmides do Egito em direção ao ano de 1983 (uma década após os eventos do filme anterior) reinventando alguns dos principais acontecimentos de nossa existência. A crucificação de Jesus Cristo, o mistério em torno do sorriso da Monalisa e os conflitos mundiais do século 20 são, agora, vistos como parte indissociável da história dos mutantes, não mais apenas dos humanos.
Essa mudança na forma de encarar o passado é mesmo o fator mais intrigante da nova trilogia, a despeito de criar confusões quase incontornáveis em suas linhas temporais. Lidando diretamente com o peso da Guerra Fria, “Primeira Classe” pescava referências para imaginar o temor da destruição nuclear sob outro prisma. Por sua vez, a continuação dava um passo além, apresentando retornos no tempo que alteravam o curso de um passado já consolidado e associavam definitivamente os X-Men à própria feitura da história.
Em “Apocalipse”, essa questão ganha proporções ainda maiores. O personagem que dá nome ao filme é uma divindade com poderes jamais vistos que pretende acabar com tudo o que conhecemos para dar início a uma nova era. O perigo é duplo: num só instante do presente, corre-se o risco de perder passado e futuro.
“X-Men: Apocalipse” funciona melhor quando se prende a aspectos e traumas pessoais em vez de se preocupar com discussões amplas e genéricas
É dessa relação com o tempo que derivam os elementos mais impactantes de todo o filme. Felizmente, momentos como a destruição de Auschwitz por Erik/Magneto (Michael Fassbender), um sobrevivente dos campos de concentração, não se prendem somente à enormidade desses ícones históricos. Em larga medida, sua carga emocional é significativa em função dos vínculos estabelecidos entre os personagens — e entre cada um deles e o próprio passado — nos capítulos anteriores.
O caso em questão é emblemático porque afirma, de uma vez por todas, a importância daquilo que já foi vivido para o que ainda está por vir. Apagar a história, mesmo que seus componentes mais traumáticos, significa também abandonar qualquer resquício de humanidade e, inevitavelmente, condenar as gerações futuras.
“Apocalipse” trabalha essa lógica com qualidade, funcionando melhor quando se prende a aspectos e traumas pessoais em vez de se preocupar com discussões mais amplas e genéricas. Autor do roteiro deste filme e de “Dias de um Futuro Esquecido”, Simon Kinberg não consegue se desviar das mesmas inconsistências que acompanham a série desde “Primeira Classe” — apenas para efeito de comparação, “X-Men: O Filme” e “X-Men 2”, assinados por outros roteiristas e também dirigidos por Singer, trabalhavam o desequilíbrio entre seres comuns e superdotados com segurança muito maior.
Tendo à disposição alguns dos atores mais promissores da atual geração, Bryan Singer parece não saber o que fazer com vários deles
Inserida em um universo cinematográfico povoado por dezenas de mutantes e pouquíssimos humanos relevantes, a nova trilogia não é capaz de dimensionar os impactos dos poderes de heróis e vilões no mundo real, ou seja, acaba por retornar às mesmas sequências apocalípticas que praticamente ignoram a existência de criaturas de carne e osso nos espaços que estão sendo destruídos. Este não seria um problema tão grande nesse capítulo quanto em outros filmes do gênero, uma vez que, aqui, tudo é encarado pela perspectiva de um deus que, de fato, não se importa com a humanidade.
No entanto, Kinberg e Singer parecem determinados a traduzir em palavras as consequências das ações dos mutantes, insistindo em abandonar momentaneamente a ação para retornar às salas de comando do governo americano e promover tais explicações. O trecho em que um cientista discursa para oficiais sobre a composição do solo terrestre, por exemplo, é ainda mais tolo e irrelevante do que os mapas animados que resumiam a lógica da disputa entre potências em “Primeira Classe”.
Dentre os fatores problemáticos, incomoda também a maneira irregular como o filme trabalha seu elenco. Tendo à disposição alguns dos atores mais promissores e interessantes da atual geração, o diretor parece não saber o que fazer com vários deles, especialmente os vilões.
A carga emocional é significativa em função dos vínculos estabelecidos entre os personagens — e o próprio passado — nos capítulos anteriores
Oscar Isaac, que desaparece atrás da maquiagem de En Sabah Nur, é o caso mais grave, mas o quarteto que o acompanha também tem parte de seu potencial desperdiçado. Psylocke (Olivia Munn), Anjo (Ben Hardy) e Tempestade (Alexandra Shipp) pouco têm a fazer — e, quando exigidos, pouco fazem além do esperado. Fassbender, por sua vez, surge em duas ou três cenas-chave, mas passa o restante do tempo aquém de suas possibilidades, inclusive na comparação com os capítulos anteriores.
No que diz respeito ao grupo de heróis, a realidade é diferente. O arco percorrido por Raven (Jennifer Lawrence) se torna cada vez mais relevante, acompanhando a ascensão da atriz na própria indústria, e o Professor Xavier de James McAvoy segue como um dos pontos altos da fase mais recente da franquia. Os demais veteranos entre os X-Men são competentes em semelhante medida, sendo Quicksilver (Evan Peters) o único com mais espaço para, outra vez, brilhar individualmente.
Retomando a associação feita no início do texto e a discussão sobre o tempo, é preciso destacar as participações dos novatos na franquia. Tye Sheridan e Sophie Turner impressionam como Scott Summers e Jean Grey nas poucas oportunidades em que se desvencilham da condição de coadjuvantes para assumir maior protagonismo. Se a intenção de “Apocalipse” é de olhar para o futuro, figuras como essas são importantíssimas para, após mais uma série de momentos incômodos e batalhas exaustivas, recuperarmos o fôlego e nos lembrarmos dos reais motivos pelos quais acompanhamos a franquia.
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