Monte o filme que você gostaria de assistir
Quando fan-edits disputam espaço com originais
Esse não é um fenômeno novo. Na real, ele sempre existiu mas ficava restrito a clubes de cinema e cinéfilos e grupos de amigos com alguma habilidade técnica para re-dublar e editar filmes. Mas após o advento da internet (acho que a frase mais batida quando se fala de tecnologia), a coisa explodiu. Não só em redublagens no estilo do “Bátima Feira da Fruta” ou na redublagem com atores globais de “O Destino de Miguel” mas em quase tudo o que envolve cinema e a relação do público com essas obras.
Talvez os novos formatos deram mais chances para os diretores refazerem as suas versões dos seus filmes no passado. O DVD deu um fôlego a mais para os filmes, numa qualidade superior a do VHS e com isso, o conteúdo extra começou a pipocar em vários discos. Excluindo a piada que era dizer que Menu Interativo era um feature interessante para quem gosta de cinema, os comentários do diretor e atores, as cenas excluídas, os trailers internacionais e etc faziam a vida dos cinéfilos uma delícia. Era super interessante, para cinéfilos e/ou fãs de alguns filmes específicos, saber mais coisas sobre aquela produção, os bastidores e as decisões do diretor.
Re-edits, geralmente, são baseados em uma insatisfação com o resultado final da obra original
E com isso também apareceram com mais freqüência as versões estendidas e de diretor que haviam sido mudadas antes pelos estúdios por diversos motivos. Nessa leva, vieram pérolas como algumas versões de “Blade Runner” e “Apocalipse Now” que, se não me engano, chegaram até a ir para o cinema também. E por falar em “Apocalipse Now”, uma das suas versões Redux comercializadas em DVD (ou Bluray) vinha com o excelente documentário da produção desse épico chamado “Heart of Darkness”. Com esses relançamentos, alguns diretores como começaram a mudar pequenos detalhes dos seus filmes.
O George Lucas mudou coisas no “Star Wars” como a polêmica cena de Han Solo e Greedo na Cantina, em que Solo atira depois de Greedo para desespero dos fãs. E também Steven Spielberg que alterou a clássica cena de “ET” em que trocou as armas nas mãos dos policiais por walk talkies. Era a maldição desses tempos politicamente corretos com a facilidade de lançamento e softwares de edição digitais. Há muitos outros exemplos e vale olhar essa lista com os 10 melhores re-edits de blockbusters e, surpreendentemente, falam bem até do re-edit do “Demolidor” com o Ben Affleck. E é aí que as coisas começam a ficar interessantes para os cinéfilos.
DVDs e Blurays são mídias com conteúdos digitais. São 1 e 0 e isso em um computador pode ser mexido.
Todo computador com DVD já vinha com um editor de filmes. Embora o foco do Windows Movie Maker fosse vídeos caseiros, muita gente começou a usar para fazer as suas versões dos grandes sucessos do cinema. Seja redublando no melhor estilo Tela Class do “Hermes & Renato” (que nada mais era do que o que já era feito por algumas pessoas mas apresentado em um canal de TV) ou editando filmes para tirar as cenas desagradáveis ou desnecessárias.
Uma das primeiras vítimas que lembro que apareceu na internet foi Phantom Edit em que o editor de filmes, Mike J. Nichols teria reeditado o primeiro filme da prequel de Star Wars, “A Ameaça Fantasma” e removido as cenas com Jar-Jar Binks e outras mudanças que tentavam aproximar o fiasco do primeiro filme a trilogia original. No começo achavam que o editor era o Kevin Smith mas depois descobriram que não tinha sido ele e mesmo assim, durante muito tempo essa lenda continuou. Depois o mesmo editor fez também uma versão de “O Ataque dos Clones” (ou Attack of the Phantom) em que tirou todas cenas de romance entre Anakin e Padmé/Amidala.
A trilogia Star Wars: Sempre em beta?
