Foxcatcher: Elenco leva o drama adiante e carrega o filme nas costas
Ao contar a trajetória do atleta olímpico Mark Schultz e do milionário John E. DuPont, Bennett Miller intensifica uma de suas maiores virtudes: a direção de atores
[AVISO: Contém spoilers menores]
Em “Foxcatcher: Uma História que Chocou o Mundo”, seu terceiro longa-metragem de ficção, Bennett Miller intensifica uma de suas maiores virtudes – a direção de atores – ao contar parte da trajetória de Mark Schultz, atleta olímpico de luta greco-romana convidado a viver e treinar na fazenda do excêntrico milionário John E. DuPont alguns anos após a conquista da medalha de ouro nos Jogos de Los Angeles, em 1984.
O cineasta, porém, se baseia no roteiro de E. Max Frye e Dan Futterman para construir uma espécie curiosa de drama de elenco e aposta suas fichas em elementos que parecem perdidos em meio à carga emocional dessa jornada.
“Foxcatcher” se configura como um drama de elenco, em que o segundo importa mais que o primeiro
Os primeiros dez minutos de projeção revelam com precisão os principais traços de seu trio principal de personagens – além de Mark e DuPont, é importantíssima a figura de Dave, irmão mais velho e mentor do lutador.
O contato inicial entre os Schultz em cena ocorre em um treinamento para o torneio mundial da categoria, em uma sequência coreografada com brilhantismo, que apresenta um senso de movimento bastante apurado e uma câmera paciente, capaz de valorizar tanto olhares quanto gestos, fatores fundamentais para a compreensão daquele relacionamento.
O momento é indicativo de uma tendência de que Miller se valerá a todo o tempo: a de transferir a carga dramática do filme para as reações de seus atores. Por essa razão, é imprescindível tratar das performances com maior atenção, sobretudo pela constância com que ela se manifesta em tela.
Channing Tatum constrói o protagonista através de traços pontuais, mas significativos: a respiração, o semblante fechado, a postura curvada e a dificuldade em articular pensamentos com maior clareza (mas ao mesmo tempo uma enorme simplicidade de raciocínio) são suas principais características.
Mark Ruffalo, na pele de Dave, é o responsável pela interpretação mais sutil e carregada de nuances, atribuindo uma segunda camada ao que parece ser a história de personagens planificados, que não passam da superfície.
Ele possui alguns dos trejeitos de Mark, como a movimentação a um só tempo firme e um pouco cambaleante, e se distingue dele por sua presença marcante que se dá não pela imposição física, mas por meio de seu caráter fraternal, amadurecido, resoluto. Steve Carell, por sua vez, completa o triângulo no papel de DuPont.
Bennett Miller transfere a carga dramática do filme para as reações de seus atores
De imediato, salta aos olhos o trabalho de maquiagem que serve mais ao propósito de esconder o rosto do ator, talvez para desvincular sua imagem de comediante de uma figura tão detestável e evitar maiores distrações, em vez de conferir a ele semelhança com o homem que o inspirou, um sujeito fisicamente não tão estranho assim.
No limite, Carell parece um estranho dentro do próprio corpo, o que auxilia na composição do personagem, um senhor problemático nas relações com sua mãe (Vanessa Redgrave), sexualidade, riqueza e poder.
O que deriva dessa tríade disfuncional, além de atuações quase que uniformemente interessantes, é a incômoda sensação de que espectador e filme apenas aguardam o momento em que um deles seja tomado por um surto – uma impressão causada mais pela câmera de Miller do que pelos atores. Não há, por exemplo, uma cena em que DuPont não seja visto com tensão, distância e frieza, com o intuito de se criar suspense, o que provoca um esvaziamento do personagem e uma aparente confusão entre complexidade e obscuridade.
Exemplos claros dessa sina que se repete são a celebração doentia do milionário após uma vitória de Mark e o momento em que faz as vezes de treinador para impressionar a mãe – cenas que funcionam para reforçar o caráter absurdo e um tanto ridículo de John, mas que jamais oferecem maior compreensão sobre sua persona ou sobre o contexto em que ele se insere.
Também se sustentam no antagonista as igualmente deslocadas discussões sobre a América, seu declínio e a insegurança dos tempos de Reagan, as quais, mergulhadas em um drama estritamente pessoal, pouco têm a dizer para além de um discurso raso, tão tolo quanto a crença depositada nele pelo lutador.
Em termos de estrutura, é importante notar que o longa não se organiza em capítulos ou divide seus atos com linhas mais firmes. Por mais que haja segmentos bem claros em que apenas dois dos vértices desse triângulo interajam, a narrativa transita devagar, mas naturalmente entre eles, ora se focando no conflito entre os irmãos, ora investindo na relação perturbadora de DuPont e Mark.
A câmera, posicionada à distância, atribui significado à movimentação dos personagens para além até mesmo da arena de luta
Partem dessa organização um tanto fluida alguns dos problemas de ritmo de “Foxcatcher”, mas estes são superados pela ideia de que o filme se faz mais no silêncio e nas demoradas pausas entre uma fala e outra do que no diálogo propriamente dito.
Embora por vezes a câmera grite ou opte por mudanças de foco um tanto novelescas, denunciando certas impressões sobre os personagens e o rumo da trama que talvez funcionassem melhor sem tamanho alarde, a ocupação desse espaço negativo pelas reações dos atores funciona ao longo de todo o projeto.
Ainda em termos visuais, deve-se observar que a já mencionada coreografia das sequências de luta é um dos destaques do longa, auxiliada pelo trabalho do diretor de fotografia Greg Fraiser, que compensa certos enquadramentos excessivamente exclamativos durante os diálogos ao filmar os combates de Mark com enorme segurança.
É interessante, em especial, notar que as provas eliminatórias para as Olimpíadas sejam retratadas com composição similar à dos jogos, sem apostar em triunfalismos ou arroubos de grandiosidade
O filme se faz mais no silêncio e nas demoradas pausas entre uma fala e outra do que no diálogo propriamente dito
A câmera, posicionada à distância, atribui significado à movimentação dos personagens para além até mesmo da arena de luta. Esta percepção aplica-se, por exemplo, à forma como os irmãos Schultz se abraçam logo no início – como se reproduzissem um golpe -, o que tem reflexos em um momento-chave posterior, quando da ruptura entre o protagonista e DuPont e sua reconciliação com Dave – também com um abraço.
O foco no trio principal de personagens e a iminência de uma explosão, embora caminhem juntos e conduzam o filme adiante, geram impactos negativos sobre a meia hora final. O principal acontecimento deste desfecho produz reflexos para além de Mark, Dave e John, mas seu choque, passados segundos da revelação, é minimizado pela baixa importância dada ao seu entorno e pela pouca preocupação em aprofundar certas discussões inicialmente propostas, tais como família, profissão e até mesmo nação.
Assim, “Foxcatcher” se configura como um drama de elenco em que o segundo importa mais que o primeiro – uma prevalência que, mesmo constatada a qualidade das atuações, faria mais sentido se o longa não se ancorasse e dependesse tanto desse impacto narrativo final.
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