“Nossa meta é tornar as redes sociais mais parecidas com a web”, afirmou Jay Graber, CEO do Bluesky, durante sua keynote no SXSW 2025. A rede social que está rapidamente ganhando usuários (já são 32 milhões) não é apenas mais uma alternativa ao Twitter/X – é uma proposta de reinvenção completa da forma como interagimos online.
Em conversa com Mike Masnick do TechDirt, Graber explicou como o Bluesky está construindo um novo paradigma para redes sociais, baseado em um protocolo aberto que devolve o controle aos usuários e promete ser à prova de bilionários – uma referência não tão sutil a Elon Musk e sua aquisição do Twitter.
Quando Graber subiu ao palco, sua camiseta preta aparentemente simples escondia uma mensagem poderosa. Imitando o estilo de uma camiseta recentemente usada por Mark Zuckerberg, o texto em latim dizia “Mundus sine caesaribus” – “um mundo sem Césares”.
A escolha não foi acidental. Zuckerberg tem se comparado diretamente ao imperador romano Júlio César, usando camisetas com a frase “Aut Zuck aut nihil“, uma variação de “aut Caesar aut nihil” (ou César ou nada). A resposta sutil de Graber representa perfeitamente a missão do Bluesky: criar um mundo de redes sociais sem “imperadores” bilionários controlando a conversa.
“Moderação é governança. É escolher como você quer que seu espaço digital seja governado.”
A jornada do Bluesky começou de forma inusitada em 2019, quando Jack Dorsey, então CEO do Twitter, anunciou que a empresa financiaria um protocolo no qual o próprio Twitter eventualmente rodaria. Graber, que já pesquisava protocolos sociais descentralizados, se interessou imediatamente.
“Mandei uma mensagem direta para a conta do Twitter, e eles me colocaram numa sala de chat com outras pessoas”, relembra. “Por cerca de um ano e meio, esse foi o estado do projeto Bluesky: apenas uma sala de chat.”
Em meados de 2021, Twitter finalmente fez entrevistas e escolheu Graber para liderar o projeto. Prevendo possíveis instabilidades, ela decidiu que seria melhor estabelecer o Bluesky como uma organização independente, contratada pelo Twitter para desenvolver o protocolo.
Foi uma decisão profética. Quando o Twitter foi vendido para Musk e passou por transformações radicais, o Bluesky já era uma entidade separada, permitindo que continuasse seu desenvolvimento sem interferências.
A diferença fundamental está no chamado Protocolo AT (App Protocol), desenvolvido como fundação do Bluesky. Ao contrário de plataformas tradicionais, onde uma empresa controla todo o ecossistema, o protocolo AT permite:
“Se você quiser ter um cantinho da rede onde só vê notícias científicas e fotos de gatos, você pode personalizar assim”, explica Graber.
Mike Masnick, moderador do painel e autor de um importante artigo sobre “Protocolos, não Plataformas”, destacou como essa abordagem pode resolver problemas estruturais das redes sociais atuais.
“Algoritmos de redes sociais viraram xarope de milho com alto teor de frutose, viciantes e prejudiciais.”
Uma das promessas mais ousadas do Bluesky é ser “à prova de bilionários” – ou seja, não pode ser sequestrado por um único dono rico com visão controversa, como aconteceu com o Twitter.
“Se um bilionário viesse e comprasse o Bluesky, ou decidisse amanhã mudar as coisas de uma forma que as pessoas realmente não gostassem, elas poderiam migrar para outro aplicativo, mantendo sua identidade e dados”, explica Graber.
Esse conceito pode ser revolucionário. Quando Musk comprou o Twitter, os usuários insatisfeitos tiveram que reconstruir suas redes sociais do zero em outras plataformas. Com o protocolo AT, se o Bluesky mudasse drasticamente, os usuários poderiam simplesmente mudar para outro cliente que use o mesmo protocolo – sem perder seguidores, posts ou identidade.
“A barreira para sair atualmente é muito alta porque você essencialmente tem que começar do zero, reconstruir todo seu gráfico de seguidores, reconstruir todo seu histórico de posts, e começar com uma nova identidade”, diz Graber.
“No Bluesky, há uma feira de agricultores de algoritmos onde você escolhe a experiência que prefere.”
O modelo aberto do Bluesky já está permitindo experimentos que seriam impossíveis em plataformas tradicionais. Masnick citou um exemplo inusitado: um aplicativo chamado Flushing.im que permite aos usuários registrarem… quando estão no banheiro.
“Isso parece muito bobo, mas é o tipo de coisa que você pode fazer [com esse protocolo]”, comentou Masnick. “Ninguém construiria isso por conta própria e teria que atrair usuários, mas como é construído no protocolo, com base de usuários e conexões comunitárias, as pessoas podem construir esse tipo de coisa.”
Outro aplicativo citado foi o Flashes, desenvolvido independentemente para mostrar somente imagens postadas no Bluesky, funcionando como uma alternativa ao Instagram, mas conectada à mesma rede social.
“É basicamente tratar a rede de dados aberta como uma rede compartilhada que qualquer um pode construir em cima”, explica Graber.
Um ponto intrigante do painel foi a defesa dos algoritmos – quando sob controle dos usuários. Enquanto muitos criticam os algoritmos das redes sociais, Graber argumenta que o problema não são os algoritmos em si, mas sim quem os controla.
“O problema principal que as pessoas experimentaram com algoritmos é que é apenas um algoritmo, uma caixa preta. Você não sabe o que ele faz e não tem nenhum controle significativo sobre ele”, explicou. “Se você pode escolher o que o algoritmo faz, ou se pode escolher entre algoritmos, você tem um mercado aberto.”
Graber comparou os algoritmos atuais ao xarope de milho com alto teor de frutose – otimizados para provocar dopamina e engajamento. Como alternativa, ela propõe “uma feira de agricultores de algoritmos”, onde as pessoas podem escolher desde opções mais complexas até simples feeds cronológicos ou filtros temáticos.
O modelo de negócios do Bluesky ainda está em desenvolvimento, mas Graber mencionou assinaturas, serviços para desenvolvedores e uma abordagem de marketplace como possíveis fontes de receita. O importante, segundo ela, é manter os incentivos alinhados com os usuários.
“Se fizermos coisas que centralizem demais, os usuários têm a opção de sair. Acredito que na história de protocolos abertos, muitas grandes empresas foram construídas. A web em si consiste em protocolos abertos.”
Ao final do painel, Graber compartilhou sua visão para o futuro: “Espero que as pessoas não vejam o social como inerentemente tóxico. Há muito para amar nas redes sociais, e há muito que pode ser feito para melhorá-las.”
Ela vislumbra um mundo onde as pessoas não se sintam impotentes diante dos problemas das redes sociais – gritando com empresas ou governos para fazerem algo – mas sim empoderadas para construir as experiências que desejam.
“Espero que daqui a alguns anos tenhamos um ecossistema social muito mais diverso e variado. Todo tipo de aplicativos diferentes, experiências diferentes, feeds diferentes, serviços de moderação diferentes.”
O Bluesky, com seu modelo, parece estar recuperando aquela empolgação inicial que muitos sentiram com as redes sociais em seus primórdios – antes da centralização, monetização agressiva e efeitos colaterais problemáticos. Como lembrou Masnick, movimentos como a Primavera Árabe, Black Lives Matter e #MeToo não teriam acontecido sem as redes sociais.
Para quem quiser participar, Graber deixa o convite: “Este é um projeto comunitário. É de código aberto. Foi projetado para construir uma infraestrutura de comunicação que permanece e dá às pessoas controle sobre sua experiência.”
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