Mas o interessante é que o próprio George Lucas continuava a mexer nos seus filmes a cada novo formato de lançamento ou data comemorativa. As mudanças iam de melhorias nos efeitos especiais, como na cena da batalha em Hoth ao acréscimo de cenas e mudança da versão de personagens no final de “O Retorno de Jedi” em que colocou o novo Darth Vader, Hayden Christensen no lugar do velhinho (que eu nunca mais vi) que aparecia nas versões originais. Será que isso pode ser considerado como um re-edit? Mas o curioso é que “Star Wars” estava sempre em Beta naquela época mesmo que não assumisse isso. Talvez agora com J.J. Abrams, o George Lucas sossegue e deixe os filmes em paz por um tempo. Ou será que no futuro podemos ter “O Despertar da Força” na versão do George Lucas?
Tecnologia barata + acesso a ferramentas
As câmeras VHS e o Videocassete foram o começo mas quando o computador entrou na jogada, tudo ficou mais fácil. Você não precisava ter uma máquina dedicada para edição para fazer os seus vídeos de brincadeira. Dava para fazer com os softwares nativos e deixar renderizando o vídeo durante a noite enquanto dormia. E a partir daí, parece que virou uma epidemia. Um monte de gente começou a fazer suas versões de filmes e trailers de filmes que mais gostavam e publicar na internet. E o YouTube, Vimeo e Daily Motion se tornaram o quartel general desses vídeos. No começo alguns sites ainda hospedavam os vídeos nos seus servidores mas depois que apareceram os serviços de vídeo online, tudo ficou mais fácil. Só não ficou mais fácil para quem ficava procurando vídeos que burlavam direitos autorais ou propriedade intelectual dos outros.
Eu falo que isso virou uma epidemia porque você pode achar sites como o fanedit.org que é dedicado a re-edits de filmes feitos por fãs. Pode ver no YouTube diversos mashups de trailers como o Road Wars, um mashup de “Star Wars” com “Mad Max” ou a versão do trailer de “O Iluminado” em que ele vira um daqueles dramas agua com açúcar típicos da Sessão da Tarde.
Epidemia de insatisfação?
Geralmente, esses re-edits são baseados em uma insatisfação com o resultado final. Como aconteceu no Phantom Edit e Attack of the Phantom, um fã, insatisfeito com a maneira que aquele filme foi lançado, resolveu fazer a sua versão. Outro exemplo que deixa isso mais claro são as N versões para “O Hobbit” que fizeram com que o filme ficasse mais parecido com o livro de Tolkien e sem triângulo amoroso e outras histórias paralelas que não fazem parte do original e que aparecem com destaque na versão de 9 horas (em 3 filmes) lançada por Peter Jackson.
Teve quem conseguiu fazer versão em 4 horas e meia e teve quem conseguiu fazer em 3 horas. Mas uma das coisas mais legais que vi, foi que um desses editores lançou um média metragem com uma história que está nos filmes do Hobbit e não deveria estar: A Batalha de Dol Guldur. São 43 minutos de cenas que estão nos filmes do Hobbit mas sem nenhum Hobbit. Foco apenas na jornada do Gandalf e etc.
Tem também insatisfação com trailers, teve gente que achou que o primeiro trailer do “Star Wars O Despertar da Força” ficaria melhor com a trilha de “Inception” e colocou no YouTube a sua versão. E as pessoas que não gostaram da música de abertura da segunda temporada de “True Detective” e fizeram as suas versões com outras músicas? Uma busca por isso no YouTube dá a noção da insatisfação das pessoas.
Mas o que os diretores acham disso?
Alguns gostam, outros não. Muitos devem ficar com inveja por que seus contratos as vezes não dão direito ao corte final do filme e ter um fã mexendo nas coisas que você fez pode ser legal ou muito ruim. O diretor fica com a bunda na janela mesmo quando ele não é 100% responsável pelo corte final. Steven Soderbergh queria que esses fan-edits fossem proibidos por lei, mas quer saber o que ele fez esse ano? Re-editou vários clássicos do cinema como “Psicose”, “Um Estranho no Ninho”, “Caçadores da Arca Perdida” cujo re-edit foi deixar o filme em Preto & Branco e até 2001, Uma Odisséia no Espaço que a Warner pediu para ele tirar do ar.
