- Cultura 24.jul.2015
Com roteiro ofensivo e sem graça, “Pixels” é um desastre sob todos aspectos
De maneira vulgar, Chris Columbus e Adam Sandler desafiam o espectador com um teste de resistência que nenhuma nostalgia é capaz de vencer
⚠ AVISO: Contém spoilers menores
A história de “Pixels” não teve início neste filme desastroso estrelado por um Adam Sandler ainda pior que o habitual e comandado por um Chris Columbus bem abaixo da mediocridade de sua carreira como diretor. O longa-metragem é consequência quase direta de um projeto iniciado cinco anos atrás por Patrick Jean, cineasta responsável pelo simpático curta de mesmo nome, realizado com orçamento de cinco mil dólares. Pouco depois de ver seu trabalho se tornar sucesso na internet, com mais de um milhão de visualizações nas primeiras 24 horas online, o autor decidiu desenvolver a ideia e vendê-la para um grande estúdio de Hollywood.
Seu plano poderia ter funcionado, não tivesse ido parar na Sony e, em seguida, nas mãos de Sandler, também produtor por meio da Happy Madison Productions. O plano inicial era que o próprio Jean ocuparia a cadeira de diretor, mas um aumento na verba gerou a exigência por um nome maior, o que trouxe Columbus para o barco, que já contava com dois roteiristas e antigos parceiros do protagonista, Tim Herlihy e Timothy Downling. O que se vê em tela ao longo de 105 minutos, exceção feita a dois bons momentos, parece ruim o suficiente para apagar qualquer sensação minimamente positiva de “potencial desperdiçado”.
A premissa pode até ser considerada interessante: alienígenas interpretam como declaração de guerra uma fita contendo cenas de crianças jogando videogame enviada pela NASA ao espaço em 1982 e desafiam a raça humana para um combate nos clássicos arcades de décadas atrás.
Em resposta, o presidente dos Estados Unidos, Cooper (Kevin James), convoca os melhores do planeta em jogos como “Pac Man” e “Donkey Kong” — Brenner, Eddie e Ludlow (Adam Sandler, Peter Dinklage e Josh Gad, respectivamente) — para trabalhar ao lado da militar Violet (Michelle Monaghan) com o intuito de salvar a Terra.
A oportunidade de levar tais criaturas ao cinema poderia render bons frutos, sobretudo após a boa incursão de “Detona Ralph” em um universo parecido. Porém, essa perspectiva acaba desperdiçada por uma série sem fim de problemas de roteiro, atuações pouco inspiradas de todo o elenco e efeitos visuais muito aquém das possibilidades. No limite, um trio de fatores ligado à absoluta falta de imaginação que envolve todo o filme.
Sem confiar no público, jogos referenciados na cultura pop ao longo de décadas são explicados nos mínimos detalhes em diálogos redundantes
“Pixels” opera como um samba de uma nota só. Toda a estrutura é sustentada em uma nostalgia que jamais é explorada com maior atenção, resumindo-se a atirar referências seguidas, não necessariamente engraçadas, que levam somente a mais acenos com um passado distante que a produção de algum modo não compreende — os responsáveis parecem não saber o que tornava os antigos videogames tão atrativos e viciantes. Mais surpreendente é perceber que seus próprios personagens são pouco conscientes daquela realidade que supostamente conhecem tão bem. Graças a um texto que não confia no potencial do público, jogos referenciados constantemente na cultura popular ao longo de décadas são explicados nos mínimos detalhes em diálogos redundantes e que sequer exploram seu humor verbal para além de um ou outro trocadilho.
A investida na vulgaridade produz uma enxurrada de abomináveis comentários machistas, homofóbicos e racistas
Conteúdo e foco das piadas são ainda mais limitados, agressivos e gratuitos que nas comédias recentes da turma de Sandler (“Gente Grande” e sua continuação, principalmente). A investida na vulgaridade, que de partida já seria pouco coerente com a aposta na nostalgia como maior fonte de interesse, produz uma enxurrada de comentários abomináveis, em maior ou menor grau machistas, homofóbicos e racistas — algo bem distante da atmosfera leve e familiar prometida e muito mais próximo do que o ator chamou de “mal entendido”, quando nativos americanos abandonaram o set de seu projeto na Netflix, “The Ridiculous Six”, em função da representação estereotipada e ofensiva da cultura Apache. A forma como trata suas personagens femininas é tão grave quanto, havendo espaço para trechos de péssimo gosto que consideram mulheres simples troféus e absurdos de todo tipo.
Nos raros momentos em que tenta fazer o tipo de humor que consagrou Columbus (até com certa ingenuidade, mas com alguma inspiração visual, como nos dois primeiros episódios de “Harry Potter” e, sobretudo, nos longas que ele escreveu, como “Gremlins” e “Os Goonies”), o fracasso surge pela falta de timing e criatividade. Sandler se mostra absolutamente desinteressado, James consegue ser ainda menos engraçado que em seus últimos trabalhos, Dinklage não vai muito além de uma caricatura e Gad encarna a figura do nerd sexualmente reprimido e socialmente deslocado — sinais da dificuldade do filme em carregar consigo qualquer frescor ou imaginação.
Esteticamente, as sequências de aventura são óbvias e se valem pouco do potencial de cores e luzes da transposição de tecnologias distantes tanto no tempo quanto em suas características centrais. As exceções talvez sejam o segmento em que Pac Man é o inimigo, quando o uso da cidade como cenário para o videogame desperta maior atenção, e a disputa com Donkey Kong, finalmente uma recriação inteligente do aspecto tradicional em duas dimensões dos jogos antigos, mas que se perde em meio à ação confusa e filmada sem maior empolgação.
O principal mérito desta cena, já nos últimos instantes de projeção, é conduzir ao fim do filme, quando os créditos finais recriam toda a trama em 8-bit — um resumo que, se somado ao curta-metragem original, resultaria em algo muito mais satisfatório, nostálgico e divertido do que este teste de resistência de uma hora e meia.
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