A alma desbravadora de Andy Serkis
O nome de Andy Serkis entrou nos radares de todo mundo quando “O Senhor dos Anéis” estourou no cinema. Ele ajudou a criar Gollum e só isso já bastava para garantir seu lugar no Olímpo Nérdico, entretanto, o hobbit psicopata-comedordepeixe-crue-com-duplapersonalidade foi apenas uma razão para descobrirmos um ator veterano, cheio de filmes e peças em seu currículo – como o imperdível Einstein and Eddington e o maluco Deatwatch – e, acima de tudo, uma alma de artista.
Por ter virado referência na técnica de captura de movimento (em “O Senhor dos Anéis”) e agora na evoluída e rebatizada Captura de Performance (mo-cap), tudo que ele faz precisa ser analisado, assimilado e, no bom aspecto, copiado por todos, afinal, o ator foi capaz de dar profundidade e relevância a uma técnica usada de forma prejudicial por muitos filmes.
Seu mais recente trabalho, “Planeta dos Macacos: A Origem”, é prova de tudo isso. Não que Serkis seja o único capaz de criar bons resultados com essa tecnologia, mas, de fato, ele desbravou o caminho por, como ele mesmo diz, “ter compreendido o potencial e as características da ferramenta com facilidade e por ter feito isso antes de qualquer outro”, precisa ser compreendido.
Com a estreia de “As Aventuras de Tin Tin” se aproximando e a espera por “O Hobbit” (filme no qual, além de atuar, Serkis trabalha como diretor de segunda unidade), é bom ficar de olho nele e entender suas razões. Para isso, recuperamos uma entrevista exclusiva* de nosso correspondente com Andy Serkis em Londres, em 2008. A tecnologia pode ter mudado, mas a mente desbravadora já estava lá.
De onde você tira toda essa intensidade para seus personagens?
Vou meio para o tudo ou nada. Acho que se não me transporto para cada personagem, não vou ficar satisfeito com o trabalho e estar ali deixa de ter sentido. É uma espécie de modo de trabalho capaz de aplacar minha própria necessidade por motivação. Nunca farei um filme só por fazer. Preciso estar 100% envolvido com aquela situação. Mas muito disso se faz necessário para o personagem, por exemplo, Capricórnio (personagem em “Coração de Tinta”) é um sujeito movido pela vingança contra um mundo no qual ele não passa de um mau-feitor sem futuro, assim como muitos ditadores. A maioria deles foram subestimados ou ignorados, então a resposta sempre surge com força no outro extremo. Ele é motivado pelo medo, mas, no fundo, teme perder seu poder e, com isso, voltar a ser um Zé Ninguém. Assisti muitas coisas de Adolph Hitler para ajudar a compor Capricórnio.
É impossível não falar de Gollum. Como ele influenciou tudo?
Trabalho há anos no teatro e em filmes independentes, mas não há como negar que ele mudou tudo. Claro que o modo como O Senhor dos Anéis foi adaptado, os papéis foram escritos e toda a parte técnica tiveram papel fundamental nisso, mas também abriu espaço para essa nova vertente de atuação: captura digital. Foi perfeito em termos de atuação, pois essa técnica permite tanta liberdade e amplia o repertório de qualquer ator na hora de executar. É uma das invenções mais brilhantes dos últimos anos e, embora muita gente reclame, pode ser utilizada positivamente. Você pode simplesmente ser qualquer personagem.
“A Lenda de Beowulf” tentou fazer isso e não deu muito certo, hein?
Vou ser cuidadoso nessa resposta (risos)! [Fazendo careta]. Estou muito empolgado com o aumento do uso dessa tecnologia, especialmente por diretores de ponta, especialmente Robert Zemeckis, que usou novamente em “A Christmas Carol”. Admiro essa postura dele, de ultrapassar as barreiras. Ao mesmo tempo, vemos veteranos entrando na onda. Quem imaginaria que gente como Anthony Hopkins faria algo assim?
Pelo menos os olhos de Gollum não eram estrábicos como em Beowulf…
(risos)
A parte técnica não tem nada a ver comigo. É tudo culpa do Peter Jackson. Dei muita sorte em conseguir esse trabalho, para ser sincero.
Não é todo dia que surge algo capaz de misturar drama com inovação tecnológica de maneira tão positiva assim.
Escapou bem, hein?
(risos)
Mas você também levou isso a outro nível, afinal, já chegou a incorporar Gollum nos palcos com Jack Black e o Tenacious D. Gostou da brincadeira?
(gargalhadas) Aquilo foi intenso! Estávamos filmando “King Kong” e Jack e Kyle Grass tinham agendado um show em Wellington, perto do Natal, e ele perguntou se eu toparia cantar uma música como Gollum. Adorei a idéia. Ensaiamos uma vez e fomos para o palco. Foi quase tudo improvisação.
Aliás, essa nova onda de informação provocada pelos sites de vídeo afetam os atores do ponto de vista profissional?
Tudo ficou mais fácil, não?
Posso sair na rua agora, falar com meia dúzia de pessoas e alguém vai filmar e colocar no YouTube em menos de 5 minutos. Acredito que o principal disso tudo é prestar atenção no que dizemos, afinal, com tanta informação circulando, não há o senso jornalístico de discernir o que foi dito no ‘calor da batalha’ de um tapete vermelho ou a opinião pessoa dita a um amigo dentro de um restaurante.
A atuação nesse mundo 3D ou motion capture ainda permite sutilezas na atuação ou transforma a arte em algo plano?
Tudo depende do diretor e do roteiro. Contanto que o comandante do barco entenda a natureza dramática de cada personagem e do que ele precise fazer, a técnica, seja qual for, deve surgir como elemento positivo. Acredito que o sonho da atuação não vá morrer por causa dos computadores.
E quando você teve esse sonho pela primeira vez?
Estudava artes visuais quando me ofereceram um papel no teatro. Descobri que estar no palco era milhares de vezes mais expressivo do que eu poderia ser com pinturas.
Ainda pinta?
Sim, mas estou enferrujado. Isso me ajuda a pensar em direção, um pouco de storyboarding e composição de cenas. Adoro dirigir.
Gollum é um personagem muito marcado pela dor e pela turbulência interna. Você baseia suas visões para sujeitos como eles em algum modelo pessoal ou mero estudo de roteiro?
Boa pergunta (risos). Sempre senti que parte da minha personalidade procurava naturalmente por experiências opostas ao que eu vivia. Meu filho às vezes me diz que está num dos “dias do avesso”, quando algumas coisas dão errado ou o deixam triste. Estou tentando me analisar para responder isso. Vejo como se deixasse minha individualidade de lado para questionar tudo considerado cotidiano ou aceitável. Justamente por isso dediquei muito tempo da minha carreira a essa análise do lado negro da sociedade, pelo ponto de vista artístico, claro (risada maligna).
*Por conta de assuntos datados, a entrevista foi reduzida e só perguntas relevantes ao estilo de trabalho de Andy Serkis foram mantidas. À época, por exemplo, Guillermo Del Toro ainda era o diretor de O Hobbit.
Comentários
Sua voz importa aqui no B9! Convidamos você a compartilhar suas opiniões e experiências na seção de comentários abaixo. Antes de mergulhar na conversa, por favor, dê uma olhada nas nossas Regras de Conduta para garantir que nosso espaço continue sendo acolhedor e respeitoso para todos.