Sabe o Topher Grace? Aquele garoto que fazia o Eric Forman no “That 70’s Show” e que também foi Venom no “Homem-Aranha 3”? Pois é. Ele fez a sua versão da Prequel do “Star Wars” e juntou os 3 filmes em um filme de 85 minutos. Mas ele não ousou colocar online e o máximo que ele faz é mostrar para amigos que visitam a sua casa em screenings privados.
Deixamos de ter apenas críticos de cinema para termos também editores que fazem as suas versões de como aqueles filmes poderiam ser
Deixamos de ter apenas críticos de cinema para termos também editores que fazem as suas versões de como aqueles filmes poderiam ser. Não sei exatamente onde isso pode levar mas uma coisa é certa. Um dia uma versão alternativa pode ser o que vai estimular um diretor(ou estúdio) a lançar algo próximo a essa nova versão ou usar isso como propriedade intelectual do estúdio e pagar o editor por seus serviços.
Ou um dia, uma versão alternativa vai fazer tanto ou mais sucesso que a versão oficial e isso vai balançar a indústria. Uma pena que toda a cultura de conteúdo extra tenha perdido espaço e não migrado para a web com o crescimento dos serviços de streaming. Eu sei que Blurays e DVDs ainda são vendidos mas onde mais os cinéfilos podem ver comentários do diretor se não for pela compra de mídias físicas? Só se fosse uma gambiarra usando a segunda tela mas dificilmente seria tão imersiva.
Assim como o pessoal de Fan-Fiction e de mashups, quem faz essas versões de fan-edit/re-edit também está penando para poder ser visto. Alguns vídeos ficam cada vez menos tempo online. Se aparecer em algum site com mais visibilidade ou começar a ser muito compartilhado nas redes sociais, o trabalho vai cair e quem viu, viu. E quem foi malandro de baixar, terá uma obra rara em seu HD.
Boa parte das leis de copyright em vigor não foram feitas para o que estamos vivendo hoje.
Então se você escreveu uma história usando o universo de “Harry Potter”, “Jogos Vorazes”, “Star Wars” e etc é bem capaz que você receba uma carta de Cease & Desist para tirar aquele conteúdo da internet. Se tiver formato de livro, pior ainda. Com mashup e remixes não autorizados de músicas e filmes a mesma coisa. Mas mesmo com essas dificuldade de manter o trabalho no ar, fica uma dúvida:
Quem vai ser o Danger Mouse dos vídeos?
Danger Mouse é um cara que fez um mashup do album branco dos Beatles e o Black Album do Jay-Z e deu o nome de “The Grey Album”. Por conta do sucesso e dos direitos autorais das músicas envolvidas, esse mashup foi bloqueado em quase todos os sites em que apareceu até ir para as redes P2P e torrents da vida. Mas o que isso fez, na verdade, foi mostrar para o mundo que aquele produtor existia e após isso ele já produziu disco para o Beck, faz parte do Gnarls Barkley, fez disco com o Jack White e por aí vai.
Mas quem poderia ser o Danger Mouse dos filmes? Seria o Neil Blomkamp de “Distrito 9”? Pode ser, mas ele é um cineasta autoral e seu curta que gerou curiosidade a respeito do seu trabalho, “Alive in Joburg” era uma obra sua. Eu lembro de ter lido sobre outras pessoas que foram “descobertas” por seus curtas na internet mas quem fez um remix ou re-edit de algum filme e chamou a atenção da indústria? Não lembro de ninguém. Mas é aquela história de Everything is a remix, né? Se tudo é um remix, a obra autoral também pode contar como remix?
Em tempo, o vídeo de destaque nesse post (lá no topo) foi feito por mim, 6 anos atrás e é um mashup de “Everything In Its Right Place” do Radiohead com cenas de 2001
. Só porque achei que a frase do titulo da música reforçaria a cena da aeromoça guardando a caneta no bolso do passageiro dormindo.
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