A continuação do shooter top-down “Hotline Miami”, intitulada “Wrong Number”, promete dar continuidade ao estilo gráfico criado pelo estúdio Dennaton Games. A companhia responsável pelo título é formada pela dupla Jonatan Söderström e Dennis Wedin, com a presença de nomes igualmente independentes na trilha sonora, como os sintetizadores pesados e com fundo 8-bits da M.O.O.N e o som experimental do Sun Araw. A inspiração veio direto do gênero neo-noire e é praticamente uma tradução do estilo para o ambiente virtual – o jogo, inclusive, homenageia o longa “Drive”, de Nicolas Winding Refn.
Violência é um dos elementos mais prevalecentes nas ferramentas de movimentação de enredo do jogo. Uma quantidade inexplicável de corpos caídos no chão em cada cenário, além de uma história brutal, são algumas das constantes. A sequência, como esperado, dá continuidade ao subgênero de violência ultra explicita. Em um dos momentos do jogo, de acordo com uma prévia feita pelo PC Gamer, uma personagem é atacada e um estupro é insinuado logo após – sendo interrompido antes do ato. O artigo, escrito por Cara Ellison, resume a cena em um de seus trechos: “O jogo tomou o controle de mim e meu personagem, o Porco Açougueiro, prensa a garota e baixa suas calças“.
Assim como filmes e livros flertam com a barreira dos temas quase insuportáveis, os jogos também possuem seu próprio espaço para sensações não bem-vindas
Fica entendido logo após a sequência que a cena faz parte de um filme fictício criado dentro do universo do jogo, com um diretor indicando o final das filmagens logo após o ocorrido – é possível assistir o trecho específico de “Hotline Miami 2”, na íntegra, neste link. O diretor exclama: “Homem Porco, muito bom, mas acredito que você precisa ser mais bruto. E você aí, loirinha, trabalhe sua feminilidade. Aja de maneira mais desesperada e assustada. Você sabe, mais menina“. Ellison interpretou o ataque como uma violência exagerada, que ultrapassa a linha do bom gosto e adiciona toques de glamour a um crime que não deveria ser retratado tão deliberadamente. A autora se sentiu “traída” ao perder o controle do protagonista, um suposto psicopata de mentirinha, e encarnar não só um assassino, como um estuprador.
Talvez, o que “Hotline Miami 2” tente fazer é um pouquinho do que precisamos a mais nos âmbitos menos visitados dos jogos
A opinião de Ellison ecoou em outras partes da indústria: Sean Duncan, um professor e pesquisador de games da faculdade de Indiana, constou em seu Twitter que ficou enojado com o jogo. Ed Fear, designer do estúdio inglês Mediatonic, espera retratações da equipe da Dennaton após as reações da mídia – o que, até agora, ainda não ocorreu.
Erik Kain, contribuidor da Forbes, enxergou a cena como uma provocação dos desenvolvedores, como se eles levantassem a questão (hipótese não descartada por Ellison em sua matéria) por trás do conforto na hora de matar mocinhos malvados em 8-bits. Kain diz que, ao contrário dos diversos personagens que assassinam o protagonista sem hesitar, a garota na cena do estupro não vai revidar as investidas. Estendendo o argumento, ao tirar o controle não só do jogador, mas também não permitindo outras opções para a moça, é como se ela nem fizesse parte da mecânica. A cena existe apenas para criar efeito visual e emocional.
Kain levanta um bom ponto durante o artigo, mas ainda assim olha para a construção da cena como se a mesma não fosse necessária. Em um paralelo, é como ver um filme sobre a escravidão e fazer cara feia nas cenas em que o racismo é exacerbado, exagerado ou, em alguns pontos de vistas mais pés no chão, retratado de maneira realista.
Ainda fazendo comparações, “BioShock”, que recentemente também trombou no tema de racismo durante o enredo de “Infinite” e o retratou como personagem secundário, originalmente era uma obra diferente: os planos de Ken Levine envolviam uma história sobre um “desprogramador” contratado por grandes figuras políticas, encarregado de retirar a pessoa de algum estado enxergado como alienação, como relações homossexuais, para então gerar o interesse em assuntos vistos como normais. Uma pitada de política e um chá de polêmica. Logo a ideia foi cancelada e a icônica história sobre governos debaixo d’água foi posta em prática.
Ainda assim, é necessário dar continuidade ao mesmo questionamento: por que não uma história sobre uma figura tão imoral ao ponto de gerar ódio? O que insinuar que homossexuais são alienados causaria dentro do universo do próprio jogo? Como brincar com as reações de quem experimenta o produto?
A resposta, em plena virada de geração, com jogos rotulados com a classificação “18+” e um próprio nicho de mercado, continua a mesma de sempre. Não vende, é arriscado, gera polêmica negativa. A retratação de muitos elementos da sociedade continua sendo pauta , em vista do caráter pedagógico de muitos dos títulos grandes que temos hoje em dia, mas a gama de gêneros, rótulos e plataformas de hoje em dia abre espaço para experiências alternativas.
Talvez, o que “Hotline Miami 2”
tente fazer é um pouquinho do que precisamos a mais nos âmbitos menos visitados dos jogos. As viagens por mundos experimentais nem sempre precisam beirar o extremo do abstracionismo – há espaço para discussões mais sociais, argumentadas de maneira mais impactante.
Levantar a bandeira da falta de senso, mesmo quando o escandaloso e explosivo estupro é apresentado de maneira contextualizada, não é o melhor caminho para abrir portas a enredos mais livres, que vagam por campos ainda inéditos.
Caindo nas comparações que quase nunca se encaixam de maneira apropriada em discussões sobre videogames, vale dizer que, assim como filmes e livros que flertam com a barreira dos temas quase insuportáveis, os jogos também possuem seu próprio espaço para sensações não bem-vindas.
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