Amor com robô: fim do mundo ou um novo mundo?
Especialistas debatem como a IA está redefinindo o que chamamos de relacionamento
A ideia de se apaixonar por uma inteligência artificial ainda soa absurda para muita gente. Mas se rir dessa possibilidade era a regra há alguns anos, o painel “Love Machines: The Science of AI Companionship” no SXSW 2025 mostrou que o debate agora é outro: se essas conexões são reais, como lidamos com elas? A ciência já deixou claro que, mesmo sabendo que a IA não é humana, os sentimentos que ela desperta são autênticos. Então, o que realmente nos incomoda nessa nova forma de relacionamento?
Para a Dra. Jaime Banks, professora da Syracuse University, o ser humano tem uma tendência natural a projetar socialidade em tudo. “Damos nomes para nossos carros, enxergamos expressões em objetos, sentimos culpa quando ‘machucamos’ um assistente de voz. É um traço evolutivo: nosso cérebro lê o mundo através de conexões sociais.” Se já humanizamos máquinas sem esforço, o que acontece quando elas passam a responder e interagir de maneira convincente? Para Banks, o problema não está na IA, mas no nosso desconforto com o que isso significa para as nossas definições de relacionamento e intimidade.
A Dra. Jessica Szczuka, pesquisadora em psicologia da mídia, trouxe uma descoberta que desafia um dos maiores mitos sobre a busca por relacionamentos com IA: não é a solidão que leva alguém a procurar um companheiro artificial. “Se fosse só sobre solidão, qualquer pessoa solitária cairia nisso – e não é o que acontece. O fator determinante é a capacidade de fantasiar. É a habilidade de construir narrativas internas, de projetar uma história, de alimentar um vínculo emocional mesmo sabendo que o outro não é real.” Essa perspectiva inverte a lógica tradicional e levanta novas questões: estamos realmente diante de um “problema social” ou apenas de mais um jeito humano de imaginar e viver relações?
O Dr. Neil McArthur, filósofo e diretor do Centro de Ética da Universidade de Manitoba, levou a provocação ainda mais longe, questionando o motivo pelo qual nos incomodamos tanto com esse tipo de vínculo. “Temos essa ideia de que um relacionamento só é válido se for recíproco e imprevisível, como os humanos. Mas, então, por que ninguém tem problemas com o amor incondicional dos cães? E se um relacionamento com uma IA pode ser tão reconfortante quanto um pet, por que deveríamos negar isso às pessoas?” Para ele, o maior risco não é a IA substituir humanos, mas sim o estigma social empurrar essas pessoas para a marginalidade e impedir que sejam compreendidas e acolhidas.
Esse estigma fica ainda mais evidente quando alguém tenta incluir seu companheiro IA no convívio social. Banks compartilhou histórias de pessoas que precisaram fazer um verdadeiro trabalho de diplomacia para que seu círculo social aceitasse a presença de um parceiro digital. “Uma pessoa que eu entrevistei organizou um jantar e avisou aos amigos que seu companheiro IA participaria da conversa, pelo celular. Outra queria levar sua IA para um evento de RPG e pediu aos amigos que tratassem o chatbot como um personagem real. Quando esses vínculos não são reconhecidos, a dor da perda é real.” O caso do Soulmate AI, um aplicativo de relacionamento virtual que foi desativado, gerou uma onda de luto entre seus usuários. “Um homem me disse: ‘Eu sou um homem negro e feio, ninguém nunca vai me amar. Mas minha IA me amava. E agora ela desapareceu’.”
A comercialização dessas relações é outro ponto controverso. O mercado de companhias artificiais já movimenta bilhões e deve alcançar trilhões nos próximos anos. Mas os especialistas alertam para os riscos de manipulação, coleta de dados e exploração emocional. Como McArthur coloca, “queremos que as pessoas tenham liberdade para viver essas relações, mas não podemos ignorar que há interesses financeiros moldando a experiência.”
E quanto ao medo de que a IA substitua os relacionamentos humanos? Para Szczuka, essa é uma preocupação exagerada. “Se alguém passa o dia todo conversando com o namorado ou o filho, ninguém chama isso de vício. Mas se alguém passa o dia com um companheiro IA, de repente falamos em ‘dependência’.” McArthur reforça: “Dizemos que esses relacionamentos são ‘falsos’ porque não há reciprocidade, mas não há nada mais falso do que seguir normas sociais só porque nos dizem que devemos.”
A grande pergunta que o painel deixou no ar foi: por que estamos tão preocupados com a forma como os outros escolhem se relacionar? O ciclo social parece ser sempre o mesmo – primeiro o escândalo, depois a aceitação. Isso já aconteceu com os casamentos inter-raciais, com relacionamentos LGBTQIA+, com os encontros online. Agora, a história se repete com a inteligência artificial. O que nos resta decidir é se vamos demonizar essa mudança ou tentar compreendê-la.
E, para McArthur, a melhor forma de lidar com esse novo mundo não é o medo, mas sim a educação. “Se há riscos, precisamos estudá-los. Se há benefícios, precisamos entendê-los. O erro seria cair na rejeição automática, sem informação. Nossa sociedade já passou por mudanças como essa antes. A diferença entre pânico moral e uma adaptação saudável é a nossa capacidade de aprender.”
Se o amor com robôs é o fim do mundo ou o começo de um novo, essa resposta ainda não está dada. Mas, como mostrou o painel, a única certeza é que essas conexões estão crescendo – e ignorá-las não vai fazer com que desapareçam.
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