- Cultura 24.set.2015
Com imersão visual e sonora, “Evereste” vale mais pela natureza do que pelos personagens
Diretor Baltasar Kormákur retrata com impacto o gigantismo da montanha, mas dilui sua força com didatismo exagerado
⚠ AVISO: Pode conter spoilers
“Evereste” se vale de uma série de recursos muito distintos para contar a história da fracassada expedição de maio de 1996 rumo ao topo da montanha mais alta do planeta. Sob o comando de Baltasar Kormákur, (de longas como “Dose Dupla” e “A Fraude”) o filme luta para se equilibrar entre o drama pessoal de seus personagens, um certo grau de realismo na forma como o monte é retratado e a excitação visual e sonora de um típico projeto de blockbuster. Essa variedade de possibilidades abordadas é seu principal trunfo, mas também o que coloca em risco sua avaliação geral.
O que une todas as figuras em cena é a Adventure Consultants, companhia responsável por organizar e intensificar as tentativas de conquista da montanha nos anos 90. O líder é Rob Hall (Jason Clarke), um sujeito leal e consciente da dificuldade da missão, que deixa para trás a esposa grávida, Jan (Keira Knightley). Além da coordenadora Helen (Emily Blunt), juntam-se a ele no núcleo central os aventureiros Yasuko (Naoko Mori), Weathers (Josh Brolin) e Doug (John Hawkes), muito seguros em seus papéis.
As diferentes personalidades e graus de experiência dos escaladores são logo apresentadas. Enquanto a primeira tem apenas mais um desafio a concluir, os outros dois parecem dispostos a enfrentar riscos maiores do que suas habilidades. Por meio de passagens simples, principalmente por meio de diálogos introdutórios, são explicadas suas origens e estados atuais, bem como as relações pessoais que fornecem a eles motivação extra para retornar em segurança — a disputa de importância entre família e adrenalina é uma constante.
O papel de acompanhar o andamento da escalada é de Krakauer (Michael Kelly), um jornalista intrigado pelas trajetórias dos membros da equipe, mas que jamais se aprofunda na questão essencial: por que desafiar a natureza e chegar ao topo? O repórter parece satisfeito com respostas vagas como “Por que não?”, sem oferecer maior profundidade. No limite, ele representa a própria ideia do longa, que se apropria de uma metáfora bastante simples para tratar o Evereste como um símbolo para os desafios particulares de cada um dos personagens.
Entre o filme-expedição e o filme-desastre, o roteiro se presta a anunciar todos os perigos antes mesmo que a jornada tenha início
Entre o filme-expedição e o filme-desastre, o roteiro se presta a anunciar todos os perigos antes mesmo que a jornada tenha início. Há um didatismo exagerado, sobretudo quando dados técnicos são enunciados em voz alta pelos especialistas. A listagem de possíveis danos causados pela exposição a condições desumanas — de pressão e temperatura, mas também relacionadas a avalanches e tempestades — é proveitosa porque existe como um prenúncio da tragédia, e passo a passo, vemos os escaladores sofrerem na pele os efeitos conhecidos anteriormente. Ainda assim, essa estratégia, que visa conferir maior realismo à trama e justificar cada acidente antes mesmo que ele ocorra, é responsável por diminuir as surpresas, exceção feita a dois acidentes, e tirar um pouco do impacto das já esperadas fatalidades.
O trabalho de câmera deixa explícita a impotência frente à força do obstáculos da natureza, concentrando o foco no aspecto emocional
A forma como Simon Beaufoy e William Nicholson abordam o sofrimento remete, curiosamente, a trabalhos anteriores da dupla de roteiristas. Envolvidos, respectivamente, no desenvolvimento de “127 Horas” e “Invencível”, eles dedicam longos trechos ao elemento da perda, àquilo que seus personagens deixaram para trás. Kormákur reconhece a importância de tais questões, mas se perde no grande número de histórias para contar, investindo em relações menos interessantes em detrimento de outras — o caso mais claro é o de Doug, o mais subaproveitado do grupo (assim como Hawkes, seu talentoso intérprete, o ator mais subutilizado do elenco).
É somente na relação com a indiferença da natureza que o coletivo se fortalece. Ao mesmo tempo objetivo e antagonista, a montanha se constrói como personagem pela maneira como o filme a retrata. Ao lado do fotógrafo Salvatore Totino (de currículo irregular, variando entre o correto “Frost/Nixon” e o problemático “O Código da Vinci”), o diretor utiliza um esquema básico que, por um lado, põe a câmera em movimento e filma à distância nas sequências de ação, em especial quando o Evereste engole os exploradores, explicitando a impotência desses últimos frente à força de seus obstáculos; e, por outro, fixa o olhar nos momentos em que o congelamento e a morte são iminentes, concentrando o foco no aspecto emocional, como em uma espécie de último suspiro.
O grande destaque no que diz respeito à imersão é o trabalho sonoro. Em meio à imensidão branca, são as vozes dos atores que os tornam facilmente identificáveis.
Também em termos visuais, é preciso notar que o uso da tecnologia 3D pouco oferece para produzir um senso de profundidade na audiência. Convertido em pós-produção, o filme não chega a sofrer pelas três dimensões, porque não há, por exemplo, grande escurecimento da imagem, mas os benefícios são quase nulos, o que torna o aparato uma distração desnecessária.
O grande destaque no que diz respeito à imersão é o trabalho sonoro. Os barulhos da natureza e da interferência do homem nela, pelo som do vento e das botas tocando a neve, são capazes de destacar claramente quem são os “invasores” naquele contexto e servem para dimensionar o gigantismo do monte, tornando a experiência ainda mais impactante. Além disso, em meio à imensidão branca, são as vozes dos atores que os tornam facilmente identificáveis.
Essa característica é algo que o filme parece compreender bem, uma vez que isola seus personagens pelo tom ou mesmo o sotaque: exemplos são o texano Weathers, que se impõe pela fala, e a dedicada Helen, que garante alguma serenidade ao se comunicar com o restante da equipe. Ainda, não à toa, o momento mais emocionante do longa é aquele em que Rob fala com seu melhor amigo, Guy (Sam Worthington), e Jan pelo telefone, em uma cena que diz pouco esteticamente, mas que se ergue graças à agonia essencialmente sonora da despedida.
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