Dexter: O duelo entre emoção e indiferença | B9 entrevista Michael C. Hall
Entender uma mente desconhecida para si mesmo. Esse é um dos desafios da série “Dexter”, um sucesso inesperado mantido à base de muito sangue, mortes e um personagem tão desprovido de emoção que provoca reações opostas no público. Como se apaixonar por um serial killer? Conversamos com Michael C. Hall para desvendar seu processo criativo e descobrir quais os efeitos de tanta morte e indiferença no seu dia a dia.
Como todos os trocadilhos do universo já foram utilizados para falar da relação Dexter x Sangue, deixemos o humor de lado para falar do lado sério, ou melhor, indiferente do personagem de Michael C. Hall na série “Dexter” (exibida no Brasil pelo canal FX e disponível em DVD pela Paramount) [ Releia também nosso post “A Origem de Dexter”].
Longe da estrutura do herói de Campbell, que sobrecarrega Hollywood e é tida como a melhor receita para atrair o público, o programa aborda um vilão moderno. Nada de planos maquiavélicos para pegar o Batman, chega de jornadas redentoras para cobrir mágoas do passado e mesmo de anti-heróis relutantes. Não há espaço para obviedades nesse contexto, afinal Dexter não é um sujeito normal e, para ser convincente, requer um ator peculiar: Michael C. Hall, com quem o Brainstorm9 conversou em Los Angeles. Depois de entender suas razões, fica difícil e até depreciativo, chamar o personagem de serial killer. O buraco é bem mais embaixo.
Seguindo os passos de todo bom seriado televisivo, “Dexter” começou com uma premissa curiosa: a vida de um serial killer que trabalha como especialista em padrões de sangue, na polícia de Miami. Entretanto, como disse, o conceito de assassino serial é apenas o topo do iceberg emocional que representa a vida do personagem. “Sempre senti que buscássemos uma linha de pensamento capaz de respeitar o surgimento da humanidade, ou a ampliação da experiência humana, de Dexter”, comenta Michael C. Hall, pacato, contemplativo e bastante seguro de si.
foto: LA Times
Nenhum sinal dos efeitos da síndrome de Hodgkins, que o afetou pesadamente há um ano. Por sorte, o surto da doença aconteceu durante o intervalo entre temporadas e ele pode se tratar sem afetar o cronograma. “Ou então, podemos simplesmente aceitar que ele está reunindo mais e mais informação sobre a essência do ser humano para ampliar sua capacidade de simulação”, diz, sem deixar de se preocupar com a equipe e elenco que ficaria desempregado caso ele precisasse se afastar no meio das filmagens.
Papo de maluco? Pelo contrário. Essencialmente, Dexter vive um roleplay constante ao enganar as pessoas ao seu redor e, em certo ponto, também o espectador, afinal sua ausência de emoção permite a existência de muitos segredos. A simulação mencionada por Hall define a essência da série e, partir daí, as regras começam a ser quebradas e novos limites são encontrados. “Dexter sempre usou muitas máscaras e ficar pulando de uma para a outra me atraiu desde o princípio, é um processo criativo atrás do outro, com renovação constante”, analisa o ator.
| Atenção: O texto contém spoilers. Se você não assistiu até a quinta temporada, pare de ler por aqui.
Enquanto Dexter se dedica a estabelecer esses novos personagens e torná-los atraentes, Hall tem seu favorito: Kyle Butler, personagem central do arco conhecido como “Trinity Killer”.
“Adorei aquele cara por conta da energia trazida por sua apresentação, do modo como se comportava. E, mesmo gostando de manter as mudanças sempre constantes, é interessante parar um momento em poder aprofundar uma daquelas máscaras. Acredito que o tempo de envolvimento com ele acabou me deixando mais envolvido. Dimensão é importante”.
Esse aspecto exemplifica bem a natureza de tabula rasa da série. Dexter é capaz de se reinventar com tanta velocidade pelo simples fato de, na verdade, ser um manequim desprovido de real emoção. Logo, ele constrói suas personas de acordo com o público, ou seja, tem uma para a polícia, uma para a família, uma para suas vítimas e uma que ninguém vê, talvez a mais real de todas, quando está sozinho.
“Essa é uma das vantagens desse tipo de processo criativo, pois por mais que eu pense em procurar papéis mais ordinários, encontrei essa sequência de sujeitos não-convencionais e cercados por circunstâncias e elementos extraordinários”, analisa Hall. “É tudo sempre tão novo para mim quanto para o público, espero”.
