A máquina do tempo da publicidade: B9 conversa com o criador de “Mad Men”
Numa primeira leitura, a série “Mad Men” pode aparentar ser apenas um retrato de época e, de quebra, mostrando os primórdios da publicidade norte-americana, mas depois de conversar exclusivamente com Matthew Weiner, seu criador, a coisa toda ganha significados gigantescos.
Sets de filmagem são caóticos e, na maioria das vezes, incompletos. Apenas o cantinho do cenário é construído e o resto entra via computador ou simplesmente não existe, pois a história vai continuar noutro lugar. É tudo parte da ilusão. Na TV a coisa é um pouco diferente e, quando se trata de uma série de sucesso, aquele conceito de portal do primeiro “Diablo” se torna real demais, pois basta abrir uma porta para cortar o espaço-tempo e viver realidades alternativas ou outras eras.
Foi exatamente assim que me senti quando deixei para trás o centrão de Los Angeles, cruzei uma porta e, de repente, estava no saguão principal da Sterling Cooper, agência de publicidade fictícia do seriado “Mad Men”, exibido no Brasil pela HBO, cujas 6ª e 7ª temporadas acabaram de ser confirmadas. Chamar aquilo de cenário é uma ofensa, acredite! O Brainstorm9 destrinchou a produção e, claro, entrevistou o criador da brincadeira, Matthew Weiner!
Exceto pela iluminação e as vistas externas, que simulam os arranha-céus da Madson Avenue, em Nova Iorque, o set de “Mad Men” é, de fato, uma recriação. Tudo é real. Revistas antigas espalhadas pelas mesas de espera, telefones e máquinas de escrever funcionais, cinzeiros, latas de lixo, livros e até uma relíquia: uma das primeiras copiadoras da Xerox. A única, feliz, exceção é a ausência do cheiro de cigarro.
“Minha filosofia com a equipe é: não vou fazer o trabalho de produção por não saber fazer, mas tenha a certeza de que serei o melhor espectador de todos, pois estou de olho em cada detalhe”, conta Matthew Weiner, criador de “Mad Men”, que, depois de períodos conturbados e muitas idas e vindas, volta a ser o todo poderoso do programa nas próximas temporadas.
“Se não conseguirmos fazer os interiores serem tão interessantes quanto uma rua cheia de carros antigos, estamos no caminho errado. Por isso temos tantos detalhes, afinal, estamos falando de uma época sinônimo de auge de design. Generalizar ou exagerar pode tirar a aura especial e você se vê dentro de uma sala cheia de coisas de época, mas sem o ambiente correto”.
Muito da tecnologia inventada nas três décadas anteriores, e parte das evoluções causadas pela Segunda Guerra Mundial, começavam a ser acessíveis ao público, que aumentava sua renda de forma acelerada, logo, mesmo quem vivia de doações ou itens achados na rua conseguia mobiliar uma casa sem problemas, como é o caso da personagem Peggy, no início da série. Curiosamente, o piloto foi filmado num galpão que foi destruído 24 horas depois do término das filmagens.
Todo esse trabalho tem um objetivo: retratar não somente a era de ouro da publicidade, mas os homens que a dominavam e as mulheres que rodeavam tanto os sujeitos quanto, em alguns casos, a perspectiva de sucesso profissional. “Aquele período foi marcado por fortes mudanças, mais efetivas do que as da última década moderna. Ok, tivemos 11 de Setembro e várias guerras, mas qual a real diferença entre 2010 e 2005? Quase nenhuma. A década de 50 promoveu mudanças drásticas e sensíveis”, explica Weiner, um apaixonado pelo período.
“Quero compreender o comportamento daquelas pessoas e entender a era em que meus pais e avós viveram e cresceram. Sou parte da tal slacker generation, nunca entendi o significado, mas acho que quer dizer que não tinha trabalho quando saí da faculdade”, brinca.
“’Mad Men’ é um modo que encontrei para utilizar ironia para contar histórias pessoais e, efetivamente, ver esse mundo se modificar diante de nossos olhos, por isso guardo tanto segredo. Sabemos como é o mundo hoje, mas quantas pessoas sabem os momentos exatos em que as modificações sociais realmente aconteceram? É como dizer que Versos Satânicos causou alvoroço e modificou a mente das pessoas daqui uns 20 anos. Bem, eu vivi o período e posso te garantir que quase ninguém leu o livro inteiro. Não é uma crítica ao Salman Rushdie; apenas uma constatação social. Já se viu alguém da classe média se vestir como as modelos da Vogue? É por aí”.
Esse trajeto social proposto por Weiner, indiscutivelmente um estudioso do assunto, passa obrigatoriamente pela evolução feminina. Em princípio submissas e prontas para o “teste do sofá” como alavanca social e profissional, sua função muda drasticamente, seja com a intrépida Peggy (Elisabeth Moss) ou a atormentada Betty Draper (January Jones). “Isso mudou bastante, hoje as mulheres comandam corporações e tem cargos políticos fundamentais, mas nem é um exemplo pequeno, se olharmos o quadro geral. Tenho toda a confiança do mundo para dizer que ainda existem pouquíssimos negros na propaganda não direcionada”, analisa Weiner.
