So long and thanks for all the fish
Desde que conheci a obra de Douglas Adams, a versão cinematrográfica de “O Guia do Mochileiro das Galáxias” se tornou um dos filmes que mais esperava nesse ano. E como sempre, quando mexem com livros clássicos como é toda a aventura de Arthur Dent, a expectativa é sempre acompanhada por um receio do tamanho do mundo.
Antes eu sempre cobrava fidelidade máxima nesses casos, mas com o tempo, ao aprender certos aspectos da linguagem cinematográfica e até por adquirir mais repertório, percebi que isso precisa ser relevado muitas vezes. Afinal, um livro e um filme são coisas bem diferentes.
Claro que o filme não é nem 20% do que é “O Guia do Mochileiro das Galáxias”, as piadas são apressadas, as cenas parecem correr para que a próxima venha logo. Mas felizmente, o diretor Garth Jennings conseguiu capturar muito bem a essência do livro de Douglas Adams.
Tem em certos momentos a pasteurização do humor de Adams, tem inclusive um vilão e um amorzinho sem sal inventado para agradar aqueles que vão ao cinema por impulso pensando em comer pipoca e tomar refrigerante, mas a ironia, o humor ácido, a auto-depreciação de Adams está lá.
Apenas uma pequena parte, é verdade, mas me senti muito mais confortável ao perceber que as idéias centrais do livro vinham aparecendo uma atrás da outra. Mas, como disse, o filme é apenas uma pincelada do que é o “Guia do Mochileiro das Galáxias”.
Muitas piadas perdem a força, pois precisaram ser resumidas em duas linhas de diálogo. Personagens com importância primordial na narrativa original, simplesmente aparecem por poucos minutos na tela ou pior, nem aparecem. Mas tudo bem, vamos relevar. O filme é apenas um resumo e precisa ter as fórmulas chavões para levar gente pro cinema.
Mas “O Guia do Mochileiro das Galáxias” de Garth Jennings consegue ser um filme excelente. E deveria ser não só para quem leu os livros, que em minha opinião, se diverte muito mais do que quem não leu. Mas é preciso estar preparado para o non-sense, para as bizarrices que vão aparecer. Tanto o livro quanto o filme questionam a estranheza das coisas, e isso já dá uma boa noção do que esperar.
Quem não conhece “O Guia…” mas alguma vez na vida já viu Monty Phyton, sabe o que esperar, tanto que Douglas Adams também já participou do grupo inglês. Mas quem entra no cinema desprevenido, pode não entrar no espírito da coisa, tendo em vista várias pessoas abandonando a sessão quando o filme não havia chegado nem na metade.
Vai ver não entenderam a genialidade da cena inicial, com os golfinhos cantando e o texto de Adams quase intacto ou se incomodaram com as “intrusões” fantásticas do “Guia do Mochileiro…” e a voz em português de José Wilker. Ou pior, sequer perceberam que tudo o que a história faz é falar e tirar sarro de nós mesmos o tempo todo.
Sem contar a nobreza ambientalista de Adams sempre presente. Ele que era um ferrenho defensor dos animais, sempre mostra na história que na verdade nós humanos é que estamos sendo testados pelos ratos, e que golfinhos são muito mais inteligentes que nós, por exemplo.
Os puristas vão reclamar das mudanças, mas vão se divertir muito com os momentos inspirados do filme, que são muitos. Pena que os ratos aparecem pouco, mas os vogons estão caracterizados de maneira incrível, assim como o robô maníaco-depressivo Marvin, o meu personagem favorito da série.
Com a voz de Alan Rickman, Marvin ficou perfeito. Deveria ter mais meia hora de filme só pra ele, porque seus melhores diálogos nem apareceram. Bill Nighy como Slartibartfast também ficou excelente, só a cena em que ele aparece mostrando a construção da Terra já é antológica.
Sei que com a bilheteria fraca nos EUA, as chances de “O Restaurante no Fim do Universo” virar filme diminuíram. Mas espero que o culto e respeito dos ingleses pela obra de Adams não deixe com que a gana de ganhar dinheiro da Disney/BuenaVista impeça as seqüências de “O Guia…”
O filme de Jennings não é perfeito e derrapa muito quando tenta criar um programa familiar, que fazem muitos desavisados acreditarem que é um filme para crianças, tendo em vista e enorme quantidade de moleques de 7 a 11 anos na sala de cinema. Saíram com cara de sono, lógico.
Mas só por evocar a memória de “O Guia…” e mesmo que, de maneira apressada, colocar na tela do cinema o mundo imaginado por Douglas Adams, já torna o filme uma experiência saborosa. Porém, lembre-se, o filme é apenas um resumo. Se quiser conhecer e se divertir ainda mais, passe na livraria mais próxima do cinema e leve toda a série pra sua cabeceira.
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