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Primeira parte de “Jogos Vorazes: A Esperança” prepara bem o terreno para o capítulo final

Entre temas políticos, Francis Lawrence equilibra fantasia e realismo com competência

por Virgílio Souza

[AVISO: Contém spoilers menores]

O terceiro episódio da franquia “Jogos Vorazes” acerta ao confiar na própria unidade e não utilizar o par inicial de filmes como muleta narrativa, muito embora interações entre personagens e os principais e recorrentes símbolos inevitavelmente dependam de acontecimentos anteriores a este capítulo.

Novamente dirigido por Francis Lawrence, o mesmo de “Em Chamas”, o longa corretamente opta por não investir em flashbacks, de certa forma amenizando a lógica relação de dependência do restante da série e ao mesmo tempo destacando este capítulo no mesmo contexto. Isto ocorre vinculado até mesmo ao desfecho da série, evitando parecer apenas um mero elo entre as partes.

A recorrência de elementos dos primeiros filmes surge não apenas a itens mais evidentes (O Tordo, as rosas brancas, a trança, o fogo, o arco e a flecha), mas também em termos estruturais. Ainda que não exista um torneio propriamente dito para o qual os personagens devam ser preparar, há um longo período concentrado nos eventos imediatamente anteriores ao conflito. Aqui, o posto cabe ao processo de criação das peças de propaganda que buscam estimular o povo de Panem a continuar lutando contra a tirania da Capital.

O filme corretamente opta por não investir em flashbacks, amenizando a lógica relação de dependência do restante da série

Quando se propõe a debater a construção de discurso, apoiado principalmente nas figuras de Plutarch (Philip Seymour Hoffman) e Alma Coin (Julianne Moore), no entanto, o longa tropeça na própria proposta. Se nos dois outros filmes havia a preocupação em transformar Katniss (Jennifer Lawrence) não apenas em uma estrela de reality show, mas em uma vencedora dos Jogos Vorazes, agora é preciso conferir a ela as características de uma liderança revolucionária.

Francis Lawrence (à direita) no set

Francis Lawrence (à direita) no set

Hunger Games

A forma como as ideias são tratadas, porém, aposta de forma exagerada na exposição, inclusive, de seus aspectos mais óbvios – por exemplo, a sugestão de que a garota, ícone popular, precisa transmitir genuinidade para guiar a revolução, ou as falas rasteiras do Presidente Snow sobre legitimidade.

A verborragia contribui muito pouco para a trama, gerando apenas a impressão de que o roteiro de Peter Craig e Danny Strong não confia em sua habilidade de ligar dois pontos próximos de forma mais direta. Há sempre uma “gordura”, um diálogo a mais, que busca explicar até mesmo como os personagens, sobretudo a protagonista, chegaram a determinadas conclusões simples.

Ainda, a iminência do embate é estranhamente abafada pelos diversos obstáculos apresentados à conclusão da campanha que justificaria o sacrifício popular em nome de um bem maior. Há uma série de discussões publicitárias que leva a protagonista a um pequeno tour por Panem:

Primeiro, em sua terra natal, para fazê-la perceber o horror da guerra e das ações da Capital; em seguida, dada sua inabilidade para atuar em estúdio, rumo a um hospital repleto de feridos para que gere empatia e faça transparecer sua “espontaneidade forçada”; e, finalmente, de volta ao 13o Distrito, quando é diretamente atacada pelo inimigo enquanto se preocupa com sua dimensão mais íntima – a segurança da irmã e a condição de Peeta (Josh Hutcherson), mantido refém pelo governo central.

Explorado desde a sequência de abertura do filme, o aspecto psicológico de Katniss é presença constante no longa, mas até o terceiro e último ato – não coincidentemente, o melhor deles – parece não cumprir função significativa para a trama além de pontuar o (evidente) caráter turbulento da situação em que a garota se encontra.

Hunger Games
Explorado desde a sequência de abertura do filme, o aspecto psicológico de Katniss é presença constante no longa

Seus pesadelos indicam pouco, sobretudo quando se sabe que até mesmo vencedores mais experientes dos jogos, como Finnick (Sam Claflin), ainda os têm, e o dilema romântico entre seu parceiro nos jogos e Gale (Liam Hemsworth), em si, pouco se manifesta. O interesse, suas ações sugerem, é maior pela ideia de rapaz em perigo do que por uma atração genuína por um deles – vale notar que sua atenção se volta para o amigo de caça com maior intensidade em apenas dois momentos: quando ele corre perigo em uma missão e quando assume seu sofrimento, reconhecidamente a única forma de despertar sua atenção.

Em termos mais amplos, a perda do senso de urgência presente nos primeiros filmes da série custa caro à narrativa, que abandona a Capital, cuja composição tanto contribuía para a atmosfera da série, para filmar um bunker desinteressante e que, a despeito de severos ataques, parece inabalável.

Nem mesmo seus aspectos metalinguísticos sobrevivem à falta de inspiração, e a presença de uma equipe de filmagem sempre ao redor de Katniss nada mais é que um acessório sem maiores implicações (há uma negociação de expectativas sobre seu discurso, se revolucionário ou somente pessoalmente consternado, mas nada além disso).

O uso da câmera por Jo Willems, numa análise geral mais interessante do que nas agitadas sequências de batalha do primeiro filme (fotografado por Tom Stern) e em certa medida parecidos com seu trabalho no último longa, é também impedido de ir além do habitual pela falta de inspiração.

Hunger Games
A melhora no terceiro ato é significativa e capaz não apenas de preparar o terreno para o próximo filme com seu cliffhanger, mas também de produzir uma fantasia equilibrada

A insistência em enquadrar a protagonista com planos fechados parece seguir a sugestão de Cressida (Natalie Dormer), personagem que atua como espécie de produtora visual, o que faz sentido narrativo, mas desperdiça a oportunidade de se aproveitar dos planos abertos que retratam Katniss em meio à desgraça de Panem. Sua aparente pequenez frente ao universo é mais eficiente para a composição da personagem do que a atenção a detalhes supostamente mais impactantes, como caveiras e crianças feridas, mas é estranhamente relegada ao segundo plano.

O enfoque em aspectos que buscam sintetizar ideias também surge em algumas das metáforas assumidas pelo longa, tais como o corte no rosto de Snow e a fala que se segue (“não deixarei que me vejam sangrar”), revelando uma preocupação maior em sugar reações de seus personagens centrais do que em acompanhar com interesse o desenvolvimento pela trama.

O mesmo vale para a missão para resgatar Peeta e os demais vitoriosos, possivelmente o momento mais bem filmado de toda a produção, que acaba dividindo a atenção com uma tentativa de extrair de Katniss alguma conclusão a respeito, ainda que seja clara sua confusão naquele momento.

A melhora no terceiro ato é significativa e capaz não apenas de preparar o terreno para o próximo filme com seu cliffhanger, mas também de produzir uma fantasia que, apesar de equívocos na condução de determinados temas políticos, se equilibra com competência entre certas doses de realismo e abstração.

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