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“Como Treinar Seu Dragão 2” reforça a maior realização cinematográfica da DreamWorks

Com uma série de decisões corajosas, o estúdio mantém a qualidade estabelecida na primeira aventura de Soluço e Banguela

por Fábio M. Barreto

Uma das perguntas mais recorrentes de leitores e ouvintes dos podcasts dos quais participo é: o que falta à DreamWorks para alcançar a Pixar em qualidade?

A resposta imediata é a universalidade dos temas, porém, isso vem mudando ao longo dos últimos 5 anos, pois essa separação vem diminuindo absurdamente por conta de filmes como “Kung Fu Panda”, “A Lenda dos Guardiões” e, claro, a trilogia “Como Treinar Seu Dragão,” que ostenta o título de melhor realização cinematográfica do estúdio de Jeffrey Katzenberg. Depois de um primeiro filme impressionante, o canadense Dean DeBlois volta à carga repleto de decisões difíceis, reviravoltas audaciosas e mantém a qualidade estabelecida na primeira aventura de Soluço e Banguela.

“Como Treinar Seu Dragão” é uma das principais histórias de crescimento do cinema atual. A trama esconde todos os elementos da jornada do herói, das dificuldades da vida, do conflito familiar, da busca pela identidade, da amizade e da confiança sob a manta do relacionamento de vikings com dragões. Os paralelos sempre foram claros, mas, no segundo filme, a evolução é gritante. Cinco anos no futuro, DeBlois resolveu trazer uma ameaça externa para quebrar o balanço estabelecido por Soluço (Jay Baruchel) e impulsionar seu crescimento.

Diretor e roteirisita Dean DeBlois

Diretor e roteirisita Dean DeBlois

Dragon

“Soluço está testando limites, vagando à procura de respostas, para perguntas que ele nem sabe; ele apenas sabe que precisa procurar”, explica Dean DeBlois, que assina o roteiro e dirige a animação, em entrevista exclusiva ao B9.

“Eles estão ‘independentemente juntos’, por assim dizer. Aquela relação é tão simbólica e pura que, mesmo com as deficiências de cada um, eles encontraram um balanço e um modo de viverem suas vidas sem que a ausência de um limitasse o outro”.

A busca de Soluço ecoa profundamente dentro da DreamWorks. Tanto os protagonistas do último “Shrek” quanto do subestimado “A Lenda dos Guardiões” compartilham da necessidade de encontrar um lugar no mundo, seja transformando a realidade à sua volta ou alterando sua própria percepção de quem é ou o que faz.

É uma espécie de chacoalhão psicológico defendido por Katzenberg, que viveu sua cota de reinvenções pessoais e profissionais antes de ver a DreamWorks brilhar. E, claro, reflete inevitavelmente a necessidade de uma geração norte-americana norteada pelo trivial e óbvio no quesito heróis e heroínas modernos.

“Como Treinar Seu Dragão” é uma das principais histórias de crescimento do cinema atual

Ele se encaixa perfeitamente por atingir diversos públicos e, além de tudo, ter um dos aliados mais charmosos do cinema de animação. O dragão Banguela – criados por uma equipe apaixonada por cachorros, gatos e cavalos – mistura grandes qualidades de animais companheiros, tem personalidade humana e jornada própria, além de homenagear Hayao Miyasaki com uma referência a Totoro. Esse é um dos grandes diferenciais dessa franquia: Banguela é co-protagonista, mesmo sem dizer uma palavra.

Dragon

Dragon

Essa dinâmica permite que Soluço viva o drama familiar sem que a história fique arrastada, afinal, Banguela aparece para manter o bom ritmo. Numa das mais belas cenas do primeiro ato, a dupla promove um voo fantástico, cheio de significado e riscos que vão ameaçar a segurança dos personagens ao longo da trama.

Há liberdade por todos os lados e ela, inevitavelmente, provoca a discussão sobre controle, escolhas e força de vontade. É fácil ser livre, mas quais são as consequências das decisões unilaterais, por mais bem intencionadas que possam ser? Ação e reação andam juntas em “Como Treinar Seu Dragão 2” e daí vem o grande amadurecimento do texto do apaixonado DeBlois, um diretor extremamente efetivo em momentos dramáticos e grandioso quando necessário.

Família (SPOILERS! a partir desse ponto)

Como mostrado em vários trailers e comerciais, um dos grandes momentos é o reencontro de Soluço com sua mãe, Valka, que todos davam como morta há 20 anos. Cate Blanchet foi uma bela adição ao elenco e, mesmo distantes fisicamente, o dueto com Gerard Butler é irresistível.

O reencontro do casal é maravilhoso, tocante e dirigido com uma delicadeza ímpar, tão impactante quanto o aperto de mão dos bonecos em direção à fornalha em “Toy Story 3”. “Pensei em como me comportaria nessa situação, escrevi várias opções; usei a que mais me emocionou”, comenta DeBlois, que conseguiu inserir uma micro-história de amor eterno dentro do filme. “Muitos de nós nunca deixam a adolescência; quero sempre me apaixonar desse jeito, sempre que tiver uma chance ou uma razão”.

Obama zoeirão no set da DreamWorks

Obama zoeirão no set da DreamWorks

Dragon

O resultado é a reformação do núcleo familiar, com Soluço, Stoick e Valka. Seria simples e confortável apostar nisso, afinal, Stoick é a força bruta e a aventura, Valka é a sensibilidade e o carinho pelos dragões e Soluço fica no meio, aproveitdo o melhor de dois mundos. Mas é hora de amadurecer e como estamos falando da jornada do herói, o bastão precisa ser passado para a nova geração. Curiosamente, Stoick passa parte do filme tentando transformar Soluço no Chefe de Burke, mas ele recusa.

A transição acontece quer ele queira, quer não.

E aí a coragem de “Como Treinar Seu Dragão 2” surge como muito mais força que seu vilão, em boa atuação de Djimon Honsou – uma das pessoas mais belas e intensas que já pisaram nesse planeta. DeBlois forçou o rito de passagem de Soluço por meio do sacrifício supremo. Cada um entende a cena como pode: pais e mães sabem que se sacrificariam pelos filhos, filhos encaram seus pais como super-heróis, sempre prontos para o salvamento. Essa morte cai com a força do martelo de Thor e o ódio de Odin na história, com direito a um funeral épico e tocante.

Esse rompante de decisões difíceis é plenamente justificado e mostra a razão dessa franquia ser tão relevante. Ela emula a vida, respeita o passado e mostra o futuro como uma gigantesca porta aberta que cabe a cada um atravessar por meio das próprias realizações. E não há mensagem mais direta que o desfecho da história, com Banguela se transformando num Rei entre os dragões, enquanto Soluço assume sua própria liderança.

Soluço e Banguela já perderam muito em dois filmes, mas ganharam muito mais. O terceiro capítulo vai testá-los pela última vez, sabe-se lá a qual custo. Mas, com dois acertos, só é possível esperar uma conclusão fantástica para “Como Treinar Seu Dragão”! O tema é eterno. A execução é primorosa. E é bom saber que as próximas gerações terão um exemplo tão fantástico a seguir.

—————-
Fábio M. Barreto é cineasta, autor de “Filhos do Fim do Mundo” e visitou a DreamWorks

para a realização dessa matéria.

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