- Cultura 15.abr.2016
“Mogli: O Menino Lobo” é tecnologia a serviço de uma aventura à moda antiga
Remake comandado pelo diretor Jon Favreau impressiona pela exuberância visual sem descuidar do sentimento
⚠ AVISO: Pode conter spoilers
Nos últimos anos, após o arco que o levou do sucesso no circuito indie nos anos 90 ao envolvimento em grandes blockbusters nos anos 2000, Jon Favreau tem se especializado em realizar produções convencionais, mas eficientes, voltadas para toda a família. A simplicidade de suas tramas está longe de ser a reinvenção da roda, mas ao menos torna o diretor confortável o suficiente para explorar suas possibilidades visuais e cômicas com maior leveza.
Mesmo os tropeços no meio do caminho, frutos de desacertos de tom e inevitáveis pressões por mais adrenalina, parecem ter ensinado algo ao diretor: sua resposta à escala de “Homem de Ferro 2” e “Cowboys & Aliens” (um fracasso maior até do que suas pretensões) veio na forma de “Chef”, uma dramédia cheia de charme e dona de ótimo ritmo, e agora ganhou novo capítulo com “Mogli: O Menino Lobo”.
Inspirada na obra de Rudyard Kipling e tratada como refilmagem em carne e osso da animação lançada pelos mesmos estúdios Disney em 1967, a versão atual, na verdade, deve tanto a suas criações digitais quanto a original. Dos animais aos rios, do amanhecer ao luar, quase todo o filme é construído digitalmente.
A exceção é o protagonista, interpretado pelo jovem Neel Sethi com bastante esforço, mas resultados mistos. Um paralelo possível seria a interpretação de Suraj Sharma em “As Aventuras de Pi”, ou seja, uma performance que depende da perfeição das companhias em cena, criadas em computador, mas que, não sendo extraordinária, acaba ofuscada pela ambiguidade dessas mesmas imagens. Felizmente, aqui, ao contrário do filme de Ang Lee, a dúvida provocada pelo alto realismo dos animais desaparece de maneira mais natural, evitando distrações.
Ainda no que diz respeito ao desenho animado dos anos sessenta, a estratégia de Favreau parece ser a de resgatar seus traços mais marcantes e envolvê-los em uma embalagem atualizada. É essa a lógica que fundamenta toda uma linhagem recente de remakes e reboots: manter a essência e renovar a aparência sem necessariamente investir na roupagem dark que dominava esse segmento há alguns anos. O saldo até o momento é irregular, mas produtos como a versão de Kenneth Branagh para “Cinderela” antecipam uma ideia do principal problema enfrentado por tais filmes: a preocupação com a exuberância visual frequentemente cria filmes carentes de sentimento.
Em ambos os departamentos, “O Menino Lobo” impressiona. O diretor sabe equilibrar imersão, sensação necessária para que se embarque na aventura de Mogli, e certo grau de desconhecimento, importante para que as surpresas espalhadas pelo roteiro sejam, de fato, surpresas. Durante boa parte das cenas que se passam na mata, por exemplo, a câmera acompanha o herói (e também os animais) de perto, como se trouxesse o espectador para dentro do cenário, mas escondesse dele aquilo que está a dois passos de distância.
“O Menino Lobo” se vale de um desfile de vozes muitíssimo bem pensado
As sequências de ação e calmaria oscilam em termos de relevância e eficiência. Algumas, como o deslizamento de terra da primeira metade e os longos diálogos noturnos (que remetem, com maior seriedade, às lições transmitidas a Simba por Timão e Pumba, em “O Rei Leão”), não se desenvolvem o bastante no texto para justificar sua duração na tela.
Na maior parte do tempo, porém, a abordagem de Favreau é tão econômica quanto o roteiro de Justin Marks — e isso é ótimo. O filme se dedica a conectar, de modo bastante direto, momentos aparentemente isolados. O interesse está na construção de um senso de consequência palpável, urgente: o primeiro ataque do tigre leva à viagem do garoto; o segundo, ao desmembramento de uma família; o terceiro, à separação de dois amigos; e por aí seguimos.
Por um lado, essa estrutura produz vários dos momentos mais potentes do filme, porque dá a eles uma carga anterior e a promessa de impacto nos acontecimentos futuros. É o que acontece com o embate entre duas criaturas na savana, que prepara Mogli para as aparições da cobra Kaa, do urso Balu e do rei Louie. Aqui, “O Menino Lobo” se vale de um desfile de vozes muitíssimo bem pensado, que transita, respectivamente, entre o magnetismo de Scarlett Johansson, a descontração de Bill Murray e a excentricidade de Christopher Walken — além do tom ameaçador de Idris Elba, no papel do tigre Shere Khan.
A confiança é mais na segurança da nostalgia do que na possibilidade de invenção
Essa condução episódica, por outro lado, cobra seu preço e faz com que a trama perca fluidez. Em especial nos momentos em que o filme demanda interações mais próximas, como aquelas entre Mogli e sua alcateia, o protagonista sofre pela falta de expressividade. Mesmo no que diz respeito a alguns trechos memoráveis importados diretamente da animação original, sobretudo os musicais, a confiança é mais na segurança da nostalgia do que na possibilidade de invenção, o que se torna decepcionante frente à proposta como um todo.
De todo modo, o conjunto sabe se apresentar como próprio de seu tempo, no sentido de ser um exercício simples de retorno que busca reproduzir determinadas qualidades do passado com base em parâmetros e demandas atuais. Quando balanceadas, a atualização a partir da tecnologia e a proposta de construir uma aventura familiar à moda antiga, se assim podemos dizer, conseguem se complementar com enorme solidez.
Talvez falte a Favreau e à Disney apenas um desprendimento maior da falsa obrigação de aprofundar os personagens e suas ações. Ao diretor, porque a leveza parece ser o maior trunfo de seus filmes; ao estúdio, porque as reimaginações de seu acervo ainda se preocupam demais em explicitar motivações, um vício que se torna ainda mais irritante no universo da fábula e da fantasia.
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