Saber tudo ou aprender sempre? O futuro pertence aos “learn-it-alls”
Quando foi a última vez que você precisou realmente memorizar alguma coisa?
“Tudo o que sabemos fazer, e sabemos como fazer, as máquinas farão melhor.” – Garry Kasparov
Por muito tempo, ser um especialista foi visto como o caminho mais seguro para o sucesso. Quanto mais fundo você ia em um campo, mais valor parecia ter. Mas e se isso estiver mudando? No SXSW 2025, a palestra “Breadth is the New Depth” trouxe uma provocação: o futuro não pertence mais aos “sabe-tudos” (know-it-alls), mas sim aos “aprende-tudos” (learn-it-alls).
O painel foi conduzido por Mike Bechtel, futurista-chefe da Deloitte Consulting LLP. Bechtel lidera pesquisas sobre tecnologias emergentes e sua aplicação nos negócios, além de ser professor de inovação corporativa na Universidade de Notre Dame.
Se tudo está mudando cada vez mais rápido, será que faz sentido passar a vida aprofundando-se em um único conhecimento? Ou o diferencial agora é a capacidade de se reinventar?
A era da informação infinita
O palestrante começou com uma pergunta simples: quando foi a última vez que você precisou realmente memorizar alguma coisa? Hoje, todas as respostas estão no nosso bolso. O Google, a IA e os assistentes virtuais eliminaram a necessidade de decorar dados. “Se saber fosse o bastante, o campeão de Trivial Pursuit seria CEO da Apple“, brincou.
A questão central não é mais quem sabe mais, mas quem sabe aprender melhor. “Os computadores já ganharam no jogo do conhecimento. O que nos resta é descobrir novas perguntas, conectar áreas diferentes e criar o que ainda não existe.”
Criatividade = Conectar o inesperado
Os exemplos históricos sustentam essa ideia. Gutenberg, ao inventar a prensa, não criou nada do zero – ele combinou técnicas de fabricação de moedas com a prensa de uvas usada na produção de vinho. Hedy Lamarr, estrela de Hollywood, foi responsável por criar o conceito de transmissão de sinais que hoje usamos no Wi-Fi. “As inovações mais revolucionárias não vêm da especialização extrema, mas da interseção entre áreas distintas.”
Isso se aplica até à medicina. O primeiro cirurgião vascular a costurar tecidos sem rejeição aprendeu a técnica bordando com sua avó. “A criatividade não está em saber mais. Está em saber conectar.”
Cultivando múltiplas perspectivas
Um dos conceitos mais fortes do painel foi a ideia de cultivar diferentes tipos de conhecimento ao longo da vida. O palestrante apresentou um modelo visual: transformar indivíduos tipo “I” (especialistas profundos) em “T” (que combinam profundidade com amplitude) e, idealmente, em “X” (que conectam múltiplas áreas e perspectivas).
“O futuro não pertence a quem sabe apenas uma coisa muito bem. Pertence a quem consegue aprender novas coisas constantemente e conectar pontos que ninguém mais vê.”
Engenhe a serendipidade
Outra provocação foi a importância de cultivar o acaso de forma intencional. “Mudanças vão acontecer com você de qualquer forma—a questão é se você vai estar preparado para aproveitá-las.” Para ilustrar, foi mostrado um gráfico da tendência de aumento no número de empregos ao longo da vida. Há décadas, as pessoas tinham uma única carreira. Hoje, a média já passa de 12 empregos diferentes antes dos 50 anos.
“Se sua trajetória profissional vai mudar de qualquer forma, por que não planejar essa mudança com intenção?” A dica? Torne-se um especialista serial. Explore diferentes campos, abrace novas experiências e, principalmente, crie conexões entre conhecimentos inesperados.
O roteiro para se tornar um “learn-it-all”
O painelista apresentou oito passos para fazer essa transição:
1️⃣ Seja um “learn-it-all” – O mundo favorece aqueles que aprendem rápido, não os que já sabem tudo.
2️⃣ Treine seu cérebro – Dedique cinco horas semanais ao aprendizado sob tensão. Isso significa estudar algo difícil o suficiente para desafiar sua mente, mas sem chegar ao ponto de esgotamento. Como o palestrante colocou, “todo trabalho e nenhuma diversão tornam Jack um garoto entediado” – ou seja, o equilíbrio entre aprendizado e descanso é essencial.
3️⃣ Engenhe a serendipidade – Busque encontros inesperados e colaborações improváveis. Curar colisões entre “suspeitos incomuns” gera inovação. O palestrante sugeriu se expor a diferentes campos e experiências para criar conexões que ninguém mais vê.
4️⃣ Abrace sua autenticidade – “Seja você mesmo. Todo o resto já foi tomado”, disse Oscar Wilde. Mesmo seus pontos fracos podem se tornar pontos fortes quando bem aplicados.
5️⃣ Para estudantes: invista em opções, não obrigações – Não limite seu aprendizado às exigências escolares. Como disse Henry David Thoreau: “Nunca deixe a escola interferir na sua educação”.
6️⃣ Para líderes: cultive múltiplas perspectivas – Transforme especialistas profundos (“I”) em profissionais com maior amplitude (“T”) e, idealmente, em conectores de múltiplas áreas (“X”).
7️⃣ Misture conhecimento cognitivo, cultural e experiencial – Aprender apenas dentro de uma bolha é limitante. Líderes precisam estimular múltiplas perspectivas para enxergar além do óbvio.
8️⃣ Automatize para elevar – Use a tecnologia para delegar tarefas repetitivas e abrir espaço para criatividade e inovação.
O futuro pertence aos inquietos
O painel terminou com uma provocação: quem sobrevive não é o mais forte, nem o mais inteligente – é quem se adapta mais rápido. No mundo do trabalho, isso significa que os profissionais do futuro não serão aqueles que sabem tudo, mas aqueles que sabem aprender qualquer coisa.
A pergunta que fica: você está aprendendo para se tornar um especialista—ou para se tornar alguém que pode aprender qualquer coisa?
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