B9 entrevista Danny Boyle: Fazendo muito, com pouca verba
Danny Boyle tem um segredo: faz filmes de baixo orçamento se transformarem em grandes produções. Essa efetividade não é única e o cinema vê um novo bom momento para produções mais enxutas e com grande qualidade. O Brainstorm9 entrevistou Boyle e seu atual escudeiro fiel, o produtor Christian Colson, para entender esse processo.
Antes de se falar em Danny Boyle, é preciso citar cinco filmes obrigatórios de sua filmografia: “Trainspotting”, “Extermínio”, “Sunshine – Alerta Solar”, “Quem Quer Ser Um Milionário?” e “127 Horas”. Pois bem, apresentações feitas, hora de entender a função desse inglês baixinho, bem-humorado e simpático no cinema atual.
Embora não seja o único [Darren Aronofsky se encaixa no mesmo perfil, por exemplo], Boyle faz algo quase alienígena quando o assunto é cinema de sucesso: filmes baratos com lucros astronômicos. Ou seja, ele gasta pouco, realiza muito e marca presença sem gastar mais de US$ 20 milhões, valor considerado médio pelos padrões hollywoodianos. O exemplo mais recente é “127 Horas”, indicado ao Oscar de Melhor Filme na última edição do prêmio.
“Não sei viver com essa dinâmica dos grandes estúdios”, declara Danny Boyle, em visita a Los Angeles, quando nos concedeu essa entrevista exclusiva.
“Perde-se muito tempo com reuniões demoradas, normalmente inconclusivas, com gente que nunca fez um filme por conta própria tentando te dizer o que vai funcionar ou não. Admiro gente como James Cameron, que consegue manter sua individualidade em meio a tudo isso”.
A porrada pode ser direcionada ao curioso momento em que Boyle recusou a direção de “Alien: A Ressurreição”, que acabou ficando nas mãos do francês Jean-Pierre Jeunet. A postura de Boyle não é arrogante, pelo contrário, pois reforça seu próprio aprendizado e sistema de trabalho, que costuma funcionar bem.
É tudo fruto de um processo criativo bem definido e enraizado no estilo de Boyle, que trabalha de forma praticamente independente, com base em Londres. “Não ter tantos investidores norte-americanos permite muita liberdade, pois a maioria deles confia nas decisões de Danny e no tipo de filme que costumamos produzir”, defende o produtor Christian Colson, nascido na Argentina, mas radicado na Inglaterra.
“Não reclamaria de receber US$ 200 milhões de investimento, mas acho que não saberíamos o que fazer com tanto dinheiro”, brinca. “Estamos habituados a apostar em criatividade e, não necessariamente, em processos caros. Danny pensa assim e aí de mim se tentar dizer o contrário!”.
A descontração é fruto de confiança mútua e a inequívoca sensação de que dupla Boyle-Colson [forjada no calor da batalha para “Quem Quer Ser Um Milionário?”] funciona perfeitamente, durante a produção ou durante os eventos de divulgação. Uma amizade nasceu ali e o que cada um fala, em suas respectivas áreas, é lei.
“Também ajuda o fato de eu conseguir as coisas das quais precisamos, então já viu”, descontraí. “Especialmente quando podemos pegar a verba da Inglaterra e vir filmar nos Estados Unidos, como foi o caso de 127 Horas. É bom mudar os ares”. Esse formato de produção se torna bem interessante pelo aspecto criativo, veja o processo resumido:
1. Criação/Conceito de Boyle [Colson já começa a orçar e captar]
2. Dupla de criação para roteiro com Boyle e roteirista, no caso de “Quem Quer Ser Um Milionário?” e “127 Horas”, Simon Beaufoy. [Colson já tem o orçamento estimado decupado]
3. Versão final: Boyle-Colson (já com orçamento captado) definem o cronograma e demandas de produção.
É simples e é exatamente disso que Danny Boyle gosta. Fosse um filme de estúdio, esse programa de 3 passos seria imenso, com reuniões, aprovações, idas e vindas de orçamentos, mudanças de direcionamento e etc.
“Sinto muito prazer em pegar um filme pequeno, inserir cenas mais grandiosas ou elementos de ação típicos de produções caras e chegar no mesmo resultado”, explica. “Cada diretor faz do jeito que se sente mais confortável e seguro. Não há certo e errado. Esse sistema funciona para mim, digamos, é minha identidade”.
Identidade é a chave no cinema atual. Com Zack Snyder elevando à enésima potência a proposta visual de Baz Luhrmann na década passada, a resposta do cinema autoral vem forte com Aronofsky, Boyle, Tom Hooper e, na escala das superproduções, J.J. Abrams. São diretores mostrando trabalho e muita certeza de suas decisões para relembrar uma indústria atualmente motivada por remakes e adaptações desnecessárias, da força de seus contadores de histórias e visionários dramáticos.
A linha de pensamento de Boyle funciona por conta de bom senso nas escolhas que facilitam o investimento menor (como, por exemplo, aproveitar a estrutura de Bollywood para filmar “Quem Quer Ser Um Milionário?”; ou recriar parte do cenário de “127 Horas” em estúdio para reduzir os altíssimos custos de locações) e um comprometimento com o tipo de história que ele gosta de contar.
“É mais complexo olhar para um dilema em grupo. A solução mais fácil é pensar em termos de herói; uma dinâmica mais fácil de criar. E é muito mais difícil escrever assim. Shakespeare não escrevia trabalhos de grupo, Tchekhov sim. Mas, no fim das contas, ninguém é realmente solitário. Encontramos companhia nas mais diversas situações, seja se consolar ao compreender que outros passaram pelo seu mesmo desafio ou se agarrar à mais improvável das possibilidades. Fazer isso é arriscado, mas riscos são necessários para, efetivamente, criar algo”.
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