“Nebraska”: A observação do homem comum de Alexander Payne
Mais um passo sólido na carreira do diretor, um dos grandes contadores de história da geração atual
A temática de “Nebraska”, dirigido por Alexander Payne (“Os Descendentes”) chama atenção em vários pontos. Logo de cara, uma câmera distante espera a chegada do senil Woody (Bruce Dern, em trabalho indicado ao Oscar de Melhor Ator), caminhando em direção a um prêmio inexistente, noutro estado. Isso define tanto o estilo escolhido por Payne, quanto pelo roteiro de Bob Nelson: ser observador.
Não há esforços para mergulhar nas ações dos personagens ou ser co-protagonista da narrativa, o lugar do espectador é na poltrona, descobrindo uma das milhares de histórias do dia-a-dia dos Estados Unidos. E ela é monótona, sem propósito, tediosa. Entretanto não diminui a vida daquelas pessoas. Conhecê-las vale a pena, assim como sentir por elas.
O roteiro se passa na vastidão parcamente habitada do meio-oeste norte-americano (os personagens fazem uma peregrinação de Montana ao Nebrasca). Lá os sonhos são outros, ninguém almeja as luzes de Los Angeles nem a modernidade de Nova Iorque. A vida simplesmente acontece, naquele ritmo que todos conhecemos. Devagar e sempre. Às vezes, sem levar a lugar algum. E é nesse ponto que a jornada senil de Woody ganha sentido, pois ver um homem incapaz de tomar decisões, acometido por constantes lapsos de memória, tão decido a alcançar algo inexistente, levanta a pergunta: por que?
Tudo isso é construído enquanto conhecemos a família Grant, repleta de exemplos clássicos do baby boomers – machos-alfa e mulheres submissas. Não importa o que tenham feito da vida, nem quanto dinheiro tenham, todos vão parar na frente a tevê, devidamente abastecidos com cerveja, e, silenciosamente, assistir ao beiseból. Relembrar frivolidades. Literalmente, ver o tempo passar. Esperando a próxima obrigação que vai tirá-los do lugar, que vai força-los a deixar o templo.
É um contraponto a praticamente tudo que Hollywood produz, a sempre criar histórias com ritmo acelerado, em momentos de transformação na vida de personagens em ascensão ou um veterano buscando redenção. Woody não quer nada disso. Ele quer fazer algo mais simples: quer deixar algo para os filhos; ter um legado, que nunca foi capaz de construir. Talvez por isso a escolha do preto e branco, no qual quase nada se destaca e ações internas valem mais que as escolhas exteriores. A fotografia em preto e branco também foi indicada ao Oscar.
Ele é o resultado da vida daquele sujeito que sempre fez o suficiente para aguentar até o próximo mês. No caso dele, com um agravante por ser um sujeito caridoso e facilmente enrolado. Mas onde está Will Forte, o MacGrubber do Saturday Night Live? David está ao lado do pai. Não há o conflito de gerações. Ele é o guardião, ou melhor, o único guardião disposto a acompanhar Woody em seu devaneio.
Sujeito pacato, trabalha numa loja de eletrônicos, não consegue segurar a namorada por ser incapaz de agir, de tomar decisões. Testemunhar a loucura do pai, ao surto familiar quando todos tentar tirar um pouco de dinheiro de uma fortuna inexistente, e todos os sonhos depositados no veterano serve como alerta. Aquele é o futuro dele, caso continue passivo. E o preço é alto demais.
Payne resistiu à tentação de explorar as maravilhas de Montana e tudo é mais íntimo. A jornada é pessoal.
Vez por outra, comediantes resolvem testar os limites e tentar mostrar ao mundo que são, de fato, atores. Foi assim que, por exemplo, Jim Carrey deslumbrou em “O Show de Truman” e “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças” e Robin Williams transformou vidas com “Sociedade dos Poetas Mortos”. Forte é uma nova surpresa em “Nebraska”.
Will Forte trabalha de forma contida, mas cheia de bondade e sinceridade. O meio-oeste costuma criar homens duros, um tanto insensíveis. Ele resiste pelo amor e respeito ao pai. Surpreende justamente por parecer real, sem exageros; no fim das contas, o homem por trás das caretas do SNL consegue chamar a atenção por quem é. Mais um entre tantos sujeitos que nunca romperam as fronteiras do lugar onde cresceu. Isso não o incomoda; viver sozinho e terminar abandonado sim.
A dobradinha Forte/Dern funciona bem e a história ganha credibilidade. Quando a conclusão tão divertida quanto emotiva chega, ele volta a sorrir; volta a ser criança, ao ver o pai realizando um sonho tardio, ao, mesmo que artificialmente, encontrar algo para se orgulhar. E ser feliz.
O filme é cheio de alertas, cheio de provocações e cheio de tempo. A edição novamente acertada de Kevin Tent deixa tudo acontecer e leva o longa à beira do tédio, mas nunca chegando lá. Payne resistiu à tentação de explorar as maravilhas de Montana e tudo é mais íntimo, se os personagens não estão no lugar, ele não importa. A jornada é pessoal.
“Nebraska” é um dos melhores filmes do ano. Concorre ao Oscar, embora sem favoritismo.
Precisamos gostar de Woody e de David, cujas histórias parecem ser mais conhecidas pelos outros personagens do que por eles mesmos. Aí surge um dos grandes destaques: June Squibb, no papel da mãe desbocada e porra louca. Ela quebra o marasmo, energiza todas as cenas em que aparece e promove as melhores piadas do filme e também foi indicada ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante.
“Nebraska” é um dos melhores filmes do ano. Concorre ao Oscar de Melhor Filme, embora sem favoritismo. Ele marca mais um passo sólido na carreira de Alexander Payne, também indicado a Melhor Diretor, um dos grandes contadores de história da geração atual.
Ele é efetivo, simples, se dedica ao homem comum (mesmo com a fortuna, o protagonista de “Os Descendentes” tem dramas de gente normal), ao que nos torna humanos e sabe bem como navegar no meio de tanta angústia, mesquinharia, sonhos… e morte. Viver bem, ou melhor… apenas viver é a lição constante do diretor.
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Fábio M. Barreto é jornalista, autor da ficção “Filhos do Fim do Mundo”
e sonha em se aposentar em Montana!
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