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Mito & Mensagem: O mundo é mais fácil do que se pensa e mais difícil do que se pode explicar

por Thiago Bersou
Mito & Mensagem é uma série de textos que analisa campanhas e comunicação de sucesso do ponto de vista mítico, e porque, dentro dessa lógica, elas funcionam.

As sociedades humanas, como as conhecemos, tiveram em algum momento mítico de suas formações a incursão disso que muitos pensadores da cultura chamam de Função Paterna.

Esse conceito, nascido em trabalhos de teóricos ligados à psicanálise, tem como premissa essencial que a paternidade biológica não tem nenhuma utilidade. Para o contrato social a função simbólica do pai é o que se presta a impor limites, guiar, orientar e punir o indivíduo cuja formação inconsciente é marcada pela agressividade, pelo caos.

O publicitário contemporâneo pode reproduzir mitos tanto para sustentar uma campanha política quanto para vender iPad

É isso a estrutura que vislumbra que os indivíduos respeitem as mesmas regras, obedeçam aos mesmos códigos e de fato vivam em sociedade.

O homem é o lobo do homem (homo homini lúpus), escreveu Thomas Hobbes (“Leviatã”, 1651), o contrato social que administra, desloca, sublima e organiza essa agressividade é a função paterna. Diversas figuras sociais (mídias, instituições, marcas, ícones da moda, do comportamento) somam-se contemporaneamente às imagens do pai (de família) para garantir a efetividade de sua função.

| A FUNÇÃO DO MITO

O mundo é mais fácil do que se pensa e mais difícil do que se pode explicar.

O paradoxo dessa afirmação reside no fato de que tudo o que podemos falar sobre o mundo, não é nada do mundo, ele mesmo. Todavia, o mais próximo que se pode chegar dessa relação entre falar e apreender o mundo, está nos mitos.

O mito surge entre os antigos analogamente ao aparecimento da linguagem. Era a maneira de dar razão aos fenômenos naturais, o nascer do sol ou a chuva que caia. O mito em sua essência é uma tentativa de explicar o homem em si. Assim, parafraseando Roland Barthes (em vários pontos de sua obra), decifre o mito e estará decifrando a si mesmo.

Um abacaxi mordido não atenderia aos desejos inconscientes que uma maçã levemente iluminada pode evocar

Os mitos resultam diferentes de uma sociedade a outra. Mas sua essência é a mesma e inteligível para todas as comunidades. Alguns temas são, portanto, recorrentes em diferentes culturas, diversos mitos.

Toda sociedade tem ou teve, por exemplo, seu mito de criação e destruição e divindades que de uma forma ou de outra desempenham papéis semelhantes. Os mitos, fazem então, a estruturação social creditada à função paterna. Dão sentido a essa função.

São, por isso, vetores totêmicos de aglutinação dos grupos humanos submetidos à civilização. Entende-se totem aqui como uma representação simbólica da função paterna que só existe porque há um mito que explica sua razão de estar lá. Entender isso é começar a sacar como o mundo funciona; como funcionamos nele, como nos articulamos com ele.

| MITO É A PÓS-MODERNIDADE

Na pós-modernidade temos uma falência de grandes estruturas totêmicas que nos explicavam o mundo. Instituições como igreja, a família como constituição tradicional, escola, Estado, partidos políticos, o fim das grandes utopias. Com isso o que se tem são outras entidades fazendo esse papel de forma mais contundente, sendo as marcas um grande exemplo disso.

Mais flutuante do que o acadêmico, o publicitário contemporâneo pode tanto reproduzir mitos para sustentar uma campanha política quanto para a popularização do iPad 2.

No primeiro caso, Sarah Palin, por exemplo, tem a imagem pública desdobrada competentemente de sua vida pessoal – simultaneamente ex-modelo e líder administrativa livre da influência masculina; não é difícil identificar aí uma articulação do mito de Atlanta, a corredora bela que nunca se deixava vencer pelos homens. Shakespeare utiliza a mesma estrutura em sua obra “A Megera Domada” (The Taming of the Shrew). Crentes de que poderão eventualmente domá-la, alguns machos se permitem seduzir por ela.

