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The Newsroom: Convocando uma nova imprensa

por Fábio M. Barreto

Nova série da HBO critica tudo e todos com o roteiro preciso de Aaron Sorkin e atuações maravilhosas de Jeff Daniels e Emily Mortimer. Um paraíso para jornalistas, um pesadelo para conformistas.

Identificação com um personagem é tudo, seja na TV ou no cinema. Todo mundo sabe disso. E, na maioria das vezes, leva tempo para construir uma persona fictícia capaz de arregimentar multidões e alavancar uma nova série. Aaron Sorkin faz isso em quinze minutos em “The Newsroom”, nova série dramática da HBO, estrelada por Jeff Daniels e Emily Mortimer.

Numa mescla de velocidade, situações extremas e diálogos impecáveis, o roteirista de “The West Wing” e “A Rede Social” cria um personagem, critica uma sociedade e define as regras do jogo para um programa que, finalmente, investiga as entranhas do jornalismo norte-americano. A temática pode ser localizada, mas o conteúdo é dos mais abrangentes e efetivos. Há tempos não sentia tanto prazer, e empolgação, ao assistir a uma série, sem exageros.

Como todo nascimento, Will McAvoy não poderia deixar de chegar ao mundo do entretenimento em meio a confusão, dor, intensidade e um alívio gigantesco. Anestesiado pela necessidade de se manter neutro, portanto ineficaz, à frente do principal programa televisivo de uma grande emissora, e sufocado pela derrocada de seu país, o âncora vivido por Jeff Daniels faz aquilo que toda pessoa consciente, indignada e eloquente gostaria de fazer: chuta o pau da barraca em rede nacional e joga um saco de verdades no ventilador da opinião pública.

Finalmente, depois de inúmeras séries sobre advogados e suas falcatruas, policiais e chefes de cozinha, a profissão ganhou espaço.

Nesse momento, ele cruza a fronteira sagrada (ou melhor, utópica) do jornalismo: assumiu ter uma opinião e a defendeu com unhas e dentes, sem pensar nas consequências e na supervalorização desenfreada da opinião pública – especialmente a virtual. Parcialidade no jornalismo não é nenhuma surpresa e sempre existiu e aceitar isso faz parte do jogo. O velho argumento da imparcialidade e uma vida a serviço da notícia é bobagem para aluno de primeiro ano, ou algum deslumbrado que nunca pisou numa redação, e é isso que as grandes emissoras praticam. Um jornalismo parcial, mas maquiado. Eles fingem que são neutros, o espectador finge que acredita. McAvoy quebra essa barreira ao criticar os Estados Unidos abertamente.

Sua crítica, porém, é resultado de uma agonia longeva sentida pelo personagem e vendida de forma maravilhosa por Daniels em menos de dez minutos no episódio piloto. Alguém precisa dizer e todos são covardes demais, tem rabo preso demais ou simplesmente não se importam o suficiente. Criada essa ruptura, Aaron Sorkin coloca seu conhecimento de estrutura dramática, diálogos complexos e relevantes, e das mazelas que afetam esse país em prática. “The Newsroom” é ambientado numa redação jornalística, mas não é uma série sobre jornalistas. É uma série dedicada a analisar quem consome mídia (de forma errada, na maioria das vezes) e como esse público moldou um dos grandes baluartes da liberdade norte-americana. E, acima de tudo, é a continuação inevitável para “The West Wing”.

Ao acompanhar a vida do Presidente Jed Bartlett, Aaron Sorkin expos os dramas do poder, as linhas de raciocino dos governantes e acentuou sua falibilidade, da mesma forma em que elevou suas conquista. Tudo em “The West Wing” era resultado de uma equação social, de uma necessidade coletiva, representada pelas ações dos políticos. Bem, se naquela série vimos os burocratas em seu habitat natural, quem, de fato, mostra os governantes da forma como gostariam de ser vistos (ou são descobertos) no dia a dia? A imprensa.

No Brasil vimos a força da Rede Globo ao mobilizar, e manipular, a população durante o processo de impeachment do ex-presidente Fernando Collor, por exemplo. E são emissoras como a Globo e a CNN e a FOXNews, aqui nos Estados Unidos, que apresentam os políticos ao eleitorado; que criticam ou chancelam suas ações; quem escolhe as perguntas ou os assuntos a serem abordados; quem persegue ou protege cada um deles; que valoriza de mais, ou de menos, um deslize ou frase marcante. Se os personagens de “The West Wing” provocavam a mudança, são os personagens de “The Newsroom” que a levam a público. Logo, são peças do mesmo jogo.
E a combinação é brilhante.

O roteirista Aaron Sorkin

Com atuações inesquecíveis de Jeff Daniels e da inglesa Emily Mortimer, com direito a discurso de arrancar lágrimas sobre a função e a necessidade do jornalismo sério, eficaz e transformador, “The Newsroom” estreou com um ritmo tão alucinado que poderia ter continuado por mais duas horas sem intervalo e não haveria razão para reclamações. A cada segundo, Sorkin critica a apatia social e midiática dos americanos, questiona seus conceitos e tenta abrir os olhos para uma realidade factual: os EUA perderam muito de sua majestade e, assim como os ingleses, começam a perder terreno por viverem do passado e do status quo em vez de desafiarem a mesmice assim como fizeram seus fundadores.

O episódio piloto empolga, determina os personagens com eficácia e inicia o debate.

Um dos maiores exemplos está nas dinâmicas dentro da própria redação. Um produtor executivo mais preocupado em provar sua virilidade do que investigar uma notícia com potencial inegável apenas por obedecer ao sistema de cores (definindo urgência e relevância) do feed de informações, sendo claramente destronado e superado por um jovem pro-ativo, curioso e preparado para improvisar e se aprofundar em algo que precisava ser noticiado. No caso em questão, o primeiro produtor teria passado batido pela explosão da plataforma Deep Horizon, da BP, que despejou milhares de galões de petróleo no Golfo do México e contaminou toda a Louisiana, enquanto o segundo sujeito agarrou a oportunidade com unhas e dentes.

Muito além do conflito de gerações, Sorkin mostra sua própria insatisfação. Portanto, criou um canal criativamente amplo e intimamente ligado ao dia a dia do povo americano. Eles têm verdadeira paixão por seus âncoras, dos quais o saudoso Walter Cronkite ainda é rei, e seguem piamente seus líderes midiáticos, como fazem os republicanos ouvintes do fanático, e alucinado, Rush Limbaugh.

O episódio piloto empolga, determina os personagens com eficácia e inicia o debate. Quanto disso as redações vão, efetivamente, assimilar e perceber seus erros ninguém sabe, mas é inevitável desconsiderar a importância de “The Newsroom” para a história do jornalismo. Finalmente, depois de inúmeras séries sobre advogados e suas falcatruas, policiais e chefes de cozinha, a profissão ganhou espaço e, pelo que se propõe, pode trazer mudanças.

Quando o chefe de McAvoy o incentiva para que seja a “voz que vai trazer as mudanças para essa geração”, é difícil não imaginar Sorkin dando um recado a qualquer um dos âncoras atuais. Na verdade, é um pedido de ajuda mesclado a um chamado para o combate. A mensagem é clara: o lugar está vago e alguém precisa comprar essa briga.

“The Newsroom” é exibido aos domingos, na HBO norte-americana.

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