SXSW 2025 e o futuro do que não vai mudar
Festival provoca reflexões sobre a obsessão pelo futurismo, antecipando transformações em meio a narrativas que nos levam a pensar, também, sobre a essência do que permanece
Em uma das sessões deste SXSW 2025 focada na discussão sobre ferramentas para construir os negócios do futuro, os painelistas Kate Baucherel e John Gauntt – especialistas em tecnologias emergentes e cultura – receberam da plateia uma pergunta intrigante: falamos muito sobre o que vai mudar no futuro, mas por que não refletimos sobre o que irá permanecer, o que não mudará?
As conversas nos corredores e ruas de Austin traduzem esse sentimento. Se, por um lado, há discussões sobre as mudanças inevitáveis e os desafios trazidos por tecnologias como a Inteligência Artificial (IA), por outro, há também a compreensão de que aspectos fundamentais da existência e experiência humana tendem a permanecer centrais para a manutenção de relações e da própria sobrevivência da espécie.
Na esfera de mudanças inevitáveis, por mais que tenhamos já certa clareza sobre os desafios emergentes, a verdade é que ainda estamos, de forma coletiva, tentando entender que questões devem ser prioridade. Esse diagnóstico passa pela convicção errônea de que os impactos serão iguais para todos – ignorando elementos fundamentais para a leitura de contextos, o que gera confusão e incerteza.
No caso da IA, por exemplo, contextualização é fundamental. Em sua palestra no festival, o professor e escritor Scott Galloway destacou o assunto, pontuando que estamos analisando o impacto desta tecnologia pelos viesses errados – como ascensão e dominância da superinteligência e substituição de empregos. Para ele, a principal transformação está no papel que a IA pode ter sobre a autonomia humana e tomada de decisões, podendo nos tornar espectadores do próprio futuro. “Ela não vai te substituir, mas vai te tornar passivo”, afirmou Galloway.
No outro lado do debate, há a certeza de que, apesar dessas mudanças, a tecnologia não é capaz de substituir a interação humana, tampouco os aspectos que nos equalizam como seres sociais dependentes de conexão em comunidade. E nada é tão humano quanto construir uma comunidade – processo que exige interesse genuíno pelo outro, consistência, compartilhamento de vulnerabilidades, escuta ativa e, acima de tudo, enxergar o mundo sob uma perspectiva empática, sob a ótica de quem está ao nosso redor. Nas nossas motivações mais enraizadas, conexão é um desejo e uma necessidade básica profundamente reconhecidos dentro do espectro humano mais primitivo.
Nesta interserção entre o novo e o (re)conhecido, existe ainda espaço para desafiar as fronteiras desses conceitos. Bruce Sterling, importante nome da ficção científica e especulativa, encorajou a audiência do SXSW a refletir sobre a possibilidade de usarmos novas tecnologias para reconstruir futuros imaginários do passado. Segundo ele, já estamos praticando uma espécie de “arqueologia digital” – trazendo de volta não apenas o que foi esquecido, mas também o que nunca chegou a existir. Aqui, falou-se do uso de IA para recriar máquinas projetadas nos anos 1960, nunca construídas, e para tornar funcionais objetos fictícios que nunca saíram do papel – propostas que distorcem nossa percepção sobre o significado de mudança e permanência.
Essa discussão se conecta diretamente com a ascensão do movimento de “newstalgia” discutido durante esses dias. Em um mundo saturado, a busca por conforto em elementos do passado reinterpretados sob novos formatos reflete o esgotamento do presente e o resgate de emoções e ideias por meio de estéticas e narrativas antigas. Para novas gerações, esse movimento tem sido escape das ansiedades do mundo moderno, permitindo a conexão com experiências não vividas, estimulando um espaço criativo inédito e, claro, resgatando o engajamento emocional.
A verdade é que, com tecnologias cada vez mais sofisticadas, o conceito de futuro se torna difuso, e previsões tornam-se mais complexas. Talvez por isso a importância de abordarmos, também, aquilo que permanece – nos territórios humanos, nas nossas características essenciais e na forma como costuramos a sociedade. Também na palestra de Baucherel e Gauntt, a dupla refletiu sobre a nossa obsessão com o futurismo, reforçando que, entre a habilidade de atencipar mudanças e a habilidade de controlar o que vai acontecer, há um espaço imenso. “Uma vez que algo previsto acontece, a previsão em si deixa de ter importância”.
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