SXSW 2025: da vanguarda ao hype, do fight the power ao deslumbramento
Do palco da inovação ao lounge do poder: o que o SXSW ainda tem a oferecer?
O South by Southwest (SXSW) nasceu como um encontro de underdogs—empreendedores, pesquisadores, inovadores—que atravessavam o país para encontrar uma comunidade onde suas ideias poderiam ser desafiadas, discutidas e financiadas. O Uber foi lançado aqui. O Twitter explodiu aqui. O Foursquare usou o festival como trampolim. Era um espaço para quem queria criar o futuro, e não apenas prevê-lo.
Os nerds do Vale do Silício venceram. Fizeram sua revolução, tomaram o poder, dominaram o mundo. E o SXSW cresceu com eles. O festival ganhou visibilidade, se tornou influente, expandiu sua audiência e passou a atrair celebridades, políticos e caçadores de tendências. O conteúdo mudou junto.
Do palco da inovação ao canto da sereia
Quando comecei a vir ao SXSW, em 2016, aqui ainda era o lugar onde se ouvia, pela primeira vez, palavras, conceitos e pesquisas que meses depois ganhariam o mainstream. Agora, o jogo é outro.
Se você ficar no Convention Center, nas salas principais, verá gurus, celebridades, apresentações impecáveis, roteiros ensaiados à exaustão, narrativas que impressionam. Você sai de cada palestra com a sensação de ter aprendido algo muito importante. Mas experimente analisar o conteúdo depois, com um olhar mais crítico, depois que o efeito do canto da sereia passar.
Vai perceber que, muitas vezes, não havia nada de tão novo assim.
Todo ano eu falo isso.
E continuo vindo.
Por quê? Porque o SXSW 2025 não foi a melhor edição que já vi. Mas, mesmo ainda sendo março, posso garantir: será o melhor evento do ano.
O valor está na conexão—não no hype
Por mais que o festival tenha se tornado mainstream, nenhum outro evento no mundo oferece essa diversidade de temas.
Em uma semana, transitei por saúde, ficção científica, arquitetura, tecnologia, exploração espacial, psicologia, sociologia, política, sustentabilidade, recursos humanos, logística, comunicação, marketing, filantropia e jornalismo.
Com uma boa curadoria, consegui equilibrar tudo:
✔️ Minha cota de gurus e celebridades (sim, eu estava lá na Michelle Obama, no Scott Galloway, na Amy Webb)
✔️ A maior concentração de PhDs das Ivy Leagues por m2
✔️ Uma porção saudável de Esquisitões com perspectivas inusitadas
✔️ E pitadas de Palestras fora do radar que surpreenderam
Mas o verdadeiro tesouro do SXSW não se consome em tempo real. Ele acontece ao longo do ano, quando as ideias que absorvemos aqui colidem com as demandas do cotidiano e geram conexões inesperadas.
E, com o distanciamento, conseguimos ver para onde os ventos de mudança estão soprando.
As ondas do SXSW 2025
Olhando para trás, o festival sempre ofereceu um termômetro cultural interessante.
📌 Em 2019, houve uma trilha inteira dedicada à maconha. A economia prosperou, e hoje o tema desapareceu do festival.
📌 Em 2018, só se falava de VR. Este ano, tive que cavar muito para encontrar um keynote sobre hologramas.
E em 2025, o que dominou?
🔹 Inteligência Artificial (IA) – Nenhuma surpresa. Mas a diferença é que os painéis não falavam mais sobre o potencial da IA, e sim sobre aplicações práticas. O festival virou um grande evento de tradução, não de inovação.
🔹 Computação Quântica – Quem acompanha o tema não ouviu nada de novo. Quem não acompanha, pegou um resumão para a prova.
🔹 Psicodélico – É a nova aposta. Muitos painéis apresentaram a tendência e as expectativas para o futuro.
🔹 Longevidade – Avanços científicos reais. Mas o que o SXSW traz de mais interessante aqui não é o conteúdo, e sim a intersecção com outras áreas. Cineastas, arquitetos, CMOs sentam lado a lado para ouvir sobre longevidade e depois tomar uma cerveja juntos. E aí? O que esse grupo estranho pode criar a partir dessa reflexão?
🔹 Regulação – Todo mundo está preocupado. Há um consenso de que precisamos regular a tecnologia, mas zero acordo sobre como fazer isso. Esse caldeirão de especialidades fez com que o tema aparecesse de forma transversal em quase todo o festival.
🔹 Saúde Social – O SXSW já vinha falando sobre a epidemia de solidão há alguns anos. Mas, em 2025, o tema foi além: o festival abriu com Kasley Killam, que cravou: “O futuro da saúde é social.” Essa perspectiva esteve presente até nas sessões mais técnicas
“Fight the Power” se tornou “Feel Good”
Para não dizer que não falei das flores, vamos encerrar com a leitura política do festival.
O SXSW já hospedou Julian Assange E SNOWDEN sob ameaça de fechamento pelo governo. Já foi o palco de discussões afiadas contra o poder corporativo. Mas 2025 mostrou um festival mais… cauteloso.
Nos palcos principais, nada de críticas contundentes ao governo ou aos gigantes da tecnologia.
A única exceção foi Scott Galloway, que subiu ao palco para chamar os bilionários da tecnologia de “Dominó da Vergonha”, colocando fotos deles no telão e expondo sua proximidade com o governo Trump. Foi o único keynote removido do canal oficial do SXSW.
Coincidência?
O festival que antes questionava os titãs do Vale do Silício agora se tornou o lounge VIP deles.
As análises que antes cobravam esses gigantes agora tentam nos convencer de que está tudo bem.
✔️ A IA não vai roubar nossos empregos.
✔️ A concentração de poder não é um problema.
✔️ Não tem nada de relevante acontecendo na política.
✔️ O aquecimento global? Ah, isso fica para outro dia.
It’s ALL FINE.
É verdade esse bilete.
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