- Social Media 3.mar.2015
“High Maintenance”, nova série do Vimeo, aborda lifestyle da cannabis nos EUA
Canal investe em OnDemand e conteúdo indie de qualidade
Sedas que imitam ouro, chefs de cozinha dedicados a misturar THC em molhos franceses, críticos de coffee shops, chocolates premium, food trucks e cupcakes de maconha são alguns dos produtos responsáveis por popularizar o lifestyle canábico nos Estados Unidos. Primeiro reflexo da descriminalização da planta no país é a tentativa de tirar a substância da marginalidade e criar produtos ‘diferenciados’ (ou ‘gourmet’ para os paulistanos).
Pegando esta onda está a série americana “High Maintenance”, criada em 2010 e dirigida pelo casal Ben Sinclair e Katja Blichfeld. Apelidada de “Breaking Bud” pelo sucesso que tem feito no último ano, a websérie segue os passos de “The Guy” (papel de Sinclair), ‘o cara’ que entrega maconha delivery de bicicleta pelas ruas do Brooklyn. O roteiro soa como uma produção hipster, mas surpreende ao destacar personagens inspirados em histórias da vida real e seus momentos com a planta, seja para fins medicinais, recreativos ou aleatórios, o que cria um reflexo no mínimo interessante do momento atual no país.
Encontramos o casal para uma entrevista depois de um bate-papo que participaram na Berlinale Talents em fevereiro, espaço do Festival de Berlim dedicado a apoiar e promover a cultura audiovisual. Após uma parceria com o Vimeo que mostra um interesse do canal em investir no OnDemand, a série ganha reconhecimento da ‘grande mídia’ americana.
O futuro da TV indie
A série tem atraído a atenção da mídia em um momento que os EUA vive uma revolução política relacionada a cannabis
Para a New Yorker, os episódios “são sinuosos e humanos, irradiando novas ideias sobre storytelling”. A série ainda teve resenhas positivas na Newsweek, no Buzzfeed, na Rolling Stone e no New York Times. A Time publicou uma matéria dizendo que a produção “é preenchida com personagens culturalmente, economicamente e intelectualmente diversos e fumar não os tornam bobos, irresponsáveis ou cool, só é algo que as pessoas fazem”. O IndieWire acredita que o formato de distribuição “é o futuro da TV indie”.
“High Maintenance” tem atraído a atenção da mídia em um momento que os Estados Unidos vive uma revolução política relacionada a cannabis com a atualização das leis relacionadas a planta em 27 dos seus 50 estados. Existe uma disposição para discutir o assunto, o que mostra que a curadoria do Vimeo fez uma escolha acertada para o momento.
Ambos os criadores concordam que a descriminalização está abrindo as portas para um novo mercado relacionado a este lifestyle, trazendo assim mais espectadores para o programa. “Além do uso geral que está aumentando aos poucos por causa da disponibilidade da substância, também percebemos uma mudança no mercado com um aumento do merchandising relacionado a maconha”, comenta Katja. “Estão surgindo pacotes de férias e até resorts dedicados a este público”, completa Ben.
O comportamento dos usuários na internet, que sempre foi um espaço de inspiração para os roteiros, também mostra suas mudanças. Katja diz:
Se hoje você faz uma busca relacionada a marijuana no Tumblr vem tanta coisa. Na maior parte, pessoas tirando foto com os amigos fumando maconha. Está virando lugar comum. Quando a gente começou a série, em 2010, não imaginávamos que a situação estaria assim hoje em dia. Lembro quando fazia essas mesmas buscas para a série no início, tinha muito menos coisa. E agora existem milhares de ideias e blogs relacionados ao assunto, o que é novo e acho que um reflexo do que está acontecendo culturalmente em nosso país”
Faça você mesmo
A série surgiu como uma oportunidade de exibir o portfólio de Ben, que revezava trabalhos de segurança em baladas e pontas na TV, a uma chance de Katja produzir algo experimental com o marido após uma experiência bem sucedida como diretora de casting de “30 Rock”, o que lhe rendeu um Emmy. Mesmo com o apoio do Vimeo, eles mantém o espírito “faça você mesmo” e fazem malabarismos com o baixo orçamento.
A principal preocupação dos criadores é deixar a planta como coadjuvante
Para criar um episódio, tudo o que precisam é de um esboço de roteiro, amigos dispostos e um apartamento disponível. “Ainda estamos descobrindo como fazer. Precisamos nos organizar melhor, temos muito respeito pela nossa equipe e quando tivemos o primeiro budget para seis episódios desta temporada, era realmente necessário organizar as contas e necessidades”, explica Blichfeld. “É uma mistura híbrida, temos uma atmosfera de trabalho muito livre. Se tivermos um apartamento e acesso a um ator, já podemos gravar uma história. Não precisamos sonhar muito além do que está disponível. É o que tem sido nosso aliado e o que vamos continuar fazendo, porque é o tom do show, naturalista”, diz Ben.