No terceiro, como explicar que um tablet é desejável antes mesmo de serem conhecidos seus recursos, apenas porque há nele o logo de uma maçã?

Comunicação eficiente que em ambos os casos articulam desejos inconscientes para todos. Articulam os mesmos mitos essenciais com os quais Claude Lévi-Strauss pode – sem falar português ou qualquer língua indígena – conviver, conversar e ser admirado pelos povos nativos que conheceu. Os mitos têm linguagem universal. Algo das publicidades, também.

A construção da marca contemporânea consiste então, em dar significados particulares a estes valores universais.

| JOHNNIE WALKER E PROMETEU

Os mitos pensam os homens antes que estes saibam dos mitos. Isso serve também para as marcas. Por isso, um abacaxi mordido não atenderia aos desejos inconscientes que uma macã mordida, levemente iluminada sempre pode evocar. A maçã seduziu Eva, Hera, Vênus e Atena, os homens vieram depois da primeira mordida. Quem não desejaria, então, possuir tal maçã? Freud perguntou: O que quer a mulher? Steve Jobs deu a melhor resposta: Uma maçã que capture os desejos masculinos. É mais do que o hardware. É publicidade capturando o mito.

A Vitória de Samotrácia (do gr. NIKÉ) é o exemplo mais óbvio. Símbolo de que a batalha é apenas para os fortes, suas asas terminam por constituir o logo estilizado da empresa de artigos esportivos.

A Coca-Cola ao relacionar um estado de espírito (felicidade, vida) com o ato de ingerir sua bebida re-cria o rito bacante do entusiasmo (do gr. Enthousiasmós = colocar um deus dentro de si).

A boneca Barbie permite que cada criança re-viva a origem mítica da Guerra, aquela de Tróia, por Homer, quando uma maçã foi dedicada “para a mais bela”. Todas querem ser a mais bela. Sendo Barbie, todas podem ter – ludicamente – esta experiência inconsciente. An apple strikes again…

Quando Johnnie Walker passou seu legado ao filho, Alexander e este aos sucedâneos, o mantra “Keep Walking” estava já inscrito à marca. O mito do herói que morre mas passa seu legado vem desde os gregos. Prometeu foi o primeiro, o jovem Feidípedes (Φειδιππιδης) ao correr na batalha de Marathôn / Marathónas; (Μαραθών, transl. ) e pagar com a vida por isso, já mostrou que o homem teme a morte, mas teme mais a vergonha de ser esquecido.

Prometeu, na mitologia grega, foi aquele que criou o homem e também foi aquele que lhe ensinou o fogo.

Fogo é uma simbologia para conhecimento e com o conhecimento o homem foi capaz de coisas incríveis. Foi capaz primeiramente de andar em pé, sair do chão e olhar para frente. E olhando para frente foi capaz de inventar coisas, aperfeiçoar ferramentas, ou seja, progredir.

O mito de Prometeu é um dos mais emblemáticos para nossa cultura. Ele é poderosíssimo no sentido que é na sua essência o desejo universal de todos nós, sermos melhores do que somos hoje. De não nos conformarmos com o bom e procurarmos o ótimo.

Os criativos da BBH pensaram em Prometeu quando criaram essa campanha? É provável que não, porém a essência do mito está incrustada em todos nós, eles tiveram a sensibilidade de captar isso. E claramente havia a incrível coincidência de que o nome em si já era um signo de progresso.

Fácil? Claro que não. Saber qual mito tem maior aderência com determinada marca e até mesmo momento de nossa cultura é um trabalho dificílimo, porém o mito como território para posicionamento ainda está longe de começar a ser explorado. Até lá, aos interessados nas relações entre os mitos, sua função paterna e seus desdobramentos nas marcas, fica a assertiva de que as pesquisas estão ainda engatinhando mas, keep walking.

{por Thiago Bersou e Clovis Pereira

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