Mas tudo tem seu preço e os altos e baixos emocionais, incluindo as dificuldades pessoais do ator, deixam um rastro pesado. Embora “Dexter” não siga o formato dos grandes canais, que exige um comprometimento entre seis e nove meses por ano, as filmagens em 35mm e vídeo de alta definição exigem grande dedicação.
“É exaustivo”, assume Hall. “A equipe compensa o curto período de gravação em dias com longas horas de produção e muita concentração. Eu adoro, não entenda errado. É muito melhor do que ficar por aí, olhando para o teto e se entediando enquanto alguém decide o que fazer.”
Com a clara evolução da TV nos últimos anos, a mentalidade da produtividade já grande no meio ganhou a resolução e equipamentos do cinema para aprimorar um dos maiores rituais do entretenimento.
Sem querer, “Dexter” faz referência a essa natureza ritualística. Nada de metalinguagem forçada, mas sim um simples subproduto de sua criação. Tudo que o personagem faz, especialmente quando sua faceta assassina toma conta, trata-se de um ritual no sentido mais estrito da palavra. “Rituais sempre fizeram parte das sociedades e, por alguma razão, estamos tentando mascará-lo e complicar nossas necessidades”, avalia Hall.
“Há uma parte da gente que percebe quando estamos simulando algo e há outra que, por alguma razão, simplesmente não quer reconhecer essa simulação. Então, tento levar isso em consideração nas cenas de assassinato para representar esse encerramento ritualístico da energia, ou vida, de alguém. Tento pensar que cada morte pode significar algo além de simples simulação; mesmo assim não escapo do senso de peso e tensão, que acabo carregando para fora da tela. O melhor de tudo é poder viver a experiência de fazer alguma coisa decisiva e irreversível. Só não consigo saber ao certo o que me afeta, ou não, pois tudo isso faz parte do que sou e da essência do trabalho”.
Michael C. Hall encara sua profissão de forma bem séria, mas reconhece o humor peculiar de Dexter. Entretanto, eles são mais efetivos para quem segue as cinco temporadas do programa – a sexta estreia no último trimestre de 2011 – que, como diz Hall, “tem muitos elementos cômicos, mas envolvidos por uma atmosfera sombria e mais direcionada; não é tão simples captar”.
Afinal, como manter o clima de Dexter e sua grande quantidade de cadáveres e, ainda assim, fazer comédia descarada? Apenas mais um reflexo do festival de referências sociais e, em certo ponto, críticas propostas pelo programa. Quer ir além da proposta de quem é Dexter? Basta perguntar quem ele admira. A resposta, embora óbvia, também se mostra assustadora: Trinity, um serial killer tão atrativo e complexo quanto o protagonista, vivido com honras por John Litgow.
“Trinity é uma figura poderosa na vida de Dexter, pois ele nutre tanto aversão quanto reverência pelo sujeito, simultaneamente”, analisa. “Tanto é que ele permite o relacionamento com Trinity, por pura indulgência, e isso traz consequências terríveis, incluindo a morte de sua esposa”.
Essa mistura de sentimentos surge da constante necessidade de Dexter entender aspectos da Humanidade e, acima de tudo, em descobrir a verdadeira essência das pessoas que atraí, de maneira quase fetichista, numa aplicação prática do “diga-me com que andas, e direi quem és!”.
De acordo com Michael C. Hall, “é importante nunca esquecer que, embora Dexter cometa esses atos atrozes, ele é o cara que fica sem reação quando ouve uma garota gritando para ele: ‘Precisávamos de você para nos proteger; e a nossa mãe! E você falhou com a gente!’”
Se a maior pergunta sempre pareceu ser como funciona a mente de um sociopata, os roteiristas mudaram os rumos ao encontrar a resposta de “como surpreender o cara que tem tudo friamente calculado?”. No contexto da série, ver Dexter despreparado é mais assustador do que encarar mortes, sem dúvida.
E onde há dúvida, como diria Luke Skywalker, há conflito. E conflito, por sua vez, leva ao questionamento fundamental da essência de Dexter: vilão, mocinho em potencial ou vingador silencioso? “Sim, sim e sim”, diz Hall, sorrindo.
“Há argumentos para defender cada uma dessas possibilidades, mas meu trabalho não é atrelar o personagem a uma leitura ou outra, mas sim fazer com que cada uma delas exista e a decisão fica por conta do público!”.
Pergunta lançada: Quem ou o que é Dexter, para você?
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