Do Paranormal para o Terror
Conversamos com o diretor Christopher Landon para entender a transição do fenômeno de bilheteria “Atividade Paranormal”
Tudo começou com “A Bruxa de Blair”, mas os filmes de “found footage” (vídeos pessoais encontrados depois que alguma desgraça aconteceu com o dono original) sobreviveram às décadas, fizeram fortunas e, inevitavelmente, como tudo que dá dinheiro em Hollywood, franquias. O caso mais recente é “Atividade Paranormal”, feito com orçamento mínimo e dono de bilheterias astronômicas ao redor do mundo.
Entretanto, depois de 4 filmes, o formato se desgastou e os sustos, originalmente já forçados, foram perdendo efeito e a saída foi tentar fazer algo ao qual a série nunca se propôs: ser um filme de terror decente. Essa é a premissa comercial de “Atividade Paranormal: Marcados pelo Mal” (Paranormal Activity: The Marked Ones), dirigida pelo roteirista mais prolífico da série, Christopher Landon.
Primeiro, uma curiosidade totalmente alheia ao assunto: o diretor é filho de Michael Landon, o “Homem que Veio do Céu”, lembra dele? Pois bem, Christopher cresceu ligado ao entretenimento e, claro, resolveu seguir essa vida. Landon saiu direto da faculdade de cinema (que não terminou!) para escrever roteiros e logo teve sucesso com “Paranóia” (Disturbia). Aliado à fama do nome, e o acesso a muitos conhecidos no meio, começou a fazer filmes na base do favor, dos equipamentos emprestados e de orçamento quase inexistente.
Inevitavelmente, esbarrou em “Atividade Paranormal” e escreveu os roteiros dos filmes 2, 3 e 4. “Tínhamos modos bem similares de ver esse gênero, então todo mundo sabia qual era o objetivo e o que funcionava para esse público”, comenta Christopher Landon, em entrevista exclusiva ao B9, em Los Angeles.
“Uma das coisas mais únicas sobre essa série é o fato dela ter criado um espectador específico, que vai ao cinema para levar aquele susto, para participar de algo diferente dos demais filmes. Temos que entregar isso a eles, é uma troca justa”.
Mas algo mais precisava ser feito, pois a repetição começou a afetar o desenvolvimento e, a cada novo filme, o público precisava ser reconquistado, afinal, as pessoas tendem a crescer mais rápido do que os filmes e se distanciavam dessa demanda específica. “Fazer um filme de terror foi consequência direta, creio”, explica Landon, fruto claro do ambiente no qual escolheu viver. “Se temos um público que quer ser assustado, por que não explorar outros formatos? Aumentar a carga dramática e, sem tirar as características da série (found footage, câmera na mão), dar algo diferente a eles? Foi isso que fizemos”.
“Atividade Paranormal: Marcados pelo Mal” mistura elementos do catolicismo forte entre latinos na Califórnia, magia negra e conceitos demoníacos para forjar a história de jovens varões marcados para se tornaram soldados do capeta, ou algo assim. O resultado final é um filme de terror fraco, mas com ótimos momentos de humor graças à estupidez e falta de noção dos dois jovens co-protagonistas, e repleto das mecânicas e práticas da série: câmera na mão, longas tomadas sem nada acontecendo, sustos gratuitos e a tentativa de projetar vida real na tela.
O resultado final é um filme de terror fraco, mas com ótimos momentos de humor graças à estupidez e falta de noção dos dois jovens co-protagonistas
“A primeira coisa que dizemos a todos os membros da equipe técnica, quando chegam à franquia, é: esqueça tudo que você aprendeu na escola de cinema. Aqui as coisas precisam ser feitas de um modo específico, ou não funciona”, explica Landon, mencionando a demanda por novas soluções para iluminação, movimentos de câmera e a criação da estética da câmera na mão; que, aparentemente, é carregada pelo ator, mas está a cargo de um operador. Tudo é minuciosamente planejado. “Assim como os ilusionistas, temos que distrair o espectador e fazê-lo acreditar em tudo que vê”.
Nesse caso, a ilusão é feita por boas trocas de ponto de vista – uma câmera portátil é utilizada como ótica da narrativa; começa com um dos protagonistas, depois passa para o melhor amigo – e muitos efeitos especiais mais fabulosos que nos filmes anteriores. “Fizemos uma mescla de super-herói com poderes satânicos e pudemos brincar com isso no primeiro ato, encontrar um humor físico pronto para os jovens e que justificou a parte mais dramática na conclusão”, justifica. Na grande perseguição final, a produção não poupou jogo de câmeras, sustos, efeitos, tiros, correria e uma interessante montagem que mascara dois cortes, dando a impressão de um plano sequência alucinante.
Como Landon diz, esse filme é quase um gênero à parte. Com suas regras e referências. Enquanto demais cineastas buscam inspiração em grandes mestres, clássicos e referenciam filmes da infância, Landon vai para outro lado.
“Sou o cara que fica fazendo buscas bizarras no YouTube durante a noite. Gosto de ver o que afeta essa nova geração, o que faz sentido para eles, o que os faz rir e sentir pena. Outro dia pesquisei ‘velhinhas caindo no banheiro’; e qual a surpresa ao ver que existem milhares de vídeos com esse tema?”.
Toda a estética e a linguagem – com vasto uso da câmera GoPro – de “Marcados pelo Mal” foi criada sob esse ponto de vista. É o público definindo o formato e a estrutura do produto, não o contrário; em mais um capítulo da tendência comercial da última década. Ao lotar cinemas, e comprar mais livros, os adolescentes – e suas práticas – transformaram o modo de se pensar vários aspectos da comunicação. Para bem ou mal, não se sabe, mas a influência é clara. Landon discorda: “O vídeo moderno fez nosso jeito de pensar mudar, somos os próprios diretores, mostramos o que é relevante, sem ficar brincando com truques de câmera. Ver esse material mostra como o sujeito comum vê o mundo. Ao levar essa estética para a tela, me vejo respeitando as escolhas dele”.
A reportagem do B9 teve a oportunidade de assistir à famigerada exibição cheia de fãs da franquia, que é filmada no escuro para gerar aquelas propagandas com o pessoal gritando e se assustando com os “momentos boo!”. Distante da realidade das cabines de imprensa, nas quais celulares são apreendidos e guardas com detectores de metal revistam os convidados, dessa vez, um DJ que falava em espanhol, anunciou que poderíamos usar o Facebook e o Twitter durante a exibição. Mas pedia apenas que ninguém revelasse o final (nem um pouco surpreendente).
É o público definindo o formato e a estrutura do produto, não o contrário; em mais um capítulo da tendência comercial da última década
As pessoas entravam no espírito, se acotovelavam por camisetas promocionais, um show bizarro. Os gritos dos mais envolvidos estavam em contraponto direto com duas pessoas, mais velhas (mas não passavam dos 40), que dormiam solenemente durante a seção. Na saída, os atores principais lutavam para tirar fotos com os fãs que conquistaram minutos antes. É o cinema espetáculo na melhor forma.
Antes de sair, a mocinha da boca de urna se aproximou com uma folha cheia de rabiscos e palavras-chave. Critiquei. Ela fez de conta que anotou (sem encostar a caneta no papel). Eu fiz de conta que acreditei. O circo continuou.
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Fábio M. Barreto
gostou da entrevista com Christopher Landon, mas sofreu assistindo ao filme.
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