É uma complicada equação de oportunidade social com mudança efetiva, vista nos corredores da Sterling Cooper e na civilização que a circunda. Seus criadores podem fazer o que bem entendem, afinal – naquele tempo, se a propaganda e a mensagem foi transmitida e o cliente ficou feliz, todo mundo ganhava. Basta ver o episódio em que Don Draper (John Hamm) precisa bolar uma nova estratégia para uma companhia de cigarros: “o governo definiu o que não podemos dizer, então podemos dizer qualquer coisa fora daquela lista!”.
Weiner garante nunca ter pensado na similaridade entre o momento de auge de “Mad Men” e a eleição de Barack Obama. “Foi sem querer! Não fazia idéia que viveríamos uma transição como essa e fiquei desesperado quando Obama foi eleito, afinal, sobraria ironia no mundo para que eu continuasse meu trabalho”, descontrai gargalhando.
Suas motivações são maiores, às vezes viajantes, mas sempre embasada na necessidade da dissecação do americano pós-guerra. Draper é o sujeito ideal, assim como as campanhas que cria e vende. Mas tudo tem um preço, seja ele mental ou físico. “Descobrirmos que podíamos ter tudo nesse novo cenário, as perdas apareceram tardiamente e, na maioria dos casos, de forma bombástica”.
O espectador se vê diante de um drama acessível, mesmo que situado na década de 50. É possível sentir o estado de espírito de Draper pelo simples fato de entrar em sua sala, depois de passar pelo interminável hall das secretárias. Nada ali é puramente cenário e a construção respeita as dimensões de um escritório real, com salas levemente maiores para acomodar melhor as grandes câmeras, entretanto, todas totalmente construídas.
É um mundo arquitetado para existir paralelamente ao universo dos smartphones e hipercomunicação. Um reflexo das demandas sociais dentro das regras do entretenimento, assim como foi a fenomenal “Battlestar Galactica”. “Sempre pensei na série como ficção científica, mas os especialistas no assunto cansaram de me dizer que não tinha nada a ver e mostravam como eu ‘desconhecia’ os conceitos do gênero”, conta.
“Fundamentalmente, vejo o programa como uma ferramenta que me permite contar histórias. Deixo de lado toda a necessidade de uma moral no final do episódio, conto coisas relacionadas à minha vida, dos meus roteiristas, dos meus amigos e de qualquer um de quem possa pegar idéias”, brinca.
Uma dessas histórias reflete tanto a natureza cíclica do ser humano defendida por Weiner – “pessoas não mudam; a lei pode erradicar comportamentos inapropriados, mas todos são reflexos da sociedade em que foram criados”– quanto o atual modelo financeiro dos Estados Unidos: a influência internacional nos negócios do país.
Na terceira temporada de “Mad Men”, Weiner inseriu um arco envolvendo a aquisição da agência por uma companhia britânica. “Seguimos a tendência do mercado publicitário de investir em fusões corporativas e percebemos a repetição de um comportamento do início do século 18, quando procurávamos a Europa, China e Japão para o mesmo fim”, explica.
“Os europeus sempre olham para os Estados Unidos em busca de energia criativa e, nos anos 50, éramos ideais para isso, pois havíamos aperfeiçoado o consumismo e, ao mesmo tempo, demonstramos uma insegurança absurda. Herman Melville debatia o assunto e Emerson era obcecado por essa relação entre Inglaterra e América. Vemos ingleses chegando nos Estados Unidos e construindo jornais e empresas de mídia, mas o contrário não existe. A não ser que o americano compre algo já estabelecido na Inglaterra! Eles precisam da gente e, por alguma razão, ainda precisamos nos provar para eles”.
Enquanto os Estados Unidos superam traumas de infância na propaganda, os personagens de “Mad Men” têm seus próprios códigos de ética e estilo. Eles determinam as regras daquele mundo e se comunicam por suas roupas e atitudes. Todos se comportam de forma artística e a simples escolha de vestuário retrata sua postura e expectativas.
“Pete Campbell, por exemplo, começa como um riquinho mais novo que os demais publicitários, então suas roupas são mais arrojadas, tem quatro ternos e ele não usa um chapéu. Caí de costas quando percebi que estamos comunicando muita coisa por essas escolhas e era algo muito além do conceito de ‘tenho um monte de roupas de época e vou vestir os atores’”, conta Weiner.
Suas surpresas não pararam por aí, pois quando teve a oportunidade de escrever episódios com integração de marcas, não perdeu tempo e agarrou a oportunidade com tudo. Pelas regras norte-americanas, é possível mencionar o nome de qualquer marca num produto de entretenimento, porém, exibir produtos e logotipos é outra história. Em termos de roteiro, faz muita diferença “pedir uma Coca” de “pedir um refrigerante”.
“Mad Men” cruzou as barreiras ao incorporar a marca Heineken de forma bastante incisiva e dramática, avançando a trama. “Fiquei muito orgulhoso do modo como inseri isso programa”, diz o criador, que sempre teve fixação pela idéia de transmitir essa realidade de referências, mesmo que apenas com marcas fora do mercado e desprotegidas por leis de copyright.
“Em vez de parar a trama e dizer ‘olha, agora temos um comercial’, fiz com que Don se envolvesse tanto com a campanha que isso teria conseqüências em sua vida real, prejudicando seu casamento e, sem ele notar, insultar sua esposa de maneira absurda”
Cuidado extremo, respeito pelo público e um comprometimento gigantesco com uma era que não só definiu as bases da publicidade moderna como, de fato, moldou uma nação. Isso é “Mad Men”. Se você nunca assistiu e se perguntava por que a série ganhou tantos Emmys
, eis a resposta.
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