- Cultura 5.jun.2015
Contrário ao cinismo atual, “Tomorrowland” é um blockbuster imaginativo para toda a família
Brad Bird une seu virtuosismo com a receita básica de Hollywood para imaginar um futuro otimista
⚠ AVISO: Contém spoilers menores
“Tomorrowland: Um Lugar Onde Nada é Impossível”, segundo trabalho de rad Bird em live action após uma carreira de sucesso em longas de animação, com projetos como “O Gigante de Ferro”, “Os Incríveis” e “Ratatouille”, é mais uma demonstração da força do cineasta. Aqui diretor e roteirista, ele volta a explorar certas dinâmicas que funcionaram em prol da ação em “Missão: Impossível – Protocolo Fantasma”, mas agora as direciona para a fantasia, em um filme-família inspirado e bastante imaginativo.
A história é contada por meio de duas vozes principais, Frank Walker (George Clooney) e Casey Newton (Britt Robertson), que representam perspectivas distintas sobre o futuro da humanidade. Ele, nos anos 60 um menino criativo e decidido a criar coisas novas, agora é um sujeito desiludido e pessimista. Ela, ainda jovem, mantém um otimismo incorrigível e crê na possibilidade de salvação da Terra frente a todas as catástrofes causadas pelo homem — ela é, hoje, o que o rapaz era no passado: alguém que decidiu agir e criar em função de uma inquietação por esperar pelas ações dos outros. Em comum, a dupla possui o vínculo com Tomorrowland, uma utopia social e científica que existe em uma dimensão paralela e para a qual as pessoas mais sonhadoras têm sido recrutadas ao longo de décadas como forma de construir/salvar o tal espaço em que tudo é possível.
Olhando diretamente para a câmera já no primeiro plano do filme, Frank conta sua parte da história, partindo desde o momento em que ele, ainda criança, foi convocado. O ato introdutório é interessante por apresentar este universo ao espectador por meio da inovação — o garoto (neste momento, interpretado por Thomas Robinson) foi escolhido após participar de uma feira de invenções em Nova York, em 1964. A sensação é de que a narrativa assume o olhar do personagem, nos conduzindo no processo de descoberta com esse mesmo fascínio infantil, com apenas algumas interrupções pontuais de seu presente pessimista, como choques de realidade que indicam os desafios que ainda devem ser superados. Em seguida, a voz que passa a nos guiar é a de Casey. Na prática, a mudança da narração cria um segundo arco, que se dedica a construir sua personalidade, apresentar sua trama e justificar sua relação com Tomorrowland.
Este processo é realizado com paciência, mas por vezes soa menos econômico do que o necessário, muito embora Frank chegue a pedir para que a garota seja mais breve (porque “Eles [os espectadores daquele relato] não têm todo o tempo do mundo”). Nesse sentido, o roteiro não segue a habitual linha de Bird, que costuma ser capaz conciliar a importância do pano de fundo dos personagens e das origens dos conflitos com o movimento constante em direção à ação — o descompasso que se vê aqui é muito mais próximo do histórico de Damon Lindelof, co-roteirista, mas esta falta de coordenação talvez seja mais uma coincidência do que propriamente uma interferência negativa ou um choque de estilos.
De todo modo, quando se aproxima do momento em que as duas tramas se encontram, “Tomorrowland” se mostra eficaz ao se estruturar de maneira definitiva como uma visita a um parque de diversões temático. Uma vez formadas as bases daquele mundo, o filme se dedica a levar os personagens de atração em atração, desafio em desafio, mantendo o ritmo em alta frequência. Visualmente, os reflexos desta habilidade são claros. Bird investe fortemente no caráter inventivo e idealista da Disney e utiliza o poder dos efeitos especiais para arquitetar seu universo e transmitir suas ideias de necessidade de reinvenção da humanidade — até mesmo os trechos em que se explora a ausência de esperança em um planeta destruído cumprem tal função, como um espaço negativo que precisa ser preenchido com mudança.
A mensagem, muito vinculada às produções clássicas do estúdio e contrária ao cinismo recente de boa parte dos blockbusters de Hollywood, é comunicada por meio de imagens tanto deste colapso quanto de sua alternativa positiva. Deste modo, o filme evita se tornar maçante ao transmitir seu recado de maneira fluida, não somente através de diálogos explicativos sobre a história e o funcionamento de Tomorrowland (principalmente envolvendo a simpática robô Athena, espécie de guia nesta jornada, interpretada por Raffey Cassidy), os perigos da destruição e a importância da preservação, mas também por meio de dicas que permeiam toda a narrativa.
Existe, sob este aspecto, uma série de ligações simples entre a trama e seu embasamento científico/social, sempre acessíveis ao público infanto-juvenil. São os casos da maçã que a garota, de sobrenome Newton, atira para o pai; das menções a inovadores marcantes como Verne, Tesla, Edison e Eiffel; e, mais sutilmente, da ideia de que o espectador passa pelas mesmas provações que Casey, como nos vários momentos em que a câmera assume a condição de primeira pessoa, como se a mudança fosse responsabilidade ainda inevitável.
Performances carismáticas, agilidade na condução da narrativa e fascínio visual garantem a imersão completa no universo construído por Brad Bird
No que diz respeito à trajetória da protagonista, conta negativamente o segmento em que se discute sua posição de “escolhida” — uma questão que é explorada com pouca criatividade e que pouco acrescenta à proposta. Felizmente, ela é logo deixada de lado em prol do movimento, e o filme se vale de todas as construções próprias de seu universo para seguir adiante. Em ampla medida, elementos particulares de Tomorrowland são tratados com atenção e se mostram fundamentais para as interações que o roteiro estabelece. Exemplo é a possibilidade de antever o futuro próximo, uma lógica decisiva que controla tanto a ação quanto os meios para comunicar a mensagem do filme.
No limite, o que torna “Tomorrowland” especial é a união das qualidades de Bird, um diretor tão virtuoso, e dos aspectos mais básicos de um blockbuster de verão tipicamente familiar. As performances carismáticas de seus atores, a agilidade na condução da narrativa, o espaço oferecido para momentos de alívio e humor, o fascínio visual e a imersão completa no universo construído são fatores que, incorporados ao discurso de responsabilidade pelo ambiente que nos cerca, contribuem para que a sensação final seja extremamente positiva.
Comentários
Sua voz importa aqui no B9! Convidamos você a compartilhar suas opiniões e experiências na seção de comentários abaixo. Antes de mergulhar na conversa, por favor, dê uma olhada nas nossas Regras de Conduta para garantir que nosso espaço continue sendo acolhedor e respeitoso para todos.