Efeitos Especiais: O futuro feito à mão
Numa inversão de valores impensável anos atrás, enquanto romances e dramas entram pesado no uso de efeitos especiais, CGI e motion capture, é na Ficção Científica – sempre tão dependente de elementos inovadores – que se encontra o último reduto de efeitos feitos de forma mais caseira, artística e, por vezes, improvisados.
A câmera de J.J. Abrams passeia pelo casco da USS Enterprise, revelando cada contorno da nave icônica em “Star Trek”. Como a embarcação está no estaleiro da Federação, há muitas luzes ao redor, por conta das equipes de construção e outros elementos. É um deslumbre visual na tela.
Se o campo de visão do espectador se abrisse cerca de 10% além do tamanho da imagem, o que se veria eram membros da equipe de iluminação segurando lanternas e apontando para locais pré-determinados da nave do Capitão Kirk.
Seguindo o mesmo princípio, a maior parte das estripulias desvairadas de Christopher Nolan em “A Origem” não foi obra dos computadores, mas sim de uma série de efeitos práticos construídos sob medida para construir aquele mundo de sonhos.
Tudo lindo e maravilhoso, certo? Porém, apostar nesse pensamento foi uma das razões do cancelamento de “Stargate Universe”, última série da franquia, que mantinha um cenário fixo em Vancouver, com tudo construído, inclusive o próprio stargate, que operava de forma mecânica exceto por seu efeito de ativação.
Conversamos com J.J. Abrams e visitamos o set de “Stargate” para entender os motivos dessa inversão de valores.
Se uma das grandes facilidades da Hollywood moderna é poder substituir qualquer background, em qualquer filme, os estúdios não perderam tempo e aplicaram essa fórmula econômica e, teoricamente, imperceptível a qualquer filme com orçamento suficiente para justificar o trabalho de pós-produção.
Ou seja, o casal romântico do filme pode estar tomando café nas ruas de Paris, mas, na verdade, estão num estúdio em Burbank e você nem vai notar a diferença. Nada de mais, afinal de contas, a imagem já é manipulada pela edição e outros elementos desde o corte foi descoberto há muito tempo e a ilusão é parte do cinema.
Aí é que está a questão: fazer filmes é um negócio caro, logo, é mais barato mandar uma equipe pequena filmar o cenário desejado do que levar todo o circo e os atores milionários para onerar a produção desnecessariamente. Falei com um dos técnicos de “Tron – Uma Odisséia Eletrônica”, há uns dez anos, num simpósio no Itaú Cultural, e ele me disse: o dia em que qualquer filme puder acontecer em qualquer canto do mundo, ou do universo, sem sairmos do estúdio, aí teremos a grande revolução da computação. Bom, aconteceu.
A transformação da Ficção Científica em reduto dos efeitos old style tem razão de ser: prática e a crescente necessidade de trazer realidade aos filmes e séries. Ou seja, evitar aquele sentimento fake da nova trilogia de “Guerra nas Estrelas”, que tinha mais CGI e background falseta que vídeo game pirata da Santa Efigênia! “Estar em outra galáxia, linha temporal ou período histórico não implica necessariamente na desconexão visual”, analisa o diretor J.J. Abrams a nossa reportagem.
“Ao mesmo tempo em que o olho humano reconhece facilmente imperfeições numa animação ou a falta de fluidez no movimento de um personagem inserido por computador, ele também percebe rapidinho quando há elementos reais na composição e isso faz a diferença”.
J.J. fez questão de utilizar cenários reais para o interior da Enterprise (filmado dentro de uma cervejaria) e usar lanternas e outras fontes de luz reais para geral tal empatia com o público: “Esse gênero já correu risco demais e seria um desrespeito aos fãs fazer algo semelhante a um vídeo game ou algo desrespeitoso à série”.
O resultado do “Star Trek” de Abrams foi grande aceitação de público, especialmente dos não-trekkers, que ajudou o filme a conquistar a maior bilheteria da franquia no cinema e seu primeiro Oscar – por Maquiagem.
“Tudo que você vê no nosso cenário é real, palpável”, garante Brad Wright, homem-chave da franquia televisiva “Stargate”, cuja última representante – “Stargate Universe” – foi cancelada precocemente pelo SyFy Channel. “Tivemos um começo de série lento por causa de alguns erros de ritmo e tudo ficou ameaçado”, adiantava o criador meses antes do facão encerrar quase duas décadas de “Stargate” ininterruptamente no ar com três séries.
“O universo de Stargate percorre tantas civilizações, planetas, povos e estilos que nunca pudemos correr riscos desnecessários com o visual e sempre foi preciso manter o público identificado com o visual e isso se consegue permitindo aos atores que interajam com o cenário e mostra que ‘realmente estão ali’”, explica.
De fato, caminhar pelos corredores da nave Destiny, ver e tocar em suas paredes visualmente enferrujadas, mas construídas com madeira, metal e tintas especiais, era o ponto mais fraco do seriado. Por mais que o drama faltasse, o cenário garantia certa veracidade ao contexto. E estamos falando de uma nave deixando os confins do Universo!
Versatilidade era a palavra de ordem no set de Vancouver, com uma quantidade limitada de corredores servindo como diferentes partes da mesma nave graças a painéis removíveis, paredes com três ou quatro configurações diferentes e salas multiuso para representar aposentos, dispensas, consoles operacionais e várias outras opções solicitadas pelo roteiro. “Isso permite muita flexibilidade, reduz custos e não baixa o padrão de realismo”, comenta Wright.
“Gosto de me imaginar num set de Star Trek e andar de uma seção da nave para a outra; mesmo sabendo que os lugares não tem ligação prática [com cenários construídos em diferentes pontos do país, em alguns casos], a sensibilidade é a mesma, a resposta sensorial é a mesma”, explica J.J. Abrams, que também está aplicando sua teoria dos efeitos práticos em “Super 8”, cuja premissa em si parte do uso de equipamentos analógicos – uma câmera Super 8, no caso – para registrar eventos fora do comum.
“Só consigo me ver num ambiente se ele é real o suficiente, caso contrário, saio do filme ou troco de canal para ver outra coisa. E se penso assim como o que assisto, como exigir menos do que produzo?”.
Mais uma vez, o cinema autoral da Ficção Científica sendo colocado à prova com seus grandes nomes e franquias de sucesso. George Lucas errou e desagradou, Michael Bay se perdeu no meio de tanta parafernália visual que desistiu de pensar em roteiro, entretanto, ainda há esperança no espaço, a nossa eterna fronteira final.
Se o futuro depende de uma lanterna improvisada ou uma sala gigante com um portal estelar não sei, mas, aposto, ele vai ser definido por quem ousar sonhar sem tirar o pé do chão. Quando o assunto é FC, In JJ we trust!
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