Os episódios que surgiram como esquetes de cinco a sete minutos, hoje chegam até vinte. “Ainda é um experimento. Os episódios longos são novos, tínhamos medo de ouvir algo do tipo: ‘vocês são melhores quando escrevem oito minutos’. Colocamos o medo de lado, fizemos, as pessoas gostaram e esperam que continuemos a fazer mais desses. Estamos descobrindo. Quem sabe o que faremos no futuro?”, questiona a também produtora e atriz. “Temos um personagem dizendo que gostaria de fazer um experimento em Portugal. Por que não fazer um episódio em Portugal?”, completa Ben. Eles acreditam que a série vai na contramão das fórmulas de sucesso das sitcons americanas, o que é uma vantagem.
A maior parte dos shows da América são sobre famílias, existem milhares de shows como estes e é uma prática antiga da TV. Mas estamos descobrindo o nosso jeito.”
A principal preocupação dos criadores é deixar a planta como coadjuvante. “O modo que Seth Rogen retrata maconheiros não é total imprecisa, é um tipo de stoner, mas não é esse o tipo que somos e não são os nossos amigos do dia a dia”, diz Blickfeld. “A maneira como lidamos com a planta é a que vemos nas pessoas, queremos normalizar e desafiar os estereótipos”, comentaram em entrevista à Time. A cannabis usada na série é falsa e feita por amigos cenógrafos, mas o envolvimento de Blichfeld e Sinclair é verdadeiro. A série também é um esforço pessoal dos autores para mostrar que existem pessoas que fumam, trabalham, pagam as contas e têm vidas normais.
Vimeo dando poder aos criadores
Os novos episódios estão disponíveis em até dez línguas, incluindo português do Brasil, e custam entre US$2 e US$8
O investimento do canal em conteúdo original mostra uma tentativa de se aproximar ainda mais do público criativo e de se tornar referência em conteúdo independente de qualidade. Entre os 50 mil títulos disponíveis para alugar ou comprar, estão documentários exibidos em festivais como Sundance e SXSW, vencedores do Oscar como “Act of Killing”, contratos exclusivos de lançamento como “Da Sweet Blood of Jesus”, de Spike Lee, além de filmes, animações, e agora, séries, com a reestreia de “High Maintenance”. Os episódios estão disponíveis em até dez línguas, incluindo português do Brasil, e custam entre US$2 e US$8. A primeira temporada completa está disponível gratuitamente no hepingyoumaintain.com.
Buscando novas formas de parceria e monetização para criadores, no último ano o Vimeo também anunciou uma parceria com a plataforma colaborativa Indiegogo para apoiar projetos audiovisuais. “O Vimeo quer dar poder aos criadores”, disse o CEO Kerry Trainor na ocasião. “Tudo isso é ótimo para nós, porque nossa série não é do tipo tradicional. Todo episódio tem um tamanho diferente, nós não temos as obrigações normais de quem está criando uma série de televisão. Todos os diretores que conhecemos usam o Vimeo para atualizar seu portfolio, eles compartilham os trabalhos uns com os outros neste espaço que é menos generalista que o YouTube”, diz o diretor e protagonista.
O Netflix e a Amazon são mais como a TV tradicional e no meio de tudo isso, entre o conteúdo gerado por usuários e o conteúdo criado pelos canais, está o Vimeo, que foca nos profissionais e no bem feito.”
Uma comunidade entre o amador e o mainstream
Sucesso local, “High Maintenance” recebeu uma proposta do FX, mas perante a burocracia do formato para a TV a cabo, a liberdade da internet foi mais atraente. “Eles colocaram a grana e nos deram direitos incríveis de autoria. Nós realmente somos donos da série, é como estar em uma residência artística”, comemora Ben. “A maior parte das pessoas que está te assinando um cheque quer ver o que você está fazendo, se os roteiros estão em dia, querem opinar no elenco e nos atores e nós não temos nada disso”, completa Katja.
Em HM, a experiência no Vimeo se reflete não só no material que é distribuído, mas no público que assiste. “É interessante porque o Vimeo reúne uma grande comunidade de usuários e é super específico. Se você entra no YouTube e assiste uma série lá, você olha os comentários e é cheio de negatividade, gramática ruim, na maioria das vezes trolls. O Vimeo é orientado pela comunidade e se você vai até a nossa sessão de comentários, tem muitas opiniões construtivas, positivas e encorajadoras sobre o que estamos produzindo e como estamos produzindo. Não é sobre espalhar sentimentos negativos e sim criar diálogos, impressões ou deixar um cumprimento. É bem distintivo.” Para os criadores, o mais importante é entender o meio em que se está criando.
Pessoas criativas têm grandes visões, pelo menos é isso que se vê nas escolas de cinema. Geralmente começam com grandes ideias que não tem recursos para executar. Você precisa observar o que está ao seu redor e fazer, muita gente desiste depois de não conseguir fazer algo grande. Nós mantemos simples e tentamos de novo.”
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