O Lobo Mau de Wall Street
Scorsese + DiCaprio + Wall Street: alucinação na tela, exageros na vida real e o esforço épico de um grande diretor para salvar uma história desinteressante em “O Lobo de Wall Street”
Há uma linha clara guiando a maioria dos indicados a Melhor Filme no Oscar: os roteiros têm caráter transformador e provocador. A única exceção é “O Lobo de Wall Street” (The Wolf of Wall Street, 2013), escrito por Terence Winter, de “The Sopranos” e “Boardwalk Empire”, que optou por um retrato de um sujeito desprezível, sem grandes arcos dramáticos ou envolvimento emocional do espectador com a história. Entretanto isso não impede que Martin Scorsese e Leonardo DiCaprio deem mais um show de cinema, mantendo um ritmo quase frenético por 3 horas de exibição.
A sensação contraditória é inevitável, pois a história é absolutamente previsível desde o primeiro momento e a persona de Jordan Belfort, o empresário picareta que constrói um império vendendo ações em Wall Street, se transforma rapidamente num catalizador para piadas físicas, humor à la Jack Ass e um ego do tamanho do mundo.
Ele é o vilão, logo, não faz nada digno de identificação ou piedade; só é herói para ele mesmo. Um sujeito que ultrapassa os limites da ganância em prol do sentimento de invulnerabilidade criado pela fortuna. Pronto. É isso. Mas, ao mesmo tempo, é impossível tirar os olhos de DiCaprio – e das beldades que o cercam ao longo do filme – e aguardar pelo próximo movimento de câmera maluco de Scorsese, que brincou bastante com pontos de vista (talvez um reflexo de Hugo? Leia mais aqui) e se portou quase como um analista do personagem.
Belfort incorpora o asco aos operadores de Wall Street, ainda mal vistos desde a última crise, e tinha potencial para permitir uma análise desse mercado, das más práticas e da reação do público a eles.
Terence Winter preferiu ignorar tudo isso e manter o roteiro focado apenas nas realizações, exageros e surtos comportamentais regados por quilos de cocaína e inúmeros comprimidos de quaalude (banidos depois da década de 80).
Ele também mostra o lado negro do “self-made man”, já que conseguiu sua fortuna por esforço próprio, mas apoiado no desespero alheio. Incapaz de manter o zíper fechado, mesmo casado com uma deusa, ele vive ao bel prazer do abuso, da falta de limites e da imbecilidade concentrada. Para descobrir tudo isso, não é preciso mais que meia hora de filme, pois ele é escancarado.
Não há camadas, não há sub-tons na vida de Belfort. Não há nada a ser descoberto. O que resta? Leonardo DiCaprio alucinando em cena. Transformando discursos motivacionais dentro da empresa em momentos de atuação suprema, envolvendo, quebrando tudo. As palavras pouco importavam perante um ator disposto a tudo para fazer o espectador acreditar na babaquice inigualável de seu personagem.
Martin Scorsese e Leonardo DiCaprio dão mais um show de cinema, mantendo um ritmo quase frenético por 3 horas de exibição.
A lavagem cerebral dos funcionários acontecia com razão, afinal, todo mundo queria dirigir a Ferrari de “Miami Vice”; era o sonho americano às avessas. Scorsese foi sábio ao escolher no exagero (tanto da atuação quanto do uso da baixaria) sua melhor arma, pois ele é o único elemento capaz de dar alguma razão para uma jornada tão desestimulante.
O festival de nudez, sexo, sacanagem e comportamento imbecilóide permeia o filme, com direito a um ator de suporte abaixar as calças no meio de uma festa e resolver se masturbar ao ver uma mulher estonteante. Rir ou sentir nojo fica a critério do espectador, mas esse é o tom definido pelos exageros relatados no livro auto-biográfico de Belfort e mantidos no filme. Esse ponto criou muitas comparações com “Scarface”, mas elas caem por terra ao se assistir ao filme, afinal, Tony Montana é um titã da maldade perto do carente Belfort.
O festival de nudez, sexo, sacanagem e comportamento imbecilóide permeia o filme
Seria fácil imaginá-lo como um retrato do homem capitalista, mas, mesmo dentre eles, o personagem é exceção à regra. Destrói o casamento sem perceber – talvez num dos poucos erros de Scorsese, ao ignorar a construção de um arco dramático para mostrar essa derrocada – e se cerca por adoradores que pensam da mesma maneira. Esse é, de fato, o roteiro mais fraco entre os concorrente à estatueta.
Num dos excessos, durante os primeiros estágios da overdose de uma dose cavalar de pílulas, DiCaprio desaba e precisa se arrastar – literalmente – até o carro para evitar que o FBI escute ligações telefônicas comprometedoras.
O resultado poderia ser triste e até desesperador, mas é apenas hilariante, pois rir é a única opção. A cena coroa o trabalho de DiCaprio, que enfrenta páreo duro no Oscar. E também define o filme: veja como o homem a quem você confia seu dinheiro é problemático.
Scorsese trabalha bastante as cores e os filtros para estilizar bons momentos do filme, transforma o ambiente a seu favor, dá um show de técnica e mostra sua competência usual. Mas sem surpreender, como fez nos recentes “Hugo” ou “Ilha do Medo”. Muitas escolhas remetem a “Os Bons Companheiros”, por exemplo, sem garantir nenhuma cena genuinamente antológica.
Para complicar um pouco a situação, erros crassos na edição e no som comprometem os poucos bons diálogos do filme. É um bom filme? Claro. E deve ser visto. Entretanto está distante do Scorsese criativo e desbravador que sempre nos contou histórias irresistíveis. Dessa vez, o verdadeiro teste está no seu senso de humor.
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Fábio M. Barreto é correspondente em Los Angeles, está torcendo por DiCaprio no Oscar e escreveu o romance “Filhos do Fim do Mundo”
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